III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTOR DO TEXTO: Ferdinando Santos de Melo
PROJOVEM urbano e práxis pedagógica: os desafios à qualificação profissional e à
ação comunitária de jovens em Salvador
RESUMO: O presente artigo apresenta uma pesquisa realizada no Projovem Urbano,
Programa que integra a Política Nacional de Inclusão de Jovens, em Salvador-BA. São
discorridos no texto dados sobre educação, desemprego e mercado de trabalho, relativos à
população jovem, bem como o histórico das políticas públicas destinadas a este segmento. A
investigação no campo empírico tratou das percepções de jovens e professores,
considerando as dimensões relacionais, estruturais e pedagógicas do programa. Os dados
foram coletados em duas assembléias com discentes, docentes e coordenadores, através de
12 entrevistas individuais semi-estruturadas, sendo 4 por segmento (discente, docente e
gestor), e observações. No momento da análise, os dados foram separados por temáticas. A
dimensão pedagógica apresenta-se como um estímulo aos jovens e nessa perspectiva
destacam-se a qualificação profissional, o acesso a livros por professores e alunos, e a
interlocução entre os atores para o sucesso do programa. Como resultados, observamos que
além dos conteúdos e da certificação para a conclusão do ensino fundamental, os jovens
desejam que o programa fortaleça a socialização, a auto-estima e suas atuações na
comunidade.
PALAVRAS-CHAVE: Juventude, Projovem, Projovem Urbano
Introdução
A partir de meados da década de 90 do século XX, o tema juventude passa a ganhar
visibilidade e amplitude no espaço público brasileiro, ao passo em que crescia a proporção
de jovens entre 15 e 24 anos no conjunto da população nacional, e estes eram impactados
pela intensificação das desigualdades socioeconômicas, enfrentando as mais variadas
adversidades (FREITAS e PAPA, 2003). Dessa forma, para Castro (2002), a juventude,
principalmente a adolescência, foi descoberta na passagem do século XIX para o século XX,
sendo portanto uma preocupação recente. Os complicadores em lidar com as “juventudes” 1 ,
sobretudo no âmbito do Estado, vão desde implicações no campo epistemológico do que
vem a ser juventude, ignorando sua diversidade e o que há de comum, até a concepção de
juventude enquanto etapa de transição e estereótipos sobre a condição juvenil.
Assim, segundo Abad (2002) apud Sposito e Carrano (2003), de modo geral, o
avançar histórico das políticas públicas de juventude na América Latina foi marcado por
problemas de exclusão dos jovens da sociedade e os desafios de facilitar-lhes dinâmicas de
transição e integração ao mundo adulto2. De fato, considerando a pluralidade de enfoques,
as características institucionais e a diversidade regional das nações latino-americanas, Abad
(2002) sintetiza contribuições de diversos autores e estabelece periodização polarizando
quatro modelos distintos de políticas de juventude. São eles: 1º) a preocupação com o
1
- A vivência juvenil na contemporaneidade tem se mostrado mais complexa - por isso é pertinente
falar de juventudes-, combinando processos formativos com processos de experimentação e
construção de trajetórias que incluem a inserção no mundo do trabalho, a definição de identidades, a
vivência da sexualidade, da sociabilidade, do lazer, da fruição e criação cultural e da participação social
(PNJ, 2006).
2
- Este debate é aprofundado por Camarano (2006), o qual será retomado posteriormente.
2
tempo livre dos jovens e a ampliação da educação como solução desse problema social,
entre 1950 e 1980; 2º) o controle social dos setores juvenis mobilizados na vida política,
entre 1970 e 1985; 3º) o enfrentamento da pobreza e a criação de mecanismos que
prevenissem o delito, de 1985 a 2000; 4º) a inserção laboral de jovens excluídos e o
aparecimento mais expressivo de políticas e programas sociais para a juventude, entre 1990
e os anos 2000. No que concerne ao cenário brasileiro especificamente,
[...] nos anos 1960 a juventude era um problema na medida em que
podia ser definida como protagonista de uma crise de valores e de um
conflito de gerações essencialmente situado sobre o terreno dos
comportamentos éticos e culturais, a partir de 1970os problemas de
emprego e de entrada na vida ativa tomaram progressivamente a
dianteira nos estudos sobre a juventude, quase a transformando em
categoria econômica (SPOSITO e CARRANO, 2003, p. 19)
Assim, é no cerne da concepção ampliada de direitos que setores da sociedade
brasileira têm direcionado o debate acerca da condição dos adolescentes e jovens, cuja
prerrogativa mais expressiva está na legitimação do Estatuto da Criança e do Adolescente 3,
em substituição ao ordenamento jurídico-institucional do antigo Código de Menores de
19794.
Para Castro et al (2001), experiências que priorizam a participação dos jovens como
protagonistas do seu processo de desenvolvimento vêm demonstrando ser possibilidades
eficientes para superar a vulnerabilidade desses sujeitos, tirando-os do ambiente de
incerteza e insegurança.
No que concerne à perspectiva de desenvolvimento integral juvenil, a Política
Nacional de Juventude (2006) considera as múltiplas dimensões de ser jovem, quer no plano
da realização e história de vida pessoal, quer no próprio curso de vida, sugerindo que as
políticas de juventude, mesmo aquelas com enfoque setorial, devem ser engendradas em
termos da integralidade das distintas dimensões.
Nesta perspectiva, a análise das políticas públicas para o segmento juvenil
compreende a investigação dos modos por meio dos quais se processa a interação entre
Estado e sociedade civil na sua idealização, implantação e monitoramento. Insere-se
todavia, sob a égide democrática, no cenário de disputas entre atores que lutam na esfera
pública, negociam ações e os recursos destinados à execução, [...] mas o exame das
políticas de juventude requer, expressa no modo como os grupos que disputam sua
formulação concebem os sujeitos destinatários dessas ações – os jovens (SPOSITO, 2003, p.
60).
No tocante às ações desenvolvidas pelo Governo Federal Brasileiro, Calazans(2000),
Cunha (2003) e Almeida (2001), afirmam que a partir da década de 1990, se começa a
3
- Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
- De acordo com Pereira (1998), a Lei 6.697/79 legitima a doutrina da situação irregular, mediante o
caráter tutelar legislacional e a noção da criminalização da pobreza. O Código de Menores de 1979 era
um instrumento de controle social da infância e da adolescência vítima da omissão e da transgressão
da família, da sociedade e do Estado na garantia de seus direitos básicos. Seus destinatários foram as
crianças e os jovens considerados em situação irregular, caracterizados como objeto potencial de
intervenção dos Juizados de Menores, sem que fosse feita qualquer distinção entre menor abandonado
e delinqüente: na condição de menores em situação irregular enquadravam-se tanto os infratores
quanto os menores abandonados. Em sua dissertação, a autora faz um comparativo entre os Códigos
de Menores e o Estatuto da Criança e do Adolescente.
