ORBIS: Revista Científica
Volume 4, n. 1
ISSN: 2178-4809 Latindex Folio 19391
O USO DA FORÇA NO DIREITO INTERNACIONAL: REFLEXÕES ACERCA
DO PAPEL DA CORTE INTERNAICONAL DE JUSTIÇA
Mikelli Marzzini Lucas A. Ribeiro1
Alexandre Magno Ramos Paiva2
RESUMO
Este artigo tem como objetivo problematizar a questão do uso da força no direito intenraiconal,
particularmente no âmbito da Corte Internacional de Justiça. Tendo como o método o dedutivo, de onde
se parte de uma ideia de da existência de uma sociedade internacional que cria órgãos visando à
manutenção da ordem intenracional estabelecida. O artigo centra-se em fontes secundárias, tanto
bibliográficas como julgados da Corte. O trabalho divide-se em duas partes centrais: Na primeira, discutese a ideia de Teoria da Sociedade Internacional fazendo reflexões acerca do uso da força a partir dessa
teoria. Posteriormente, adentra-se especificamente na temática do uso da força, evoluindo-se até a CIJ,
discutindo casos que versaram direta ou indiretamente sobre o assunto. Ao final, é possível tecer reflexões
preliminares sobre o papel da Corte na administração do uso da força no âmbito internacional, os quais
poderão servir de ponto de partida para estudos mais aprofundados.
Palavras-chave: Sociedade Internacional. Ordem Internacional. Uso da força. Corte Internacional de
Justiça.
ABSTRACT
This article discusses the problem of the use of force in the international law, focus on the International
Court of Justice. The method utilized is the deductive where it starts from the idea of the existing
international society which creates organisms to preserve the international order. The article bases it
analyzes at bibliography references and judgments of the Court. It is divided in two central parts: at first,
it discusses the idea of an International Society Theory elucidating the aspects of the use of force in this
theoretical approach; secondly, it goes specifically into the question of the use of force in international
affairs, mainly at the ICJ, analyzing particular cases which deals direct or indirectly with the theme. As a
result, it is possible to have some preliminary considerations about the role of the ICJ to the
administration of the use of force at the international order, which could provide subside to further
studies.
Key-words: International Society. International Order. Use of force. International Court of Justice.
1
Bacharel em Direito e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba.
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Professor de Direito da
Universidade do Estado da Bahia.
2
Advogado. Bacharel em Direito e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da
Paraíba. Professor bolsista do IFPB.
2
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INTRODUÇÃO
A questão do uso da força esteve na gênese da sociedade internacional e do
próprio direito internacional e continua sendo, de modo lato, ainda o maior problema
nesse âmbito. A busca pela regulação do uso da força implica, em ultima ratio, na
procura pela própria manutenção da ordem internacional e consequentemente a
sobrevivência da sociedade de Estados.
O conflito bipolar, que perfez quase todo o século passado, colocou as questões
jurídicas de administração do uso da força muitas vezes subordinado a aspectos
políticos. Porém, o fim desse conflito revelou uma maior busca pelos Estados em
reafirmar o direito internacional, de modo geral, mesmo com relação à sensível
problemática do uso da força. Isso fica evidente com o aumento das demandas perante a
Corte Internacional de Justiça sobre a matéria após o caso da Nicarágua.
Um estudo que visa a discutir a questão do uso da força na CIJ é, portanto,
fundamental por diversos fatores. Quanto ao direito internacional, trata-se de uma
amostra que pode revelar a intensidade do seu cumprimento, bem como o grau de
judicialização das questões internacionais. No tocante à academia brasileira, tal estudo
visa adentrar em uma seara ainda pouco explorada por internacionalistas do Direito,
permitindo, de modo particular, obter uma noção mais aprofundada acerca do
funcionamento da Corte. Já de modo mais amplo, a realização de uma pesquisa como
essa, em última análise, possibilita mesmo uma maior cooperação acadêmica para os
estudos sobre a paz internacional.
Assim, presente artigo tem como papel problematizar a questão do uso da força
nas relações jurídicas internacionais, focando no âmbito da Corte Internacional de
Justiça. Por ser um estudo inicial, de maneira alguma visa esgotar todas as esferas que
envolvem a discussão dessa temática na CIJ. O que se pretende, de fato, é fazer
ponderações iniciais que servirão de embasamento para futuros estudos aprofundados.
