Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 Schvartzman e cols Artigo Original Valores normais de medidas ecocardiográficas Valores Normais de Medidas Ecocardiográficas. Um Estudo de Base Populacional Paulo Roberto Schvartzman, Flávio Danni Fuchs, Alex Gules Mello, Maikel Coli, Mario Schvartzman, Leila Beltrami Moreira Porto Alegre, RS Objetivo – Descrever as medidas ecocardiográficas e a massa ventricular esquerda em uma amostra representativa da população sadia de adultos da região urbana de Porto Alegre. Métodos - Realizou-se um estudo observacional, de delineamento transversal e de base populacional. Em amostragem por estágios múltiplos, selecionaram-se 114 indivíduos para a realização do ecocardiograma uni e bidimensional com Doppler a cores. As análises se restringiram aos participantes hígidos, especialmente quanto a patologias do sistema cardiovascular. As medidas ecocardiográficas foram descritas por média, desvio padrão, percentis e intervalo de confiança de 95%. Resultados - Um total de 100 participantes, similares em várias características à população de origem, realizaram o ecocardiograma. As dimensões da aorta, átrio esquerdo, septo interventricular, ventrículo esquerdo em sístole e díastole, parede posterior e massa ventricular esquerda, corrigida ou não pela área de superfície corporal e pela altura, foram significativamente superiores no sexo masculino. A dimensão do ventrículo direito foi semelhante em ambos os sexos. Muitas medidas ecocardiográficas estão dentro dos valores de referência, mas septo interventricular, parede posterior, massa ventricular esquerda, corrigida ou não para medidas antropométricas, e dimensões aórticas apresentaram média e amplitude de valores inferiores aos da literatura de referência. Conclusão - As médias e estimativas de distribuição para as dimensões de septo interventricular, parede posterior de ventrículo esquerdo e massa ventricular esquerda encontradas neste estudo foram inferiores às apontadas pela literatura de referência como delimitadoras de normalidade. Palavras-chave: ecocardiograma, valores normais Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Correspondência: Flávio Danni Fuchs - Serviço de Cardiologia - Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Rua Ramiro Barcelos, 2350 - 90035-003 - Porto Alegre – RS E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 26/11/99 Aceito em 5/1/2000 Os valores normais para medidas ecocardiográficas estão consolidados em livros textos 1, mas sua origem é heterogênea e por vezes inconsistente. Algumas investigações originais apresentam valores obtidos em indivíduos encaminhados para exame por suspeita de lesão cardíaca não confirmada 2,3. Esses indivíduos podem estar livres de doença cardiovascular detectável pelo ecocardiograma, porém não representam a população de normais. Outros trabalhos não apontam a origem da amostra ou utilizam familiares de pacientes ou funcionários do hospital para determinar valores normais 4. Os valores ecocardiográficos representativos de uma população deveriam provir de uma amostra aleatória da população, não hospitalizada e assintomática. Nenhum estudo estabeleceu parâmetros de normalidade no Brasil, valendose de amostras representativas de adultos livres de doença cardiovascular. Na literatura internacional, há relatos de valores normais das dimensões, função e massa do ventrículo esquerdo. No entanto os padrões de normalidade utilizados em outros países podem não se aplicar ao Brasil 1,5. Assim, é de pertinência científica e técnica estabelecer valores de normalidade do ecocardiograma em brasileiros livres de doença cardiovascular e que representem a constituição étnica e social das comunidades. Neste estudo apresentamos os dados obtidos em uma amostra representativa dos indivíduos adultos da cidade de Porto Alegre. Métodos Estudo observacional, analítico, de delineamento transversal e de base populacional. O processo de amostragem aleatória proporcional deu-se por