Ana Franqueira Ana Tereza Miranda Luciana de la Peña Mulher, vamos descomplicar? Uma troca de ideias para ajudar marinheiras de primeira viagem nos papéis de noiva, esposa e mãe nóia discussõe s TPM drama choro dieta brigas conflito desconfiança idade insônia concorrência tensão Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? Copyright 2010 - Ana Franqueira, Ana Tereza Miranda e Luciana de la Peña Realização Espaço Trocando Ideias Edição Monte Castelo Idéias Edição de texto PH de Noronha Projeto gráfico e diagramação Paula Barrenne Ilustração Juliana Braga de Jesus Revisão Leila Seabra Mulher, vamos descomplicar? 2010 - 1ª edição CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F916m Franqueira, Ana, 1971Mulher, vamos descomplicar? : uma troca de ideias para ajudar marinheiras de primeira viagem nos papéis de noiva, esposa e mãe / Ana Franqueira, Ana Tereza Miranda, Luciana de La Peña. - Rio de Janeiro : Monte Castelo, 2010. 140p. : il. ISBN 978-85-63542-01-4 1. Mulheres - Condições sociais. 2. Mulheres - Psicologia. 3. Casamento. 4. Mulheres - Relação com a família. I. Miranda, Ana Tereza, 1979-. II. La Peña, Luciana de, 1971-. III. Título. 10-4805. 21.09.10 CDD: 305.43 CDU: 316.346.2-055.2 24.09.10 www.espacotrocandoideias.com.br 021622 www.montecastelo-ideias.com.br Ana Franqueira Ana Tereza Miranda Luciana de la Peña Para Luiz Fernando, pelo amor, pelas alegrias, pelas crianças, enfim... por tudo! Para Ricardo, pelo amor generoso, companheirismo, apoio, horas de conversa, de troca, por preencher a minha vida com alegria e por ser o pai do nosso “Nano”e do baby Rafa que está chegando. Para Eduardo, pelo amor, pela intensidade, pelo sorriso e principalmente pela nossa linda Antonia. Agradecimentos Ao “La Peña” pelo apoio incondicional, pelas críticas e broncas... sempre construtivas e por acreditar no sonho; À Gisele Macedo, pela disponibilidade sempre carinhosa e bem-humorada; Ao PH, obrigada pela combinação de firmeza e leveza, que regaram nossos encontros; À Paula, pela sua competência e bom gosto, queridíssima em tão pouco tempo; À Juliana, grata surpresa, por ter aceitado o desafio; À toda equipe da Monte Castelo Idéias pelo grande carinho com o Espaço Trocando Ideias; Aos nossos pais Antonio (in memoriam) e Conceição, Carlos e Angela, La Peña e Denise por sempre acreditarem em suas filhas; Aos nossos maridos Luiz Fernando, Ricardo e Eduardo, obrigada pela paciência e desculpem-nos pelas eternas TPM’s; Aos nossos filhos Bruno e Bernardo, Christiano e Rafael (a caminho!), Antonia pela oportunidade que nos dão de estarmos aos seus lados; Aos irmãos Bernardo e Paloma de la Peña e Carlos Alberto U. de Oliveira, valeu pela força e carinho; À Ruth e às nossas secretárias por nos ajudarem na administração das nossas vidas; Aos nossos pacientes, por nos enriquecerem tanto com suas histórias e deixarem fazermos parte delas. Índice 11 Apresentação 13 A mulher bombril 17 “Meu bem, eu te amo, vamos nos casar?” 27 “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” (Simone de Beauvoir) 35 “Lá vem a noiva, toda de branco...” 53 Até que a rotina nos separe 97 “O inferno são os outros” (Jean-Paul Sartre) 127 Nosso desejo entra em cena Ana Franqueira 131 Conselho de amiga: viva intensamente Ana Tereza Miranda 135 Aquele abraço! Luciana de la Peña Mulher, vamos descomplicar? Apresentação V iver um sonho é mais do que uma alegria, é uma realização. São quarenta anos de profissão para chegar a transformar essa empresa em uma editora. E começar isto falando sobre o cotidiano das pessoas, e contribuindo para resolver os problemas da mulher, origem da vida, é também motivo de orgulho. Nas próximas páginas, cada um vai enxergar um pouco de si mesmo e sairá da leitura certamente mais feliz do que quando começou. Esse é o objetivo da Ana, da Ana Tereza e da Luciana, e o nosso também, ao proporcionar o acesso ao saber de cada uma. “Mulher, vamos descomplicar?” é mais do que um livro de experiências. É a porta de um novo universo. Não só o universo da felicidade, da compreensão e da emoção, mas também o que descortina um caminho simples para as soluções. Quantas mulheres já chegaram em casa depois de um dia estressante de trabalho e, mesmo diante