Uma breve revisão de Física Nuclear Michael Fowler Quão grande é o Núcleo? A escala de comprimento relevante para medir o tamanho nuclear é o fentómetro 1 𝑓𝑓𝑓𝑓 = 10−15 𝑚𝑚. Os físicos normalmente chama a esta unidade um fermi. O raio nuclear varia entre um e alguns fermis. Recorda que o raio de Bohr do átomo de hidrogénio é da ordem de 10−10 metros, portanto o núcleo é bem mais pequeno do que o átomo. O tamanho nuclear foi medido pela primeira vez por Rutherford, estudando quão perto as partículas alfa passavam do núcleo antes de a difusão deixar de ser puramente devida à repulsão Coulombiana (neste ponto, as partículas alfa estavam de facto a “tocar” a superfície nuclear). Apesar do seu pequeno tamanho, o núcleo tem cerca de 99,97% da massa do átomo (um pouco menos para o hidrogénio). De que é feito o Núcleo? O núcleo mais simples, o do hidrogénio, é um simples protão: uma partícula elementar de massa 940 MeV, com carga positiva exactamente oposta à do electrão, spin ½ e é um fermião (portanto dois protões não podem estar no mesmo estado quântico). O núcleo mais simples seguinte, chamado deuterão, é um estado ligado de um protão e um neutrão. O neutrão, tal como o protão, é um fermião de spin ½, mas não tem carga eléctrica e é ligeiramente (1,3 MeV) mais pesado do que o protão. A energia de ligação do deuterão (análoga aos 13,6 eV do átomo de hidrogénio) é 2,2 MeV. Um fotão com esta energia poderia “ionizar” o deuterão separando o protão do neutrão. Contudo, não é necessário fazer esta experiência para estabelecer quão ligado é o deuterão. Basta pesá-lo com precisão. A sua massa é de 1875,61 MeV. O protão tem massa 938,27 MeV e o neutrão 939,56 MeV, portanto juntos (a uma pequena distância claro!) têm uma massa total de 1877,93 MeV, mais 2,2 MeV do que o deuterão. Portanto, quando um protão e um neutrão se juntam para formar o deuterão, libertam 2,2 MeV de energia sob a forma de um fotão (um raio gama com esta energia). Quer os protões quer os neutrões, sendo fermiões, obedecem ao princípio de exclusão de Pauli. Dois protões com spin para cima não podem estar no mesmo estado, mas poderiam se tivessem spins opostos. Um protão e um neutrão já podem ocupar o mesmo estado simultaneamente! Protões e neutrões são colectivamente chamados nucleões. O número total de nucleões num núcleo é usualmente denotado por A, onde A=Z+N, Z protões e N neutrões. As propriedades químicas de um átomo são determinadas pelo número de electrões, o mesmo que o número de protões Z. Este é o chamado número atómico. Os núcleos podem ter o mesmo número atómico, mas diferente número de neutrões. Estes núcleos são chamados isótopos, Grego para “mesmo lugar”, dado que estão no mesmo lugar da tabela periódica. Este nucleões atraem-se uns aos outros com uma força muito forte mas de curto alcance, chamada a força nuclear. A situação aqui é ligeiramente diferente da dos electrões no átomo, no qual a força central tende a dominar. No núcleo os nucleões sentem apenas a atracção dos seus vizinhos imediatos. Mesmo assim, é útil começar a análise considerando esta força atractiva como sendo um poço de potencial, visto por cada nucleão individualmente, e pensar nos nucleões como preenchendo os níveis quânticos mais baixos disponíveis neste poço, tal como fizemos para os electrões no átomo. Por exemplo, o núcleo de Hélio, 2p+2n (partícula alfa), está fortemente ligado – os quatro nucleões podem todos ocupar o nível mais baixo do poço. No entanto, alguns núcleos maiores, como o C, O, Fe estão na realidade mais fortemente ligados do que o He (cerca de 8,5 MeV por nucleão em contraste com os 7,5 MeV no He) porque cada nucleão é atraído pelos seus vizinhos mais próximos, e há mais vizinhos nos núcleos grandes. Também tem sido argumentado que alguns destes núcleos grandes se parecem muito com estados ligados de partículas alfa. A energia de ligação total (usualmente