estágios múltiplos e por conglomerados, a partir de dados do IBGE, relativos ao censo de 1991. Os critérios de inclusão de entrevistados foram ter 18 anos completos ou mais e residir no domicílio sorteado. Entre 1.219 indivíduos sorteados e entrevistados no domicílio, selecionou-se uma subamostra, por sorteio simples, para a realização do ecocardiograma uni e bidimensional com Doppler a cores. Arq Bras Cardiol, volume 75 (nº 2), 107-110, 2000 % Schvartzman e cols Valores normais de medidas ecocardiográficas Inicialmente, sortearam-se 10% da amostra de base e mais 10% destes, como substitutos para não comparecimentos, perfazendo um total de 132 indivíduos. Destes, compareceram 75 indivíduos, correspondendo a 57% dos elegíveis. Em substituição e com o intuito de manter o tamanho da amostra proposta, sortearam-se 57 participantes moradores dos mesmos setores censitários dos ausentes, dos quais 39 (68%) compareceram. A amostra final foi de 114 indivíduos. Tanto na 1ª quanto na 2ª fase de recrutamento, procedeu-se, seqüencialmente, em convite por carta, contacto telefônico, se possível, visita domiciliar e oferta de custeio de despesas para realizar o procedimento. As análises restringiram-se aos participantes hígidos, especialmente quanto a doenças do sistema cardiovascular, com base nos achados de anamnese e exame físico. Adicionalmente, foi excluída doença valvar através de avaliação pelo Doppler. Nenhum participante apresentava história de hipertensão arterial sistêmica ou encontrava-se em uso de medicação cardiovascular. O cálculo do tamanho da amostra foi orientado por estimativas de precisão das medidas, ou seja, procurou-se estudar um número suficiente de adultos para que a dispersão dos dados propiciasse intervalos de confiança, razoavelmente limitados, para estimar com precisão os parâmetros da população de origem. Pela ausência de referencial teórico equivalente (estudos de amostragem representativa de comunidades) valeu-se da descrição de médias e medidas de dispersão apresentada por estudos que empregaram amostras sistemáticas, onde grande parte desses descreve os parâmetros e associações em amostras de aproximadamente 100 indivíduos, um número operacionalmente factível nesta investigação. Realizou-se ecocardiograma modo-M orientado pelo bidimensional nos indivíduos na posição de decúbito lateral esquerda, utilizando aparelho de ecocardiograma Aloka modelo 870 com transdutor de 3,5 MHz e registro concomitante de uma derivação eletrocardiográfica. Três medidas consecutivas foram realizadas para cada parâmetro ecocardiográfico no final da expiração, sendo a média utilizada como o valor do parâmetro. Em todos os pacientes foi utilizada a janela paraesternal longitudinal esquerda para obtenção das variáveis em estudo. Todas as medidas ecocardiográficas foram realizadas de acordo com as normas estabelecidas pela Sociedade Americana de Ecocardiografia 6 e com as recomendações propostas por Devereux e cols.7. Aorta, átrio esquerdo, espessura do septo e da parede posterior, ventrículo esquerdo em sístole e diástole e ventrículo direito foram as variáveis estudadas. Utilizou-se o início do complexo QRS (primeira deflexão) como o local para realização das medidas do final da diástole e o nadir do movimento septal para as medidas da dimensão sistólica do ventrículo esquerdo 6. Mediram-se as cavidades e paredes ao nível das cordoalhas em adultos e adolescentes 6. A massa ventricular esquerda foi calculada pela da fórmula de Devereux e cols.7: massa ventricular esquerda (g)= 0,80x[1,04 {E (ESVd+DdVE+EPPd)3-(DdVE)3}]+0,6 onde ESVd é espessura do septo ventricular em diástole, DdVE é & Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo e EPPd é espessura da parede posterior em diástole. Foram também aferidos o peso (quilogramas), altura (centímetros), índice de massa corporal (quilograma por metro quadrado) e área de superfície corporal (calculada pela fórmula: peso 0,425 x altura 0,725 x 72,84/10.000). Outros dados, incluindo