do cansaço, se viram brincando de pique esconde com o filho mais novo enquanto o jantar esfriava sobre a mesa? Hoje, isso é cada vez mais comum, e desafia as leis científicas, as normas sociais, os dogmas religiosos. Quantos maridos já não se surpreenderam com a transformação de sua mulher, amante, na mãe de seus filhos? Este livro mostra todas as interseções da vida, mas a vida real, aquela que vivemos todos os dias, entre um café amargo e um jantar à luz de velas. E mostra mais: que é possível engolir o café num só gole, sem traumas, e apagar as velas do jantar para que enxerguemos a realidade sem receios. As autoras acreditam que todos têm direito a um final feliz. A questão é que esse grand finale não deve ser encarado como o fim, mas o início e o meio de um grande aprendizado. Como já dizia Confúcio, “A inteligência é o exercício do óbvio”. O editor 11 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? A mulher bombril M uito prazer, somos Ana, Luciana e Ana Tereza, tudo bem? Vamos começar nosso livro convidando você para uma rápida troca de ideias. Imagine a seguinte cena. Está na hora do café da manhã. A mãe abre a geladeira, tira o pote de margarina e serve ao marido com um sorriso. A filha mais nova senta-se à mesa, pergunta se a mãe aceita um pedaço de pão, pisca o olho para o pai e diz: “Pai, te amo muito!”. A cena está perfeita, o diretor finaliza: “Corta!”. Na vida real, esse roteiro típico de comercial de margarina tem outros “ingredientes”. Os personagens e o ambiente até que não são muito diferentes. Mas um turbilhão de emoções e situações rouba a cena da família feliz. Na real, a mãe saiu cedo para levar o filho mais novo à escola. Já o pai teve uma reunião às 8h, e a mais velha nem se senta mais à mesa porque não gosta de tomar café sozinha. Em vez disso, já se acostumou a ligar a TV bem cedo na MTV ou no Cartoon Network, e discutir o último capítulo da novela das oito com a empregada doméstica, uma mulher de 40 anos, que deixa os filhos 12 13 Mulher, vamos descomplicar? pequenos em casa para trabalhar fora. A patroa só volta à noite e é ela quem vai dar conta de todo o serviço. O comercial de margarina seria mais fiel à vida real nos anos 60 e 70, quando a maioria das mulheres de classe média se limitava aos papéis de mães dedicadas e esposas amorosas. Hoje, o papel social das mulheres mudou – e muito. Elas viraram máquinas humanas multifuncionais. Continuam sendo mães e esposas, mas também são profissionais respeitadas, donas de casa, chefes de família, administradoras das contas domésticas, esportistas, filhas dedicadas e ainda dão um jeito de encontrar tempo para se divertir. Acumulam funções de diferentes personagens ao mesmo tempo, uma verdadeira mulher Bombril – com mil e uma utilidades. O problema é que não sobra tempo para serem elas mesmas. E nesse novo papel, enchem suas enormes bolsas Marc Jacobs e Louis Vuitton (originais ou piratas...) de responsabilidades, idealizações, projetos de vida, frustrações, culpas e medos. Essa mulher atual – brasileira, pronta para tudo, versão 2010 – é peça chave de uma nova família. Uma mulher que, em seu modelito multifuncional, traz sempre a tiracolo sua superbolsa sobrecarregada de funções e que, às vezes, consegue até ser feliz. Mas isso lhe custa caro, muito caro. Como aquelas esposas amorosas e dedicadas de algumas poucas décadas atrás viraram a mulher Bombril do século 21? Em primeiro lugar, vamos combinar o seguinte: a vida não é um comercial de margarina, está mais para uma novela de dramas com capítulos inéditos a cada dia. E agora vamos voltar um pouco na história para entender o que aconteceu. Depois, convidamos você a conhecer melhor essa mulher multifuncional e pensar em alguns caminhos para que ela – e toda e qualquer mulher que estiver nos lendo – possa buscar a sua própria felicidade. * 14 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? “Meu bem, eu te amo, vamos nos casar?” Q uando um homem e uma mulher anunciam aos quatro cantos que vão se casar ou morar juntos, logo concluímos: “Eles se gostam, se amam, estão apaixonados”. Afinal, que outra razão pode haver para que aqueles dois abram mão de suas liberdades individuais e passem a dividir a casa, a