Meio século de crônica em Blumenau
PEDRON, O. 1
GONÇALVES, C. R. 2
Resumo: O presente estudo procurou resgatar parte da história cultural-literária de
Blumenau, restringindo-se, especificamente, à crônica produzida e publicada em periódicos.
Revela, pois, o grande número de textos cronísticos publicados e, ao mesmo tempo, mostra a
dificuldade de acesso a esses textos, tanto pela falta de registro, como pela falta de interesse
dos órgãos culturais em manter viva a literatura em Blumenau.
Abstract: The present study searched to rescue part of the cultural-literary history of
Blumenau, being restricted itself specifically, to the chronile produced and published in
periodicals of Blumenau. It reveals, therefore, the great number of the chronical texts
publbished, and the access difficult to those texts, so much for lack of registers as for the lack
of interest of the cultural agencies in keeping alive literature in Blumenau.
Palavras-chave: crônica, literatura blumenauense.
A pesquisa teve como propósito revelar um aspecto da cultura blumenauense ainda
não levantado, ao menos nos termos aqui propostos. A crônica, de fato, pela íntima ligação
que mantém com o jornalismo, na maioria dos casos, documenta, com um toque de arte,
através da ótica de seu autor, o dia-a-dia, o caminhar de uma comunidade, em vários campos
de sua expressão existencial: histórico-social, cultural, literária.
A história-literária de Blumenau estava a merecer a atenção de intelectuais dessa área.
Blumenau, cidade-pólo do Médio Vale do Itajaí, teve, desde cedo, periódicos, jornais que
acolheram em suas páginas a crônica. A História, a imigração, a colonização, a indústria, o
comércio, o lazer, a cultura, em geral, foram alvo de amplos e bem conduzidos trabalhos. A
cultura literária de Língua Portuguesa, como uma das não menos representativas e
importantes facetas deste poliedro cultural chamado Blumenau reclamava igual tratamento,
como este que se propõe.
A crônica literária em Blumenau, de autores blumenauenses ou aqui radicados e
integrados no contexto cultural-literário da cidade, marcou presença quer em periódicos de
língua alemã quer de língua portuguesa. O âmbito desta pesquisa restringe-se à crônica em
1
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Professor da Fundação Universidade Regional de Blumenau
Aluna da Fundação Universidade Regional de Blumenau.
português, quanto à expressão, e, quanto à fonte, é mais abrangente, pois consulta publicações
de caráter periódico, no período de 50 anos, ou seja, de 1950 a 2000.
A hipótese de que a crônica é um bem literário não menos representativo da história
cultural-social de Blumenau merecia ser investigada, pois é sabido que alguns periódicos de
nossa cidade lhe deram acolhida. Isto pressuposto, buscamos, então, responder,
objetivamente, a algumas perguntas que deverão confirmar, no todo ou em parte, a hipótese
exposta, quais sejam: qual o número total de periódicos que, historicamente, abriram espaço
para a crônica?; qual o número total delas, por periódico, e quais os seus autores?; quem são
os autores (bio-bibliografia)?; quanto ao assunto, por que campos se distribuem: histórico,
moral, político, filosófico e/ou outros?; qual o seu significado no contexto da cultura local,
regional?; qual, finalmente, a bibliografia da crônica produzida em Blumenau?
O objetivo principal da presente pesquisa é levantar a produção cronística de língua
portuguesa produzida em Blumenau no período de 1950 a 2000. Procuramos também
identificar, à exaustão, se possível, todos os grandes e pequenos periódicos que veicularam
crônicas; identificar os escritores que a praticaram (origem, formação, produção); classificálas por assunto; identificar o papel que desempenharam no percurso cultural-literário de
Blumenau; arrolar uma bibliografia, completa, se possível, da crônica aqui produzida.
A crônica, “gênero menor”, na expressão de CÂNDIDO (1980, p. 5), não guarda
maiores mistérios, maiores segredos, quanto à natureza, não obstante a diversidade de suas
facetas, de sua tipologia. Livre e pessoal, a crônica caracteriza-se como um texto curto em
prosa, que trata dos mais diversos assuntos, ora explorando humor, ora ironizando ou
criticando fatos e pessoas comuns ou públicas.
Segundo ROSA e NOGUEIRA (1976, p. 52), que sintetizam exposição de Afrânio
Coutinho (Antologia Brasileira de Literatura – III), a crônica é um “gênero literário,
específico, estreitamente ligado ao jornalismo”, em prosa, mais atento à expressão que ao
conteúdo, que é, em geral, efêmero.
SÁ (1987, p. 7) desposa igual parecer, quando esclarece que a crônica carrega “a
marca de registro circunstancial feito por um narrador-repórter que relata um fato ... a muitos
leitores que formam um público determinado. [...] Soma de jornalismo e literatura (daí a
imagem do narrador-repórter), dirige-se a uma classe que tem preferência pelo jornal em que
ela é publicada.”