4
3
reconhecer os problemas que afetam os jovens: saúde, violência, desemprego,etc. As ações
pioneiras na área da saúde, estavam em consonância com o avanço da epidemia de AIDS,
que passou a incidir sobre a população jovem, bem como ao aumento dos índices de
consumo de substância psicoativas. Em grande medida, estes programas com foco na saúde
do jovem, se configuram como um importante campo de ações. Não obstante, durante a
década de 90, também surge no campo das políticas uma orientação voltada para o
protagonismo juvenil5.
O objetivo do presente artigo é socializar resultados de uma pesquisa realizada
durante a formação e acompanhamento de educadores no Projovem Urbano – Programa de
Inclusão de Jovens6 – em Salvador-BA7, tratando mais especificamente de duas Estações
Juventude8, São Caetano e Cajazeiras9. Tomamos por eixo as percepções que discentes e
docentes possuem sobre o funcionamento deste programa, em quatro núcleos.
Delimitamos esta análise quanto às questões das relações interpessoais, estruturais e
pedagógicas nos espaços citados.
Procedemos da seguinte forma: 1) realizamos uma assembléia em cada núcleo,
contando com a participação de alunos, professores e coordenadores. Nestes encontros
foram fomentados debates sobre as três dimensões propostas na pesquisa. Todo o material
foi devidamente registrado 2) aplicamos 12 entrevistas individuais semi-estruturadas, sendo
4 por segmento (discente, docente e gestor) em cada núcleo. Antes de ir a campo foram
produzidos roteiros, um de debate para as assembléias e outro para as entrevistas. Deste
modo, ao longo do mês de janeiro de 2006, ouvimos discentes, docentes e gestores
sobre as dimensões mencionadas, quanto ao funcionamento do PROJOVEM, nos primeiros
trinta dias letivos.
No momento da análise, separamos os dados por Estação Juventude, e em seguida
por núcleo, distribuindo-os em temáticas. Na Estação São Caetano foram visitados dois
núcleos, compreendendo doze comunidades e na Estação Cajazeiras trabalhamos com mais
dois núcleos, que atendem a oito bairros.
Projovem: construindo políticas para a juventude
Partindo do pressuposto de que as políticas destinadas ao segmento juvenil se
inserem no seio de um complexo, dinâmico e contraditório processo de produção e
reprodução da sociedade capitalista, torna-se fundamental levar em consideração as
diversas determinações constantes na atual conjuntura, na proporção em que a formulação,
5
- Sposito(2003) elucida que em nosso país, o termo protagonismo tem sido interpretado de diversas
formas por agentes públicos e ONGs de forma pouco crítica. Para a autora, o protagonismo não
representa, de fato, uma relação com os atores jovens.
6
- Em 05 de setembro de 2007, o Governo Federal lança através da Medida Provisória nº 411/2007 e
da Lei 11.962/2008, um programa unificado para a juventude, que passa a congregar todos os
projetos isolados de matriz federal que antes atendiam a este público de forma setorializada e
focalizada, denominado Projovem, subdividido em Projovem Urbano, Projovem Campo, Projovem
Adolescente e Projovem Trabalhador.
7
- O Projovem Urbano em Salvador teve início em janeiro de 2008. A primeira formação dos
Professores aconteceu entre os dias 10 e 14 de dezembro de 2007, com cerca de 600 professores.
Nem todos continuaram no Programa. Até o final de 2008 o Projovem contava com 14 Estações
Juventudes, com 6000 alunos matriculados, em média. O Programa funciona nas Escolas da Rede
Municipal de Ensino de Salvador.
8
- No PROJOVEM são chamadas de Estações Juventude o conjunto de oito núcleos (cada um em uma
escola) sob uma mesma coordenação pedagógica e administrativa. Cada núcleo possui em média cinco
salas de aula, que tem entre 25 a 30 alunos. Em cada Estação Juventude há um coordenador
pedagógico e um coordenador administrativo.
9
- Bairros onde funcionam núcleos em Escolas Municipais que acolhem o Programa.
4
a implementação e gestão dessas políticas constituem condições indispensáveis para a
inserção do jovem universo produtivo.
É necessário considerar também, que deterioração das condições de inserção no
mercado de trabalho e seu avanço desigual nos diversos espaços regionais estão
estreitamente relacionados ao padrão de incorporação excludente que marca a participação
dos jovens na atividade econômica. Identificada por meio do crescimento do desemprego e
das ocupações não assalariadas, a inserção do jovem no mundo do trabalho é hoje também
agravada pelo acesso limitado às políticas sociais e pelos desequilíbrios regionais (BRAGA,
2005).
Neste sentido, Guimarães (2004, p.37) evidencia que:
[...] o trabalho representa uma categoria central no imaginário
juvenil, à medida que a escassez de empregos e desemprego tem
transformado o trabalho em um valor ainda mais importante para os
jovens, principalmente, para aqueles pertencentes às classes com
menores rendimentos.
Assim, o aumento do desemprego e a precarização das condições trabalhistas no
Brasil, são colocados como os principais rebatimentos da crise socioeconômica das duas
últimas décadas, onde as intensas metamorfoses pelas quais vêm passando a economia
alcançam concretude nas constantes alterações de composição da força produtiva e na
estrutura do emprego. Neste cenário, os jovens na faixa etária legal de trabalho, 16-18 anos
e a partir de 16 anos, na condição de aprendizes10, apresentam-se como um dos segmentos
mais vulneráveis na busca por uma vaga de trabalho, quando se observa um considerável
excedente de mão de obra e a escassez de oportunidades de ocupação e de emprego
formal.
Além do mais, as transformações no mercado de trabalho, a partir da década de
1990, intensificam, para a grande maioria dos jovens, os mecanismos de exclusão, tanto
nos países centrais quanto nos periféricos. Por conseguinte, em uma conjuntura de
globalização mundial e de hegemonia do capital financeiro, observa-se também um processo
de internacionalização da economia, o que implica em uma ampla reestrutura produtiva
associada a novas formas de produzir e gerir o trabalho.
Em nosso país, desde o início dos anos 1990, vive-se um processo de constituição,
aprofundamento, consolidação e ajuste de um modelo econômico, de cunho liberalperiférico, que começou a se esboçar a partir do governo Collor (1990-1992) e delineou-se
no governo Lula (2003-2006), com um emaranhado de reformas que conformaram esse
novo modelo econômico implicando profundas transformações em pelo menos quatro
dimensões inter-relacionadas, a saber:
[...] As relações capital/trabalho sofreram uma inflexão radical que,
ao mudar a correlação de forças a favor do primeiro, implicou a
desestruturação do mercado de trabalho e um processo generalizado
de precarização, cuja face mais visível é o desemprego aberto
estrutural, o aumento da informalidade e o enfraquecimento dos
sindicatos. [...] A relação entre as distintas frações do capital foi
reconfigurada, com o capital industrial perdendo a sua condição de
10
- Decreto no 5.598, de 01/12/2005 - Segundo o qual, a formação técnico-profissional do aprendiz
deve ser regida pelos seguintes princípios: garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino
fundamental; horário especial para o exercício das atividades; capacitação profissional adequada ao
mercado de trabalho.