cama e a vida com outra pessoa, começando a formar uma nova família? Todos sabem, é o senso comum: as pessoas se casam porque se gostam, querem aprofundar o amor e a felicidade que já vivem enquanto namorados. Mas nem sempre foi assim na história do mundo. Ao longo de dezenas de séculos de existência do homem e da mulher em nosso planeta, o casamento por amor – em contraste com o casamento arranjado – tornou-se um padrão só muito recentemente, nos últimos cento e poucos anos de nossa história. Claro que, desde os tempos antigos, sempre houve amores e paixões arrebatadoras unindo homens e mulheres na maioria das culturas, e a literatura histórica está cheia de casos para contar. Mas isso estava longe de ser a regra dominante. Casamentos arranjados, decididos pelos pais ou 16 17 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? pelas famílias, eram não apenas muito comuns como faziam parte dos costumes sociais. E eram amplamente aceitos. Havia várias razões para as famílias arranjarem um casamento para seus filhos, independentemente dos sentimentos e desejos dos noivos. De maneira geral, na Índia, na China, na Europa, na Rússia, na África, na Oceania, nas Américas – enfim, na maioria dos países e continentes – o casamento sempre foi visto como um caminho para, de alguma forma, a família melhorar de vida, ou obter algum ganho extra através do uso dos filhos que ainda estão no caminho da idade adulta. Os exemplos são inúmeros na história da humanidade e as razões, múltiplas. Casamentos arranjados podiam ter motivações econômicas, políticas, culturais ou sociais. O caso mais conhecido entre nós – em parte graças à telenovela da TV Globo, “Caminho das Índias” – é o da Índia, país onde ainda hoje a grande maioria dos casamentos é arranjada pela família, que escolhem a noiva ou o noivo de seus filhos. Segundo estudiosos, 90% dos casamentos na Índia são arranjados. Em Nova Déli, em Bombaim e em outras grandes cidades indianas, os jornais e cartórios trazem anúncios oferecendo filhos e filhas para casamento – ou seja, a família pode encontrar a noiva ou noivo ideal para seus filhos nos classificados. Nas áreas rurais do vizinho Paquistão, o casamento arranjado é a regra até hoje. Em Bangladesh, é normal as famílias levarem noivas à força para o altar, mas, felizmente, alguma coisa evoluiu desde o século passado: já se aceita que a mulher recuse o noivo caso o considere repugnante. Na nobreza europeia, o normal sempre foi usar os filhos para unir clãs e facilitar arranjos políticos e econômicos entre famílias e nações. Em inúmeras situações, o casamento entre os filhos de dois reis em guerra era uma forma de se alcançar a paz. Na Grécia, até meados do século passado, o costume cultural era de casamentos arranjados entre as famílias. E a história se repete ao longo dos séculos entre tribos africanas, brasileiras, norte-americanas, entre culturas latino-americanas (maias, incas, aztecas etc.) e até em comunidades de judeus hassídicos. Em diferentes culturas, o normal sempre foi de as famílias promoverem o casamento de seus noivos ainda adolescentes, com menos de 18 anos e até mesmo enquanto crianças, aos 10, 12 anos de idade. Numa edição de julho de 2000, a revista “Marie Claire” conta a triste história de uma mulher grega que “foi casada” pela família quando era adolescente. Ela migrara jovem com os pais para Nova York e lá, após o primeiro flerte com um rapaz qualquer, a mãe ficou preocupada e resolveu casá-la logo com alguém da comunidade grega. Aos 14 anos, foi levada ao altar com um rapaz grego de 21. Na lua de mel, ela conta que passou a noite trancada no banheiro e escapou assim do sexo forçado com o marido. A primeira transa só aconteceu um mês depois. Em seguida, parou de menstruar e descobriu que estava grávida, com apenas 14 anos de idade. Depois ainda teve outra filha, mas seu casamento mostrou-se um desastre e, quando chegou aos 30 anos, separou-se de forma não muito amigável – o marido não ligava “Casamento é o destino tradicionalmente oferecido às mulheres pela sociedade. Também é verdade que a maioria delas é casada, ou já foi, ou planeja ser, ou sofre por não ser”. Simone de Beauvoir, escritora, filósofa e feminista, falecida