exprimida por nucleão) de um núcleo é fácil de calcular – tal como no deuterão, a massa do núcleo é medida com precisão, e subtraída à soma das massas dos nucleões constituintes. Repulsão Coulombiana e decaimento Alfa À medida que vamos para núcleos muito grandes, a energia de ligação por nucleão diminui. Esta é uma consequência da repulsão electrostática entre os protões. O ponto essencial é que a repulsão Coulombiana é de longo alcance, enquanto que a nuclear é de curto alcance. Considerando um protão na superfície do núcleo, este está ligado ao núcleo pelas forças atractivas dos vizinhos mais próximos, sejam cinco ou seis por exemplo, e este número é pouco afectado à medida que avançamos na tabela periódica. Por outro lado, esse protão na superfície está a ser empurrado pela repulsão electrostática dos outros protões, e esta sim aumenta substancialmente se o número de outros protões passar dos 25 no ferro para os 91 no urânio, mesmo tendo em conta o facto de que possam estar ligeiramente mais afastados, em média. De facto, é este o motivo pelo qual existe um limite ao tamanho dos átomos. Um núcleo grande não tende, no entanto, a “cuspir” protões – há um modo bem mais económico de descarregar a carga. Ele ejecta uma partícula alfa. A energia de ligação dos nucleões numa partícula alfa é quase exactamente a mesma que no núcleo de Urânio, logo não é preciso trocar muita energia para baixar a energia potencial electrostática. Assim sendo, o tipo mais comum de Urânio, o 𝑈𝑈 238 (A=238, Z=92) transforma-se em Tório (A=234,Z=90) por decaimento alfa. O que é surpreendente é que demora um tempo comparável à idade do Universo a acontecer! Se é energeticamente desejável, porque é que demora tanto? A resposta é – há uma barreira na caminho. É um bom modelo imaginar que o U tem uma partícula alfa dentro de si, confinada a um profundo poço de potencial quadrado representando a força nuclear atractiva. Contudo, a função de onda da partícula alfa irá penetrar uma pequena distância na parede deste poço infinito, onde a partícula alfa estará longe da força nuclear mas não longe da repulsão electrostática de longo alcance dos outros protões do núcleo. Portanto, fora do poço o chão não é plano – é como se fosse um poço no topo de uma montanha. A consequência é que se o nível de energia da partícula alfa dentro do poço for superior à terra plana à volta da montanha, a função de onda da partícula alfa reemergirá fora do poço após quase se ter anulado dentro “do túnel”. Por outras palavras, há uma probabilidade finita de encontrar a partícula alfa a sair disparada a uma distância do núcleo. A probabilidade real de isto acontecer depende em quanto a função de onda decaiu durante o percurso dentro “do túnel”, o qual depende de quão longe a sua energia estava abaixo do chão. Para o 𝑈𝑈 238 , este decaimento por efeito de túnel é tão rápido que a partícula alfa demora em médio milhares de milhões de anos a escapar. No entanto, muitos núcleos diferentes sofrem decaimento alfa, o mais rápido em milionésimos de segundo. As energias das partículas alfa emitidas podem ser medidas, e confirmar as previsões do efeito de túnel quântico, proposto pela primeira vez em 1928. Os decaimentos mais rápidos correspondem às partículas alfa mais energéticas, tal como sugere o modelo do túnel. Decaimento Beta Esses núcloes mais pesados têm mais neutrões que protões, porque a repulsão Coulombiana torna mais difícil ligar protões. Contudo, há um preço a pagar – pensando num modelo em camadas, os neutrões extra vão para camadas de mais alta energia. Portanto para núcleos de um dado tamanho, é uma razão entre neutrões e protões óptima, próxima de um para núcleos pequenos nos quais os efeitos de Coulomb podem ser negligenciados, e próxima de 1,5 para os núcleos maiores. Repare que se um núcleo grande decair emitindo uma partícula alfa, o núcleo resultante tem uma razão