5
hegemonia política e de líder do processo de desenvolvimento e da
dinâmica macroeconômica. Em seu lugar assumiu o capital financeiro
– nacional e internacional – e uma fração do capital industrial que se
financeirizou organicamente [...] A inserção internacional , feita de
forma passiva, a partir da abertura comercial e financeira da
economia. [....] A estrutura e o funcionamento do estado se
redefiniram, através da privatização de suas empresas e de várias
reformas de caráter liberal (DRUCK; FILGUEIRAS, 2007-27).
Diante desta realidade, Castel (1999), ao realizar uma avaliação da questão social na
contemporaneidade, enfatiza três situações. Primeiramente, o autor se refere à
desestabilização dos estáveis, que se constitui na expulsão dos trabalhadores – que em
momentos históricos anteriores se encontravam numa posição estável na divisão do trabalho
– das linhas produtivas. Em segundo lugar, a instalação da precariedade, cujos reflexos
atingem fortemente os jovens, que passam a vivenciar períodos de atividade, de
desemprego, de trabalho temporário e de auxílio social. Por último, destaca a redescoberta
dos sobrantes, daqueles marginalizados na sociedade, bem como os que não são integrados
ou não tenham condições para tal. Segundo Castel (1999), esses foram os indivíduos
invalidados, nas duas últimas décadas, pela nova dinâmica econômica e social.
Associa-se a esta dinâmica uma mudança radical nas relações estabelecidas entre
Estado e sociedade civil, sintetizada na “Reforma do Estado” e em consonância com as
orientações das políticas de ajustes alocadas pelos organismos internacionais às economias
periféricas. Nesta direção,
[...] um dos reflexos decorrentes dessas políticas de concentração de
capital, renda e poder tem sido a agudização das múltiplas
expressões da questão social, que se expressa principalmente, no
desemprego e no subemprego. Deste modo, constatamos uma
precarização das condições de vida de grande parcela da população,
que se agrava com a retração do Estado em suas responsabilidades
sociais (IAMAMOTO, 2003, p. 25).
Dessa forma, a crescente dificuldade de inserção ocupacional juvenil, encontra
respostas na desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, ou seja, no
aprofundamento da situação de desemprego, do aumento do percentual de trabalhadores
sem vínculo empregatício institucional e dos alarmantes níveis de informalidade, isto sem
considerar, a problemática maior para jovens com atributos pessoais específicos, onde o
acesso a melhores oportunidades de emprego encontra várias barreiras, em razão da falta
de experiência profissional, idade, cor, raça, sexo, condição socioeconômica da família, bem
como a localidade do domicílio, acesso à educação.
Em linhas gerais, podemos dizer que as portas do primeiro emprego foram fechadas
para a juventude brasileira, particularmente uma parte considerável, oriunda dos segmentos
populares. A persistência do jovem que procura trabalho remunerado e não obtém êxito, em
alguns casos, representa um sentimento de frustração e desânimo, que culmina no ganho
pela via do crime.
É necessário entender ainda a juventude como parte de um processo mais
abrangente de constituição de sujeitos, que se configura em um momento determinado, mas
que não se reduz a uma fase do percurso da vida, assumindo uma importância singular em
si mesma. Todo esse processo sofre influência do meio social concreto no qual está inserido,
considerando as interações que este proporciona. Logo, não podemos discutir apenas com
6
base em um conceito unívoco de juventude, mas sim, enfatizar a noção de juventudes, para
explicar a multiplicidade dos modos ser jovem.
Nesse ínterim, discorrer sobre políticas públicas de juventude no Brasil implica
fazermos um retrocesso histórico com início nos anos 50 do século XX, levando em
consideração as mudanças ocorridas acerca dos debates em torno de concepções, conceitos
e modelos de políticas implementadas pelas duas últimas gestões no país, representadas
pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo atual governante, Luis Inácio Lula da
Silva.
De fato, o resumo cronológico da evolução das políticas públicas de juventude no
Brasil, proposto por Abad (2002), permite-nos temporalizar e estabelecer aspectos que mais
se destacaram em cada período, em uma convergência de modelos de políticas de
juventude, que, se hoje levantamos dúvidas acerca de suas definições sobre ser ou não
políticas de juventude, representaram para as épocas respectivas, a função tipológica de
uma política pública direcionada a categoria juvenil.
Como já mencionado anteriormente, temos como marcos: 1º Entre as décadas de 50
e 80 - A preocupação com o tempo livre dos jovens e a ampliação da educação como
solução desse problema social; 2º Dos anos 70 a 1985 - um controle social dos grupos de
jovens que participavam da mobilização social e política no país; 3º O combate à pobreza e
a criação de mecanismos que prevenissem o delito, entre 1985 e 2000; e, então, 4º O
surgimento de programas que promovessem a inclusão juvenil no mundo do trabalho, entre
a década de 90 e os anos 2000.
Percebe-se que não de forma isolada conviveram os modelos de tais políticas no país.
Os últimos voltam-se para a construção e convergência de idéias e propostas que atendam a
agenda social estabelecida por organismos internacionais, a exemplo da Organização
Mundial das Nações Unidas, Banco Mundial, dentre outros. Nesse contexto, são criadas
estratégias de combate à pobreza no país e de programas específicos para os jovens, na
ação de conquistar a eficiência da intersetorialidade entre os entes federados, prevista pelo
paradigma da descentralização, onde destacamos as iniciativas dos governos locais, o que
para Sposito e Carrano (2003) significa “mudanças expressas de forma diversificada”, fato
que, segundo os pesquisadores, subsidiará a estrutura para novas formas de pensar e
desenvolver políticas de juventude.
Dados a população jovem: educação, desemprego e mercado de trabalho
Segundo o Censo 2000, a população de jovens 11 era de cerca de 34 milhões de
habitantes, correspondendo a 21% da população total do país. Deste universo, a maior
parte (80%) vive no espaço urbano, que correntemente não acessam em completude as
poucas políticas sociais específicas, para suprir as suas múltiplas necessidades. Assim,
Um dos grandes cortes na relação estudo e trabalho é na idade entre
17 e 18 anos. Uma das primeiras inferências para políticas de tal dado
é considerar que a maior parte das políticas existentes no PPA (Plano
Plurianual de Investimentos), contempla só as populações até 17
anos. Quer dizer, existe um grupo acima de 17 anos que está
totalmente fora de coberturas de políticas públicas; um dos grupos
mais vulneráveis se considerarmos a saída da escola, a inserção no
11
- No Brasil, é considerado jovem, o indivíduo que se situa na faixa etária de 15 a 24 anos. Já para os
principais organismos internacionais, há um alargamento até os 29 anos.
