A Identidade de Sherman Graciele Amorim, E-mail: [email protected] Departamento de Matemática, Universidade Federal de Santa Catarina, 88040-900, Florianópolis, SC RESUMO 1. Introdução identidade da fı́sica matemática e, em particular, relevante no formalismo combinatorial do Modelo de Ising em duas dimensões. O modelo de Ising, tem como objetivo estudar um dos fenômenos mais importantes em matéria condensada, as transições de fase em materiais ferromagnéticos. Neste trabalho foram investigados os aspectos combinatoriais e algébricos da identidade de Sherman no caso genérico e foram dadas soluções para alguns problemas em aberto sobre a mesma. Seja Gr um grafo com R laços e um único vértice. A Identidade de Sherman consiste na Na referência [10] Sherman discute o problema seguinte relação formal: de se determinar o possı́vel significado algébrico da identidade e dos números θ+ e θ− , sem contudo, resolvê-lo. R Y Y Y θ+ (mi ,...,mi ) θ− (mi ,...,mi ) r r 1 1 Z+ Z− =1 r=2 Gr S(Gr ) Na primeira etapa do trabalho os aspectos (1) combinatoriais da identidade de Sherman foram onde investigados em detalhe para que o problema mi1 de contagem das classes de equivalência de mir θ± (mi ,...,mir ) 1 Z± := (1 ± zi1 ... zir ) (2) caminhos fechados não periódicos pudesse ser resolvido. O segundo produtório é sobre todos os subgrafos Gr de GR com r laços, r = 2, 3, ... , R, e o terceiro produtório é sobre as sequências de Ademais, as possı́veis relações da identidade valores de mi1 , mi2 ,..., mir , em com as álgebras de Lie são elucidadas. Neste contexto, prova-se que a identidade de Sherman S(Gr ) = {(mi1 , ... , mir )|mik > 0, k = 1, ..., r} é uma consequência da identidade de Witt (3) generalizada de uma álgebra de Lie. Os expoentes θ+ e θ− são os números de classes de equivalência de caminhos fechados A identidade de Witt (4) consiste na seguinte não periódicos com sinal positivo e negarelação formal, envolvendo as variáveis z1 , ..., zR : tivo, respectivamente, que percorrem os laços i1 , i2 , ..., ir o número de vezes mi1 , mi2 ,..., mir , respectivamente. O número N = mi1 + ... + mir é chamado de comprimento do caminho. R Y X mR M (m1 ,...,mR ) (1 − z1m1 ...zR ) =1− zi A identidade de Sherman é um caso espe- m1 ,...,mR ≥0 i=1 cial da identidade de Feynman, importante (4) 1 onde M (m1 , ..., mR ) é igual a 1 N X g|m1 ,...,mR N µ(g) m 1 g g !... ! m R g ! Teorema 1 O número Kr (l; mi1 , ..., mir ) de palavras não periódicas, mais suas inversões e permutações circulares, é dado por ! m ik (5) r X l X Y −1 g (7) µ(g)2 g t ik − 1 g|l,mi ,...,mir {S l } k=1 1 g sendo N = m1 + ... + mR > 0 e µ a função de onde tik é o número de ocorrências da aresta ik Möbius. em S l e µ é a função de Möbius. g Algebricamente, a fórmula de Witt (5) fornece as dimensões dos subespaços homogêneos de uma álgebra de Lie livre gerada por R geradores. Na referência [10] Sherman chama a atenção para certas semelhanças que existem entre a identidade (1) e a identidade de Witt, oriunda da teoria das álgebras de Lie. Nesta referência Sherman observa que a fórmula de Witt também é igual ao número de classes de equivalência de caminhos fechados não periódicos que percorrem o grafo GR no sentido anti-horário. Teorema 2 O número θ = θ+ + θ− de classes de equivalência de caminhos fechados não periódicos de comprimento N ≥ r que percorrem mi1 vezes a aresta i1 ,...,mir vezes a aresta ir de Gr ⊆ GR , satisfazendo mi1 + ... + mir = N , é dado por: θ(mi1 , ..., mir ) = X mi µ(g) mi1 F( , ..., r ) g g g g|mi1 ,...,mir (8) onde N É natural então questionar se é possı́vel uma g r 1X m 2a X Y m i1 i interpretação análoga para os expoentes na F , ..., r = g g 2 a=r a identidade de Sherman. {Sa } k=1 A solução para esta questão baseia-se em uma se r ≥ 3; e, se r = 2 : proposição devida a S. J. Kang e