em 1986 18 19 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? a mínima para ela, bebia e tinha outras mulheres, comportamento aceito na comunidade grega quando se trata de homens. E a partir dali teve muita dificuldade de arrumar outro relacionamento sério, em parte por causa da reação negativa à sua separação entre a família e a comunidade grega. No Brasil também encontramos várias casos de casamentos arranjados, especialmente nas áreas rurais. Poucos conhecem a incrível história do casamento de Dom Pedro II, que além de brasileiro, era da nobreza. Antes mesmo de completar 18 anos, teve seu contrato de casamento assinado por sua família em Viena, em 1842. A 30 de maio de 1843, com 18 anos recém-completados, casou-se por procuração, em Nápoles, sendo representado na cerimônia pelo irmão da noiva, Dom Leopoldo, Conde de Siracusa. O casamento de verdade, com os noivos frente a frente na igreja, só aconteceu 95 dias depois, em 4 de setembro do mesmo ano, já no Brasil, na Capela Imperial. A noiva, Teresa Cristina Maria de Bourbon, que chegara ao Rio de Janeiro apenas um dia antes do casório, era três anos mais velha do que Dom Pedro e vinha a ser prima-tia de seu noivo – sua mãe era irmã de Carlota Joaquina, mãe de Dom Pedro I; e seu pai era tio de Dona Leopoldina, mãe de Dom Pedro II. Confuso, não? Não é à toa que os casamentos reais tinham contrato. Em “Memórias de um sargento de milícias”, clássico romance de Manuel Antônio de Almeida, publicado originalmente em 1852 e 1853 em formato de folhetins no jornal “Correio Mercantil do Rio de Janeiro”, podemos ver que os casamentos arranjados eram comuns também fora da realeza. A história conta o caso de uma moça que teve seu matrimônio decidido pela tia. O livro virou um clássico samba-enredo da escola de samba Portela em 1966, composto por Paulinho da Viola, que canta esse casamento arranjado: “(...) Luisinha, primeiro amor que Leonardo conheceu, e que dona Maria a outro por esposa concedeu...”. O final da história é que Luisinha acabou viúva, depois de apanhar muito do marido, e pôde enfim viver seu amor com Leonardo. Mas aqui no Brasil, neste ano da graça de 2010, cada vez mais o poder paterno na escolha do noivo vem sendo deixado de lado, embora não poucas vezes acabe substituído pela “influência” da família. Ou seja, os jovens têm liberdade para escolher seus noivos, mas a família pode não gostar e jogar contra. Tanto pode acontecer com um casal de posses, que não “vê com bons olhos” o fato de sua filha se casar com um rapaz pobre (pior ainda se a filha for branca e o pretendente negro ou mulato...), quanto com uma família de baixíssima renda, que, por qualquer razão, pode encrencar com o escolhido(a) pela filha(o). As razões podem ser várias – culturais, religiosas, sociais, morais, preconceitos raciais ou até mesmo fruto de alguma cisma pessoal. Mas é tradição no Brasil que os pais orientem e até mesmo interfiram na escolha do noivo ou noiva. Sem apoio de pai e mãe, o casamento pode não acontecer, por mais que os noivos se gostem. Mesmo numa cidade grande como o Rio de Janeiro ou São Paulo, é comum ouvir-se de uma mãe ou de um pai declarações como “Meu filho merece coisa melhor do que essa sirigaita, vou dar um jeito nisso”, ou “Esse rapaz não quer nada com o trabalho, não vai dar um bom marido para nossa filha, eu não vou deixar ela fazer essa bobagem”. Esse uso (e abuso...) dos filhos, através do casamento arranjado, era fruto também do papel da criança e do adolescente na família ao longo dos tempos. A história humana nos mostra que, nas civilizações antigas e mesmo até recentemente, os menores de idade não eram muito prestigiados no seio da família. Na idade Média, as crianças eram vistas ora como um estorvo, ora como um potencial apoio para a sobrevivência da família, e logo eram colocadas para trabalhar e às vezes até vendidas como escravas. Na nobreza, eram um pouco mais respeitadas, mas apenas porque tinham futuro certo – seriam os futuros reis, príncipes, marqueses, duques e condes. Pulando alguns séculos, nos primeiros anos da revolução industrial que começou na Inglaterra do século 18 e alastrou-se pelo mundo ao longo dos séculos 19 e 20, era comum crianças de até 10 anos