TAVARES (1996, p. 150) situa a crônica entre as espécies do gênero narrativo,
acoplada ao conto, localizando-a, depois, entre as formas de expressão do gênero didático,
jungida ao jornalismo, enquanto COELHO (1974, p. 45) a enumera entre as do gênero
narrativo (ficção). MOISÉS (1983, p. 247), após qualificá-la de ambígua – “Ambígua, duma
ambigüidade irresistível, de onde extrai seus defeitos e qualidades, a crônica move-se entre
ser no e para o jornal ou revista” – discorre, lúcida e precisamente, sobre o espaço que ocupa,
oscilando, “entre a reportagem e a Literatura”. Mais adiante (p. 250 e ss.), ao asseverar que
“quando o caráter literário assume a primazia, a crônica deriva para o conto ou poesia,
conforme acentue o aspecto narrativo ou contemplativo”, discute a tipologia, a
aproximação/distanciamento entre crônica e ensaio, crônica e poesia, crônica e conto, e
conclui afirmando, ao falar de suas características, que “A subjetividade é a mais relevante de
todas”.
Seu grande mérito, segundo ele (ib., p. 8), reside na ‘quebra do artifício’ em “busca da
oralidade na escrita”. TAVARES (1996, p. 123) a define como sendo “uma espécie de conto
curto ou narrativa condensada, que capta um flagrante da vida, pitoresco e atual, real ou
imaginário”.
Há crônicas, segundo ROSA e NOGUEIRA (1976, p. 52 apud Coutinho), “que se
aproximam do conto”, por seu caráter narrativo; outras enveredam “pelos caminhos da
dissertação, das reflexões filosóficas”, outras, ainda são verdadeiros poemas em prosa, “de
conteúdo lírico, veículo de extravasamento da alma do cronista, diante do espetáculo da vida”.
Foi extensa a variedade e exemplos encontrados entre os cronistas de Blumenau no
trabalho de levantamento da crônica aqui produzida.
O alvo da pesquisa dirigir-se-á, em primeiro lugar, a alguns periódicos mais
representativos da imprensa de Blumenau, no período de 1950 a 2000, quais sejam: A Nação,
A Cidade de Blumenau e Jornal de Santa Catarina e, em segundo plano, a outras publicações
editadas pelas principais indústrias têxteis da cidade, como: O Radar Sul Fabril da empresa
Sulfaril S. A. e o Informativo Hering da Hering Têxtil.
A coleta dos dados deu-se em dois momentos: (1) através da localização das coleções
dos periódicos já mencionados, consultando o Arquivo Histórico José Ferreira da Silva, a
Biblioteca Municipal Fritz Müller, a Biblioteca Central da FURB. Neste afazer, contudo, a
impossibilidade de fotocopiar o material encontrado no Arquivo Histórico ocasionou a
necessidade de procurar diretamente os cronistas, antecipando a etapa das entrevistas. Foram
visitadas, também, as indústrias Sul Fabril e Hering Têxtil, onde foram encontrados nomes de
cronistas relevantes para a pesquisa. Tanto a empresa Sul Fabril, com o seu informativo
mensal, O Radar Sul Fabril, criado em 1963, como a Hering Têxtil, com o Informativo
Hering, que realizou sua primeira publicação em julho de 1964, disponibilizaram todo seu
arquivo jornalístico, tanto para consulta como para que se pudesse fazer as fotocópias. A
partir dessa etapa, foram elencados os nomes que tiveram presença ativa na produção
cronística de Blumenau. (2) Entrevistas realizadas com os próprios cronistas, familiares e
pessoas ligadas à cultura blumenauense, recolhendo, assim, o maior número de textos do
gênero crônica, satisfazendo os objetivos aqui propostos.
Após a coleta das informações, pudemos elencar alguns nomes de maior expressão no
gênero aqui pesquisado, destacando-se, dentre eles, os Horácio Antônio Braun, Alexandre
Gomes, Gervásio Luz, Altair Carlos Pimpão, Luiz Antônio Soares e João Vieira.
Horácio Antônio Braun, nascido em Blumenau, trabalhou nos jornais A Nação e A
Cidade de Blumenau, criou o jornal Impacto, dirigiu o Correio do Sudeste, trabalhou na TV
Eldorado, fez cinema, rádio e criou a primeira Agência de Propaganda de Blumenau a Scriba.
Atualmente assina uma coluna diária no Jornal de Santa Catarina.