de neutrões para protões ainda maior, uma vez que 𝛼𝛼 = 2𝑝𝑝 + 2𝑛𝑛. Isto implica que talvez o núcleo pudesse ir para um estado de energia inferior trocando um neutrão por um protão. De facto, isto pode por vezes ser feito. O neutrão não é por si só uma partícula estável. Um neutrão isolado no espaço durará apenas cerca de dez minutos antes de se transformar num protão por emissão de um electrão. Isto é energeticamente possível, porque a massa do neutrão excede a soma das massas do protão e electrão. O processo é chamado decaimento beta (𝛽𝛽). Também pode ocorrer num núcleo, mas nesse caso é preciso ter em conta as diferentes energias de ligação do protão e neutrão para ver se é favorável. Se tudo o resto for igual, quantos mais neutrões houver no núcleo mais provável é a ocorrência de decaimento beta. Na realidade, o decaimento beta foi um grande desafio quando foi cuidadosamente observado pela primeira vez, porque se descobriu que núcleos idênticos em decaimento para o mesmo estado final ejectavam electrões com uma dada distribuição de energias, até um valor máximo igual à diferença de energias entre os estados inicial e final. Isto levou à sugestão de que, afinal, talvez a energia não se conservasse em todos os processos da Natureza. Mas os Físicos são muito conservativos no que toca à conservação de energia, e Pauli sugeriu que talvez 𝑛𝑛 → 𝑝𝑝 + 𝑒𝑒 não fosse a história toda – uma outra partícula estaria a ser criada ao mesmo tempo, levando consigo a restante energia, mas indetectável. Isso significa que não podia ter carga eléctrica, nem massa nem, ao contrário do fotão, interacção electromagnética. Fermi chamou-lhe neutrino, o pequenino neutro. Uma outra razão pela qual o neutrino parecia necessário era que neutrão, protão e electrão tinham todos spin 1/2 . Era difícil imaginar como é que o momento angular se podia conservar se não houvesse mais nenhuma partícula porque, mesmo que o protão e electrão tivessem um momento angular orbital, esse vem sempre em números inteiros, logo como poderiam dois spins semi-inteiros e um momento angular inteiro somar de modo a dar o momento angular ½ inicial? A resposta é que não podem, portanto o neutrino tinha mesmo que lá estar, tinha spin ½ mas não foi dectectado senão muitos anos mais tarde. Detectar neutrinos é ainda muito difícil, uma vez que eles não são sensíveis à força nuclear (forte) nem a campos electromagnéticos. A força que causa o decaimento do neutrão é chamada força fraca. O único modo de detectar um neutrino é se ele colidir com uma partícula e interagir fracamente realizando basicamente um destes decaimentos em sentido inverso. O problema é que um neutrino em movimento descendente tem uma probabilidade pequeníssima de interagir com um núcleo, e irá quase certamente atravessar a Terra. Portanto, detectar neutrinos requer enormes detectores e um fluxo intenso de neutrinos. Muito esforço tem sido dispendido na detecção de neutrinos solares, dado que são a nossa única janela de observação dos processos nucleares que tomam lugar no Sol – conseguem escapar de lá intocados, ao contrário dos fotões ou outras partículas emitidas. De facto, o número detectado é menor do que o previsto pela análise dos processos nucleares solares por um factor de dois ou três. Descobriu-se então que a massa do neutrino não é exactamente zero e que existem na realidade três tipos de neutrinos! Além disso, à medida que o neutrino atravessa a matéria, há uma probabilidade não nula de mudar de um tipo para outro. Os processos nucleares solares geram aquilo que são chamados neutrinos do electrão, e os esforços inicias de detecção procuravam por estes. Detectores mais recentes conseguem detectar os outros dois tipos (neutrinos do muão e neutrinos do tau), e o número total de neutrinos está de acordo com a previsão do número total gerado no Sol, portanto actualmente acredita-se que alguns dos