www.arede.inf.br ano 11 | nº 101 | especial novembro 2014 TECNOLOGIA PARA A INCLUSÃO SOCIAL Prêmio ARede 2014 Personalidade do Ano Os projetos vencedores editorial Participação cidadã É sempre um prazer fazer a apresentação desta edição especial da revista ARede, dedicada aos projetos vencedores do Prêmio ARede. Todos os anos, recebemos iniciativas múltiplas, voltadas à inclusão social, educacional e cultural que se apoiam no uso de ferramentas as tecnologias da Equipe Redação Lia Ribeiro Dias Diretora editorial Miriam Aquino Diretora associada Áurea Lopes Editora-executiva Rafael Bravo Bucco Repórter Camila Sipahi Pires Editora de arte informação e comunicação (TICs). Colaboradores Fatima Fonseca (textos) Não é fácil fazer a seleção dos melhores Publicidade entre mais de 200 projetos, de todo o país, envolvendo de crianças e adolescentes a idosos. Por isso, nosso reconhecimento aos profissionais que integram a comissão julgadora e que dedicaram seu tempo a este trabalho, alguns nossos parceiros desde a primeira edição do prêmio, há oito anos. A todos os concorrentes inscritos, nosso agradecimento pelo prestígio, mas especialmente pelo trabalho importante que fazem por todos os rincões deste país que tanto precisa de iniciativas desse tipo. Aos projetos premiados, que se destacaram em suas categorias, nossos parabéns. Esperamos que a Meire Alessandra Diretora Leonardo Rodrigues Executivo de contas Edna Fonseca Gerente de circulação e marketing Administrativo-financeiro Adriana Rodrigues Gerente Camila Carvalho Assistente Web e Suporte de Rede Ricardo Oliveira Técnico Gráfica Gráfica Ipsis Distribuição Correios Entrega Direta publicação das reportagens sobre as iniciativas premiadas possam propiciar a divulgação que os projetos merecem e, mais que tudo, consigam inspirar ativistas, empresas e gestores públicos a utilizar a tecnologia para criar novas frentes de inclusão social. ARede é uma publicação bimestral da Bit Social - www.arede.inf.br Av. São Luiz, 258, 21º andar, cj. 2111, 01046-000, São Paulo, SP. Tel.: 11 3129-9928 / 11 3151-2115 [email protected] Foto Robson Regato Jornalista responsável – Lia Ribeiro Dias (MT 10.187) 4 Lia Ribeiro Dias Diretora Editorial www. arede.inf.br ARede adota Licença CompartilhaIgual (SA) O uso livre do conteúdo não se aplica às fotos, que pertencem a seus autores. Conselho editorial Antônio Carlos Silva Representante da Rede Mocambos Luiz Ernesto Gemignani Presidente do Conselho de Administração da Promon Beatriz Tibiriçá Diretora do Coletivo Digital Manoel Horácio Conselheiro do Banco Fator Carlos Seabra Coordenador Técnico Pedagógico na Gerência de Inovação e Novas Mídias da Editora FTD Mário Luís Teza Representante do Projeto Software Livre Brasil Cláudio Prado Presidente do Laboratório Brasileiro de Cultura Digital Cristina Kiomi Mori Diretora do Escritório de Projetos Especiais de Modernização da Gestão (Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão) Edson Fregni Professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo Felipe Fonseca Representante da Metareciclagem Jorge Bittar Deputado Federal (RJ) Júlio Semeghini Secretário de Planejamento e Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo Misael Dentello Coordenador Regional de Inclusão Digital do Serpro-SP ATENÇÃo assinante! Além de receber a revista ARede impressa, você tem direito a receber, gratuitamente, o boletim eletrônico com notícias e artigos do portal ARede Online. Para isso, precisamos cadastrar seu e-mail em nosso sistema. Entre o no site. Na barra superior, clique no botão CADASTRESE e coloque seus dados. www.arede.inf.br Paulo Lima Representante do Projeto Saúde e Alegria Ricardo Knoepfelmacher Diretor da Angra Partners Ricardo Kobashi Integrante do Coletivo Lixoeletrônico.org Rodrigo Baggio Diretor do Comitê para a Democratização da Informática (CDI) realização Rodrigo Ortiz D’Avila Assumpção Presidente da Dataprev Sérgio Amadeu da Silveira Pesquisador e educador Thiago Tavares de Melo Diretor da SaferNet Brasil Promotores da inclusão digital A empresa ou a instituição que faz um pacote de assinaturas da revista ARede se torna um agente na promoção da inclusão digital no Brasil, ajudando a difundir informações e apoiar a formação em telecentros, escolas públicas e outros pontos de acesso coletivo às tecnologias da informação e comunicação. Venha se juntar a esse time Assine ARede para a sua comunidade ou patrocine um lote de assinaturas para uma instituição que precisa. ARede especial novembro 2014 5 índice Prêmio ARede 2014 Conexões com um mundo melhor 8 Personalidade do Ano Alessandro Molon 12 Marco Civil é garantia da democracia na rede Especial Educação Conhecimento livre e universal14 A mina de dados da educação16 Terceiro Setor Conteúdo de interesse público 20 Linha direta com a navegação segura Capacitação e formação 22 Uma história, muitas leituras, saberes compartilhados Serviços aos usuários e à comunidade Uma rede para anônimos 24 Setor Público Conteúdo de interesse público 26 Observatório social para a juventude Capacitação e formação 28 Um novo jeito de ensinar e de aprender Serviços aos usuários e à comunidade 30 Articulação política? Coisa de hackers! Tecnologia para acessibilidade 32 Escolas preparadas para a inclusão Setor Privado Conteúdo de interesse público 34 A moçada dos morros aparece no mapa Capacitação e formação 36 Todos podem aprender Serviços aos usuários e à comunidade 38 A saúde vencendo distâncias! Tecnologia para acessibilidade 40 Informações que libertam 6 www. arede.inf.br Conexões com um mundo melhor A tecnologia já é transparente nos processos de desenvolvimento humano e social. Faz parte da rotina de jovens e idosos, ricos e pobres, educadores e educandos. Por isso, cada vez mais, os projetos vencedores do Prêmio ARede ganham destaque pelo ganho no conhecimento e pelo salto de qualidade de vida proporcionados a seus beneficiados. 8 www. arede.inf.br VENCEDORES 2014 » Personalidade do Ano Alessandro Molon Deputado federal – relator do Marco Civil da Internet » ESPECIAL EDUCAÇÃO REA.br Instituto Educadigital QEdu: aprendizado em foco Fundação Lemann » Terceiro Setor > Conteúdo de interesse público HelpLine SaferNet Brasil > Capacitação e formação E se eu fosse o autor? Associação Casa da Árvore > Serviços aos usuários e à comunidade DiasporaBR Anahuac de Paula Gil » Setor Público Foto: Shutterstock | YanLev > Conteúdo de interesse público Participatório – Observatório Participativo da Juventude Secretaria Nacional de Juventude O Brasil é um enorme baú de boas surpresas, quando se trata de descobrir pessoas e iniciativas que contribuem para o crescimento social e cultural da população. Fazemos essa afirmação sem medo de errar, pois há 8 anos o Prêmio ARede realiza o gratificante trabalho de identificar e promover projetos sociais apoiados pelas Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs). Os milhares de candidatos inscritos e as dezenas de vencedores, ao longo desse tempo, compuseram um quadro que dá a medida do quanto a tecnologia é fundamental para transformar realidades. Este ano, entre os mais de 200 projetos inscritos no prêmio, foi possível notar que aumentaram as > Capacitação e formação Ensino de programação para alunos do 4º e 5º anos do ensino fundamental Prefeitura de Cascavel > Serviços aos usuários e à comunidade Laboratório Hacker Câmara dos Deputados Patrocínio > Tecnologia para acessibilidade Recursos Tecnológicos Acessíveis Secretaria Municipal de Educação de São Paulo » Setor Privado > Conteúdo de interesse público Agentes da Transformação Instituto TIM > Capacitação e formação Projeto Tecnologia para Todos Projeto Tecnologia para Todos Apoio > Serviços aos usuários e à comunidade Projeto de Telemedicina de Sergipe Cisco do Brasil e Universidade Federal de Sergipe > Tecnologia para acessibilidade Vida Mais Livre Espiral Interativa Realização ARede especial novembro 2014 9 ações de participação social e cidadania – facilitadas pelas políticas públicas voltadas à universalização do acesso e pela forte adesão dos brasileiros às redes sociais. Também despontaram mais iniciativas de inclusão digital de pessoas com deficiência – que conseguem, por meio das ferramentas virtuais, garantir sua integração em um mundo antes inalcançável para elas. Mas o que mais chamou atenção foi a ênfase e os investimentos em projetos de tecnologias educacionais, de formação e de capacitação. A quantidade de bons projetos nesse segmento foi tal que a comissão organizadora decidiu conceder dois prêmios na categoria especial Educação (ver página 9). TICs nas escolas das redes públicas e particulares de todo o país. No ano em que o mundo todo voltou as atenções ao Brasil, durante o mês de abril, quando nos tornamos a nação com a mais avançada lei de internet do planeta, o Prêmio ARede Personalidade do Ano fez jus a um parlamentar que esteve à frente dessa conquista. Relator do Marco Civil da Internet, o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) recebeu o título, eleito com ampla margem de votos pela comissão julgadora. A educação foi destaque também no Anuário ARede 2014, lançado durante a cerimônia de entrega do Prêmio ARede, em São Paulo. Na 6ª edição, o anuário – que inovou, em 2009, ao divulgar projetos nacionais de inclusão digital – traz novamente uma pauta inédita. A publicação é a primeira a reunir reportagens que mostram boas práticas do uso de A equipe da revista ARede dá os parabéns aos concorrentes, em especial aos vencedores – que este ano ganham, além do troféu, bolsas de estudo em cursos da área de TI, oferecidos pelo Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel). Também agradecemos à comissão julgadora, que gentilmente cedeu seu tempo e agregou prestígio a esta premiação (ver abaixo). E esperamos que, para o próximo ano, novos projetos surjam, cada vez mais qualificados e inspiradores para outras iniciativas, sejam da sociedade, sejam do poder poder público. Comissão Julgadora versidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) Regina Silva, professora e diretora de projetos educaTodos os anos, o Prêmio ARede conta com a contribuição de um time de especialistas que dedica seu tempo e sua competência para eleger os vencedores, entre tantos bons projetos. Nosso agradecimento a esses colaboradores. » Especial Educação Felipe Fonseca, pesquisador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp Jesulino Alves de Souza, ativista do software livre e cionais especiais da Positivo Informática Roseli Lopes, professora da Escola Politécnica da USP e pesquisadora do Laboratório de Sistemas