7
trabalho ou formas como está em empregos de diversos tipos
(CASTRO, 2002, p.74).
Assim, o aumento do desemprego e do subemprego entre os jovens tem se
apresentado como um dos rebatimentos mais significativos desse processo, à medida que a
retração estatal nas políticas sociais, bem como a redução da oportunidade de emprego vem
atingindo com força este segmento.
É dentro desta ótica que o Estado incorpora os princípios de mercado, alocando
reformas que minimizam a proteção social pública. Em conseqüência ocorre uma
mercantilização de boa parte dos serviços sociais, instituindo-se assim uma dicotomia de
direitos, [...] entre os que podem pagar pelo serviço e os assalariados formais, e entre esses
e os pobres, ou seja, aqueles que, por absoluta falta de condições de obter os serviços
sociais via mercado, têm de depender da rede pública (LIRA, 2006, p. 155).
Até a década de 1990, as políticas públicas para a juventude apresentavam um
caráter difuso, visto que esta temática não se apresentava como uma prioridade
governamental. É somente a partir desse período, “[...] quando é evidenciada a
vulnerabilidade da realidade dos jovens em razão das transformações societárias na ordem
capitalista mundial, destacando também o potencial ativista da juventude [...]” ( SILVA;
YASBEK, 2006, p. 21), que esse tema vem à tona como ponto central na agenda pública.
Ademais, neste período, ocorreram mudanças na estrutura do emprego, com o
aumento expressivo do trabalho informal e precarizado, complexificando ainda mais a
inatividade, o desemprego e as barreiras para a inserção ocupacional dos jovens. Na
concepção de Sanchis (1997), o desemprego juvenil assume um duplo significado, à medida
que se apresenta tanto sob a perspectiva daqueles jovens que não conseguem o primeiro
emprego, quanto daqueles que vivenciam um processo de instabilidade no mercado de
trabalho.
No que se refere às políticas públicas de trabalho, cabe ressaltar que até a
promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), existiam apenas determinados
benefícios que dispunham de um financiamento claro, mas que restringiam, de maneira
geral, à indenização por dispensa ou outro evento que resultasse em impedimento para o
trabalho. Por outra vertente, também existia uma rede de agências do Sistema Nacional de
Emprego (SINE), além do seguro desemprego, que pelo menos em tese, tinha suas ações
voltadas para a reinserção do trabalhador no mercado. No entanto, estas iniciativas, mesmo
sendo consideradas pioneiras para a construção do Sistema Público de Emprego, Trabalho e
Renda12, atuavam de forma paralela, sem qualquer articulação. (BRASIL, 2006).
Ademais, os dados sobre desemprego juvenil, assim como a intensificação dos
processos de precarização social suscitaram discussões acerca da necessidade de se
formular políticas voltadas à juventude. Todavia, cabe destacar que no período de 1994 a
2002, o governo federal formulou 33 programas direcionados à juventude, posto que 60%
desse programas foram implantados apenas nos últimos cinco anos, o que denota a recente
trajetória na formulação de políticas para a juventude, bem como a sua incipiente
institucionalização13 (SPOSITO, 2003)
12
- Refere-se ao conjunto de programas financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a
partir de 1993: crédito popular, seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, programas de
geração de emprego e renda, informações sobre mercado de trabalho e qualificação profissional.
13
- Em 05 de setembro de 2007, o Governo Federal lança um grande programa para a juventude que
passa a congregar todos os projetos isolados que antes atendiam a este público de forma
setorializada e focalizada, denominado Projovem, subdividido em Projovem Urbano, Projovem do
Campo, Projovem Adolescente e Projovem Trabalhador.
8
Dessa forma, as políticas implementadas no âmbito federal e voltadas para a
juventude, adotam, principalmente , uma perspectiva de prevenção, de controle e de caráter
compensatório.
Por meio de análises mencionadas, constata-se que as políticas públicas destinadas
ao segmento juvenil, num contexto de supremacia neoliberal e de novas configurações no
mundo do trabalho, têm levado a um debate acerca dos reais pressupostos que norteiam e
legitimam estas políticas. Nesta direção, torna-se crucial observar se essas políticas não
estão reafirmando os princípios da tutela e do controle dos segmentos juvenis.
É
fundamental, portanto, que estas políticas considerem os jovens como sujeitos de direitos e
atores capazes de participação e ação não tutelada na esfera pública.
A tais implicações se adiciona o fato de que as metamorfoses ocorridas no universo
produtivo, evidenciadas sobremaneira pelo crescente desemprego, pelo dessalariamento e
pela precarização do mercado de trabalho, implicam em uma mutação significativa do
mercado nos pressupostos que orientam as políticas públicas de emprego no Brasil, em que
pese a intensificação do processo de flexibilização das relações de trabalho a partir de 1990.
Nesta discussão, também se inscreve claramente as múltiplas vulnerabilidades do ser
jovem, inclusive relativa a sua inserção no mercado de trabalho, visto que este segmento
encontra-se submetido, com freqüência, a
funções, salários inferiores e jornadas de
trabalhos mais intensas.
Não obstante, podemos inferir que, no nosso país, as políticas públicas de trabalho,
emprego e renda voltadas aos jovens adotam um caráter focalizado e fragmentado.
Ademais, apesar de serem utilizados como estratégia de enfrentamento da crise do
emprego, os programas de formação e qualificação profissional não conseguem inverter o
atual quadro de desestruturação do mercado de trabalho, de desemprego, de desvalorização
do salário e de precarização das relações. Nestes termos, ao concentrarem suas ações
exclusivamente sobre a oferta e a demanda de trabalho, as políticas públicas direcionadas a
esse segmento atingem somente o nível microeconômico (VELASCO, 2006).
Simultaneamente, ao se apresentar como condição sine qua non ao processo de
reestruturação produtiva, a qualificação profissional também é legitimada, à medida que se
constitui em um elemento fundamental da empregabilidade. Desse modo, transfere ao
indivíduo a responsabilidade tanto de concorrer quanto de se manter no mercado de
trabalho, manifestando, portanto, “[...] uma tensa e contraditória relação, pois, ao mesmo
tempo em que pretende criar condições favoráveis à inserção dos jovens no mercado de
trabalho, tende-se a individualização” (VELASCO, 2006. p. 197).
