José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br A MAÇONARIA E A INDEPENDÊNCIA José Antônio de Ávila Sacramento Do ano de 1500 até o de 1822, o Brasil foi colônia portuguesa. Todavia, como as relações de dependência nunca foram bem aceitas pelos dominados, desde os primórdios da terra brasileira alguns grupos já começavam a pensar e a articular possíveis estratégias para a independência política. Começaram a ocorrer, então, alguns movimentos nativistas. O primeiro deles foi a Revolta de Beckman, em 1684, no Maranhão, ainda no século XVII. No século XVIII, ocorreram os levantes Conjuração Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798) e, no século XIX, a Revolução Pernambucana (1817); estes movimentos, como era de se esperar, foram duramente reprimidos, mas na articulação deles a Maçonaria já se fazia presente; se o envolvimento não se dava diretamente através de Lojas Maçônicas, ele acontecia através das ações individuais e/ou de grupos de maçons. Afora os movimentos libertários descritos, todos sufocados, outros fatos que propiciaram uma gradual pavimentação do caminho para a Independência do Brasil começaram a acontecer no início do século XIX (ano de 1808, especialmente), quando D. João e a família real refugiaram-se no Brasil, em decorrência da invasão e dominação de Portugal pelas tropas francesas de Napoleão Bonaparte. A fuga da família real (e sua instalação no Rio de Janeiro) trouxe algum progresso administrativo para a então Colônia. Um exemplo foi a assinatura, por D. João, da Carta Régia de Abertura dos Portos às Nações Amigas, quando ainda estava em Salvador, Bahia, no dia 28 de janeiro de 1808, documento que marcou o fim do Pacto Colonial que obrigava a que todos os produtos das colônias passassem antes pelas alfândegas em Portugal, ou seja: os demais países não podiam vender produtos para o Brasil, nem importar matérias-primas diretamente das colônias, sendo forçados a fazer negócios apenas com a metrópole. No ano de 1815, Dom João adotou medida ainda mais progressista para o Brasil: criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, medida que foi extremamente antipática à maioria dos portugueses. São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br Em 1820, os portugueses, cansados da dominação inglesa (lembre-se de que foram os ingleses que expulsaram as tropas francesas de Portugal), enxergaram a decadência econômica da pátria lusitana e iniciaram uma revolução, na cidade do Porto, que terminou com a expulsão dos ingleses. Estabeleceram um governo temporário, adotaram uma constituição provisória e impuseram sérias exigências a D. João (agora já com o título de rei e o nome de D. João VI). Dentre as exigências, estava a volta imediata dele para Portugal, para assumir o trono. Para não perder o reinado, D. João VI regressou a Portugal, em 26 de abril de 1821 e deixou aqui no Brasil um Príncipe Herdeiro, o seu primogênito, que foi nomeado Regente do Brasil pelo Decreto de 22 de abril de 1821: era Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon. Dom Pedro logo se viu cercado de assessores, a maioria deles maçons que constituíam a força da intelectualidade e conduziam o pensamento político daquela época. Naquele tempo, a corte portuguesa já estava ficando preocupada com a possível emancipação da sua rica colônia, ainda mais que exemplos de independência já ocorriam em outros países sul-americanos. Dois decretos da corte portuguesa, em 1821, foram editados na tentativa de inibir a possíveis movimentos emancipadores no Brasil; um deles reduzia o Brasil, da posição de Reino Unido, à antiga condição de colônia; o outro, considerava a permanência de Dom Pedro como desnecessária no Brasil e decretava a imediata volta dele para Portugal. Diante disso, os brasileiros reagiram contra os decretos, principalmente através do forte discurso de um maçom, Cipriano José Barata, denunciando a sórdida trama contra o Brasil; o também maçom José Joaquim da Rocha chegou a fundar em sua casa o Clube da Resistência, depois transformado no Clube da Independência, palco para as discussões dos assuntos da permanência