Nesse sentido, tendo como fontes sobretudo as bibliográficas e julgados da CIJ
acerca de questões (diretas ou indiretas) relacionadas ao uso da força, esse trabalho
segue a seguinte trajetória: num primeiro momento, discute aspectos teóricos sobre a
problemática envolvendo a ideia de uma Teoria da Sociedade Internacional e seus
aspectos relevantes para o Direito. Em seguida, adentra-se na problemática do uso da
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força na esfera internacional de modo geral, para posteriormente – por meio de um
método dedutivo – problematizar a questão no âmbito da CIJ, dando enfoque ao caso da
Nicaragua como importante marco temporal nessa discussão.
1. ASPECTOS
TEÓRICOS:
A
TEORIA
DA
SOCIEDADE
INTERNACIONAL
Por muitas vezes, o Direito Internacional é apresentado como direito da
“comunidade internacional”. Não obstante, a intensa heterogeneidade dos povos revela
cada vez mais imprecisa essa determinação. Como salientam Dinh, Pellet e Dailler
(2003, p. 40-41):
Existe, por certo, entre todos os Estados, interesses materiais comuns,
provenientes dos laços que a civilização técnica forjou. Mas uma comunidade
deve também assentar numa base espiritual, que, neste caso, falta. Um
vínculo comunitário só poderia nascer de relações entre Estados que
apresentassem analogias suficientemente profundas para favorecerem a
eclosão deste elemento subjetivo necessário. Quanto à comunidade universal
dos Estados, ela continuaria a ser uma pura utopia.
No entendimento daqueles autores (baseado na teoria sociológica alemã), a ideia
de vínculo comunitário se centraria no sentimento, ao passo que a de sociedade estaria
ligada apenas ao interesse. Enquanto comunidade implica nas relações confiantes e
íntimas, a compreensão de sociedade estaria centrada num estado de tensão. Desse
modo, “[à] escala universal, só o conceito de sociedade internacional assim seria
concebível, não o de comunidade internacional” (DINH, DAILLER E PELLET, 2003,
p. 41). “O que existe no âmbito internacional, é uma sociedade de Estados (e/ou
Organizações Internacionais) que mantêm entre si relações mútuas enquanto isso lhes
convém e lhes interessa” (MAZZUOLI, 2011, p. 46).
A origem da sociedade internacional não pode ser encontrada em uma data
precisa. A sua gênese coincide com o estabelecimento das primeiras coletividades
organizadas. Estas coletividades compostas por homens, “por necessidade ou
conveniência, estabeleceram relações contínuas entre si, originando a sociedade
internacional e o Direito Internacional Público, uma vez que as relações só seriam
possíveis havendo normas comuns à coletividade” (MELLO, 1997, p. 42).
A sociedade internacional é, portanto, “o meio onde surge o ordenamento
jurídico internacional” (MELLO, 1997, p. 41). De acordo com Martin Wight (2002), o
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que torna mais evidente a existência de uma sociedade internacional é a verificação de
que há um direito internacional. O direito internacional nasce então como garantia de
equilíbrio entre a interdependência dos Estados e a preservação de sua independência
(DINH, DAILLER E PELLET, 2003)
De acordo com a Teoria da Sociedade Internacional, os Estados criam regras de
coexistência visando a manter a ordem internacional. A ordem compõe-se de crenças
compartilhadas e de comportamentos regulares, assim como de regras e instituições que
conformam os comportamentos sociais dos indivíduos (BULL, 2002). Nesse ínterim, “a
regra jurídica encontra-se no centro das relações sociais internas e internacionais”
(AMARAL JR, 2011, p. 13).
A Teoria da Sociedade Internacional avalia que o recurso de força por meio de
intervenção militar é um artifício que busca ser evitado. A sociedade internacional
vigente foi fundada a partir dos preceitos básicos da soberania, que prega igualdade
soberana entre os Estados, e assim a independência entre os mesmos, assegurada por
regras de coexistência. Essa é a tônica que rege essa sociedade.
De acordo com Bull (2002, p. 83), as regras de coexistência
são regras que procuram confinar o emprego legítimo da violência aos
estados soberanos, negando-o a outros agentes ao afirmar que a violência
legítima está limitada a um tipo particular chamado "guerra", onde a
violência é praticada sob a autoridade de um estado soberano. Além disso, as
regras procuram limitar as causas ou objetivos que conferem legitimidade à
condução da guerra pelo estado soberano.