Neste difícil cenário, Madeira (2006) afirma que a progressão na educação, ou seja, o
aumento no nível de escolaridade é fator decisivo na constituição da própria identidade
juvenil. No Brasil, entre os mais bem colocados na estrutura de rendimentos são os mais
qualificados. Assim, o termo educação continuada já é recorrente e faz parte do projeto de
vida das pessoas. Os jovens que estão adiando a entrada na vida adulta encontraram uma
boa justificativa para este comportamento: continuar estudando.
Em termos educacionais,
idade. Logo, entre os jovens de
ano 2000, porém esta taxa vai
18 a 19 anos a taxa cai para
14
- Dados do Censo 2000
os índices de escolarização 14 variam conforme os grupos de
15 a 17 anos, 78,8% estavam matriculados nas escolas no
decrescendo nas idades mais elevadas: entre os jovens de
50,3% e entre aquelas de 20 a 24 anos, apenas 26,5%
9
estavam estudando, representado uma das taxas mais baixas da América Latina. Revelamse ainda dados consideráveis sobre o atraso escolar, entendido no âmbito educacional como
o fenômeno da distorção idade-série, onde só na faixa etária de 15 a 17 anos, 52%
estavam matriculados e, de acordo com os atuais princípios e diretrizes da Educação
Nacional15, deveriam ter terminado aos 14 anos o Ensino Fundamental. Todavia, mesmo
com a melhoria relativa registrada nos índices de escolaridade, boa parte dos jovens não
consegue concluir o Ensino Médio, quiçá o nível Superior.
Se levarmos em consideração outras variáveis como raça, mundo urbano/ rural e
localização de domicílio, perceberemos que as disparidades alargam-se, apenas se
cruzarmos alguns dados a título de exemplo. Assim, no universo de estudantes que vivem
em situação de extrema vulnerabilidade social 16, 69,2% são negros e pardos, com índices de
não conclusão da 4a. série do Ensino fundamental de 37,5%, contra 17,1% dos brancos.
Já o Ensino Médio teve aceleração surpreendente a partir de 1995, com o número de
matrículas praticamente dobrando e alcançando mais de 9 milhões em 2005. Expansão
similar vivencia o ensino superior, totalizando 4 milhões de alunos no mesmo ano. Por outro
lado, Madeira salienta que:
[...] a despeito dos avanços registrados no período, um estoque de
população jovem com baixos níveis de instrução vai-se acomodando
como produto dos efeitos combinados da repetência e da evasão. Em
contrapartida, fica patente a progressão, em especial das gerações
mais novas, aumentando a parcela com ensino médio completo, para
a qual devem ser abertas novas possibilidades de avanço na trajetória
escolar (p. 153).
Na verdade, a mesma autora também salienta que um número considerável de
jovens brasileiros ainda segue o modelo de transição antecipada para a vida adulta. Por
outro lado, uma pequena parcela, que detém os maiores rendimentos e níveis de
escolaridade, já apresenta um comportamento bem próximo aos países desenvolvidos,
investindo por mais tempo na formação acadêmica e carreira profissional, adiando
consideravelmente o casamento e nova constituição familiar.
Assim, no horizonte da educação, o movimento de universalização do ensino público
tem sofrido grande desgaste, o que se reflete no número de alunos repetentes e evadidos.
A falta de conhecimento do mundo juvenil17 contribui para que os jovens não se reconheçam
nos currículos da escola regular e menos ainda nos cursos de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), para onde tem se dirigido esses jovens, buscando outras experiências educacionais
ou tentando elevar o nível de escolaridade para competir no acesso ao mercado de trabalho.
Hoje são muito mais os jovens excluídos dos sistemas públicos de
ensino regular que estão presentes nos cursos de EJA, do que
propriamente aqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental
na época adequada (HADDAD, 1995, p.14).
Segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP) há mais de 5 milhões de jovens de até 17 anos que não conseguiram sequer
15
-LDBEN. Lei 9.394/96 de 20 de dezembro de 1996. Art. 32
-Famílias que vivem com renda per capita até ¼ de salário mínimo.
17
Nesse trabalho não discutiremos especificamente o conceito de Juventudes. Para um maior
aprofundamento desta temática conforme: ABRAMO (1994, 1999); CARRANO (2000); SPÓSITO
(1992,1997); PERALVA, 1997; MELUCCI, 1997.
16
10
concluir o ensino fundamental (MORENO,GOULART, 2005, p.87). Há ainda uma disparidade
de rendimento quando são observados os jovens mais ricos e os mais pobres
...na faixa etária de 15 a 17 anos, enquanto entre os jovens mais
ricos não chega a 1% o percentual daqueles que não passaram na
primeira série, entre os mais pobres ele atinge 4%. Na faixa seguinte,
18 a 24 anos, a desvantagem é ainda maior - menos de 1% para os
mais ricos contra mais de 9% para os mais pobres.
A importância de um investimento social que oferecesse ao jovem, em situação de
risco mais grave, uma oportunidade diferenciada da escola regular e da EJA foi pensada e
implementada em diversas capitais do Brasil pelo PROJOVEM, que é um programa idealizado
como uma das Políticas para a Juventude 18, veiculadas pela Secretaria Nacional da
Juventude. Foi implantado em 2007 sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência
da República, em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e Emprego
e o Ministério do Desenvolvimento Social de Combate à Fome (SALGADO (Org) 2005a).
Destina-se a jovens de 18 a 24 anos que concluíram a antiga 4ª série (atual 5º ano), mas
não terminaram a 8ª série (9º ano). Os jovens participantes não devem possuir vínculos
formais de trabalho. O programa está centrado em três eixos: educação de jovens para as
séries finais do ensino fundamental, qualificação profissional19 e ação social20.
A qualificação profissional proposta pelo PROJOVEM não atribui formação técnica ao
aluno. Pretende situá-lo no mercado de trabalho e prepará-lo para atuar de maneira
preliminar em um de seus arcos práticos, como telemática, turismo, alimentação e metalmecânica, no caso de Salvador. A ação comunitária propõe-se a desenvolver uma relação de
planejamento e execução de ações sociais do jovem em sua comunidade, sendo elaborado
um projeto individual por meio de planejamento participativo. Tal projeto é chamado de
Plano de Ação Comunitária – PLA.
Com relação à distribuição didática, o programa está dividido em 4 módulos:
“Juventude e Cidade, Juventude e Trabalho, Juventude e Comunicação e Juventude e
Cidadania”. Cada módulo é trabalhado durante três meses, totalizando 1.600 horas/aula. Os
discentes recebem do governo federal, uma bolsa mensal no valor de R$ 100,00. São
avaliados com provas trimestrais e finais (pela direção nacional) e de forma contínua, pelo
professor. Ao longo dos trabalhos são feitas formações locais, para os educadores (320
horas/aula), em dois momentos específicos: 1) capacitações intensivas, ao início de cada um
dos quatro módulos e 2) acompanhamento continuado, através de diagnósticos, visitas e
pesquisas.