Integráveis (USP) » Setor Público Cecília Hartmann Regueira, presidente do Instituto Hartmann Regueira Giovana Évi Labegalini, engenheira de banda larga Wilken David Sanches, diretor do Coletivo Digital da inclusão digital José Manuel Moran, educador e especialista em projetos de mudança na educação presencial e online Márcia Padilha, consultora e tecnologias educacionais » Setor Privado Bianca Santana, diretora do Instituto Educadigital Maria Rebeca Otero Gomes, coordenadora do Setor de Educação da Unesco no Brasil » Terceiro Setor Carlos Seabra, coordenador técnico-pedagógico na Selma Bessa, educadora, integrante do Núcleo de Gerência de Inovação e Novas Mídias da Editora FTD fessor-Fort.CE Maria das Graças Pinto Coelho, professora da Uni- 10 www. arede.inf.br Tecnologia Educacional/Centro de Referencia do Pro- ARede especial novembro 2014 11 Fotos: Laycer Tomaz Personalidade do ano Marco Civil é garantia da democracia na rede O deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ) teve, como relator, papel relevante no debate do Marco Civil da Internet, que foi aprovado graças ao empenho pessoal da presidente Dilma Rousseff. Lia Ribeiro Dias O que levou o deputado federal Alessandro Molon, do PT do Rio de Janeiro, a lutar pela relatoria do Marco Civil da Internet, foi sua convicção de que a neutralidade da rede é essencial para garantir a democracia na rede, de que todos os internautas tenham seus pacotes tratados da mesma forma, sem privilégio de uns sobre outros. Em seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados, Molon, eleito a Personalidade do Ano do Prêmio ARede de 2014, teve os holofotes dirigidos à sua atuação, tanto pelos militantes da liberdade na web, como pelos provedores de 12 www. arede.inf.br conexão que queriam alterar a redação do artigo referente à neutralidade. “O prêmio é um justo reconhecimento”, afirma Beá Tibiriçá, diretora do Coletivo Digital, que acompanhou os embates no Parlamento em torno do Marco Civil. Ela conta: “Molon se manteve de pé em todas as indas e vindas do projeto. Negociação era seu nome quando a conjuntura exigia. Em outros momentos, ficava clara sua disposição para o confronto direto. Isso permitiu que o texto aprovado garantisse os três princípios básicos do movimento: neutralidade, privacidade e liberdade de expressão”. A relatoria do Marco Civil da Internet – o projeto de lei do Executivo começou a tramitar no Congresso em 2011 e só foi aprovado em abril de 2014 – colocou Molon no centro das pressões. “Houve muita movimentação em função de visões divergentes, mas são movimentos legítimos”, diz ele, que antes de chegar a Brasília teve dois mandatos de deputado estadual pelo PT fluminense – na Assembleia do Rio de Janeiro, seu foco foram os direitos humanos e a segurança pública. E também a educação. Afinal, foi sua experiência como professor de História de escola pública que o levou à política. “Descobri que a política era o caminho para influir na qualidade da educação, tirar a escola pública da precariedade, melhorar o ensino, a segurança, a relação com os pais de aluno”, relata ele. E para se preparar melhor para a arena da política, resolveu fazer a faculdade de Direito, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde hoje é professor. Sua experiência na sala de aula e na rádio Catedral, uma rádio católica também no Rio de Janeiro, onde fez trabalho voluntário, desenvolveu suas habilidades para a comunicação. “Isso me ajudou na vida pública”, relata o mineiro de Belo Horizonte, militante católico, casado e pai de dois filhos, que em outubro completou 43 anos. Apesar de seu reconhecido desempenho no papel de relator do Marco Civil, Molon diz que se não fosse o empenho pessoal da presidente Dilma Rousseff talvez o projeto ainda estivesse tramitando. “O episódio da espionagem dos dados de brasileiros, da própria presidente da República e de estatais pelo governo estadunidense, após denúncia de Snowden [Edward Snowden, analista de inteligência da National Security Agency – NSA], deflagrou o processo que levou à aprovação do Marco Civil”, avalia. Agora, passadas as eleições presidenciais, seu empenho está dirigido ao processo de regulamentação da lei. Em sua avaliação, o processo deveria começar ainda antes do final do ano e vai seguir o mesmo caminho de construção coletiva que levou à formulação do Marco, conduzido no final da segunda administração Lula pelo Ministério da Justiça. Molon acredita que os dois pontos mais delicados são justamente a neutralidade da rede – ou seja, quais exceções podem ser admitidas sem reverter em privilégios – e a guarda de logs dos usuário. Este item, o artigo 15 da nova lei, foi duramente criticado pelos ativistas da liberdade na rede. Molon entende, no entanto, que a regulamentação pode ser mais restritiva, estabelecendo exatamente que tipo e porte de empresa fica obrigada a guardar os logs, em quais circunstâncias. “Esse é um bom debate. Não serão incluídas na regulamentação coisas que não façam sentido, como obrigar que universidades e ONGs a guardar logs. E mesmo em relação a empresas poderá se estabelecer um corte”, diz ele. Ele sabe que a regulamentação, que será feita com participação também pela internet, será um momento de novos embates em torno desses dois pontos mais polêmicos. Mas acredita que será possível construir uma boa regulamentação. Mega Não! Alessandro Molon, então deputado estadual, começou a se envolver com as questões relativas à liberdade na rede e aos direitos dos internautas em 2009, quando foi lançada a vitoriosa campanha Mega Não! contra o projeto de lei (PL 84/99), apresentado pelo então senador Eduardo Azeredo, do PSDB mineiro, que tratava de crimes na internet. “Como advogado e militante dos direitos humanos, passei a ter conhecimento da importância que as primeiras leis relativas à internet fossem leis que garantissem os direitos dos internautas, e não que os criminalizassem. Daí, passei a participar do debate”, relembra. Foi esse aprendizado que o levou a lutar pela relatoria do Marco Civil, que Tim Bernes Lee, um dos criadores da internet, definiu não como um projeto de internet, mas de direitos humanos na rede. “Sua promulgação pela presidente Dilma, na abertura do NET Mundial, em 23 de abril, foi um momento histórico”, relembra, citando as manifestações de apoio de personalidades estrangeiras e de nomes importantes no universo da internet. ARede especial novembro 2014 13 Especial Educação Conhecimento livre e universal Conceito que defende conteúdos e práticas educacionais abertos, criado pela Unesco, começa a se disseminar no Brasil. Fatima Fonseca A concepção de educação aberta se dissemina pelo Brasil, incentivando a produção de conteúdos para o uso comum e de políticas públicas para uma educação livre. O conceito de Recursos Educacionais Abertos (REA), elaborado em 2002, em um congresso da Unesco, já é aplicado em 22 países. O Instituto Educadigital (IED) criou, em 2008, o REA.br, projeto vencedor do Prêmio ARede 2014. Priscila Gonsales dirige o IED. Ao lado, a equipe e pessoal da comunidade. 14 São considerados recursos educacionais abertos conteúdos, metodologias e práticas em qualquer suporte ou mídia de domínio público ou sob licença de uso flexível. A proposta agrega quatro premissas: usar, aprimorar, recombinar e distribuir. “A ideia é que professores e alunos se tornem produtores de conhecimento, não apenas meros usuários”, explica Priscila Gonsales, diretora do IED. www. arede.inf.br Jornalista com especialização em comunicação, educação e tecnologias digitais, Priscila atua na área desde 2001. Em 2009, se engajou na comunidade REA – sigla em português para Open Educational Resources. Em 2011, assumiu a gestão do projeto, que tem no conselho consultivo, entre outros, a advogada e especialista em propriedade intelectual e direito da internet, Carolina Rossini; e o professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, Nelson Pretto. “Com o salto possibilitado pela tecnologia, educadores e educandos passam a ser produtores de formação e conhecimento, mas para isso precisam entender o que realmente é gratuito e aberto”, comenta Priscila, informando que rede REA tem se dedicado a ajudá-los a entender políticas como a do creative commons. Ainda há muito terreno a ser conquistado no Brasil. Uma das razões, acredita Priscila, é que nem tudo que está na internet pode ser usado livremente. “O entendimento do que pode ou não ser reproduzido precisa ser contextualizado de acordo com a nossa Lei de Direito Autoral”, explica. E dá um exemplo: pela lei, uma obra autoral só é de uso livre 70 anos após a morte do autor. em uma área que trata do uso pedagógico das tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e estamos implantando uma rede social de aprendizagem, toda em software livre”, relata Cristina Moreira, coordenadora de modernização da gestão da educação. “É um projeto de plataforma livre e um dos diferenciais teóricos é o conhecimento livre, o que compreende acesso aberto, software livre e recursos educacionais abertos”, diz a coordenadora. Segundo ela, uma das ações do projeto, que será lançado em 2015 pela Secretaria de Educação, é um portal. “Nossa proposta é ter uma biblioteca digital REA no DF para que os professores depositem o material didático e façam consultas”, informa. A comunidade REA.br reúne 273 profissionais em uma lista de e-mails e quase 8 mil no Facebook, mídias por meio das quais a rede articula seu trabalho, que tem três frentes. A primeira é a orientação de políticas públicas, que acontece em oficinas com representantes do setor legislativo, em uma articulação para que a educação aberta se torne lei. A comunidade já conseguiu a aprovação, pela Assembleia Legislativa de São Paulo, de um projeto de lei – que acabou vetado pelo governo do Estado. Também colocou o tema na pauta do legislativo do Paraná e do Distrito Federal, onde tramitam projetos similares. O tema está em debate ainda na Câmara dos Deputados. Formação de gestores O segundo foco é a formação de gestores públicos. As oficinas também são organizadas a partir da interlocução com a comunidade REA. Este ano, na Bahia e no DF, foram capacitadas 95 pessoas. “Nas oficinas explicamos os conceitos e fazemos exercícios práticos do uso da licença”, explica a diretora do IED. Por último, há o foco na pesquisa, na produção do conhecimento e na disseminação da informação. “No site postamos informações e referências sobre direito autoral, educação aberta, licenças livres, além de notícias e entrevistas sobre iniciativas REA no Brasil e no mundo”, conta Priscila. A maior conquista, até