serem colocadas para 20 21 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? trabalhar 12 a 14 horas por dia como se fossem um operário adulto. Ainda hoje, nas ruas do Rio e São Paulo, vemos o trágico trabalho de menores vendendo balas, ou pedindo esmolas nos cruzamentos, às vezes sob a ameaça dos pais vigilantes, sempre por perto para garantir que os filhos “trabalhem” direito. De um jeito ou de outro, crianças e adolescentes não eram levados muito a sério até que se tornassem adultos. Eram quase como mais um animal doméstico dentro da casa. Seus desejos e sentimentos não eram considerados, quando a família decidia usá-los para obter algum ganho. A valorização das crianças na sociedade, que hoje chega a extremos nas classes média e alta, é coisa do século 20. Mas não eram apenas as crianças e adolescentes que ficavam relegados a segundíssimo plano nas sociedades antigas. A mulher também tinha seu papel social bastante limitado, quase nunca encontrava argumentos, ou mesmo força para confrontar as imposições que lhe eram impingidas. De criança, já era educada para aceitar tudo passivamente – vale dizer, com raras exceções, como a combatente francesa Joana D’Arc e Cleópatra, rainha do Egito, entre tantas outras guerreiras da história. Antes de mais nada, a mulher tinha um papel público bastante restrito. Quão mais pobre ou desestruturado era o ambiente familiar maior a possibilidade de que a mulher frequentasse a rua e assumisse alguns papéis típicos dos homens – inclusive como ladras. Mas, quando falamos das famílias razoavelmente estruturadas, as funções sociais da mulher se restringiam bastante ao privado, ao ambiente doméstico. Ela procriava e cuidava da casa e das crianças. Mal saía, não ia às guerras, não levava as crianças à escola ou ao médico, não trabalhava, e, quando ia às compras, nada de butiques ou shopping centers, apenas a feira onde adquiria comida e outros mantimentos. Assim, pouco participava da vida social. Comumente, em consequência desse papel desprovido de glamour, tornava-se uma mulher desinteressante para o marido, que facilmente arrumava amantes ou frequentava prostíbulos. Ou seja, ia em busca das mulheres de vida “pública” que lhe davam o prazer amoroso e sexual, enquanto a mulher oficial, em seu papel eminentemente “privado”, lhe fornecia o trabalho doméstico e a procriação. Esse comportamento era comum em várias culturas mundo afora, mas particularmente na sociedade ocidental, desde os tempos da idade média, e abrangia da alta nobreza até as famílias mais pobres. Um costume de algumas regiões da Europa feudal mostra o quanto a mulher de família era desprestigiada. Quando um vassalo se casava, seu senhor feudal tinha o privilégio de passar a noite de núpcias com a noiva, antes mesmo de o marido poder desfrutar do sexo com sua esposa. Numa situação como essa, a mulher não passava de um objeto para confirmação de poder do suserano, que, como não era bobo, aproveitava e se deliciava sexualmente com uma “fêmea” diferente da senhora do castelo e de suas outras amantes. Assim, até o século 20, quando a mulher comum começa a se transformar, ganhar alguma independência social e participar mais ativamente da vida pública – podendo votar e trabalhar por conta própria e até lutar nas guerras lado a lado com soldados homens – ela ainda era um ser de papéis definidamente bem restritos. No casamento antigo, muitas vezes fruto de arranjos, suas fronteiras sociais estendiam-se até o mercado público, à igreja ou a alguma comemoração mais formal. No caso das mulheres da nobreza, havia ainda as festas, temporadas no castelo ou casa de campo e visitas a vizinhos do mesmo nível nobiliárquico. As nobres ainda tinham outra vantagem: contavam com criados para cuidar das crianças e da casa, um trabalho ingrato que só poderia ser feito por plebeus. Livraramse do fardo de domésticas, mas em compensação não tinham muito o que fazer na sociedade, não havia lugar para elas na cadeia produtiva. Algumas alcançaram momentos de liberdade e conquistaram amantes. Mas, normalmente, quem tinha amantes a seu bel prazer eram seus diletos maridos, inclusive (e em especial) príncipes e reis. 22 23 Mulher, vamos descomplicar? Mulher, vamos descomplicar? No