Em cada localidade o Projovem possui uma coordenação municipal, em muitos casos
a cargo das prefeituras, a quem cabe a contratação da equipe de professores, bem como a
matricula dos alunos. É ainda da coordenação a responsabilidade pela estrutura física para
receber as turmas e pela compra e distribuição da merenda escolar e do material didático.
18
- Sobre as Políticas para as Juventudes ver material publicado pela UNESCO. CASTRO, M;
ABRAMOVAY, M. Por um novo paradigma do fazer políticas: políticas de/com/para juventudes.
Brasília: UNESCO, 2002.
19
- Em todos os núcleos há a presença dos qualificadores profissionais que, ao menos uma vez por
semana, intervêm em cada uma das turmas para apresentar o Projeto de Orientação Profissional (POP)
– que se dedica ao desenvolvimento de um plano de orientação vocacional para cada jovem - e para
ministrar os conteúdos da formação técnica geral para o trabalho – FTG. Consultar: BRASIL (2006) e
SALGADO (Org.) 2005a.
20
- Na Ação Comunitária, as Assistentes Sociais se revezam, para comparecer, quinzenalmente às
turmas, debatendo o Plano de Ação Comunitária - PLA.
11
Na cidade de Salvador-BA, a referida coordenação está ligada à Secretaria Municipal de
Educação, com ações coordenadas com as demais Secretarias do Município.
Cada município possui uma equipe de formadores, responsável pela capacitação e
acompanhamento dos docentes, auxiliando-os na compreensão de diversos aspectos, como:
melhor forma de lidar com os jovens, atribuições do educador, interdisciplinaridade, projeto
pedagógico integrado, ação comunitária, letramento; registros e organização das práticas
educativas em portfólios (fotos, textos), planejamento, avaliação. Na capital baiana esta
equipe é coordenada pela Universidade Federal da Bahia, e atua com 14 formadores das
mais diversas áreas das Ciências Humanas e Naturais, todos com pós-graduação strictosensu (Mestrado ou Doutorado), e com atuações simultâneas no ensino e na pesquisa.
Percepções de jovens e docentes sobre o Projovem Urbano: dimensões relacionais,
estruturais e pedagógicas.
Durante o mês de fevereiro de 2008 foram visitadas, no turno da noite21, quatro
escolas que acolhem o Programa. Antes das visitas, contatamos os coordenadores
pedagógicos das Estações, o que facilitou o acesso, pois essas instituições são localizadas
em diferentes e distantes regiões da periferia de Salvador22.
Observamos que as relações interpessoais, estabelecidas cotidianamente no
Projovem, são consideradas por alunos e professores como o aspecto mais importante para
um andamento consistente dos trabalhos. Dentre elas ressaltamos as relações: a) entre
alunos do Projovem e da rede municipal, e dos estudantes do programa entre si b) entre o
Projovem e a gestão nas escolas, c) entre os educadores do Projovem e os professores
da rede municipal, d) dos jovens com o programa e com os seus professores.
No que se refere aos alunos do Projovem e os da rede municipal, assim como aos
alunos do Projovem entre si não foram evidenciados problemas. Os professores declararam
que – até o momento – não ocorreram conflitos sérios como brigas entre gangues ou
agressões corporais entre os jovens. A coordenação da Estação São Caetano, no entanto,
informou que já houve acontecimentos desta ordem em outros núcleos, nos bairros mais
violentos. É importante lembrar que há outras formas de agressões nas escolas (ZALUAR,
1992), como a “violência mascarada”, nem sempre percebida pelos professores, pois é tida
como brincadeira, ou confundida com indisciplina. São as “incivilidades”: os apelidos, as
agressões verbais, os empurrões, as humilhações, a estigmatização pelo local de moradia
(DEBARBIEUX, 2001; SPOSITO, 2001).
Essa violência pode se tornar perigosa porque não é controlada por
ninguém, não possui regras ou freios e porque passa a ocorrer
constantemente no cotidiano escolar. De tanto acontecer ela passa a
ser banalizada e termina por ser considerada “naturalizada” como se
fosse algo “normal”, próprio da adolescência. A banalização da
violência provoca a insensibilidade ao desrespeito e a invasão do
campo do outro (CAMACHO, 2001, p.133).
21
Turno em que funciona o Programa nas escolas municipais.
Os bairros e escolas do Projovem Urbano em Salvador foram selecionados considerando-se o maior
índice de risco social vivenciado pelos jovens.
22
12
Outra questão importante é a relação entre a gestão23 da escola municipal e os
professores e, principalmente com os jovens alunos do programa. Há diversidade nas
situações vivenciadas nos núcleos. Nos locais em que a gestão acolhe os jovens, o trabalho
acontece com harmonia e integração, mas há, no Projovem como um todo, escolas em que
direção e funcionários acreditam que “tinham conseguido colocar esses alunos para fora da
escola e agora esse programa os traz de volta...”. Com essa segunda postura os alunos
afirmam que “sentem a discriminação”. Assim, geram-se conflitos e, por vezes, é necessário
a intervenção da Coordenação Administrativa do Projovem e da Secretaria da Educação.
A escola, em muitos casos, deseja um perfil de aluno diferente do estudante do
PROJOVEM (jovem que passou um tempo “fora” da instituição; não se adequa a muitas de
suas regras). Esse jovem é considerado por alguns, preconceituosamente, como “marginal”.
Dessa forma, em certos espaços, prevalece a ideologia do “universalismo antidiferencista”,
ao serem negadas a diversidade, as especificidades culturais, na tentativa de ”engessar” o
contexto escolar e as pessoas que o produzem. A suposta “homogeneização” aparentemente
facilita, para alguns gestores, sua “administração da exclusão” (SANTOS, 1995).
Na escola “A”24 a relação entre o programa e a gestão é avaliada como “excelente”.
Desde o início “a direção respeita os horários, as indumentárias e os estilos dos alunos do
Projovem” declara uma docente. No caso da escola “B”, ... “A direção inicialmente estava
mais acessível. Houve depois um pequeno desentendimento por conta de uma questão
envolvendo a merenda escolar oferecida aos jovens do programa. “A partir daí a direção
negou o acesso a qualquer outro espaço da escola, que não fosse a sala de aula”, afirma um
jovem entrevistado.