consumo de etanol e nível socioeconômico foram coletados por questionário padronizado. Os parâmetros aferidos foram descritos através de medidas de tendência central (média) e distribuição (desvio padrão, intervalo de confiança de 95%). As análises foram feitas tomando-se a amostra global e subamostras estratificadas por sexo. Os valores de P calculados são apresentados neste trabalho, assumindo-se a significância estatística quando o P foi menor do que 5%. Resultados A amostra de origem apresentou distribuição de sexo, idade e outras características demográficas representativas da população de Porto Alegre. Realizaram-se ecocardiogramas em 114 indivíduos, sendo 100 em participantes livres de doença cardiovascular ou outras clinicamente evidentes. Cinqüenta e dois (52%) eram do sexo feminino e 17 (17%) de cor negra. Trinta e nove (39%) participantes eram fumantes, com consumo diário de 14,6±13,9 cigarros por dia, 11 (11%) ex-fumantes e 50 (50%) nunca fumaram. As características dos indivíduos estudados, classificados por sexo, são apresentadas na tabela I. Idade, índice de massa corporal e pressão arterial sistólica e diastólica foram semelhantes entre homens e mulheres. Já altura, área de superfície corporal, peso, freqüência cardíaca, consumo de álcool e anos de estudos escolares foram significativamente maiores nos homens. A freqüência cardíaca foi significativamente maior nas mulheres. Os registros de 11 pacientes foram avaliados por um segundo ecocardiografista com a finalidade de avaliar variabilidade interobservador. As médias das medidas ecocar- Tabela I - Caracterização dos indivíduos estudados classificados por sexo Características Idade (anos) Altura (m) Área de superfície corporal (m2) Peso (kg) Índice de massa corporal (kg/m2) Pressão arterial sistólica (mmHg) Pressão arterial diastólica (mmHg) Freqüência cardíaca (bpm) VO2 máximo estimado Consumo de álcool (g) Anos de estudos Sexo Masculino (n=48) Feminino (n=52) P 44,2±14,2 1,74±8,1 1,92±0,19 77,9±15,4 25,7±4,5 123,1±15,3 76,7±10,5 71±10 31,3±4,2 12,3±26,8 9,1±3,4 45,1±14,9 1,61±6,1 1,64±0,14 61,9±10,3 24,9±6,3 118,3±15,4 75,6±9,4 77±10 27,1±5,6 4,4±8,7 7,9±3,4 0,7 <0,001 <0,001 <0,001 0,4 0,12 0,6 0,009 <0,001 0,03 0,09 Os valores são expressos em médias ± desvio-padrão para cada grupo; VO2- consumo de oxigênio. Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 Schvartzman e cols Valores normais de medidas ecocardiográficas diográficas apresentaram uma variabilidade inferior a 5% em todas as variáveis analisadas pelo ecocardiograma. As medidas ecocardiográficas estão apresentadas, por sexo, na tabela II, incluindo-se os valores de massa ventricular esquerda corrigidos pela área de superfície corporal e pela altura. As dimensões de aorta, átrio esquerdo, septo interventricular, ventrículo esquerdo em sístole e díastole, parede posterior e massa ventricular esquerda, corrigida ou não, foram significativamente superiores nos homens. A dimensão do ventrículo direito foi semelhante em ambos os sexos. Os percentis de 5 e 95% dos parâmetros ecocardiográficos estão apresentados na tabela III. A massa ventricular esquerda dos participantes de cor branca foi de 121,5±34,4g e nos indivíduos de cor negra foi de 124,2±33,6g (P=0,77). A massa ventricular corrigida por altura ou área de superfície corporal também não foi estatisticamente diferente entre brancos e negros (resultados não apresentados). Não houve diferença estatisticamente significativa de massa ventricular esquerda, absoluta ou corrigida para altura ou área de superfície corporal, entre fumantes atuais, exfumantes e participantes que nunca fumaram. Discussão grande parte da literatura, pois privilegiaram a possibilidade probabilística equivalente de os adultos habitantes de Porto Alegre serem selecionados para o estudo. A influência da substituição de alguns nomeados que não compareceram por substitutos não pôde ser diretamente aferida. Considerando-se que a proporção de faltantes na primeira convocação