Brasil, temos o caso de Domitília de Castro e Canto Melo, a Marquesa de Santos, notória amante de Dom Pedro I por cerca de oito anos, enquanto ele era casado com Dona Leopoldina. Dom Pedro chegou a comprar-lhe um casarão, conhecido oficialmente como Palacete do Caminho Novo e popularizado como “Casa Amarela”, próximo à Quinta da Boa Vista, na cidade do Rio de Janeiro. (Lá, hoje, funciona o Museu do Primeiro Reinado.) O romance de Dom Pedro e Domitília foi tórrido e era comentado abertamente em toda a cidade – magoando profundamente Dona Leopoldina, a esposa oficial. A Wikipédia, enciclopédia livre da Internet, diz que livros antigos de história contam que “Pedro I ficou perdidamente apaixonado pelos seus encantos, pois era uma linda luso-brasileira sensual de seios fartos e quadris volumosos, chamada carinhosamente pelo imperador do Brasil de ‘Titília, a bela’.” Quando chegamos ao século 20, o papel da mulher comum começa a se modificar, em grande parte fruto da revolução industrial, que por um lado propiciou a valorização da pequena burguesia e das massas de trabalhadores – de onde nasceria aos poucos a classe média tal como a conhecemos hoje – e por outro demandou cada vez mais mão-de-obra feminina nas fábricas, para trabalhar ao lado dos operários. Isso se intensificou particularmente com as duas guerras mundiais, que dizimaram milhões de homens da força de trabalho dos países europeus. Em todos os países em conflito, mulheres foram convocadas para substituir os operários homens nas fábricas, que viraram soldados da noite para o dia. Naquele punhado de décadas, além de mãe e doméstica responsável pela casa, a mulher ganhou mais uma função: a de trabalhadora da sociedade industrial. E com o desenvolvimento social e a valorização da criança, que passou a frequentar escolas, suas funções junto aos filhos foram ampliadas. Ou seja, ganhou mais trabalho doméstico. Mas, ao mesmo tempo, recebeu “de brinde” a oportunidade de aprender e de se inserir na sociedade de outra forma, de tornar-se cidadã. Ao final do século 19, nos Estados Unidos, as mulheres já brigavam pelo direito ao voto, igualzinho ao dos homens. E quando chegamos nos últimos anos do século 20, há dezenas de revistas em qualquer banca de jornal com inúmeros artigos e fotos dirigidos para ela, a mulher; em qualquer shopping center, o que mais se encontra são lojas de artigos femininos. Ela virou trabalhadora, consumidora, eleitora, mas continua sendo mãe, esposa e rainha do lar. E hoje pode se casar por amor, sem constrangimentos, mas ainda com muitos compromissos – o trabalho, as contas a dividir com o marido, sua aparência impecável. É dessa nova mulher que vamos falar agora. Ela está por aí, livre e solta (e talvez lendo este livro neste momento...). Porém ainda vive presa em muitas amarras que recebeu como herança de séculos subordinada a um papel secundário na sociedade e na família. 24 25 * Autoras Ana Franqueira, Ana Tereza Miranda e Luciana de la Peña são psicoterapeutas e fundadoras do “Espaço Trocando Ideias”. Amigas desde a primeira vez que se viram na faculdade de Psicologia da PUC-RJ, Ana Tereza e Luciana realizaram, em 2005, o sonho de dividirem o mesmo consultório. Com a formação profissional em Gestalt-terapia e especialização em Terapia Familiar Sistêmica, vieram os casamentos e os filhos. Ana, formada pela UERJ, e também gestalt-terapeuta, especialista em Filosofia e Terapia Familiar Sistêmica, casada e madrasta de dois jovens, juntou-se a elas depois. A dupla, que virou trio, passou a “trocar figurinhas” sobre casamento, filhos, enteados, família e muitos outros assuntos em diversos cantos da cidade do Rio de Janeiro. A amizade se fortaleceu e as três psicólogas começaram a amadurecer o projeto de ampliar as atividades de consultório para dar voz a outras pessoas que, assim como elas, vivem as incertezas da vida a dois, a maternidade, a profissão e a difícil conciliação disso tudo. A ideia tomou corpo e forma em 2009, quando as três ganharam o apoio da Monte Castelo Idéias, assessoria de comunicação que acreditou no sonho. Das reuniões na Monte Castelo Idéias, nasceram o Espaço Trocando Ideias, este livro e vários outros projetos que estão sendo preparados.