Alexandre Gomes, ou Barão de Sacujit, nascido em Tijucas, (1918-1992), mudou-se
para Blumenau em 1951. Funcionário do extinto IAPI (INSS) escreveu para os jornais A
Nação e Jornal de Santa Catarina, na coluna diária de Luiz Antônio Soares.
Além de crônicas escreveu versos e acrósticos. Publicou, com o apoio de amigos,
apenas um livro: A Mulher do Zé das Bombas, com ilustrações de Cao Hering e prefácio de
Mano Jango. Faleceu em Blumenau em 23 de julho de 1992.
Gervásio Tessaleno Luz, natural de Rio do Sul (1942), veio para Blumenau aos 11
anos de idade. Estudou em Curitiba e no Rio de Janeiro. Estreou na imprensa em 1964 com o
pseudônimo “Tessaleno”, incorporado ao verdadeiro nome. Foi diretor da sucursal do jornal
O Estado durante toda a década de 70. Exerceu o colunismo e editou cultura no Jornal de
Santa Catarina, nos anos 80. Escreveu para quase 50 jornais e 4 revistas. Atualmente escreve
para pequenos jornais da região. Teve grande espaço na mídia escrita e, por possuir um vasto
material de qualidade, resolveu compilar algumas crônicas e publicar, em parceria com a
Fundação Municipal de Cultura, seu primeiro livro, Rio que passa em nossas vidas. Crônicas
e apontamentos. (2001).
Altair Carlos Pimpão (1939), curitibano, atual diretor da emissora de televisão TV
Galega, mudou-se para Blumenau com 17 anos. Trabalhou na rádio Nereu Ramos. Escrevia
para os jornais Ronda, A Nação e para o Jornal de Santa Catarina, onde exerceu a função de
Superintendente. Em 1964, foi convidado para atuar na Voz da Alemanha, atuando também
como correspondente do Correio da Manhã e, posteriormente, da Folha de São Paulo, além
de outros jornais brasileiros. É membro da Associação Mundial de Imprensa. Publicou apenas
um livro Crônicas de Blumenau (1996).
Luiz Antônio Soares, nascido em Nova Trento (1941) veio para Blumenau aos dois
anos de idade. Foi editor e diretor de redação dos jornais: Lume, A Cidade de Blumenau e
Jornal de Santa Catarina. Exerceu a função de diretor adjunto da TV Coligadas de Santa
Catarina e, ainda, de correspondente da revista nacional Manchete.
Começou a escrever em 1957 assinando as colunas “Tiro ao Teste’, “Opinião e
Política” e “Boys and Girls”, com o pseudônimo de “Os Três Mosqueteiros”, no jornal A
Cidade de Blumenau. No semanário Lume, subscreveu a coluna “Crônica de Bolso”, no
periódico A Nação a coluna “Rodapé”, e, no Jornal de Santa Catarina, as colunas “Ponto de
Vista”, “Rodapé”, “JSC Especial” e “Opinião e Política” com o pseudônimo de Túlio
Maraschino.
Dirigindo atualmente uma empresa de propaganda e publicidade, Luiz Antônio Soares
é, com certeza, o jornalista que mais publicou crônicas, não só em Blumenau, mas como em
todo o estado, e até mesmo, em revistas de circulação nacional.
João Vieira, o “Mano Jango” como era mais conhecido, pois era com este pseudônimo
que assinava suas crônicas, nasceu em Tijucas (1971-1980). Vindo para Blumenau, trabalhou
como Chefe de Estatística na Estrada de Ferro Santa Catarina. No período de 1958 até 1974,
escreveu mais de 1900 crônicas, em sua coluna diária “Espiando a maré...”, no jornal A
Nação. Trabalhou, ainda, no jornal A Cidade de Blumenau e como representante da Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais e Direito Autoral.
Para complementar os resultados e aprofundar as conclusões fez-se necessária a
realização de entrevistas com algumas personalidades ligadas à cultura em Blumenau, que
contribuíram com a pesquisa relatando fatos marcantes e expondo informações relevantes
sobre a crônica produzida em Blumenau, dentre as quais destacamos o Dr. Bráulio Maria
Schoegel, a professora Mestra Sueli Petry, e o Presidente da PROEB, o Sr. Carlos Braga
Müeller. O Dr. Bráulio Maria Schloegel, atual presidente da Fundação Municipal de Cultura,
sempre teve atuação marcante na cena cultural de Blumenau. Não escreveu crônicas, mas
mantém um contato direto e diuturno com os cronistas locais, o que o levou a editar um livro
de crônicas de Gervásio Luz, pela editora Cultura e Movimento, que preside, dentre outras
tantas promoções de caráter cultural-literário. A Mestra Sueli Petry teve grande importância
na realização do trabalho, pois apoiou diretamente a pesquisa no Arquivo Histórico
Municipal, do qual é, no presente, diretora. Carlos Braga Müller, atual presidente da PROEB,
relatou que havia uma certa irreverência nas crônicas publicadas como crítica ou resposta à
crítica de outros cronistas.
