Fundação Getulio Vargas
20/06/2011
Brasil Econômico Online - SP
Tópico: Direito Rio
Editoria: Notícias
Pg: Online
“O STF só é acessível para quem tem dinheiro”
Pedro Venceslau
Pablo Cerdeira: "O Pimenta, por exemplo, utilizou 23 recursos. Eu duvido que ele fizesse
isso se estivesse preso"
Como diriam os saudosos do ex–presidente Lula, nunca antes na história deste país o
Supremo Tribunal Federal esteve tão em evidência.
União estável gay, marcha da maconha, extradição de Cesare Battisti, uso de drogas em
cultos religiosos, Pimenta Neves. Como diriam os saudosos do ex-presidente Lula,
nunca antes na história deste país o Supremo Tribunal Federal esteve tão em evidência.
A explicação para esse protagonismo, dizem especialistas, está na complexidade cada
vez maior da sociedade. Quanto mais urbano é um povo, maiores são suas demandas
jurídicas e mais pulverizado é o seu parlamento.
Boa parte das questões que mobilizaram a máxima corte brasileira nos últimos tempos
podiam - e até deviam - ter sido equacionadas pelo Congresso Nacional.
Mas são tantos os grupos de interesse representados na Câmara e no Senado que a
busca pelo consenso se torna uma tarefa irremediavelmente inglória. A sobrecarga de
trabalho levou o STF a apresentar recentemente um projeto de emenda constitucional ao
Senado pedindo uma mudança radical no sistema judiciário brasileiro.
A ideia é que os condenados em segunda instância sejam obrigados a cumprir a
sentença enquanto recorrem. Dessa forma, os ministros esperam que seja reduzida a
descomunal quantidade de recursos que é responsável pela lentidão de casos como o do
"Mensalão" e Pimenta Neves - ambos estão se aproximando perigosamente da
prescrição.
Para compreender esse dilema, a faculdade de direito da FGV do Rio de Janeiro fez um
estudo detalhado e concluiu que 90% dos casos que chegam à Suprema Corte são
recursos.
Nessa entrevista, o advogado Pablo Cerdeira, um dos autores do levantamento, coloca o
sistema judiciário brasileiro no divã.
Da marcha da maconha ao Cesare Batistti, passando por um caso de roubo de galinha,
quem lê os jornais tem a sensação que o Supremo Tribunal Federal tem aparecido cada
vez mais na mídia. Como você explica isso?
É um fenômeno relativamente recente. O Norberto Bóbio, que foi um dos grandes
filósofos do direito, dizia que o século 19 foi do legislativo, o século 20 do executivo e que
agora estamos no século do judiciário, que é quem define as principais políticas públicas.
Esse fenômeno não é só brasileiro e pode ser explicado pela complexidade cada vez
maior da sociedade. Não havia há 50 anos empresas com milhões de clientes como
acontece hoje. Direito é o segundo curso mais procurado do Brasil. Ao mesmo que essa
complexidade jogas as decisões para o judiciário, ela engessa o legislativo, que fica
muito pulverizado em sua representatividade.
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das emendas propõe a imediata execução
das decisões judiciais logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância.
Isso não prejudica o amplo direito da defesa?
De forma alguma. No Brasil, um processo pode literalmente ter infinitos recursos. Não
existe limitação na Constituição nem no Código de Processo Civil. A ideia da PEC não é
limitar o número de recursos. O projeto propõe que depois da segunda instância o
processo passe a transitar em julgado. Ou seja, a pessoa poderia ser presa.
No caso do Pimenta Neves, por exemplo, ele não foi preso porque os recursos se
esgotaram?
Não acabaram os recursos. Na decisão do (ministro do STF) Marco Aurélio que definiu a
prisão, ele diz que está desde 2000 julgando recursos do Pimenta Neves e que o
jornalista teve amplo direito de defesa.
Ele não falou que acabaram os recursos. Se essa norma existisse antes, o Pimenta
Neves teria sido preso em 2006. Outro exemplo é o caso do (ex-jogador) Edmundo. De
1995 até hoje não conseguiram encerrar o processo. É muito comum para quem está
bem assessorado enrolar o processo até a prescrição.
Como a PEC dos recursos ajudaria a desafogar o STF?
O Pimenta, por exemplo, utilizou 23 recursos. Eu duvido que ele fizesse isso se
estivesse preso. Como o custo é muito alto, essa estratégia só vale a pena se for para
manter a pessoa em liberdade. No caso da administração pública, não é preciso pagar
uma dívida enquanto se recorre. Com isso, é possível ir protelando até que outra gestão
assuma. Sem essa possibilidade, não estímulo para postergar.
O STF tem aparecido cada vez mais no centro de decisões importantes e polêmicas.
Isso acontece porque o Congresso não está cumprindo seu papel?
A gente chama isso de ativismo judicial; quando o judiciário regula questões que, em
tese, são competência do Congresso. É o caso, por exemplo, da Raposa Serra do Sol e
união homoafetiva. Isso acontece porque o judiciário não tem a obrigação de prestar
contas para a sociedade, como o Congresso. Isso acaba travando questões polêmicas.
O Congresso não cumpre sua parte porque é fraco e ineficiente?
Eu não diria fraco, mas muito fragmentado. Isso faz com que não se consiga acordos em
questões polêmicas.
Quem está contra a PEC dos recursos? E por que?
Quem está na linha de frente é a Ordem dos Advogados do Brasil e o movimento de
defesa da advocacia.
Aparentemente, essa é uma posição corporativista...
Eles alegam que a PEC dos recursos cercearia a defesa. Há quem entenda isso.
A pesquisa da FGV Direito que você assina diz que o poder público é o principal usuário
do STF. Isso é normal?
A quantidade de processos do poder público no STF não é normal. A Caixa Econômica
Federal deu um bom exemplo para a administração pública recentemente ao desistir de
500 processos. Não é preciso levar tudo até lá. É possível resolver de outras formas.
Além do poder público, quem mais aciona o STF?
A procura de empresas de massa, especialmente telefonia e bancos, tem crescido muito.
Só a Telemar tem 8.200 recursos tratando pulsos excedentes na conta de telefone. Isso
poderia ser resolvido no segundo grau.
Por que o Poder Executivo é o principal usuário do STF?
Porque ele trata direto com a população. São geralmente questões de planos
econômicos, FGTS e reajuste de poupança. Mudanças econômicas geram muita
discussão jurídica.
O Supremo é acessível para quem não tem recursos como Pimenta Neves e Edmundo?
Não é acessível. A PEC dos recursos corrigiria essa exclusão social de acesso ao
judiciário. A justiça acessível a todos nas instâncias menores. Quem consegue chegar lá
são as empresas e pessoas com recursos. Quem não tem dinheiro, acaba condenado
em segunda instância e cumprindo a pena. É uma forma de exclusão.
A atual composição do STF é favorável ao governo Dilma?
Isso não tem sido percebido. Não existe um desvio grande. Como eles têm garantia
vitalicidade, é comum que eles tomem decisões contrárias aos presidentes que os
escolheram.
O Supremo americano é parecido com o brasileiro?
Lá o Senado faz sabatinas que são muito rígidas, enquanto aqui são mais simbólicas. No
Congresso americano há um histórico de rejeição. É difícil passar um nome que não seja
aprovado pelos dois partidos.
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