agora, foi um decreto da prefeitura de São Paulo, que orienta os princípios da educação aberta. “Na Câmara, a matéria está em discussão para que o PL seja desvinculado da Lei do Direito Autoral, de modo a não dificultar o encaminhamento”, informa Priscila. O REA.br é financiado pela Open Society Foundation, que destina anualmente US$ 90 mil ao projeto, o que cobre 80% dos custos. O restante vem de doações e da receita obtida com cursos, palestras e oficinas. Além do parceiro financiador e do apoio institucional da Unesco, tem apoio da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), do Creative Commons Brasil, da Wikimedia Foundation, do Impact Hub São Paulo e da Ashoka Brasil. O site foi construído com a ferramenta Wordpress e as apresentações são feitas em LibreOffice. Além da lista de discussões no Google e do Facebook, são usadas ferramentas de outras mídias sociais, como Twitter, Flickr, Youtube e Slideshare. Fotos: Divulgação No Distrito Federal, o conceito REA foi encampado pela Secretaria de Educação. “Trabalho www.rea.net.br www.facebook.com/groups/reabrasil/?fref=ts ARede especial novembro 2014 15 Especial Educação A mina de dados da educação A plataforma QEdu coleta dados oficiais sobre o desempenho de escolas e alunos e os transforma em um mapa para gerar reflexões sobre políticas públicas Áurea Lopes Lançado em novembro de 2012, o portal QEdu, da Fundação Lemann, publica dados educacionais organizados de forma fácil e intuitiva sobre as condições de ensino em escolas, municípios e estados. O conteúdo, garimpado a partir de informações oficiais em geral formatadas em planilhas complexas, é “traduzido” em uma apresentação fácil de compreender. “Nossa primeira preocupação foi facilitar a visualização de dados a partir de uma busca”, diz Ernesto Martins Faria, coordenador de Projetos da Fundação. Esse objetivo foi alcançado. Em 2013, mais de um milhão de pessoas visitaram o portal, que deve encerrar 2014 com 1,5 milhão de visitas. Vencedor do Prêmio ARede 2014, o QEdu se transformou em uma referência tanto para gestores de escolas, como para jornalistas e outros formadores de opinião. A equipe coordenada por Faria trabalha com as avaliações do Censo Escolar e da Prova Brasil, ambos divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia do Ministério da Educação (MEC). Estão no portal, aberto e gratuito, números sobre o aprendizado dos alunos de 5º e 9º anos em matemática e português; perfis e opiniões de alunos, professores e diretores; matrículas, taxas de aprovação, abandono e reprovação; taxas de distorção idade-série; informações relativas à infraestrutura escolar e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). O trabalhado, diz o coordenador, consiste em uma radiografia quantitativa e qualitativa. O sistema também permite comparar os dados entre as escolas. 16 www. arede.inf.br Como o site foi desenvolvido para facilitar a busca para pessoas de diferentes perfis, a complexidade na navegação vai aumentando aos poucos. Alguém que esteja buscando, por exemplo, dados de desempenho, vai encontrar primeiro o resultado da prova do último ano. Depois consegue fazer uma comparação com o município ao qual pertence aquela escola, e ainda fazer a mesma comparação observando o desempenho em vários anos. “Quem tem mais facilidade pode pular as abas mais simples e ir direto para os campos com mais informação”, recomenda o coordenador. Avaliação Outro exemplo é a avaliação sobre o desempenho dos alunos em leitura. De acordo com Faria, o resultado da Prova Brasil não diz muito sobre a qualidade da escola ou como estão os alunos nesse quesito, pois a nota vai de zero a 500. “Não dá para se ter uma visão clara se a média em uma determinada escola é boa ou não. Mas a plataforma mostra quantos alunos daquela escola obtiveram uma pontuação adequada”, informa. Além de ser referência de dados educacionais, o QEdu tem dois outros objetivos: garantir que gestores se apropriem dos dados disponíveis na plataforma; e oferecer informações educacionais para jornalistas e para a sociedade civil. “Conseguimos trazer à tona informações que a sociedade não recebia ou às quais não tinha acesso tão fácil”, destaca Faria. Ele dá como exemplo uma experiência no Distrito Federal, Fotos: Divulgação onde a compilação de dados mostrou que a capital era a unidade da Federação com o mais alto índice de violência na escola. “Isso gerou uma pauta e a reportagem teve repercussão. Na volta às aulas, a polícia do DF foi acompanhar para ver o que estava acontecendo na escola”, exemplifica. dos para a elaboração do Projeto Político Pedagógico e do Plano de Gestão Escolar”, diz Flávia Rossi, secretária de Educação de Itapira (SP). Outra gestora, Adriana Cristina Valentin Mantovani, dirigente municipal de Educação de Novais (SP), escreveu: “Usei o QEdu no momento de realizar o diagnóstico da rede para estipular metas para o meu município”. Os resultados mostrados pelo QEdu não são apenas os negativos. Um levantamento realizado pela equipe do portal gerou uma lista das escolas que se destacam no ensino de matemática no país. E revelou que a pequena Cocal dos Alves (PI), com menos de 6 mil habitantes, tem se firmado como um celeiro de campeões nacionais em matemática. Para 2015, os planos são fazer uma versão mobile e intensificar a oferta de formação. Além do curso Investigando a Qualidade da Educação com Dados Públicos, voltado a jornalistas, a Fundação Lemann vai oferecer um curso para gestores, mostrando como os dados podem ajudar as escolas a mudar suas práticas. A considerar pelos depoimentos de secretários de educação e técnicos no portal QEdu, a meta de dar um norte para o gestor público e incentivar novas políticas tem dado resultados. “Na rede municipal de educação do nosso município, o QEdu está sendo uma das bases de da- www.qedu.org.br www.facebook.com/groups/reabrasil/?fref=ts ARede especial novembro 2014 O QEdu é capaz de exibir dados geralmente apresentados apenas em conjunto, permitindo avaliar médias por aluno nas escolas. 17 19 Terceiro Setor | Conteúdo de interesse público Linha direta com a navegação segura Portal fornece informações para proteger crianças e adolescentes na internet e atende vítimas de violência online Áurea Lopes Crianças navegando na internet não são uma questão polêmica por natureza. Muito menos representam, obrigatoriamente, uma situação de perigo. A presença da tecnologia já é irreversível na vida de todos nós, não se trata de permitir ou proibir, ser bom ou ruim. E isso é muito bom e saudável, até para as crianças, desde que elas sejam preparadas para enfrentar os desafios e riscos postos pela web – assim como acontece em outros lugares por onde circulam, como as ruas, as baladas, as escolas, as estradas do mundo que precisam explorar. O portal Helpline.br, vencedor do Prêmio ARede 2014, foi desenvolvido com esse propósito. Criado pela organização não governamental SaferNet Brasil, em 2012, é a primeira iniciativa desse tipo no país com foco no mundo digital. Oferece orientação gratuita “de forma pontual e informativa para esclarecer dúvidas, ensinar formas seguras de uso da internet e também orientar crianças e adolescentes que vivenciaram situações de violência online como humilhações, intimidações, chantagem, tentativa de violência sexual ou exposição forçada em fotos ou filmes sensuais”. Juliana Cunha, coordenadora psicossocial do Helpline, conta que o ambiente virtual é favorável para esse tipo de contato, em especial para interagir com os adolescentes sobre seus problemas. “Não fazemos julgamentos, nem censuramos. Eles também não precisam dar os dados pessoais. Tudo isso os deixa mais à vontade para escrever e participar dos chats”, diz a coordenadora. 20 www. arede.inf.br Porém, ela faz questão de frisar que não se trata de psicoterapia, nem substitui o atendimento psicológico presencial: “Fornecemos acolhimento e esclarecimentos sobre o uso seguro da internet”. Por isso, são feitas, no máximo, quatro orientações pelo chat ou pelo e-mail. E a partir do segundo contato é preciso um termo de autorização dos pais, conforme determina o artigo 8º do Código de Ética Profissional do Psicólogo. Os profissionais que fazem a interface com os usuários estão credenciados no Conselho Federal de Psicologia para atendimento de vítimas de violência – como atesta o selo exibido no site, com data de renovação, que deve ser feita de dois em dois anos. Juliana explica que os casos que exigem uma intervenção clínica ou o conhecimento por parte de uma autoridade são encaminhados para órgãos parceiros, como o Ministério Público, os Conselhos Tutelares, a polícia, entre outros. O atendimento acontece de segunda a sexta-feira, das 13h às 19h. Software Livre O site foi viabilizado por meio de um edital da Secretaria de Direitos Humanos, órgão ligado à Presidência da República, dentro de um programa de prevenção à violência sexual. Recebeu recursos de R$ 579.165,10, com contrapartida da organização social no valor de R$ 92.280,00. Hoje, é mantido exclusivamente pela SaferNet, com apoio institucional da operadora de telecomunicações GVT. O portal foi desenvolvido pela equipe de tecnologia da informação da ONG, com ferramentas livres, códigos abertos e criptografia. O Helpline contabilizou, de janeiro de 2012 a setembro de 2014, 3.047 atendimentos. Entre as demandas (ver quadro abaixo), destacam-se 19% referentes a ciberbullying (constrangimento via canais digitais) e 12% a sexting (exposição de imagens de nudismo). Juliana alerta: “Os casos de sexting triplicaram desde o ano passado. Essas fotos e vídeos sempre acabam vazando”. E também revela que o ciberbullying acontece predominantemente entre pessoas conhecidas. A única forma de proteger crianças e jovens dessas situações, diz a psicóloga, é municiá-los com informação e orientação. www.safernet.org.br/site/webline Fonte: Helpline – wwwsafernet.org.br ARede especial novembro 2014 21 Terceiro Setor | Capacitação e formação Uma história, muitas leituras, saberes compartilhados Projeto de incentivo à criatividade estimula o uso da cultura digital para ampliar a formação dos professores e as competências dos estudantes Fatima Fonseca Trabalhar a criatividade e, ao mesmo tempo, incentivar a leitura. Essa é a fórmula do projeto E se eu fosse o autor? que estimula a produção de vídeos e livros digitais por alunos de escolas públicas. “A produção sempre parte da leitura de uma obra, uma vez que o objetivo central é estimular o gosto pela literatura entre crianças e adolescentes”, resume Leila Dias, educadora e presidente da associação Casa da Árvore, ONG