de D. Pedro no Brasil, e, depois, dos assuntos emancipatórios. Dentre as várias atitudes tomadas contra Portugal, uma importante representação datada de 24 de dezembro de 1821, redigida por José Bonifácio de Andrada e Silva (também maçom), começava com o seguinte teor: “É impossível que os habitantes do Brasil, que forem honrados e se prezarem de ser São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br homens, possam consentir em tais absurdos e despotismo (...). Vossa Alteza Real deve ficar no Brasil, quaisquer que sejam os projetos das Cortes Constituintes, não só para o nosso bem geral, mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo”. Assim, acompanhando os fatos, em 09 de janeiro de 1822, José Clemente Pereira, presidente do Senado da Câmara, antes de ler a dita representação, pronunciou inflamado e contundente discurso pedindo para que o Príncipe Regente permanecesse no Brasil. Após ouvir o pronunciamento e o teor da representação, o Príncipe respondeu: “Estou pronto, se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico”; segundo alguns analistas históricos, D. Pedro decidiu ficar aqui mais pela pressão da aristocracia, que lhe garantiria os privilégios e que o apoiaria como imperador, em troca de uma futura decisão dele pela nossa independência. Assim, o “Dia do Fico” foi mais um dos acontecimentos que colaboraram para o futuro rompimento com Portugal; Dom Pedro fora instado a ficar na nossa terra, pois a sua partida representaria um irremediável esfacelamento das pretensões brasileiras. Em 13 de maio de 1822, alguns maçons fluminenses, sob a liderança de Joaquim Gonçalves Ledo, e por proposta do brigadeiro Domingos Alves Muniz Barreto, resolveram outorgar ao Príncipe Regente o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”, galardão oferecido pela Maçonaria e pelo Senado. Ainda em maio de 1822, aconselhado pelo então seu primeiro ministro das pastas do Reino e de Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva, Dom Pedro assinou o decreto do “Cumpra-se”: só vigorariam no Brasil as Leis das Cortes portuguesas que recebessem o prévio “cumpra-se” do então príncipe regente. Em 28 de maio de 1822, José Bonifácio de Andrada e Silva, considerado o “Patriarca da Independência”, foi eleito GrãoMestre do Grande Oriente do Brasil (uma potência maçônica), tendo a Joaquim Gonçalves Ledo e ao padre Januário da Cunha Barbosa seus auxiliares mais diretos. O objetivo principal da criação daquela entidade foi o de engajar oficialmente a Maçonaria como instituição na luta pela independência política do Brasil, conforme consta das atas das suas primeiras reuniões: só se admitia para filiação na Maçonaria os homens que fossem completamente comprometidos com o ideal de independência do Brasil. São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br No dia 02 de junho de 1822, numa audiência com D. Pedro, José Clemente Pereira leu o discurso redigido por Joaquim Gonçalves Ledo e Januário Barbosa, que alertava sobre a necessidade de uma Constituinte. Dom Pedro comunicou a D. João VI que “o Brasil deveria ter suas Cortes”. Desta forma, convocou uma Assembléia Constituinte para elaborar leis que fossem mais adequadas ao Brasil; este foi outro passo importante dado em direção à independência. No dia 02 de agosto de 1822, através de proposta de José Bonifácio, Dom Pedro foi admitido na Maçonaria, adotando o codinome histórico de Guatimozim (homenagem ao último imperador Asteca, morto em 1522); em 05 de agosto de 1822, por proposta de Joaquim Gonçalves Ledo, foi aprovada uma espetacular progressão maçônica a Dom Pedro, e, posteriormente, em 04 de outubro de 1822, o Imperador já era empossado no cargo de Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil. Assim, no mês de agosto de 1822, o Príncipe, já na qualidade de Maçom, tomou a medida mais dura em relação a Portugal: declarou como inimigas todas as tropas portuguesas que desembarcassem no Brasil, sem o seu consentimento formal. É preciso considerar que em 20 de Agosto de 1822, ainda que oficialmente para os maçons e oficiosamente para a população, a nossa independência já