ORDEM DOS MÉDICOS SECÇÃO REGIONAL DO NORTE 1 ESTATUTO DO MEDICAMENTO 1-Verifica-se com espanto que a propósito do Estatuto do Medicamento o Ministro da Saúde queira violar expressamente a Constituição da República. Dado que o Governo actual é demissionário, diz a Constituição da República que "...o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos" (artigo 186º, ponto 5). Sendo assim, creio que a OM deve colocar-se em uma de duas posições: -a de não reconhecer ao Governo legitimidade para a legislar nesta matéria ou, alternativamente, -proceder a uma análise do referido Estatuto 2-A análise do mesmo permite concluir que: -continua a não se definido quem pode prescrever medicamentos; (ver artigo 2º alínea v); será que para além dos médicos, dos médicos dentistas e dos odontologistas o Ministro da Saúde conhece mais alguém que prescreva medicamentos? A mesma ambiguidade prolonga-se nos artigos 114º, 118º, -os medicamentos genéricos podem ser dispensados da obrigação de apresentar estudos de biodisponibilidade se apresentar critérios específicos definidos para a matéria; (ver artigo 9º, nº2, alínea c); o que são critérios específicos e quem os define? Ou será que está aqui uma justificação para os genéricos serem mais baratos? Dito de outra forma os genéricos são mais baratos porque não apresentam a mesma exigência de qualidade que os não genéricos -a classificação de medicamentos com a designação de “só pode usar-se sob vigilância clínica” é redundante e perigosa porque insinua que pode haver medicamentos que só podem vender-se mediante sob receita médica e não existir vigilância. Na verdade, por definição, apenas os medicamentos não sujeitos a receita médica é que dispensam vigilância. Como as farmácias não vendem medicamentos sujeitos a receita médica, sem este documento, o conceito é destituído de significado (ver artigo 63º) e contradiz o expresso no artigo 71º. RUA DELFIM MAIA, 405 – 4200-256 PORTO TEL.: 225 070 100 FAX: 225 502 547 www.nortemedico.pt ORDEM DOS MÉDICOS SECÇÃO REGIONAL DO NORTE 2 -o artigo 77 proíbe o médico de escolher o medicamento que considere adequado ao seu doente constituindo uma revisão encapotada do DecretoLei nº 271/2002; compreende-se agora a ambição da Associação Nacional de Farmácias em ter apenas dois ou três genéricos disponíveis para venda, já que assim passa ser o farmacêutico a escolher o genérico a vender a cada doente. -o mesmo artigo regulamenta a prescrição de medicamentos para os quais existam genéricos; porque é que não está regulamentada a prescrição de medicamentos para os quais não existam genéricos? Será que é proibida? -o artigo 96 consagra o conceito de “medicina homeopática portuguesa” sendo que a Ordem dos Médicos (através do seu Código Deontológico) impede aos médicos a prática de actos sem comprovação científica; convinha esclarecer ainda o que são “os princípios e as particularidades da medicina homeopática portuguesa”. Será que em Portugal a memória da água é maior ou menor que em outros países? E porque é que os medicamentos homeopáticos têm normas especiais definidas pela arbitrariedade do Ministro da Saúde? -o artigo 97 consagra medicamentos homeopáticos que “não apresentem indicações terapêuticas especiais na rotulagem ou em qualquer informação relativa ao medicamento”. Então como é que se explica que um produto sem indicações terapêuticas seja um medicamento, tal como este é definido no próprio Estatuto como “toda a substância activa ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas de doenças humanas ou dos seus sintomas” (artigo 2º, nº 1, alínea a)? -seria ainda curioso que o Ministro da Saúde explicasse que os medicamentos homeopáticos sujeitos a registo simplificado não estão sujeitos às mesmas regras de farmacovigilãncia (artigo 97º, nº4) que todos os outros medicamentos (artigo 126º). Será mais uma questão de memória da água? -porque é os medicamentos homeopáticos (apesar da sua reconhecida eficácia graças à memória da água) estão obrigados a conter na embalagem exterior e no folheto informativo a menção “sem indicações terapêuticas aprovadas” (ver artigo 99º). RUA DELFIM MAIA, 405 – 4200-256 PORTO TEL.: 225 070 100 FAX: 225 502 547 www.nortemedico.pt ORDEM DOS MÉDICOS SECÇÃO REGIONAL DO NORTE 3 -no caso dos medicamentos homeopáticos obrigados a conter a menção “sem indicações terapêuticas aprovadas” seria ainda clarificador saber-se se a sua venda está sujeita a receita médica ou não, se são ou não comparticipados e ainda se podem ou não ser objecto de publicidade junto do público? -o artigo121º permite a publicidade junto do público de medicamentos não sujeitos a receita médica desde que não comparticipados e de medicamentos “cuja composição e finalidade, sejam concebidos para ser utilizados sem intervenção médica para efeitos de diagnóstico, prescrição ou vigilância do tratamento, eventualmente com o conselho do farmacêutico”. Já que o Estatuto prevê dois tipos de medicamentos (sujeitos a receita médica e não sujeitos a receita médica) quais são os medicamentos sujeitos a receita médica que o farmacêutico pode aconselhar? E se não pode vender esses mesmos medicamentos sem receita médica o conselho parece óbvio: consulte o seu médico. Ou haverá outro tipo de “aconselhamentos”? 3-Em resumo, o presente Estatuto visa: -manter a indefinição quanto à competência para prescrever medicamentos, continuando a iludir a definição objectiva de receita médica -permitir que os medicamentos genéricos não cumpram as mesmas exigência de qualidade a que estão sujeitos os medicamentos não genéricos -permitir aos agentes de venda dos medicamentos a escolha dos genéricos a fornecer aos doentes -legalizar, sem fundamento técnico, algo designado por medicina homeopática portuguesa Conclusão: mais um documento com o timbre inconfundível do Ministro Luís Filipe Pereira. Porto, 18 de Fevereiro de 2005 RUA DELFIM MAIA, 405 – 4200-256 PORTO TEL.: 225 070 100 FAX: 225 502 547 www.nortemedico.pt