que ganhou o Prêmio ARede 2014, por desenvolver ações socioeducativas no contexto da cultura digital. Criada em 2007, em Palmas, Tocantins, a Casa nasceu com foco em arte, educação e tecnologia. O primeiro projeto – Telinha de cinema, voltado para produção de filmes com celular –, deu origem a um segundo, o Telinha na escola. “O primeiro surgiu como uma atividade para alunos de escolas públicas, no contraturno escolar. Depois percebemos a necessidade de se trabalhar também com professor e aí surgiu o Telinha na Escola”, conta Leila. Implementado em Fortaleza, Recife e Rondônia, o programa fez um circuito em 18 capitais, formando professores dos Núcleos de Tecnologia em Educação (NTE). A ideia do projeto surgiu durante a implementação do Telinha do cinema, que tem entre as atividades a elaboração de roteiros. “Verificamos que os alunos tinham dificuldade em ler, escrever e criar. Além disso, o projeto era vol22 www. arede.inf.br tado para um público de 16, 17 anos e tivemos pedidos dos pais para os filhos mais novos. A partir da demanda da população e das deficiências dos alunos, pensamos nesse novo projeto”, lembra a educadora. Assim, em 2010 começou com um piloto na cidade de Palmas (TO), por quase dois anos, com estudantes entre 9 e 12 anos, na região periférica de Aureny. Foram duas turmas de 20 alunos cada, por semestre, envolvendo 120 meninos e meninas. Naquela ocasião, a ONG conseguiu recursos do programa EDP Solidária, do Instituto Energias de Portugal. Também conquistou o apoio da prefeitura de Palmas e, posteriormente, foi contemplada com um edital da Petrobras. Com os recursos de R$ 300 mil da estatal, este ano levou o projeto para Senador Canedo, em Goiânia (GO), onde as atividades estão planejadas até 2015. Somente na capital goiana, 341 crianças e adolescentes e 120 educadores já participaram. O projeto acontece em uma escola da periferia e na Biblioteca Municipal Arlete Tenório de Castro. Duas vezes por semana os alunos frequentam as oficinas no Laboratório Criativo de Leitura e Tecnologia, trabalhando com o conceito leitor-autor. A obra é escolhida pelos educadores da Casa da Árvore, que têm interação com as escolas. “Fazemos na escola uma exposição, para entenderem a proposta. Conversamos com coordenadores pedagógicos e professores liga- dos às áreas de português, literatura, redação. Também verificamos quais alunos querem fazer parte do projeto”, explica Leila. A gestão participativa envolve representantes da escola e da Secretaria Municipal de Educação não só nas estratégias de implementação, mas também na avaliação e no monitoramento. Canedo, como exemplo do impacto do projeto. Durante a formação de professores, foi identificada a dificuldade de trabalhar gêneros pessoais e leitura de clássicos. “Fizemos uma formação presencial e os professores adquiriram uma nova metodologia para tratar um conteúdo já previsto no programa”, relata. Transformações Pedagógicas O passo seguinte é a escolha de um tema. Os educadores da Casa da Árvore fazem a mediação de leitura, discutem a prática com os alunos e orientam pesquisas sobre autor e tema. Aí vem a fase de criação. Existe liberdade para reconstruir a história ou escrever outra relacionada ao tema, adaptar a obra, recriar personagens e enredo, transformando o texto em uma nova linguagem. O resultado é compartilhado nas redes sociais. “O mais interessante é que o projeto constitui um conjunto de ações que incluem atuação direta com alunos, capacitação de professores e suporte a esses professores para a aplicação das práticas. A ideia é usar elementos da cultura digital para transformações nos projetos político-pedagógicos das escolas”, comenta Aluísio Cavalcante, coordenador geral do projeto. O resultado foi a leitura de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, utilizando a escrita colaborativa. As turmas usaram o Whatsapp e o bloco de notas. Além dessas ferramentas, o projeto usa também LibreOffice, GoogleDocs, SMS e Word para a construção de textos; aplicativos e programas de edição de imagens e apresentação interativa (Gimp, Photoscape, PowerPoint, Prezi, PaintBrush, entre outros aplicativos para desenho e edição de imagem no celular indicados pelos alunos); aplicativos para leitura de arquivos em PDF no celular; mapas digitais; ferramentas para e-books (Animated Book, Booker etc.) e para edição de vídeo (Pitivi, OpenShot, Movie Maker, KdenLive, JayCut e YouTube Editor). O Laboratório Criativo tem computadores, smartphones, leitores digitais, lousa digital, impressora/scanner, máquinas fotográficas e projetores. Jornalista e educador social, ele cita a Escola Municipal Vovó Dulce, na zona rural de Senador www.casadaarvore.art.br Fotos: Divulgação Os jovens se mobilizam para contar uma história da forma como desejarem. ARede especial novembro 2014 23 Terceiro Setor | Serviços aos usuários e à comunidade Uma rede para anônimos O Diasporabr é um dos nós nacionais da rede que garante a privacidade de dados dos usuários e a independência dos servidores Rafael Bravo Bucco A Diaspora é uma rede já conhecida por quem usa software livre. Criada em 2010 pelos universitários Dan Grippi, Maxwell Salzberg, Raphael Sofaer e Ilya Zhitomirskiy, de Nova York, a rede social se propõe a não fazer aquilo que o Facebook mais faz, embora poucas pessoas se deem conta: coletar dados dos usuários. É uma rede social que permite a interação, a conexão entre amigos, a publicação de mensagens públicas e privadas. Mas faz isso sem que as informações sejam direcionadas a um enorme banco de dados para cruzamentos e venda de publicidade. E tudo de forma gratuita, com código livre, para ser checado, usado e modificado à vontade. A rede social livre ganhou um pod – como são chamados seus nós nas redes de servidores – 100% brasileiro: o Diasporabr, vencedor do Prêmio ARede 2014. Mantido pelo ativista das tecnologias livres Anahuac de Paula Gil, o pod é hospedado gratuitamente nos servidores da empresa goiana RGV. No começo de outubro, 24 www. arede.inf.br contabilizava 15,5 mil participantes. Entrou no ar em 11 de dezembro de 2013. Seu diferencial em relação aos pods mundiais é a observância das leis brasileiras. Os logs e as navegações do usuário não são armazenados, pois não há essa exigência no Marco Civil da Internet para um serviço não comercial, como é o caso. Um pod funciona de forma integrada à rede Diaspora mundial, mas também de forma independente. Essa é uma premissa fundamental dessa rede social aberta. A comunidade tem autonomia para decidir como usar os dados dos usuários. Esse sistema de gestão, em que cada provedor de acesso à rede social define as regras para administrar os dados, é chamado “federado”. Funciona como em um país federativo, em que cada estado tem autonomia para criar as próprias leis. Na rede federada, cada servidor decide como tratar os dados. “Todas as contas de todos os servidores comunicam-se entre si, mas a gestão de cada servidor é inde- Fotos: Divulgação A maior diferença da Diaspora é sua rede distribuída, com servidores autônomos. pendente”, explica Gil. Ou seja, se o pod tiver regras com as quais o usuário não concorda, basta cadastrar a conta em outro pod. E se nem assim o usuário encontrar um servidor com políticas que lhe agradem, pode baixar o software criar seu próprio servidor, como quem hospeda um site. “Você pode ser mestre e senhor de um servidor de rede social. O conceito primário da democracia é exatamente a fragmentação do poder”, resume Gil. No caso da Diasporabr, a opção é garantir o anonimato dos usuários. “Não exigimos nenhum tipo de validação de identidade. O nome e o e-mail não precisam ser reais e não há qualquer campo pedindo seu número de telefone. Se as contas são anônimas e pode-se ter seu próprio servidor, ninguém pode censurar o conteúdo das publicações”, diz Gil. O usuário é dono do que escreve, do que compartilha. É detentor das próprias ideias, fotos e músicas. Os seguidores podem ler, partilhar, opinar. Mas nenhuma empresa, ou a ferramenta da rede, é capaz de reunir, analisar e cruzar informações – uma vez que a comunicação entre as bases de dados, entre os servidores, é encriptada por padrão. Além disso não é preciso aceitar termos de contrato que transformam conteúdos pessoais em produtos das empresas. “Suas fotos continuam sendo suas. Suas ideias continuam sendo suas. Não haverá mineração de dados, análise, catalogação, tratamento estatístico ou perfilamento”, explica o ativista. Isso quer dizer também que, quando o usuário quiser apagar a conta, vai conseguir, e junto, pode apagar todos os dados rela- cionados. “As mensagens e imagens são removidas de verdade da base de dados e do disco. Não há uma segunda base escondida”, observa. Integração Vale lembrar, porém, que a Diaspora não está isolada do mundo das redes sociais digitais mais populares da internet. A comunidade reconhece a necessidade de transição. Por isso, criou ferramentas que facilitam a integração com Facebook, Twitter, Tumblr e Wordpress. “Assim pode-se manter contato com as pessoas que estão por lá enquanto isso for interessante”, diz Gil, que nunca teve Facebook e não usa Gmail. Ele ressalta que, por ter como base o software livre, a rede passa por atualizações constantes. E o pod nacional não vai ficar para trás. Está na versão 4.1.0, mas os preparativos para receber a versão 5, em desenvolvimento, já começaram. Gil é o responsável pela integração com a plataforma Jabber, que facilita a troca de mensagens instantâneas. Ele insistiu para que a comunidade levasse o recurso para popularizar a rede social. A “militância” deu resultado. “Já estão comentando os primeiros códigos do chat que virá na versão 5. Deve estar funcionando em breve no Diasporabr. Ter um chat, antes de qualquer coisa, elimina a sensação de inércia, de que a rede está parada. A ferramenta é fundamental para a rede crescer”, defende. diasporabr.com.br ARede especial novembro 2014 25 Setor Público | Conteúdo de interesse público Observatório social para a juventude A plataforma online cria um espaço para articulação de interesses e construção colaborativa de políticas públicas que atendam as demandas dos jovens Fatima Fonseca Lançada em julho de 2013, a plataforma virtual Participatório, desenvolvida no âmbito da Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), já mostra bons resultados em pouco mais de um ano que está no ar: no início de outubro, o portal contabilizava 11,6 mil usuários, tinha 282 vídeos cadastrados e 534 comunidades debatendo temas como educação, reforma política e corrupção, sob a ótica dos jovens. Algumas dessas comunidades foram criadas pelos próprios usuários. “Nós estimulamos o uso da plataforma como um fórum de discussão, de produção de documentos”, conta Carla de Bezerra Paiva, gestora do Participatório: Observatório Participativo da Juventude, projeto premiado no Prêmio ARede 2014. tiva. Ela ressalta que “a proposta do Participatório dialoga com a ideia de um observatório social, mas busca também articular uma rede social, voltada à produção do conhecimento sobre e para a juventude”. A proposta inicial era juntar duas demandas que existiam na Secretaria Nacional da Juventude, vinculada à Secretaria Geral da Presidência da República. Uma, um mecanismo de comunicação mais ágil com a juventude, pensando na linguagem das redes sociais para promover a participação. A outra, um espaço de produção do conhecimento focado em dados da juventude. “Da fusão desses dois objetivos, tentamos quebrar a lógica do conhecimento como algo elitizado, pensando em dados acessíveis a todos”, conta a gestora. Especialista em políticas públicas, Carla é um dos dez profissionais responsáveis pela inicia- A plataforma foi construída com diferentes tecnologias, em códigos livres e abertos. As prin- O portal tem mais de 11 mil usuários, mais de 280 vídeos cadastrados e 530 comunidades. 