Professores e alunos reclamam, na maioria dos núcleos do Projovem Urbano em
Salvador, da “pressão” que sofrem para cumprir o horário de entrada e saída (18:00 às
22:00h). Nas escolas municipais, devido a uma cultura que foi sendo estabelecida como
reflexo das condições educacionais, muitas vezes precárias, e da falta de segurança,
costumam finalizar as atividades mais cedo. É o caso da escola “C” que funciona de 19:00 às
21:00h. Modificar este horário tem causado constantes transtornos. Há também
questionamentos quanto ao vestuário dos alunos do Projovem que freqüentam o espaço
usando bermudas, quando é exigido o uso da calça comprida. Na escola “D”, discentes e
docentes reivindicam mais acesso a materiais e equipamentos que o Projovem não tem
autorização para utilizar.
Os professores da rede municipal e os do Programa têm uma boa relação
pedagógica/profissional, assim como os docentes do Projovem entre si. Os coordenadores de
núcleo foram avaliados pelos entrevistados como “participativos e comprometidos”.
De modo geral, os jovens sentem grande admiração pelos seus professores. “Os
professores são ótimos, se a gente chega com algum problema lá, até de casa, eles
conversam com a gente” (Aluna). Acolher esses jovens que já foram “expulsos” da
escola é algo fundamental para que a relação ensino-aprendizagem se concretize com êxito,
pois acreditamos que “(...) o elo perdido dos sistemas educacionais do mundo inteiro é a
falta de foco na dimensão afetiva” (TILLMAN, COLOMINA, 2004. p.30).
23
Era esperado que, com toda a experiência do processo de eleição de diretores nas escolas, a
participação, a democracia, o acolhimento funcionassem, para além do discurso. Essas aprendizagens
ainda estão acontecendo. Para um maior aprofundamento sobre a gestão e as “novas” relações
estabelecidas entre os segmentos escolares ver PARO (1995); LUCK (2000); VIEIRA et al (2001);
TORRES, GARSKE (2000).
24
- Utilizamos letras do alfabeto ao nos referirmos às unidades de ensino, para garantir o anonimato
dos sujeitos pesquisados.
13
Segundo os professores, há alunos, em alguns núcleos, que apresentam pouca
facilidade em “cumprir horários e participar coletivamente das atividades”. Apesar disso, os
docentes surpreenderam-se com o bom desempenho dos jovens: “As salas são bastante
heterogêneas, contudo observamos que o desempenho tem sido bastante satisfatório”
(professor). Alguns alunos declaram que o conteúdo “não é fácil, nem difícil, está
exatamente no nível que poderíamos acompanhar” (Aluna da Escola “E”).
Compreendemos que as questões relativas à estrutura influenciam diretamente a
aprendizagem dos alunos (WAISELFISZ, 2000a, 2000b). Há reclamações de jovens e
docentes sobre a necessidade de mais ventiladores, reforma dos sanitários, maior
iluminação em algumas salas, carteiras adequadas ao público do programa (algumas são
pequenas), ambientes além das salas de aulas, para realização de outras atividades.
A escola “F”, em comparação com outras escolas públicas no município de Salvador,
apresenta uma boa estrutura física. Uma professora preocupa-se com o aumento do número
de alunos a serem matriculados no programa. Acrescenta que “Há falta de ventiladores e o
número de salas disponíveis para o Projovem é de apenas três”.
As escolas municipais visitadas indicam diferenças quanto ao acesso a recursos
materiais e audiovisuais (o que pode ser um reflexo da relação entre a gestão da escola e o
programa, acrescido ao fato de que há escolas que possuem uma cota reduzida de
material). No colégio “A” os professores usam os equipamentos existentes, enriquecendo
suas aulas com esses recursos. Na Escola “E” ocorre o mesmo, com exceção ao acesso a
cópias, ao laboratório e ao material necessário para trabalhos com arte. Os docentes
explicam “Não podemos utilizar xerox e computadores, porque a instituição não está
recebendo uma cota suficiente para gastar com o Projovem”. Nas outras duas instituições
investigadas, os jovens e professores não têm qualquer acesso aos equipamentos.
Os núcleos foram unânimes quanto à restrição aos laboratórios de informática, até
então. O fato de não usarem a Internet, segundo os docentes “(...) impossibilita
complementar os conteúdos com mais informações”. Os jovens também reclamaram, “Além
de não poder usar os computadores, há atraso no pagamento da bolsa”. Continuam
freqüentando o programa porque a maior parte dos alunos mora próximo às escolas,
enquanto os outros são de comunidades circunvizinhas. Para chegarem à instituição escolar
vão caminhando, de bicicleta, ou de carona com amigos e professores. Alguns afirmam
utilizar o skate como meio para chegar mais rapidamente. Há diversos ônibus que passam
próximo às escolas visitadas.
O trabalho pedagógico é feito com conteúdos das diferentes disciplinas no primeiro
tempo (língua portuguesa, ciências humanas, inglês, matemática, ciências da natureza). No
segundo tempo ocorrem, duas vezes por semana, os trabalhos da qualificação profissional,
conduzidos pelo educador específico dessa área. Em escala mais reduzida, pelo menos uma
vez por quinzena, são realizados os trabalhos da ação comunitária, orientados pela
assistente social de cada núcleo. Nos outros horários da noite são realizadas tarefas de
integração entre as disciplinas e os temas sugeridos em cada unidade do programa. Cada
turma possui um professor responsável pela condução, planejamento e execução destes
trabalhos, tal educador é conhecido como professor orientador (PO). Vale ressaltar que o
Professor Orientador
também é responsável por dar continuidade aos trabalhos dos
qualificadores profissionais e das assistentes sociais, visando a integração dos conteúdos,
nos dias em que estes profissionais não estão presentes no núcleo,.
14
Com relação à disponibilidade
livros25, assim como os professores.
mostram-se animados por possuírem
passado por essa experiência na escola
de material didático, todos os jovens receberam
Os discentes elogiam a qualidade do material e
livros “só seus”, pois, muitos deles, não haviam
regular.
A interdisciplinaridade, pela proposta pedagógica nacional do Programa, é um dos
maiores problemas na prática do trabalho docente. Teoricamente o assunto é debatido, mas
quando se trata da aplicação dizem-se confusos: “Desejamos fazer isso, mas não nos
sentimos preparados”. Por isso, demandam ainda planejamentos por disciplina na estação.
Posteriormente vários temas, além da interdisciplinaridade, foram tratados nas formações
para os professores através de oficinas, ajudando-os a associar temas com metodologias
criativas, dinâmicas e práticas lúdicas.
A coordenação pedagógica da Estação Cajazeiras está realizando uma interessante
estratégia para a circulação da informação entre os núcleos e estação juventude, através de
um jornal. Segundo o coordenador “Cada núcleo escolheu um título para o jornal e nesta
semana os alunos estão realizando votação em seus núcleos para escolher o título
definitivo”.