Sem a obediência dessas regras de coexistência, o sistema internacional tende à
desordem, minando a condição atual de “coabitação” dos Estados. No centro desse
complexo de regras encontra-se o princípio o qual todos os Estados aceitam o dever de
respeitar de modo recíproco a soberania ou jurisdição suprema de todos os demais
Estados contidos no seu domínio territorial e os seus nacionais. “Um corolário, ou quase
corolário, desta regra fundamental é o de que os Estados não devem intervir pela força
ou ditatorialmente nos assuntos internos dos demais” (BULL, 2002, p. 84).
Para regular essas regras de coexistência, os Estados também criam instituições.
Sejam elas formais ou não-formais. Os organismos internacionais são considerados,
portanto, instituições formais que buscam administrar essas regras (BULL, 2002). Nesse
sentido, a própria Corte Internacional de Justiça foi um órgão criado, em última análise,
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para a manutenção da ordem internacional por meio de regulação jurisdicional das
regras de coexistência.
Os casos de uso da força são sem dúvida os mais ameaçadores a essa ordem préestabelecida, sabendo disso, a Corte busca sempre que possível fazer uma análise
restritiva do uso da força, buscando desenvolver critérios advindos da interpretação dos
institutos criados no direito internacional para regular a agressão internacional. Fazendo
jus das interpretações da regra que perfazem a não-intervenção, legítima defesa, e
segurança coletiva.
Feitas as devidas considerações, revela-se que a teoria basilar dessa proposta é a
Teoria da Sociedade Internacional, trabalhada aqui entre uma combinação da
perspectiva de Hedley Bull (2002) em Sociedade Anárquica, por um lado, e da doutrina
internacionalista por outro (MELLO, 1997; DINH, DAILLER, PELLET, 2003;
AMARAL JR, 2011; etc), busca-se, por meio dessa correlação, dar a essa teoria a
interpretação jurídica adequada.
2. O USO DA FORÇA NO DIREITO INTERNACIONAL
O âmbito das relações interestatais é marcado por uma situação de coordenação.
Assim, diferente do que ocorrem em Ordenamento Jurídico interno – no qual as relações
são marcadas por subordinação –, não existe aqui o monopólio legítimo da força
(AMARAL JR, 2011). Não há, na esfera internacional, um superestado. Os Estados,
visando a criar um ambiente no qual pudessem relacionar-se e satisfazer certos
interesses compartilhados estabeleceram então, na concepção de Hedley Bull (2002),
uma espécie de “sociedade anárquica”. Sociedade, pois há certos valores e interesses
comuns, mas ainda assim anárquica, porque não há nela, como citado, um governo
central.
É verdade que por justamente não haver uma organização que detenha o
monopólio do uso da força, o direito internacional tem um caráter, considerados por
muitos, imperfeito (WIGHT, 2002). Mas, ao mesmo tempo, não há de se negar que
apesar dessa “fraqueza” a maioria dos Estados busca cumprir na grande maioria das
vezes o que foi estabelecido (AMARAL JR, 2011). Ademais, ordem jurídica seria, na
verdade, “um conjunto de princípios e regras destinados a reger as situações quem
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envolvem determinados sujeitos” (KELSEN, 2006, p. 358-359), ou seja, a ideia de
monopólio de poder por um órgão central não é condição sine qua non para existência
de uma de tal ordem.
Nesse plano coordenativo de relações, a convivência histórica entre Estados fez
perceber que para que se buscasse a paz, haveria a necessidade de serem criados órgãos
que servissem de mediadores e estabilizadores. Desse modo, surgiu como órgão global
inicialmente a Liga das Nações, que por fracassar foi substituída pelas Nações Unidas
no pós-II Guerra.
No contexto da ONU, os Estados buscaram aperfeiçoar a regulação do uso da
força no âmbito da sociedade internacional, algo que já vinha sendo vislumbrado desde
a proscrição da guerra no Pacto Briand-Kellog de 1928.