neutrinos do electrão originais mudaram para outro tipo durante o percurso entre o Sol e a Terra. Mas voltemos ao decaimento radioactivo do 𝑈𝑈 238 . Emite uma partícula alfa e transforma-se no 𝑇𝑇ℎ234 , depois decai via beta duas vezes seguidas até se transformar no 𝑈𝑈 234 . Este é agora relativamente rico em protões, e de facto decai via alfa cinco vezes seguidas até um tipo de Chumbo, O 𝑃𝑃𝑏𝑏 214 sofre dois decaimentos beta, um alfa e mais dois beta até atingir a estabilidade no 𝑃𝑃𝑏𝑏 206 . A sequência anterior é toda entre elementos metálicos com a excepção do Rádon (Rn), o qual tem as orbitais atómicas todas preenchidas e consequentemente é quimicamente inerte e gasoso à temperatura ambiente. O Rn emite uma partícula alfa num período de alguns dias, o que lhe dá tempo para difundir de uma rocha até à cave de alguém. Decaimento Gama As três formas de radiação emitida por núcleos em decaimento, 𝛼𝛼, 𝛽𝛽, 𝛾𝛾, foram baptizadas antes de as partículas em causa terem sido identificadas. Só mais tarde se aperceberam de que os raios beta eram electrões. Os raios gama são apenas fotões de elevada energia, da ordem de 100 keV a alguns MeV. A emissão de raios 𝛾𝛾 é similar à emissão de fotões por átomos excitados. O núcleo pode estar excitado após ter emitido uma partícula alfa ou beta, ou por ter colidido com outro núcleo, ou ter sido bombardeado por neutrões por exemplo. Todos estes acontecimentos podem levar a que a distribuição de carga do núcleo esteja a oscilar, emitindo radiação electromagnética. O Modelo da Gota Líquida A ligação dos nucleões num núcleo é de certa forma reminiscente da ligação das moléculas numa gota de água – a força é atractiva entre vizinhos próximos. Repara na enorme diferença em relação aos electrões num átomo, mantidos por um grande objecto central. Este modelo nuclear da “gota líquida” é útil para compreender a fissão nuclear. Se a gota for de alguma forma posta a vibrar vigorosamente, poderá parti-se em duas, ou mais, gotas pequenas. Para o núcleo 𝑈𝑈 235 (constituindo apenas 0,7% do urânio natural), se um neutrão lento se aproximar demasiado, a força nuclear atractiva puxa-o tão fortemente que da colisão resultante o núcleo se parte em dois núcleos mais pequenos, e dois ou três neutrões são ejectados (dado que os núcleos mais pequenos recém-formados têm uma proporção menor de neutrões). Há também uma libertação substancial de energia – cerca de 200 MeV. O 𝑈𝑈 238 , muito mais abundante, também atrai neutrões mas não tão fortemente, e sobrevive à captura neutrónica sem se cindir. Um neutrão tem que se mover muito lentamente para ser capturado pelo 𝑈𝑈 235 . Por outro lado, quando o 𝑈𝑈 235 se cinde, os neutrões emitidos movem-se muito rapidamente. Para termos uma reacção em cadeia num reactor nuclear, o principal problema é desacelerar os neutrões emitidos antes que eles deixem o reactor. Se forem desacelerados com sucesso, os neutrões emitidos numa fissão irão iniciar fissões subsequentes, originando uma libertação contínua – talvez até crescente – de energia. Contudo, os neutrões ressaltam nos pesados núcleos de urânio praticamente sem perdas de energia – para que uma partícula perca energia numa colisão, tem de colidir com algo do seu tamanho. A água é frequentemente utilizada, pois os neutrões perdem energia ao colidir com os protões dos átomos de hidrogénio. Infelizmente, os neutrões frequentemente ligam-se ao protão formando deutério, pelo que para que a reacção se mantenha é necessário enriquecer o urânio – aumentar a percentagem de 𝑈𝑈 235 de 1% para 4% ou 5%. Claro que é necessário muito cuidado para assegurar que a recção em cadeia não tem demasiado sucesso – são colocados moderadores no reactor, que absorvem os neutrões se a taxa da reacção for demasiado elevada. É escusado dizer que os moderadores não são utilizados em aplicações militares deste conceito. Tradução/Adaptação Casa das Ciências 2009