26 www. arede.inf.br Além da biblioteca, a plataforma traz dados e pesquisas, como a realizada no ano passado e em fase final de conclusão, com três mil brasileiros de 15 a 29 anos, de todas as regiões e diferentes classes sociais. “Abrange temas relacionados ao perfil do jovem, seus valores, o que essa geração considera mais importante, a participação política, e questões de educação, trabalho e saúde”, conta Carla. O resultado, previsto para ser publicado no final do ano, mostrará os valores que essa parcela da população considera mais importantes. O Participatório tem, ainda, ferramentas para debate e deliberação sobre documentos e políticas públicas. A gestora do projeto destaca duas consultas públicas: uma sobre o sistema nacio- nal de juventude, realizada no ano passado, e que reuniu as contribuições para a elaboração do Estatuto da Juventude, que resultou na Lei nº 12.852, de agosto de 2013; e a consulta para o documento apresentado pela delegação brasileira na Conferência Mundial da Juventude, realizada em maio deste ano, em Colombo, no Sri Lanka. Os processos de articulação política e produção de conteúdo, via Participatório, envolvem também a academia e redes de pesquisadores voltados para esse segmento. “Essas ações têm impulsionado outras atividades, como uma revista eletrônica. Tudo isso objetiva tornar o conteúdo mais acessível”, explica Carla. Espaço único Estimado em R$ 3 milhões ao longo de dois anos, com recursos do orçamento da SNJ, o Participatório agrega três parceiras: a Universidade Federal do Paraná, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Junto com essas instituições, os gestores do projeto trabalham para fazer a fusão de outros portais relacionados à juventude. “Vamos construir um grande portal temático, que vai abrigar o portal institucional da SNJ, o portal Juventude Vida, o portal do Conjuve e o próprio Participatório”, anuncia Carla, antecipando que o nome será Portal da Juventude. Previsto para ser lançado em dezembro, manterá o visual e a metodologia herdados do Participatório. www.participatorio.juventude.gov.br Fotos: Divulgação cipais são o ELGG e o DSpace. O primeiro é um software de rede social, desenvolvido em linguagem PHP. Estão disponíveis um blog, comunidades com fóruns de discussão ou blogs comunitários, espaço para repositório de arquivos, e-portifólio, tecnologia RSS para o conteúdo gerado dentro da rede, entre outras funcionalidades. O DSpace é resultado de um projeto colaborativo entre a MIT Libraries, do Massachussetts Institute of Technoloogy, e a HP. A organização que adota o DSpace arca com as responsabilidades e o custo das atividades de arquivamento e publicação de sua produção. Esse programa permitiu criar a Biblioteca Digital, que reúne a produção bibliográfica da SNJ e do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve). ARede especial novembro 2014 27 Setor Público | Capacitação e formação Um novo jeito de ensinar e de aprender A rede municipal de educação de Cascavel adotou o Scratch para inovar no ensino. Com interface simples, o programa estimula o raciocínio lógico e faz sucesso com os estudantes. Fatima Fonseca É possível aprender e ensinar de forma mais divertida, com atividades dinâmicas e utilizando como instrumento aquilo que os estudantes mais gostam: a tecnologia que permite jogar, interagir, criar. A experiência, que tem como base o Scratch, linguagem desenvolvida pelo Massachussetts Technology Institute (MIT), começou no ano passado em uma escola de Cascavel, no Paraná, e já chegou a 20 das 62 unidades da rede municipal de ensino do município. “É uma ferramenta cheia de possibilidades para professores e alunos”, comenta Jocemar do Nascimento, coordenador do Núcleo de Tecnologia Educacional (NTE) de Cascavel. 28 na escola. Em três anos, 1,28 mil professores passaram por 3.8 mil horas de capacitação. O projeto Ensino de programação para alunos do 4º e 5º anos do ensino fundamental, vencedor do Prêmio ARede 2014, tem sido apresentado em fóruns educacionais e de software livre como um caso de sucesso. A ideia do ensino de programação surgiu em 2012, durante a formação de professores de laboratórios. “Alguns começaram a aplicar no ano passado com os alunos de 4º e 5º ano”, relata Nascimento. Como a professora de informática Roseli de Souza Ramalho, pioneira no uso do Scratch em sala de aula. E o curioso é que Roseli deu os primeiros passos em tecnologia com mais de 30 anos de idade. Ela conta que aprendeu com os filhos, jogando videogame. “Hoje, estar aqui com eles, ensinando, é um acontecimento. Jamais imaginei que poderia fazer isso. É muito gratificante você ensinar aquilo que você sofreu para aprender”, afirma. Segundo ela, com o Scratch, o aluno se força a pensar, a exercitar as funções cognitivas. “E o aprendizado já começa nesse ponto”, destaca. Com uma interface simples, o programa Scratch estimula o desenvolvimento do raciocínio lógico. Além disso, pode mudar a cara dos trabalhos em sala de aula, substituindo a prova convencional por um jogo de perguntas e respostas, por exemplo. Os exercícios são divididos por tópicos (animações, jogos, distorção interativa, música etc.), cada um com lições e práticas de aprendizagem diferentes. “O aluno programa sem perceber que se está programando. E o professor consegue trabalhar praticamente com todos os conteúdos do currículo escolar”, diz Nascimento, responsável pela formação de professores no uso da tecnologia no cotidiano Na televisão O coordenador do NTE acrescenta que os frutos começaram a ser colhidos este ano, com o resultado dos programas elaborados pelas crianças. O projeto funciona no horário da aula de informática – todos os estudantes têm 50 minutos por semana de aula – e algumas escolas têm usado o Scratch em atividades em sala de aula. “Não é só programação. O aluno tem que pesquisar na internet, usar fontes. A programação é o resultado disso”, ressalta Nascimento. Mas o que a garotada mais gostou foi de ter participado, em maio de 2014, do programa Esquenta, comandado por Regina Casé na Rede Globo. A professora Roseli www. arede.inf.br e mais dois alunos estiveram na TV contando sobre o que fazem nas aulas de programação. A Secretaria Municipal de Educação, junto com o NTE, está instalando o Scratch nos notebooks que começaram a ser distribuídos para professores e alunos do 4º e 5º ano. De acordo com Nascimento, a adoção do projeto nas demais escolas depende apenas de cada instrutor, uma vez que todos já receberam formação e todas as escolas têm infraestrutura – em 49 instituições, o laboratório tem 27 computadores, nas demais entre 10 e 15 computadores. Fotos: Divulgação Dos 25 mil alunos da rede municipal, 4 mil já têm acesso ao Scratch. “As escolas têm projetos diferentes para uso em laboratório. Umas adotaram o Scratch, outras o Moodle (plataforma de ensino a distância), algumas usam o game Minecraft, de acordo com a habilidade que o instrutor tem com a ferramenta”, explica Nascimento. Os trabalhos dos alunos são publicados no blog da escola. O NTE está, agora, levando os projetos para a sua plataforma.O programa Escola.com, lançado pela prefeitura de Cascavel em abril, tem como proposta levar os portáteis a todos os alunos da rede municipal. Este ano foram distribuídos 4,5 mil notebooks para os alunos do 5º ano e para professores. “Todas as máquinas vêm com Scratch, software livre e cerca de 4 mil atividades selecionadas pelos instrutores de informática das escolas”, informa Nascimento. Em 2015 serão mais 9 mil notebooks para estudantes do 4º e 5º ano. Quando concluírem o 5º ano, os estudantes poderão ficar com os computadores – a rede municipal de ensino de Cascavel vai até o 5º ano. “A Escola.com vai fazer o diferencial no município de Cascavel. Vamos dar um salto de qualidade para que em 3, 4 anos possamos colher os frutos dessa tecnologia”, diz o prefeito Edgar Bueno. www.ntcascavel.com Quando saem do 5º ano, os estudantes de Cascavel ficam com os notebook em que aprenderam a programar. ARede especial novembro 2014 29 Setor Público | Serviços aos usuários e à comunidade Articulação política? Coisa de hackers! da Câmara dos Deputados, o Labhacker gera aplicativos, ferramentas e atua para promover o debate e a formulação de políticas públicas. Fatima Fonseca Há atividades hackers na Câmara dos Depu- Fotos: Divulgação tados. Não para vasculhar as comunicações dos parlamentares, mas para formar uma rede colaborativa de desenvolvimento de aplicativos e ferramentas – em softwares livres – destinados a melhorar a interação da sociedade com seus representantes no poder legislativo. Esse é o propósito do Laboratório Hacker, vencedor do Prêmio ARede 2014. “Aqui no Labhacker temos a possibilidade de criar uma nova forma de trabalhar, de colocar o ator político, o deputado; os burocratas e qualquer cidadão, não só hacker, para discutir e repensar o parlamento”, explica Cristiano Ferri, coordenador do laboratório, criado em 2013. Os hackathons do Labhacker recebem gente de dentro e de fora da Câmara 30 www. arede.inf.br A ideia surgiu durante a Maratona Hacker (hackathon), realizada em outubro de 2013 no Legislativo, por sugestão de um dos participantes, Pedro Markun, que é um dos líderes do movimento hacker no Brasil voltado à transparência. “Fizemos um grande esforço para colocar o presidente (deputado Henrique