havia sido “declarada” dentro de um ambiente exclusivamente maçônico, restando, portanto, apenas dar um caráter oficial e público ao fato, o que não tardaria muito a acontecer. Em 14 de agosto de 1822, Dom Pedro partiu em viagem do Rio de Janeiro para São Paulo. No dia 25 de agosto, chegou ao seu destino sob salvas de artilharia, repiques de sino, girândolas e foguetes, tendo se hospedado no Colégio dos Jesuítas. De São Paulo, se dirigiu para Santos, em 5 de setembro de 1822, de onde regressou na madrugada de 7 de setembro; já se encontrava na Colina do Ipiranga, às margens de um riacho, cuidando de se livrar daquilo que lhe causava uma forte indisposição intestinal, quando foi surpreendido pelo major Antônio Gomes Cordeiro e pelo ajudante Paulo Bregaro; ambos eram portadores do correio da corte, que lhe traziam notícias enviadas com urgência pelo seu primeiro ministro, José Bonifácio. Dom Pedro, após tomar conhecimento dos conteúdos das cartas e das notícias trazidas pelos emissários, ainda sob efeito do mal que lhe atormentava, enraiveceu-se; declarou que São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br as Cortes o perseguiam, o desprezavam e dele debochavam, chamando-o de ‘rapazinho’ e de ‘brasileiro’. Assim, irado, desabafou: “verão agora quanto vale o ‘rapazinho’. De hoje em diante, estão quebradas as nossas relações; nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal”. Ressalto aqui, apenas como curiosidade, que o famoso quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo (uma tela de 4,15m de altura por 7,60m de comprimento, atualmente no acervo do Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga), tenta reproduzir o momento que passou à história com o nome de Grito do Ipiranga. No entanto, a obra é uma tela pintada 66 anos mais tarde em relação à data da proclamação da independência; na pintura aparece uma pomposa comitiva, montada em garbosos cavalos, vestindo uniformes de gala e com espadas desembainhadas, conforme costumeiramente reproduzida nos livros de História. Aquela pintura é apenas uma alegoria, posto que o que nela está retratado não se sustenta perante as informações históricas da época: Dom Pedro não estaria montado num cavalo, mas numa mula ou burro, animais que se usavam costumeiramente para atravessar a acidentada serra entre RJ e SP; nem ele e nem seus seguidores usariam uniformes de gala; naquela ocasião, é muito provável que ninguém estivesse usando capacetes, mas sim chapéus comuns para protegerem-se do sol e estariam vestidos com roupas mais simplórias; é também bastante provável que a pose de Dom Pedro não fosse tão imperiosa, pois, naquele momento, os protocolos cediam lugar à principal preocupação principesca, que era a de cuidar de seu intestino e livrar-se da diarréia que o atacava por conta de seus excessos à mesa no dia anterior. Evidencio aqui, ainda, que o pintor Pedro Américo nasceu 21 anos depois do episódio da Independência, portanto a sua obra é uma fantasia nacionalista. Como se sabe, a participação da Maçonaria nos chamados movimentos nativistas ou movimentos de emancipação dos povos é notória em todo o mundo. A historiografia apresenta abundância de fatos que só aconteceram graças à iniciativa maçônica, ou por meio de maçons. Concluímos que assim também se deu em terras brasileiras, onde a Independência foi realizada com o consórcio de muitos esforços, mas São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil José José Antônio de Ávila Sacramento www.patriamineira.com.br especialmente e principalmente com as articulações e os esforços maçônicos. O dia 07 de setembro de 1822, então, foi tão somente a data em que Dom Pedro bradou as palavras que evidenciavam publicamente o processo emancipatório brasileiro, episódio que já estava bem resolvido e fora plenamente decidido nos bastidores da Maçonaria! “Grito do Ipiranga” - Obra de Pedro Américo (1843- 1905) Óleo sobre tela, 7, 60 m x 4, 15 m Museu Paulista, SP Este texto foi publicado originalmente no Jornal de Minas São João del-Rei – MG, ano X, edição nº 133 – 03 a 09.09.2010, p.2. São João deldel-Rei - Minas Gerais - Brasil