foi relativamente pequena e que os substitutos foram buscados na mesma região, definida geograficamente e por nível socioeconômico, supõe-se que não tenha ocorrido viés de seleção. A amostra estudada permitiu que as estimativas populacionais dos parâmetros aferidos tivessem pequena dispersão, como pode se ver pelos intervalos de confiança de 95% calculados. Dificuldades para obtenção de imagens ecocardiográficas aceitáveis ocorreram em 5% dos participantes, tendo sido excluídos. Savage e cols. 10 estudaram esse problema em 6.148 homens e mulheres do estudo de Framingham com idade entre 17-90 anos. Obtiveram imagens passíveis de avaliação em 80% dos casos, atingindo 97% para pacientes com faixa etária mais baixa. Obesidade, capacidade pulmonar dimi- Tabela III - Percentis de 5 e 95% das medidas ecocardiográficas nos participantes estudados Características Estudos que objetivam definir valores de referência devem descrever a população investigada e os critérios de amostragem. A maioria absoluta dos estudos de referência de valores de normalidade para medidas ecocardiográficas carece dessas informações. Valores de referência para variáveis ecocardiográficas devem originar-se de uma amostra populacional representativa dos habitantes livres de doença cardiovascular ou outras clinicamente relevantes para o parâmetro de interesse. Muitos estudos não especificam a origem da amostra estudada ou utilizam familiares de pacientes, funcionários voluntários ou indivíduos cujo ecocardiograma foi interpretado como normal 2-4,8,9. Os critérios de amostragem da presente investigação diferenciam-na de Percentil 5 e 95% Amostra global Homens (n = 100) (n = 48) Aorta (mm) 2,27 - 3,4 Átrio esquerdo (mm) 2,5 - 4,0 Ventrículo direito (mm) 1,4 - 2,6 Septo interventricular (mm) 0,5 - 1,0 VE em diástole (mm) 4,0 - 5,6 VE em sístole (mm) 2,3 - 3,6 Parede posterior (mm) 0,5 - 1,0 Fração de ejeção (%) 57,3 - 75,7 Encurtamento fracional 30,0 - 45,0 MVE (g) 74,9 - 193,1 MVE por ASC (g/m2) 47,8 - 96,9 MVE por altura (g/m) 46,7 - 113,5 2,6 - 3,7 2,9 - 4,2 1,4 - 2,6 0,5 - 1,0 4,3 - 5,7 2,5 - 3,6 0,6 - 1,0 57,8 - 76,3 30,6 - 46,5 78,2 - 211,8 48,0 - 102,2 49,8 - 117,4 Mulheres (n = 52) 2,1 - 3,4 2,5 - 3,9 1,5 - 2,6 0,5 - 1,0 3,8 - 5,4 2,3 - 3,6 0,5 - 1,0 53,4 - 75,8 27,7 - 44,5 71,8 - 154,9 44,0 - 89,3 44,9 - 91,1 VE- ventrículo esquerdo; MVE- massa ventricular esquerda; ASC- área de superfície corporal. Tabela II - Medidas ecocardiográficas em homens e mulheres (média ± DP e intervalo de confiança de 95%) Características Aorta (mm) Átrio esquerdo (mm) Ventrículo direito (mm) Septo interventricular (mm) VE em diástole (mm) VE em sístole (mm) Parede posterior (mm) Fração de ejeção (%) Encurtamento fracional MVE (g) MVE por ASC (g/m2) MVE por altura (g/m) Sexo Masculino (n=48) Sexo Feminino (n=52) P 3,1±0,3 (3,0-3,2) 3,5±0,4 (3,4-3,6) 2,1±0,4 (2,0-2,2) 0,8±0,2 (0,7-0,9) 5,0±0,4 (4,9-5,1) 3,2±0,3 (3,1-3,3) 0,8±0,1 (0,7-0,8) 66,4±5,5 (64,8-68) 37,2±4,6 (35,9-38,5) 137,6±35,2 (127,6-147,6) 72,14±15,1 (67,9-76,4) 79,1±19,2 (73,7-84,5) 2,8±0,4 (2,7-2,9) 3,3±0,5 (3,2-3,4) 2,0±0,4 (1,9-2,1) 0,71±0,1 (0,68-0,74) 4,7±0,4 (4,6-4,8) 2,9±0,4 (2,8-3,0) 0,7±0,14 (0,70-0,8) 65,8±6,1 (64,1-67,5) 36,3±4,6 (35-37,6) 107 ± 25,9 (99,9-114,0) 64,8±14,2 (60,9-68,7) 66,7±15,7 (62,4-71) <0,001 0,005 0,6 0,006 <0,001 0,01 0,03 0,6 0,3 <0,001 0,02 <0,001 VE- ventrículo esquerdo; MVE- massa ventricular esquerda; ASC- área de superfície corporal. ' Schvartzman e cols Valores normais de medidas ecocardiográficas Arq Bras Cardiol volume 75, (nº 2), 2000 nuída e doença cardiovascular estavam associadas com ecocardiogramas inaceitáveis, independentemente da idade. A análise de confiabilidade interobservadores no presente estudo demonstrou que os dois ecocardiografistas que analisaram os mesmos exames não diferiam, relevantemente, quanto às estimativas de dimensão e função. A dispersão de valores encontra-se dentro dos parâmetros referidos na literatura 11. As diferenças entre os valores