Mesmo não havendo um monopólio dos meios coercitivos, por meio do
estabelecimento das Nações Unidas, os Estados procuraram aperfeiçoar um sistema de
segurança coletiva no qual se buscou disciplinar as situações as quais a força poderia ser
utilizada. Assim, por coordenação, os Estados-membros estabeleceram como órgão de
manutenção da paz e da segurança internacionais o Conselho de Segurança (CSNU).
Trata-se de um instrumento político fundado nos termos do direito internacional pela
Carta que constituiu a ONU.
Por meio da criação do Conselho, os Estados estabeleceram uma das únicas
formas possíveis de se utilizar o recurso da força no plano internacional: para a
manutenção da paz e da segurança internacionais. Uma ação desse tipo é legítima
quando os membros do CSNU fundamentam-na no Capítulo VII da Carta – mediante
resolução. O artigo 39 desse Capítulo estabelece que
O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz,
ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que
medidas deverão ser tomadas de acordo com os arts 41 e 42, a fim de manter
ou reestabelecer a paz e a segurança internacionais (ONU, 1945, art. 39).
Desse modo, entendendo determinada ação como um ato de ameaça ou de
ruptura da paz ou da segurança internacional, os membros do Conselho de Segurança
podem determinar ações coercitivas.
Todavia, tal situação não é a única prevista no direito internacional na qual a
força poderia ser utilizada, o mesmo capítulo VII previu também o instituto da legítima
defesa (tanto individual como coletiva). Na verdade, essa segunda categoria positivada
na Carta da ONU correspondeu apenas à descrição de um direito que já era estabelecido
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no âmbito do costume internacional (DINH, DAILLIER E PELLET, 2003). Não
obstante, o art. 51 prescreveu que o recurso da legítima defesa deveria ser comunicado
ao CSNU e só poderia se manter enquanto este órgão não tomasse as medidas
necessárias.
Logo, é possível verificar que apenas esses dois casos seriam considerados uso
da força legítima e que a o órgão natural para regular tais situações seria o CSNU. Mas
também é possível notar que a disciplina do uso da força não foi suficientemente
precisa, os critérios de como se usar a força ou quais situações ensejariam uma legítima
defesa, por exemplo, foram insuficientemente disciplinados. Caberia então a
necessidade de melhor aprimorar tais regras – ou retirar suas nuanças do direito
costumeiro. Nessa seara, a Corte Internacional de Justiça (CIJ ou apenas Corte),
sobretudo a partir do final do século XX, vem tendo um papel fundamental.
2.1 O papel da Corte Internacional de Justiça
Apesar de em regra a jurisdição da Corte para determinada lide ter de ser aceita
pelo Estado que for parte – a chamada cláusula facultativa de jurisdição obrigatória –
(Estatuto da CIJ, art. 36 parágrafos 1 e 2), as decisões da Corte têm sido muito
importantes para a construção do direito internacional. De acordo com Campos et al
(1999, p. 282), essa construção do direito internacional se dá essencialmente por três
vias:
1. Pela própria fundamentação de acórdãos arbitrais e da própria CIJ
em acórdãos proferidos anteriormente.
2. Pela influência na doutrina e, consequentemente, na formulação
de conceitos que tendem a ser incorporados no direito convencional.
3. Pelo reconhecimento da formação do costume internacional.
A competência da Corte, de acordo com seu Estatuto, “abrange todas as questões
que as partes lhes submetam, bem como todos os assuntos especialmente previstos na
Carta das Nações Unidas ou em tratados ou convenções em vigor” (art. 36 (1) do
Estatuto da CIJ). A Corte entende que, na qualidade de órgão das Nações Unidas, cabe a
ela também o papel de satisfazer a função principal da ONU (qual seja, a manutenção da
paz). Desse modo, entende que ela pode sim resolver sobre situações que cheguem à
Corte as quais digam respeito ao uso da força – ver Caso da Nicarágua (CIJ, 1984). A
CIJ entende que a Carta da ONU não atribuiu nenhuma exclusividade ao CSNU nesse
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sentido, nem estabeleceu qualquer relação de hierarquia entre os dois órgãos – casos da
Nicaragua e Lockerbie (CIJ, 1984, 1992).
A primeira vez que a CIJ enfrentou a questão do uso da força em uma lide foi no
chamado caso Corfur, de 1950 (DINH, DAILLER E PELLET, 2003). Mas o primeiro
caso de relevância, no qual o mérito foi analisado e critérios mais precisos foram
elencados pela Corte foi o caso da Nicarágua de 1984. Após este caso, houve um
aumento significativo de lides que versam sobre o uso da força (GRAY, 2003).