M. H. Kim ! m i1 m m M/g X 22a [6-7], que generaliza a fórmula da dimensão e −1 i1 i2 g = a identidade de Witt para o caso de álgebras F g , g 2a a −1 a=1 de Lie livres geradas por espaços vetoriais graduados. onde M = min{mi1 , mi2 }. ! m ik −1 g t ik − 1 (9) ! m i2 −1 g a−1 (10) 2. Resultados Teorema 3 Suponha que qualquer uma das condições abaixo é satisfeita: Lema 1 Dado Gr ⊆ GR , seja Kr (l, mi1 , ... , mir )o número de palavras de comprimento N = mi1 + ... + mir , com os valores de l, mi1 , ... , mir fixados. Esse número, que inclui palavras não periódicas e periódicas, suas inversões e permutações circulares, está dado pela fórmula (a) mi1 + mi2 + ... + mir < 2r; (b) mi1 , mi2 , ... , mir são coprimos; (c) mi1 , mi2 , ... , mir não são todos pares; (d) mi1 , mi2 , ... , mir são todos ı́mpares. Então, os números θ± satisfazem a seguinte relação: r XY m ik − 1 Kr (l; mi1 , ... , mir ) = 2 n ik − 1 θ− (mi1 , ... , mir , N ) = θ+ (mi1 , ... , mir , N ) (11) l {Sl } k=1 (6) onde nik é o número de ocorrências da aresta ik na sequência Sl . A somatória é sobre todas as sequências Sl de comprimento l. Convencionase que o sı́mbolo de combinação se anula se nik > m ik . Teorema 4 O número de classes de equivalência de caminhos fechados não periódicos de comprimento N ≥ r com sinal positivo que percorre mi1 vezes a aresta i1 ,...,mir vezes a aresta ir de Gr ⊆ GR , mi1 +...+mir = N é dado por: 2 onde X µ(g) mi mi 1 θ+ (mi1 , ..., mir ) = G , ..., r g g g d(k1 , ..., kr )z1k1 ...zrkr X f (z1 , ..., zr ) := (k1 ,...,kr )∈ Zr>0 gi |{mi } (12) (18) onde a soma é sobre todos os divisores comuns ı́mpares gi de mi1 , ..., mir , µ(g) é a função de A fórmula (12) pode ser reescrita na seguinte forma: Möbius e F (13) Teorema 6 Os números θ+ (mi1 , ..., mir ) estão 2 dados pela fórmula generalizada de Witt onde F está dado no Teorema 2. Se mi1 , ..., mir X µ(g) mi mi são todos números pares, então 1 θ+ (mi1 , ..., mir ) = W , ..., r g g g mi 1 mi r G= θ− (mi1 , ..., mir ) = θ+ (mi1 , ..., mir )−θ+ ( 2 , ..., g|mi1 ,...,mir ) 2 (14) (19) onde a função de partição de Witt W está dada Usando os resultados dos Teoremas 3 e 4, por: prova-se o seguinte: si não todos pares F(s1 , ..., sr ) X 1 s1 sr Teorema 5 Para cada r ∈ {2, 3, ... R}, P( , ..., ) si par F(s1 , ..., sr ) − k k k ∞ k|s1 ,...,sr Y Y θ (m , ... ,mr ,N ) θ− (m1 , ... ,mr ,N ) (20) Z++ 1 Z− =1 m >0 e N =r P i mi =N X µ(gp ) a1 (15) ar P(a1 , ..., ar ) = F , ..., gp gp gp gp |a1 ,...,ar Notamos que o terceiro produtório em (1) é (21) igual ao lado esquerdo de (15). Portanto, o Teorema 5 prova a identidade (1). Note que agora a soma é sobre todos os Proposição 1 (S. J. Kang e M. H. Kim) Seja divisores, diferente do somatório do Teorema 4, V um espaço vetorial Zr>0 -graduado sobre o que era apenas sobre os divisores ı́mpares. corpo K, com subespaços V(k1 ,...,kr ) , cuja dimensão é dada por d(k1 , ..., kr ) < ∞ para todo Comparando a fórmula (16) com a fórmula (k1 , ..., kr ) ∈ Zr>0 . Seja L a álgebra de Lie livre (8), é imediata a semelhança entre ambas. Vagerada por V . Então, as dimensões dos sube- mos, portanto, interpretar a (8) como sendo uma spaços L(k1 ,...,kr ) são dadas pela fórmula gen- fórmula que fornece as dimensões dos subespaços eralizada de Witt homogêneos de uma álgebra de Lie L. Nesse caso, a função de partição de Witt é conhecida X µ(g) k1 kr dim L(k1 ,...,kr ) = W , ..., explicitamente e dada pelas fórmulas (9) ou (10). g g g g|(k1 ,...,kr ) (16) A somatória é sobre todos os divisores comuns de k1 , ..., kr e µ é a função de Möbius. A função W , chamada de função de partição de Witt, é dada em termos das dimensões dos subespaços V(k1 ,...,kr ) . Além disso, a fórmula generalizada de Witt satisfaz a seguinte identidade, chamada de identidade generalizada de Witt : Y (1 − z1k1 ...zrkr )dim L = 1 − f (z1 , ..., zr ) A próxima etapa consiste em determinar as dimensões dos subespaços vetoriais que geram L. Teorema 7 A dimensão dos espaços vetorias que geram a álgebra de Lie L é dada por: d(k1 , ..., kr ) = |k| X λ=1 (−1) λ+1 a q X Y W (lj ) j aj ! p(λ,k) j=1 (k1 ,...,kr )∈ Zr>0 Da proposição 1 segue o seguinte: (17) 3 (22) Teorema 8 Os números θ+ (mi1 , ..., mir ) dados uma função composta. por (19) satisfazem a seguinte identidade generalizada de Witt: A ligação entre os resultados combinatoriais e algébricos é estabelecida pelo Teorema 7, em que ∞ Y mi1 mir θ + (1 − z1 ... zr ) = 1 − f (z1 , ..., zr ) θ+ é dado pela fórmula generalizada de Witt, e pelo Teorema 8, que mostra que θ+ satismi1 ,...,mir =1 (23) faz a identidade generalizada de Witt. Nesse contexto, conseguimos provar que a identidade onde de Sherman é na verdade uma consequência da ∞ X mi m identidade generalizada de Witt. d(mi1 , ..., mir )z1 1 ... zr ir f (z1 , ..., zr ) = mi1 ,...,mir =1 (24) e os coeficientes são dados pela fórmula (22) com W dado pela (20). Referências [1] AMORIM, G., A Identidade de Sherman, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. 3. Discussão Os resultados combinatoriais obtidos enquadram-se até o quinto resultado. Uma ferramenta importante no tratamento combinatorial do problema foi a Transformada Inversa de Möbius, que nos permitiu excluir caminhos periódicos da contagem no Teorema 2. [2] AMORIM, G.; DA COSTA, G. A. T. F. Generic case of Sherman Identity. Combinatorics. Workshop on Advances on Graph Theory and Applications, 2006. [3] AMORIM, G.; DA COSTA, G. A. T. F. Combinatória de Caminhos sobre um Grafo. Jornadas de Iniciação Cientı́fica. IMPA, Rio de Janeiro, 2006. A prova combinatorial da identidade (contemplada pelo Teorema 5), embora bastante longa e repleta de detalhes, utiliza-se essencialmente das relações entre θ+ e θ− obtidas nos resultados 3 e 4. [4] DA COSTA, G. A. T. F. Feynman identity: a special case. J. Math. Phys. 38 (1997), 1014-1034. As semelhanças apontadas por Sherman [10] entre a identidade (1) e a identidade de Witt (4), sugerem uma estreita ligação entre ambas. A fórmula de Witt também tem um significado combinatorial: os expoentes θ± na identidade de Sherman e M na identidade de Witt contam caminhos fechados não periódicos que percorrem o grafo citado. [5] DA COSTA, G. A. T. F.; MACIEL, A. L.Combinatorial Formulation of Ising Model Revisited. Revista Brasileira de Ensino de Fı́sica. 25, n.1, 2003. [6] KANG, S. J.; KIM, M. H. Free Lie Algebras, Generalized Witt Formula, and the Denominator Identity. J. Algebra, 183 (1996), 560594. Entretanto, podemos considerar a identidade de Sherman mais geral que a de Witt no sentido de que leva em conta caminhos não periódicos que percorrem as arestas do grafo em todos os sentidos, e não apenas o anti-horário como faz a fórmula de Witt. [7] KANG, S. J.; KIM, M. H. Dimension formula graded Lie Algebra and its applications. Transactions of the American Mathematical Society, 351, n.11, (1999) 42814336. No Teorema 6 foram determinadas as dimensões do subspaços vetoriais que geram a álgebra de Lie L. Esse resultado foi obtido com base em uma importante proposição [6-7] e aplicando-se a fórmula de Faa di Bruno generalizada, que fornece a derivada múltipla de [8] LOEBL, M. A discrete non-pfaffian approach to the Ising problem, in “Graphs, morphisms and statistical physics. 145-154, DIMACS Ser., Discrete Math. Theoret. Comput. Sci.,63, Amer. Math. Soc., Providence, RI, 2004. 4 [9] SHERMAN, S. Combinatorial aspects of the Ising model for ferromagnetism. I. A conjecture of Feynman on paths and graphs. J. Math. Phys. 1 (1960), 202-217. [10] SHERMAN, S. Combinatorial aspects of the Ising model for ferromagnetism. II. An analogue to the Witt identity. Bull. Am. Math. Soc. 68 (1962), 225-229. 5