Alves) em contato direto com os hackers. E o Markun sugeriu ao presidente a criação do espaço hacker na Câmara”, relembra Ferri. No hackerspace, que começou a funcionar de forma mais híbrida e evoluiu para o Laboratório Hacker, está em fase final de implementação um painel social que dá aos parlamentares um termômetro do que a sociedade está discutindo nas redes sociais, em determinado dia, sobre políticas públicas. Também são realizados eventos chamando pessoas para discutir na Câmara temas relacionados à transparência de dados. Para novembro, estava sendo organizado um novo hackathon com foco na questão de gêneros. “Vamos discutir a construção de ferramentas para acompanhar a eficácia das politicas pró-gênero no Executivo”, antecipou Ferri. Doutor em ciência política e sociologia, e mestre em políticas públicas, além de pesquisador associado do Ash Center for Democratic Governance and Innovation da Universidade de Harvard, Ferri idealizou, anteriormente, o Portal e-Democracia, de participação social da Câmara dos Deputados. De janeiro a outubro de 2014, o portal teve 703 mil visitantes únicos e 31.596 cadastrados nas comunidades. Ferri é ainda gestor de projetos ligados à transparência 2.0, que trata de dados abertos, e acaba integrando diferentes atividades inter-relacionadas. Resistência O coordenador do Laboratório Hacker conta que no início houve uma certa resistência, tanto dos parlamentes em abrir a Câmara para os hackers, como de uma parcela da comunidade. “Mas o desafio maior foi na burocracia”, relata Ferri. “Um espaço hacker dentro de uma instituição pública gera uma série de discussões e questionamentos sobre a forma como a burocracia se organiza”, explica. das politicas públicas. Por exemplo: o laboratório foi procurado por estudantes que alugam um barco e vão às comunidades ribeirinhas da Amazônia levar conhecimento de tecnologia e inclusão digital. São povoados onde, às vezes, nem luz elétrica existe. “O projeto foi para uma audiência pública na Comissão de Desenvolvimento da Amazônia. A articulação é nesse sentido. E a ideia é formar essa rede que possa apoiar esses projetos”, diz Raquel. A equipe do Laboratório Hacker tem o apoio da academia. A Universidade de Goiás está fazendo o mapeamento do perfil de usuários do e-Democracia. “Queremos conhecer os cidadãos que participam do portal, que tipo de colaboração eles fazem”, explica Raquel. Outro convênio, com o Laboratório de estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), da Universidade Federal do Espírito Santo, contempla a produção de relatórios e metodologias para redes sociais, buscando compreender o que pensa a sociedade em relação a políticas públicas e aos temas em debate na Câmara. Com a Universidade Federal da Bahia, a parceria inclui intercâmbio e colaboração técnica e científica especializada em redes, visando o desenvolvimento de recursos humanos. Superadas as dificuldades de “incluir um elemento externo da sociedade” em uma instituição pública, sobreveio o lado positivo da iniciativa: propiciar uma nova forma de trabalho às três dimensões, social, política e burocrática. Ou seja, as ações do Labhacker colocam os atores políticos (deputados), os burocratas (servidores) e todo e qualquer cidadão (não só um hacker) para discutir e repensar o parlamento. O Labhacker tem 13 desktops, quatro laptops e quatro tablets, utilizados pelos funcionários da Câmara envolvidos com o projeto, por colaboradores e visitantes. Em quatro das máquinas roda GNU/Linux. A Casa também cedeu para o laboratório câmeras e outros equipamentos de vídeo e áudio para transmissão ao vivo dos eventos e duas TVs para apresentações, com interação por videoconferência. O ambiente tem cobertura WiFi e a divulgação de eventos é feita pelas páginas do Laboratório e do e-Democracia no Facebook, no Instagram e no Twitter. O modelo wiki é utilizado na ferramenta da wikilegis do e-Democracia, o que permite a contribuição de internautas para projetos de lei, a exemplo do que aconteceu com o Marco Civil da Internet e com o Estatuto da Juventude. A assistente da coordenação do Laboratório Hacker, Maria Raquel Melo, acrescenta que o espaço está aberto para a articulação de varia- http://edemocracia.camara.gov.br/web/laboratorio-hacker ARede especial novembro 2014 31 Setor Público | Tecnologia para acessibilidade Escolas preparadas para a inclusão Com softwares de acessibilidade instalados nos laboratórios de informática, São Paulo assegura formação para estudantes com deficiência em toda a rede municipal. Fatima Fonseca Instalar laboratórios de informática em 560 escolas públicas de ensino fundamental, que atendem a um contingente de 1 milhão de alunos, não é tarefa fácil. E se torna ainda mais complexa se, nesse universo, existirem 25 mil estudantes com algum tipo de deficiência. Esse desafio foi superado, na cidade de São Paulo, por uma iniciativa do Núcleo de Informática Educativa, da Secretaria Municipal de Educação (SME). Os educadores e técnicos foram a campo buscar softwares de acessibilidade para que alunos com deficiência pudessem não apenas ser incluídos mas ter maior interatividade, inclusive social. O projeto Recursos Tecnológicos Acessíveis, vencedor do Prêmio ARede 2014, investiu também na formação dos professores especializados em informática educativa. “Os professores tinham dificuldade em fazer com que alguns desses alunos com deficiência 32 www. arede.inf.br participassem da aula de informática”, conta Deise Tomazin Barbosa, assessora técnica de Informática Educativa da SME. “Diante dessa necessidade, decidimos realizar uma pesquisa e garimpar softwares para suprir a necessidade desses alunos dentro do laboratório de informática ou na sala de aula”. O projeto, que começou em 2012, com seis programas de acessibilidade, envolve hoje dez sistemas e os chamados objetos de aprendizagem, entre os quais games educativos, cujo objetivo é fazer com que a criança aprenda brincando. De acordo com Deise, todas as escolas da rede têm equipamentos onde estão instalados os programas DosVox, MecDaisy, Eugênio, PCS, Teclado Virtual, Sarobã Virtual, Mouse Virtual, NVDA, Simon e MicroFênix. São soluções voltadas a pessoas com baixa visão, deficiência física, mobilidade reduzida, limitação Fotos: Divulgação maneiras para que nenhum aluno fique fora do laboratório”, informa a assessora técnica de Informática. Professores recebem capacitação para ensinar estudantes com deficiência usando TICs motora, deficiência intelectual, dificuldade de leitura e escrita, deficiência auditiva e dificuldade em comunicação verbal e não verbal. Conforme outras necessidades vão aparecendo, os técnicos promovem novas pesquisas. O projeto encontrou apoio na comunidade acadêmica e foi além dos muros da escola. Como alguns só têm a possibilidade da comunicação através do recurso tecnológico, os educadores orientam as famílias a instalar os softwares nos computadores de casa. “Também recebemos ligações de profissionais pedindo formação, propondo parceria. Por isso, na Diretoria de Educação temos uma equipe que trabalha diretamente com os alunos com deficiência”, conta Deise. capacitação docente Já foram capacitados cerca de 900 Professores Orientadores de Informática Educativa (Poie), que atuam nos laboratórios. “Os softwares de acessibilidade foram instalados inclusive nas redes administrativas das escolas e os cursos são oferecidos para todos os professores que queiram se atualizar e aprender a elaborar as atividades e projetos para que alunos com deficiência possam participar das atividades com o uso de tecnologias”, acrescenta Deise. Esses cursos são coordenados por gestores ligados às 13 diretorias regionais de educação. Todos os dez softwares são livres, mas a formação para os profissionais da educação abrange também as atividades com a acessibilidade do Windows. “Estamos tentando cercar de todas as Os números da Secretaria de Educação mostram que, ao todo, cerca de 2,6 mil profissionais, desde o professor da educação infantil até o professor de ensino médio, receberam formação em tecnologias para acessibilidade. O levantamento do número de alunos incluídos ainda está sendo feito pela equipe da Educação Especial. A gestão do programa contempla uma reunião mensal com os profissionais de informática educativa, que apreentam um relatório dos resultados em sala de aula. Uma das gestoras em Informática Educativa, Maria Izilda Almeida Borges, relata os avanços. Integrante da Diretoria Regional de Educação de Freguesia do Ó, que responde por 49 escolas do ensino fundamental, ela se orgulha do uso, também por alunos deficientes, do scratch (criado pelo Media Lab, do Massachusetts Institute of Technology, MIT). “Essa linguagem de programação está sendo disseminada na nossa rede, contemplando a todos, inclusive os alunos com deficiências”, relata. Os estudantes usam o scratch para criar histórias animadas, jogos e outros programas interativos. Há 26 anos na profissão, a professora Roselaine Chanes, orientadora da EMEF Zilka Salaberry de Carvalho, no Jardim Antártica, zona Norte de São Paulo, confirma: “As tecnologias de acessibilidade ajudaram bastante. Temos nesta escola alunos com deficiência motora, dificuldades na fala e muitos com paralisia cerebral, com enorme dificuldade até de se mexer. Para esses alunos é uma alegria quando conseguimos entender um pouco do que eles falam”, afirma. Com o uso do programa MecDaisy, que converte a escrita em fala, esses alunos se tornam capazes de se comunicar e elaborar uma narrativa ou uma história. “Mesmo não sendo a fala dele, o aluno consegue ouvir, e fica feliz por conseguir se comunicar. Isso tudo ajuda bastante no aprendizado”, comemora a educadora. http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/Projetos/ie/ Default.aspx ARede especial novembro 2014 33 Setor Privado | Conteúdo de interesse público A moçada dos morros aparece no mapa Projeto Agentes da Transformação recorre aos moradores das comunidades para saber mais sobre as necessidades locais e subsidiar políticas públicas Áurea Lopes to Pereira Passos (IPP), autarquia da prefeitura do Rio de Janeiro, está levantando informações sobre os jovens que vivem nas comunidades pacificadas cariocas. O projeto Agentes da Transformação, vencedor do Prêmio ARede 2014, capacita meninas e meninos de 14 a 24 anos para trabalhar como entrevistadores nas regiões onde moram, reunindo indicadores socioculturais que podem orientar a formulação de políticas públicas. A primeira fase foi realizada em 2013, em dez comunidades (ver quadro ao lado). Agora, na segunda etapa, estão sendo mapeadas as