O caso da Nicarágua surgiu quando o governo do país entrou perante a Corte
contra o governo dos Estados Unidos, alegando que o apoio dos norte-americanos à
guerrilha de seu país, os Contras, violava normas internacionais. Na ocasião, uma das
principais contra-alegações foi a de que a questão não era passível de julgamento tendo
em vista que se tratava de situação política e era uma medida de legítima defesa coletiva
fundamentada no artigo XX(1) d do Tratado de Comércio e Navegação entre os dois
países (CIJ, 1984).
A decisão da Corte foi elucidativa em diversos aspectos no tocante ao uso da
força. Primeiro, a Corte refutou a alegação de questões políticas não poderiam ser
discutidas judicialmente. No julgado, a CIJ (1984) trouxe critérios como:
- legítima defesa deveria observar o costume internacional, no qual dois dos
quesitos estabelecidos eram a necessidade e proporcionalidade do uso da força;
- alegou assim que o caso não ensejava uso da força tendo em vista que o
financiamento de guerrilhas em El Salvador por parte do governo da Nicaragua, apesar
de configurar uma ingerência nos assuntos internos daquele país, não significava uma
ação armada – não podendo assim a força ser utilizada;
- a Corte estabeleceu, por outro lado, que o uso de apoio logístico e armamentos
fornecidos pelos EUA configuravam-se uso da força indireto por parte dos norteamericanos – e nessa ocasião ilegítimo, pois não ensejava legítima defesa;
- Além disso, a Corte estabeleceu outro critério que era o de que a legítima
defesa só poderia ser utilizada de um Estado contra outro Estado, e não perante
organizações não-Estatais. Assim, para que houvesse legítima defesa deveria haver o
envio de grupos armados por um Estado ou em nome dele.
Esses critérios foram observados em outros casos e alguns outros pontos
passaram também a ser enfrentados pela a Corte tanto nas questões opinativas
(requeridas pela ONU) como em julgamentos, e recomendações – essas ocorrendo até
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mesmo quando não era possível chegar ao mérito por falta de jurisdição (ver
D’ASPREMONT, 2007).
De modo preliminar, essa atenção proativa dada pela CIJ no tocante ao uso da
força pode ser vista em situações como: caso das Plataformas Petrolíferas EUA VS. Irã
(1988); Lockerbie (1992), nos diversos casos acerca da Legalidade do Uso da força (exIugoslávia vs. OTAN) (1999), Atividades Armadas de Congo vs Uganda (1999); mais
recentemente nos casos dos Drones de Paquistão VS. EUA. Assim como casos
opinativos como no caso sobre as armas nucleares (1995) e acerca do muro de Israel
(2003).
Assim, no caso Lockerbie, a CIJ intenta reafirmar seu papel de órgão
responsável também por tratar de questões concernentes ao uso da força. Nessa ocasião,
o que se revela importante é a busca pela determinação de competências entre ela e o
Conselho de Segurança (CSNU), como lembra Colerman (2003). É uma situação na
qual a Corte deixou claro que não tinha competência revisional das decisões do
Conselho de Segurança. Mas, por outro lado, enfatizou que não haveria nenhuma
hierarquia entre o CSNU e a própria CIJ estabelecida pela Carta da ONU, na mesma
linha também entendeu que não havia nenhuma proibição para tratar de certo assunto
que estivesse já sendo objeto do CSNU.
No opinativo sobre o uso de armas nucleares, por sua vez, a CIJ (1995) procurou
versar sobre a questão do uso da força de forma mais sutil, porquanto, no caso, ela não
disse que a utilização desse arsenal era vedada pela direito internacional, pois não achou
normas nem em Convenções nem no direito internacional costumeiro que vetassem tal
uso. Não obstante, o caráter restritivo da Corte se revelou ao dizer que qualquer uso de
armas nucleares deveria estar de acordo com o art. 2 (4) e art. 51 da Carta e ainda
deveriam obedecer a normas referentes aos conflitos armados e ao Direito Humanitário
(CRONIN-FURMAN, 2006). Mais do que isso, no referido caso, como bem destaca
Matheson (1997), a CIJ lembrou aos Estados o dever de boa-fé em concluir os acordos
para o desarmamento nuclear, de acordo com o Tratado de Não-Proliferação.