de parâmetros ecocardiográficos encontradas na presente investigação e os de referência na literatura são chamativas, tais como espessura do septo e da parede posterior e dimensões aórticas. Por conseqüência das medidas do septo e da parede posterior, a massa ventricular esquerda, isoladamente ou corrigida para área de superfície corporal ou altura, também foi inferior aos valores de referência. O limite de normalidade, definido pelo percentil de 95%, seria de 1,0cm para septo e parede posterior, contrariamente ao valor de 1,1cm apontado por livro texto 1. As médias para esses parâmetros também diferiram entre os achados nesta investigação e os referidos na literatura 2,3,5,8,9,12. As diferenças têm maior magnitude se, para definir normalidade, for utilizado o intervalo de confiança de 95% como estimativa de valores plausíveis para os achados populacionais. Outras medidas ecocardiográficas encontradas estão dentro dos valores de referência da literatura internacional 2-5,8,9,12. Pelo menos um estudo brasileiro formalmente publicado, baseando-se em amostra de 32 funcionários de um hospital, apresentou valores semelhantes ao presente estudo 4. Parte das diferenças encontradas podem ser devidas ao emprego de fórmulas diversas para cálculo da massa ventricular esquerda. Primeiramente utilizou-se o método de Penn, que excluiu a interface endocárdica das espessuras parietais e a incluiu nas dimensões das cavidades. A Sociedade Norte-Americana de Ecocardiografia recomenda a realização das medidas com utilização do ecocardiograma mais externo (leading to leading edge) 6. Porém, como isto resulta em superestimação sistemática da massa ventricular esquerda avaliada por necropsia, é necessário corrigir os valores encontrados por um fator derivado de estudos anatômicos post-mortem 7. As mesmas razões podem explicar parte das discrepâncias entre os valores de massa ventricular esquerda fornecidos pelos aparelhos de ecocardiografia e os presentes achados. Por exemplo, no aparelho utilizado na presente investigação, a fórmula para cálculo contida no programa é a de Penn. Mesmo com diferentes fórmulas, persistem diferenças aparentemente inexplicáveis. As únicas consistentes, assumindo-se que os exames foram realizados com rigor técnico e segundo normas internacionais 6, é de que decorram dos critérios de amostragem utilizados ou da própria população de origem. A primeira explicação é mais plausível, dado ser a constituição étnica dos habitantes de Porto Alegre similar à de países europeus e norte-americanos. Eventuais diferenças antropométricas poderiam explicar somente as diferenças absolutas entre as dimensões referidas. A menor dimensão da aorta também destacou-se em relação aos valores de referência. Novamente, restam como melhor explicação disponível para a discrepância entre os valores encontrados e os valores de referência internacionais, os diferentes critérios de amostragem. Em conclusão, os achados desta investigação permitiram concluir que, em adultos da região urbana de Porto Alegre, as médias e estimativas de distribuição aceitas convencionalmente como delimitadoras de normalidade para as dimensões de septo interventricular, parede posterior de ventrículo esquerdo e massa ventricular esquerda são inferiores às apontadas pela literatura de referência; a massa ventricular esquerda é maior em homens, quer em termos absolutos ou corrigidos para as características antropométricas. As conseqüências destes achados para a prática clínica são evidentes, como, por exemplo, para a estratificação de risco em pacientes com hipertensão arterial sistêmica. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. Feigenbaum H. Echocardiography. 5th Edition ed. Philadelphia: Lea & Febiger; 1993. Trivedi S, Gupta O, Jain A, et al. Left ventricular M-mode echocardiographic measurements of Indian population. J Assoc Physicians India 1993; 41: 14-16. Knutsen K, Stugaard M, Michelsen S, et al. 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