Considerações Finais
O Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens): Educação, Qualificação e
Ação Comunitária - é componente estratégico da Política Nacional de Juventude, do Governo
Federal. Foi implantado em 2005, sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da
República em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e Emprego e o
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
Seus destinatários são jovens de 18 a 24 anos que terminaram a quarta série, mas
não concluíram a oitava série do ensino fundamental e não têm vínculos formais de
trabalho. Aos participantes, o Projovem oferece oportunidades de elevação da escolaridade;
de qualificação profissional; e de planejamento e execução de ações comunitárias de
interesse público. Por meio do curso, proporciona formação integral com carga horária de
1600 horas (1200 h. presenciais e 400 h. não-presenciais) desenvolvidas em 12 meses
consecutivos e inclui disciplinas do ensino fundamental, aulas de inglês, de informática,
aprendizado de uma profissão e atividades sociais e comunitárias de forma integrada. Cada
aluno, como forma de incentivo, recebe um auxílio de R$ 100,00 (cem reais) por mês, desde
que tenha 75% de freqüência nas aulas e cumpra com as atividades programadas.
Tal programa tem como finalidade proporcionar formação integral ao jovem, por meio
de uma associação entre: elevação de escolaridade, visando a conclusão do ensino
fundamental; qualificação profissional, com certificação de formação inicial, e
desenvolvimento de ações comunitárias de interesse público.
Além disso, deverá contribuir especificamente para: a reinserção do jovem na escola;
identificação de oportunidades de trabalho e capacitação dos jovens para o mundo do
trabalho;, elaboração de planos e o desenvolvimento de experiências de ações comunitárias,
e inclusão digital como instrumento de inserção produtiva e de comunicação.
O Projovem foi implantado em um momento histórico em que a tensão local-global se
manifesta no mundo de maneira muito contundente: nunca houve tanta integração
globalizada e, simultaneamente, nunca foram tão profundos os sentimentos de desconexão
25
Cf. SALGADO (Org) 2005a, 2005b, 2005c, 2005e, 2005f.
15
e agudos os processos de exclusão. Nesse contexto, o mesmo programa é concebido como
instrumento de inclusão social em seu sentido pleno.
A integração indissociável entre educação básica, qualificação profissional e ação
comunitária proposta pelo Projovem pressupõe uma nova perspectiva de cooperação
interdisciplinar, voltada para o desenvolvimento de saberes, conhecimentos, competências,
valores e práticas de solidariedade e cooperação contemporâneas do século XXI.
O bom andamento desse programa depende da apropriação de seus pressupostos
político-pedagógicos e de sua proposta curricular, por todos os atores do programa:
gestores, educadores profissionais, assistentes sociais, professores e alunos.
Com o escopo de tal transformação, o Projovem (Programa nacional de Inclusão de
Jovens), que atende jovens entre 18 a 24 anos que estão fora da escola e do trabalho, abre
suas portas para buscar a realização do processo inclusivo, no qual o professor necessita
compreender e respeitar as diferenças de seus alunos, possibilitando a re-inserção social e
educacional através da aprendizagem significativa, exaltando suas potencialidades e
garantindo a todos o acesso e a construção de competências que os levem a tornar-se
cidadãos com o afã de condições de vida e oportunidades que satisfaçam as carências
básicas de um ser humano.
Além disso, o Projovem busca superar os grandes hiatos existentes entre escola e
vida, entre aprendizado teórico e prático, entre escola e mundo do trabalho, entre
preparação do cidadão para o futuro e ação do jovem cidadão no presente, propondo
estratégias que reconduzam os jovens aos sistemas educacionais, criando e validando
múltiplos espaços de aprendizagem, ampliando o acesso aos sistemas de ensino e neles
aumentando a probabilidade de permanência. É válido ressaltar que, para tanto, criou-se
uma organização curricular pioneira, inovadora e flexível, cujo maior desafio é romper com
as clássicas dicotomias: educação geral x formação profissional e educação x ação cidadã.
No tocante ao campo empírico, a maioria dos discentes verbalizou que tem ampliado
sua rede de relacionamentos e aprendizagem após o ingresso no Programa. Esta interação
também é um processo educativo, uma vez que indicam a possibilidade do Projovem
redimensionar suas vidas. Verbalizaram o desejo de montar grupos na comunidade e
continuar os estudos (Alunos das Escola “A” e “C”. Outros jovens, mesmo nesse pequeno
período de aulas, afirmam estar retomando, nos seus bairros, Organizações Juvenis (Jovens
da Escola “E”). Demonstram esperança e desejo de que o Programa seja de fato uma
oportunidade para eles, tanto na perspectiva da socialização e da auto-estima, quando no
horizonte de suas atuações na comunidade. Além da certificação e da aprendizagem de
conteúdos, os laços de amizade e acolhimento são considerados pelos eles, essenciais para a
sua permanência no Programa.
Os docentes parecem dispostos e articulados ante os desafios que surgem na escola e
salas de aulas como: a chegada constante de alunos; núcleos ainda incompletos – com
menos de cinco turmas; as ligações com a estação e a coordenação; a falta de materiais e
equipamentos. Demandam maior aprofundamento teórico/prático com relação à
interdisciplinaridade e às relações concretas que podem ser estabelecidas com as propostas
temáticas para a juventude: saúde, trabalho, comunicação e cidadania. Buscam relações
tranqüilas entre si, com a escola, com os jovens e com os docentes da rede municipal.
A qualificação profissional tem tido uma grande aceitação por parte dos alunos,
constituindo-se como um dos principais motivos de sua motivação no programa. A
possibilidade de (re) ingresso no mundo do trabalho povoa o imaginário da maioria dos
jovens e faz funcionar o motor dos seus desejos (GUATTARI, 1988).
16
Nos trabalhos das Assistentes Sociais, os principais desafios encontrados são: a
consecução dos trabalhos do PLA26 pelos Professores Orientadores; a grande diversidade de
cenários e protagonistas encontrados em cada comunidade; a sobrecarga de trabalho em
sala, restando pouco tempo para visitas comunitárias; a complexidade do plano de ação
frente aos limites postos ao nível de escolaridade dos alunos, e o curto prazo para
elaboração de cada atividade. Apesar desse contexto, os trabalhos da ação social em
Salvador tem-se destacado pela dedicação desses profissionais.
O retorno à escola e a conclusão do ensino fundamental, em termos curriculares, são
grandes referências do programa junto aos alunos. As relações de afetividade, cuidado e
dedicação fazem a diferença nos trabalhos dos núcleos e das estações juventude, ajudando
a superar problemas e manter a motivação das equipes. Desta forma, enfatizamos que a
dimensão relacional é essencial neste Programa, dada a quantidade de relações inovadoras
propostas para os trabalhos de docentes e discentes. Estes atores juntos descobrem que o
tamanho do mundo É um tamanho que não se mede por quilômetros, mas pela imaginação,
pela coragem de descobrir as coisas... (PIÑON, 1996, p.68).
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26
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