Recomendações quanto ao respeito ao direito internacional no caso das normas
de conflitos armados, assim como do Direito Humanitário também foram feitas nos
casos da Legalidade do uso da força (Iugoslávia VS. Bélgica, 1999) – mesmo na
situação a Corte ter reconhecido que não tinha jurisdição sobre a lide.
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Em 1999, no caso da República Democrática do Congo VS. Uganda, a Corte
demonstrou uma interpretação restritiva no tocante ao uso da força de modo mais
incisivo. Na ocasião, houve uma ação na qual o governo de Uganda usou a força contra
a soberania congolesa para evitar que grupos rebeldes, situados no território do Congo,
atacassem-no. Nesse caso, a CIJ (1999) considerou que Uganda não tinha o direito de
legítima defesa contra o governo do Congo, pois não era possível provar que o governo
desse país estava apoiando os rebeldes. A Corte arguiu que Uganda violou “the
cornerstone of the United Nations” (parag. 148), tendo em vista a transgressão do art. 2
(4). Além de violar também o costume internacional, fazendo referência o já citado caso
da Nicaragua. Na ocasião também a Corte foi de encontro mesmo a posicionamentos do
CSNU, pois este havia, em inúmeras resoluções, declarado que as ações armadas no
Congo eram uma ameaça à paz e à segurança internacionais (GATHII, 2007).
Já no caso no qual foi demandado à Corte parecer opinativo acerca da legalidade
do Muro de Israel (CIJ, 2003), ela esclareceu que a construção do muro era uma
violação do direito internacional, e Israel não poderia arguir legitima defesa para
construí-lo. Nesse sentido, mais uma vez, a CIJ foi alvo de várias críticas no sentido em
que ela estava sendo destoante com os posicionamentos do CSNU, já que o Conselho
havia ensejado na resolução relacionada ao Afeganistão que os Estados poderiam tomar
ações contra atores não-estatais como legítima defesa (ver POMERANCE, 2005).
Recentemente, o posicionamento restritivo da Corte quanto ao uso da força foi
revelado no caso dos Drones (Paquistão VS. EUA). Na ocasião – que ainda não está
disponibilizada no site do órgão – a CIJ votou a favor da ilegalidade do uso da força
pelos Estados Unidos, mas também fez recomendação ao Paquistão que procurasse
restringir a ação de grupos terroristas em seu território.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Corte, a partir do caso da Nicarágua, passou a assumir um posicionamento
proativo no tocante à interpretação restritiva do uso da força, inclusive, na opinião de
alguns autores, em casos que pertenceriam muito mais à seara política do que a jurídica
(ver GRAY, 2003).
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De modo preliminar, o que se percebe é que a CIJ procurou posicionar-se de
forma mais afirmativa no tocante aos casos que versam direta ou indiretamente sobre o
uso da força, no sentido de buscar sempre que possível tomar partido sobre a matéria.
Mas o que seria possível afirmar de modo material (no tocante aos julgados,
precisamente)? Os casos revelam necessariamente uma ideia nuclear que regeria os
julgados da CIJ, demonstrando assim alguma característica central nos posicionamentos
da Corte a partir do caso da Nicarágua?
Há evidentemente indícios que a Corte passou a atuar por meio de uma
interpretação restritiva a qual, quando necessário, se chocaria inclusive com os
entendimentos do órgão político responsável – o CSNU – como afirma Gray (2003). A
Corte desde a Nicarágua procura entender que ações de grupos não-estatais não são
suficientes ao recurso da força, bem como que ela tem competência pra discutir os
assuntos de uso da força de forma paralela ao CSNU. Ou, ao menos, ela passou a fazer
recomendações que visivelmente restringe a possibilidade de coação por parte dos
Estados. São características preliminares que poderiam levar reflexões sobre a Corte,
mas que demandariam investigações mais detalhadas.
Portanto, como dito inicialmente, o objetivo desse artigo esteve muito mais em
problematizar a questão do uso da força perante a CIJ do que trazer respostas
definitivas. Trata-se de uma base inicial para que estudos referentes a essa temática
possam ser evoluídos no âmbito das reflexões sobre direito internacional na academia
brasileira.
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Recebido em outubro de 2013
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