comunidades de Batan, Parque Oswaldo Cruz (Manguinhos), Unidos de Santa Teresa (Fogueteiro), Mangueira, Salgueiro, Santa Marta e São João. Em cada localidade, dez jovens integram o time de pesquisadores locais. Em 2013, foram aplicados 5 mil questionários. Este ano, serão 3,5 mil. Andréa Pulici, gerente de Pesquisa e Avaliação do IPP, e coordenadora da segunda edição da pesquisa, explica que para formar a equipe de campo o IPP visita as escolas estaduais dos bairros e convida os estudantes, que por sua vez divulgam o projeto entre seus amigos. A TIM paga uma bolsa de R$ 250 aos participantes e fornece os tablets usados para registrar os dados coletados, todos com conectividade 3G. Antes de sair batendo nas portas dos vizinhos, os jovens recebem uma capacitação sobre o ofí34 www. arede.inf.br cio de entrevistador, aprendem noções de estatística e colaboram para montar um plano de ação. Recebem, também, treinamento para lidar com os tablets no trabalho. As capacitações duram quatro semanas, com carga de 4 horas diárias, sempre no contraturno escolar. Depois, os pesquisadores ficam em campo por cerca de três meses. “Concluída a coleta, fazemos nova capacitação em cima dos resultados. É um segundo ciclo, em que a gente apresenta os resultados para eles, que analisam e os apresentam depois, em uma formatura, a uma plateia de jornalistas, funcionários da prefeitura e familiares”, diz Andréa. Fotos: Rubens Kurin Uma parceria entre o Instituto TIM e o Institu- Os jovens das comunidades realizam o estudo e mapeamento, usando tablets 3G. Rubens Kurin, coordenador geral do projeto desde o início, aponta outros efeitos sociais da inicitaiva: “O contato entre os jovens e com a comunidade acaba por estimular a formação de grupos e propiciar articulações locais. Assim, o trabalho também se torna um instrumento para formação cidadã, de onde podem surgir novas lideranças”. Comunidade cansada Ano passado foram 5 mil entrevistas. Em 2014, mesmo com uma quantidade (um pouco) menor, a rotina não é moleza não. “Algumas pessoas ficam assustadas quando a gente chega perguntando. É natural. Antes da pacificação, a coisa aqui era complicada”, conta Matheus Wassil Mesavilla Esperança, de 18 anos, que participa da segunda fase do projeto, iniciada em junho. Ele mora no Morro do Salgueiro. Faz um curso supletivo pela manhã e no período da tarde se dedica ao projeto. No dia a dia, precisa também vencer outro preconceito, o de que levantamentos do tipo não levam a nada. “A comunidade está cansada de responder pesquisas e não ver mudanças, de não ver continuidade nos projetos”, diz. Os agentes carregam a tiracolo o tablet, que usa o sistema operacional Android. Inserem os dados coletados no software livre Para Pesqui- sa, desenvolvido por outra parceira, a empresa La Fabrica, especialmente para o projeto. Os formulários preenchidos são transmitidos pela internet e armazenados em plataforma web. Pela internet, os gestores podem criar novos formulários e acompanhar os registros. O programa tem interfaces para pesquisas realizadas, pendentes, fluxo de aprovação de pesquisas, criação de usuários pesquisadores e coordenadores e atribuição de cotas de pesquisa. Marlon de Souza Rangel, 17, estudante do 3º ano do ensino médio, já participa pela segunda vez do Agentes da Transformação. “Fiquei surpreso de ver quantos jovens pararam de estudar. E concluí que muitas pessoas reclamam da vida, mas não sabem como é a realidade de gente que está muito abaixo, gente que ganha 400 reais para sustentar três filhos”, diz. Seu colega, Eduardo Rosa Thomé dos Santos, que participou da primeira fase do projeto, se chocou, ainda, com a pobreza extrema e falta de projetos sociais. “Na época do tráfico eu praticamente não saía de casa. Por isso, não conhecia a minha comunidade”, relata. www.institutotim.org.br Retrato de uma geração Na primeira etapa do Agentes da Transformação, em 2013, cem jovens e mais dez coordenadores de campo trabalharam nas comunidades Borel, Cidade de Deus, Formiga, Morro dos Prazeres, Nova Divineia, Pavão, Pavãozinho, Providência, São Carlos, Tabajaras e Vidigal. Descobriram que 89% acessam a internet rotineiramente, 72,8% o fazem todos os dias, e o Facebook é o serviço mais usado, acessado por 86,3% deles. O levantamento também revelou, por exemplo, que 17% dos jovens são responsáveis pelo domicílio e que 19,1% têm filhos. Estudar é um desafio para a maioria. Dos jovens de 18 a 24 anos, apenas 20% se dedicam unicamente aos estudos. Entre o restante, 6,9% estudam e buscam emprego, 13,3% estudam e trabalham, 29,8% só trabalham, 10% só buscam emprego e 20% não estudam, nem trabalham, nem procuram emprego. ARede especial novembro 2014 35 Setor Privado | Capacitação e formação Todos podem aprender Cursos gratuitos, palestras, programas de rádio e TV, sites de conteúdos. Um projeto que usa diferentes ações e mídias dissemina o conhecimento sobre tecnologia. FATIMA FONSECA Desde os cinco anos de idade Fernando Lemos gostava de tecnologia. Na época, década de 1960, o interesse era só uma curiosidade de criança, aquela vontade de abrir um rádio para ver o que tem dentro ou de entender como funcionava a televisão. O passatempo da infância acabou incorporado à vida de adulto e se tornou profissão. Formado em uma das primeiras turmas do curso de Tecnologia do Mackenzie, Lemos passou por algumas multinacionais do setor de TI e, desde 2008, criou o projeto Tecnologia Para Todos, vencedor do Prêmio ARede 2014. “A ideia é transformar a vida das pesso- as com a tecnologia, fazer a inclusão social por meio da inclusão digital”, sintetiza Lemos. O projeto começou com a realização de palestras – em outubro deste ano, Lemos fez sua palestra de número 1.300 –, chegou ao rádio, depois à TV e, claro, à web, onde estreou um programa semanal na Webcomtv. O segredo de tantas atividades está na maneira simples de falar sobre tecnologia para todas as pessoas, seja uma dica pessoal ou profissional. As palestras são realizadas tanto para um público leigo como para profissionais do setor corporativo. Após as primeiras palestras, veio a ideia de lançar o site. Ao falar sobre o assunto com uma amiga, surgiu um novo projeto, o Tecnologia Fotos: Divulgação Fernando Lemos grava o programa Tecnologia para Todos, que está no rádio, na TV e na web. 36 www. arede.inf.br Para Todos, baseado em três pilares: informações para profissionais de tecnologia, informações para usuários, adotando uma linguagem fácil, e preocupação com o social. Além de levar conhecimento, em palestras e em diferentes mídias, para qualquer cidadão, o projeto doa computadores para organizações da sociedade civil. “Desde o início, nosso objetivo foi o de levar informação para as pessoas, mostrar como a tecnologia pode ajudar”, ressalta Lemos. Nas diferentes mídias, Lemos dá dicas sobre aplicativos, sites, segurança, serviços, tendências, cursos gratuitos, usando sempre uma linguagem que as pessoas entendam. “É preciso ter humildade, segurança e responsabilidade”, ensina. Entre os programas já realizados, ficou com o Tecnologia p ara Todos durante mais de seis anos na Rádio Oi FM e apresenta o programa, no mesmo formato, na NET, em 22 cidades. Com o sucesso de público, será ampliado e deve chegar em 30 cidades até o início de 2015. Na TV, são 30 minutos de programa semanal. A cada edição, Lemos aborda um tipo de tecnologia. Na estreia, na NET em São Paulo, a audiência medida pelo Ibope digital foi de 9 mil pessoas. Hoje há, em média, 52 mil telespectadores assistindo ao programa. Os temas escolhidos seguem tendências, como a tecnologia na nuvem e outras inovações que surgem no dia a dia, abordam sempre a questão da segurança e, principalmente, muitas dicas sobre o uso de tecnologia. Novas mídias Para outubro, estava previsto o lançamento da Revista Tecnologia Para Todos. A publicação, em formato eletrônico, surge para tratar de inovação, tecnologias educacionais, redes sociais, vírus (e antivírus), entre outros temas afins. “Um dos objetivos é contribuir para mudar a forma como se aplica a educação nas escolas”, salienta o tecnólogo. Para isso, juntou à equipe duas pedagogas, que vão ajudar na formatação de conteúdos para crianças. “Queremos ensinar uma criança a fazer backup”, exemplifica. O conteúdo educacional, que deve virar uma cartilha, será colocado à disposição das secretarias municipais e estaduais de educação, gratuitamente. O site foi reformulado e, além de hospedar a revista, passa a publicar a versão online do programa Tecnologia na TV, além de manter as seções que já existiam como tecnologia de A a Z, Dicas, Vídeos e Faça a Diferença, um espaço para a divulgação de ações sociais. A gerente de Planejamento, Fernanda Martins, explica que o objetivo da seção é motivar as pessoas que são simpáticas à tecnologia a ajudar quem precisa. “Este projeto consiste em levar formação e informação para pessoas, doar tecnologia para instituições, incentivar profissionais da área a serem voluntários em algum centro de treinamento”, explica Fernanda. A equipe pesquisa instituições e as referencia no site do projeto. Alguns exemplos: Casa de David, Graac, Instituto Dorina Nowill, Casa do Zezinho. “Também fornecemos conteúdo, fazemos palestras e ajudamos na formação para o Terceiro Setor”, diz Fernanda, destacando que anualmente o Tecnologia Para Todos faz o Congresso ONG Brasil e organiza o Congresso Nacional para Gestão da Pessoa com Deficiência. As palestras em ambiente social e acadêmico são gratuitas, e as corporativas, pagas. A sustentabilidade dos projetos se dá também por meio de propaganda, veiculada nos programas de TV e rádio. Outra inovação foi a criação do aplicativo Dicas de Tecnologia com Fernando Lemos. Para baixar o aplicativo na loja da Apple ou na do Google, o usuário paga R$ 2,99. O conteúdo é gratuito e está dividido em dez temas (formação, entretenimento, segurança, os melhores apps etc.). Dentro desses temas há vários grupos com dicas rápidas. De acordo com Fernanda, em setembro, já estava posicionado no 222º lugar no ranking dos aplicativos mais baixados no Google. www.tecnologiaparatodos.com.br ARede especial novembro 2014 37 Setor Privado | Serviços aos usuários e à comunidade A saúde vencendo distâncias Parceria entre Cisco, Universidade Federal de Sergipe e governo do estado aproxima médicos especialistas da capital a pediatras regionais. Áurea Lopes Sergipe é palco de uma experiência em tele- medicina capaz de levar medicina especializada a comunidades distantes. Vencedor do Prêmio ARede 2014, o projeto tocado pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e a fabricante de equipamentos de telecomunicações Cisco, batizado de Programa Avançado de Colaboração e Educação em Saúde, está proporcionando atendimento pediátrico por telemedicina e telepresença em duas cidades do estado. As clínicas de saúde da família das cidades de Lagarto e Tobias Barreto são conectadas a hospitais e especialistas de Aracaju, capital do Estado, e de São Cristovão, onde há um campus da UFS. Desde fevereiro, foram realizados cerca de 80 atendimentos virtuais por mês. O projeto faz parte do programa global de responsabilidade social da Cisco Connected Healthy Children e combina os esforços da universidade e dos prestadores de assistência médica nos municípios envolvidos. Tem o apoio também do governo do estado, do Ministério da Saúde e das prefeituras e secretarias de saúde das duas cidades. A Cisco doou os aparelhos e os softwares. São utilizadas a videoconferência Cisco TelePresence e tecnologias de colaboração baseadas em rede, como Show and Share, WebEx e Jabber. A empresa forneceu ainda duas unidades móveis, que podem ser levadas para salas de aula, leitos hospitalares ou para casas de pacientes. São carrinhos com a solução de telepresença e com entradas para dispositivos móveis como tablets e celulares, ou equipamentos os médicos com conexão digital. 