Percebemos que a crônica literária produzida em Blumenau marcou a vida cultural e
social da cidade. Todos os periódicos de importância para a cidade abriram espaço para os
cronistas que mantinham ligação direta com seus leitores através de seus textos. Influenciando
todas as camadas da população de Blumenau, os cronistas mantiveram viva a história de nossa
cidade, ilustrando com suas crônicas a imigração, a colonização, a indústria, o comércio, o
lazer, a cultura, e muitos flagrantes do dia-a-dia que revelam a vida, a face típica da nossa
industriosa Blumenau. Nada era esquecido pelos cronistas, que, em certos momentos,
costumavam trocar opiniões com seus colegas através de suas colunas. Recebendo influência
dos grandes cronistas do centro Rio-São Paulo, nossos colunistas imprimiram um estilo
característico de quem busca seu próprio estilo, escrevendo sobre nosso cotidiano, nossas
personalidades e os acontecimentos rotineiros de Blumenau, mostrando que aqui também se
poderia produzir textos com a mesma qualidade das crônicas publicadas nos grandes centros
culturais. Neste cenário, vários intelectuais se aventuraram e conseguiram mostrar, através de
seus textos, que essa realidade era possível.
Após a leitura e a classificação dos textos levantados, notamos que os autores estavam
e estão diretamente ligados aos fatos ocorridos em Blumenau, possuem um elo que os torna
porta-vozes dos anseios e sentimentos dos blumenauenses. Os textos falam dos mais variados
temas, fazem críticas e elogios a personalidades locais, relatam fatos e costumes, comentam
atitudes políticas e do cidadão em geral, cobram a responsabilidade de toda a comunidade
blumenauense com a vida cultural de nossa cidade.
Nossos cronistas preocupavam-se, ao escrever suas colunas, com os mais variados
aspectos de nossa cidade, tinham compromisso diário com seus leitores, que, em certos casos,
aguardavam cada manhã para ler os textos bem escritos e objetivos, como, por exemplo, os da
coluna diária “Espiando a maré”, assinada por Mano Jango no jornal A Nação. Havia diálogo
entre cronista e leitor, que, ao enviar suas cartas era, prontamente respondido através do
jornal, por vezes, de forma gentil e, outras, através de alguma crítica mais ríspida.
Um aspecto que deve ser considerado é a falta de registro das crônicas aqui
produzidas. Não se encontra com facilidade. O que existe são as coleções no Arquivo
Histórico ou de um acervo particular do próprio cronista ou de sua família. Não existe uma
política de resgate cultural e a dificuldade para ter acesso aos textos é imensa, desde não
poder fotocopiar ou reproduzir de qualquer maneira os jornais encontrados no Arquivo
Histórico Municipal até a desconfiança por parte dos familiares que possuem algum acervo.
As personalidades ligadas à cultura blumenauense têm interesse em manter viva a
história cronística de Blumenau, porém, a falta de recursos financeiros impossibilita
iniciativas como a da Fundação Municipal de Cultura, que publicou, no ano de 2001, apenas
uma coletânea de textos do gênero crônica, a de Gervásio Luz. Outra iniciativa louvável é a
conservação de um arquivo jornalístico nas maiores indústrias têxteis de Blumenau, pois,
tanto a Hering Têxtil como a Sul Fabril possuem um vasto material produzido dentro dos
limites de suas empresas, à espera, tão somente, do incentivo, do patrocínio de algum órgão
público, ou por mecenas, para disponibilizar seus acervos e, assim, levar a toda comunidade
blumenauense os textos de seus funcionários e colaboradores.
Existe a necessidade urgente de um interesse maior em relação aos periódicos locais,
já que os meios de comunicação eram, e continuam sendo, as testemunhas dos fatos da
história de Blumenau. Através da busca e análise dos textos escritos em diversos formatos e
gêneros, em especial as crônicas, poderá haver um aprofundamento no contexto histórico dos
fatos marcantes de nossa cidade. Conhecendo as várias perspectivas dos vários autores,
poderemos avaliar a história de nossa cidade, com um olhar mais crítico, percebendo os vários
ângulos que um mesmo fato pode apresentar.
A identidade de um povo se conhece através de sua História, da sua Cultura, de sua
arte, e, conhecer os textos cronísticos publicados nos 50 anos pesquisados mostra que a
história de Blumenau está registrada nas páginas dos principais jornais de nossa cidade.
Resgatar tais textos é, pois, resgatar a história de um povo que possui uma vida culturalliterária muito ativa e que busca integrar-se ao contexto nacional literário.
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