38 www. arede.inf.br Lagarto é a terceira maior cidade do Sergipe, com cerca de 100 mil habitantes. Apesar do tamanho, a cidade tem uma séria deficiência na área de saúde. Para lá, foram enviados dez profissionais do programa Mais Médicos, de acordo com a secretária municipal de Saúde, Tânia Cristina Prado Corrêa. Antes do projeto, a rede pública tinha apenas três pediatras para um contingente de cerca de 25 mil crianças até 14 anos. Cada um atendia onze meses por ano. No mês de férias, as consultas eram suspensas. A falta de especialistas se estende por uma longa lista de áreas médicas. Nesses casos, assim como em ocorrências que exigem intervenção mais complexa, os pacientes são transportados para Aracaju. Na clínica de Lagarto, a diretora contabilizava uma média de dez viagens por semana. Foco na pediatria A telemedicina vem sendo usada justamente para sanar essas dificuldades. O foco inicial é a pediatria. Os equipamentos instalados conectam médicos e pacientes, em tempo real, com imagem em alta definição. O médico generalista da clínica de Lagarto pode, por exemplo, fazer uma consulta em conjunto com um especialista de Aracaju, que interage com o paciente por telepresença. O médico remoto pode compartilhar com o colega local a visualização de exames e ter acesso ao estetoscópio digital acoplado ao equipamento da clínica, durante o exame do médico local ao paciente. O generalista fica encarregado também de focalizar ferimentos, por exemplo, Fotos: Divulgação para que o especialista veja ampliado e em detalhes, 78 quilômetros longe dali. E se o especialista não estiver em um dos campi da UFS, poderá se conectar ao sistema por computador, tablet ou celular. Os profissionais foram capacitados para operar os equipamentos e trabalhar com os softwares e com o banco de dados que vai suportar os aplicativos de gestão e análise de informações. O projeto começou este ano. A proposta é utilizar a solução em três frentes: para diagnósticos colaborativos, com os especialistas da universidade trabalhando em conjunto com os generalistas locais; para promover a troca de conhecimentos entre profissionais da capital e do interior; para a produção e a distribuição de conteúdos de saúde. Além de criar uma alternativa para atenuar gargalos cotidianos, como o transporte de pacientes para a capital. O professor da UFS Mario Adriano dos Santos, um dos responsáveis pela iniciativa, acredita que, nas consultas, a sensação de telepresença pode fazer toda a diferença. No programa federal Telessaúde, compara ele, as câmaras são de baixa resolução, a conexão não é alta e os hardwares são limitados. Ele explica que serão monitorados dados como a quantidade de saídas evitadas, número de aulas que as crianças perderiam com os deslocamentos, redução de gastos públicos. “Acima de tudo, vamos verificar qual o ganho de qualidade de vida nos casos de crianças com doenças crônicas”, acrescenta. Salas com equipamentos de videoconferência e telemedicina são instaladas nos hospitais e nos campi da UFS O projeto deu tão certo que as parcerias com a Cisco e com o governo do estado foram ampliadas. A empresa cedeu mais 50 licenças para uso do software, enquanto o governo financiará a instalação de mais salas em outros municípios. “A ideia é ampliar para mais 50 cidades, mas depende de infraestrutura local, como pessoal, médicos e conectividade nas unidades. A gente quer as novas unidades funcionando já no primeiro trimestre”, afirma Santos. O foco em pediatria permanecerá. ARede especial novembro 2014 39 Fotos: Divulgação Setor Privado | Tecnologia para acessibilidade Informações que libertam Portal especializado oferece conteúdos e serviços que incluem pessoas com deficiência no mundo digital e melhoram suas vidas no mundo reAl Áurea Lopes Além de superar os traumas de suas histó- rias de vida, pessoas com deficiência precisam fazer enormes esforços para se adaptar a um mundo que ainda não está plenamente preparado para elas. A consciência da sociedade e as políticas públicas referentes a esse tema se ampliam a cada dia, é verdade. Mas ainda existem muitas limitações à locomoção e à integração de quem não é capaz de andar, ou de enxergar, ou de ouvir, entre outras funções humanas básicas. “Tem gente que não sai de casa por causa de um problema físico. E a tecnologia pode fazer toda a diferença para essa pessoa”, diz a jornalista Simone Nunes Freire, diretora da agência de comunicação digital Espiral Interativa, empresa responsável pelo portal Vida Mais Livre, vencedor o Prêmio ARede 2014. A iniciativa foi idealizada por Simone quando ela decidiu trocar sua carreira na grande imprensa por um negócio próprio. “Tinha em mente elaborar um projeto paralelo, de cida40 www. arede.inf.br dania. Então fiz uma análise dos segmentos, das demandas sociais, para ver onde poderia fazer algo que fosse mais útil e acabei me deparando com a questão da deficiência”, conta a dona da Espiral, inaugurada em 2009. Lançado pouco depois, em fevereiro de 2010, o Vida Mais Livre é um dos poucos sites do país focado especialmente em conteúdos especializados em todas as modalidades de acessibilidade. Foi totalmente desenvolvido pela equipe da agência. Tem dois colaboradores exclusivos e conta com o apoio de programadores a jornalistas da Espiral que dedicam parte do seu tempo na agência para o portal. O site atende, desde a arquitetura da informação até as linhas de código, aos critérios da W3C – principal organização de padronização da web. Pessoas com deficiência visual podem ouvir as reportagens com ajuda dos leitores de tela, surdos podem ler transcrições de conteúdos em áudio e vídeo. Há ainda recursos de zoom de tipografia, navegação por meio do teclado e contraste de cores para daltônicos e pessoas com dificuldades de leitura. O portal oferece diversos conteúdos, presta serviços e dá voz aos usuários em diversos canais: noticiário com produção própria, entrevistas, artigos, agenda com dicas culturais e de formação, vídeos, áudios, troca de experiências, denúncias de violação aos direitos dos deficientes, fóruns para debates. Desde 1º de fevereiro de 2010, quando entrou no ar, até o final de outubro de 2014, a página contabilizou 1 milhão e 55 mil acessos únicos. Foram 1 milhão e 300 visitantes, que fizeram 2 milhões e 100 mil visualizações de páginas. A divulgação é feita exclusivamente pelas redes sociais e pelas indicações de quem acompanha o portal. Dede o início, o Vida Mais Livre procurou se fundamentar no que havia de mais atual e nas tendências mais inclusivas de acessibilidade, conta Simone. Por isso, assim que sua ideia foi para o papel, ela buscou aprofundar o conhecimen- to em uma das mais respeitadas instituições do setor, o Instituto Mara Gabrilli. “Eles adoraram a proposta, nos acolheram e nos ampararam em tudo... consultoria técnica, legislativa, apoio institucional”, diz Simone. A parceria dura até hoje. O Mara Gabrilli tem uma forte produção de materiais especializados, como cartilhas, audiovisuais. Camila Benvenuto, coordenadora institucional do instituto, ressalta a importância do papel do Vida Mais Livre ao ampliar e disseminar essas informações: “Os deficientes hoje têm muitos desafios pela frente, nas questões de infraestrutura, transporte, atendimento médico. Mas a maior necessidade, de longe, é de informação. Muita coisa poderia ser feita de forma melhor, com mais benefícios para os deficientes e isso não acontece por pura falta de informação!”, alerta Camila. Em 2012, concorrendo com 23 finalistas, o portal ganhou o prêmio Todos@web – 1º Prêmio Nacional de Acessibilidade, na categoria WebSite externo, promovido pelo W3C Escritório Brasil. www.vidamaislivre.com.br Um banco de exemplos inspiradores No canal Conte sua história, o portal oferece um espaço para que as pessoas compartilhem suas experiências “de luta, força e superação”. Essa ferramenta encorajou, por exemplo, a catarinense Roberta Angeloni de Almeida a dar seu testemunho, que pode inspirar e confortar outros leitores: “Nasci com má formação congênita, que incluía fissura lábio-palatina. Enxergo apenas de um olho, perda total de audição no ouvido esquerdo e no direito escuto com ajuda de um aparelho auditivo. Apesar de todos estes percalços da vida, sempre fui uma criança alegre e divertida. (...) Sempre fui atrás dos meus objetivos, determinada, persistente, uma pessoa positiva. Gosto de conversar, ouvir. Me formei em nutrição e psicologia. Atualmente moro em SP e trabalho na área de Recursos Humanos”. 42 www. arede.inf.br Outro depoimento espontâneo enviado ao portal foi de Edvania Almeida: “Sempre fui uma pessoa independente, e sempre achei que jamais dependeria de ninguém, até o dia 22/05/2010, dia em que me levantei para ir para a faculdade e não cheguei lá! Dia em que, se eu tivesse ficado dormindo, talvez hoje eu estaria com as minhas duas pernas saudáveis. Mas... com tudo isso, aprendi que temos que tirar o “se” de nossas vidas, pois, quando é da vontade de Deus, nada mudará o destino! Com a graça de Deus, eu venci uma enorme barreira. Lógico que “amigos” não faltaram ao meu lado. Na hora, minha ficha não caiu. O médico entrou em meu quarto e me disse que a possibilidade de eu voltar a andar era praticamente nula. E hoje, depois de quase quatro anos passados de meu acidente, estou em pé, mancando, mas em pé!”