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SAUSSURE: O ETERNO RETORNO
Se o estruturalismo engloba um fenômeno muito
diversificado, mais do que um método e menos um
filosofia, ele encontra ser cerne, sua base unificadora no
modelo da Linguística Moderna e na figura daquela que é
apresentado como seu iniciador: Ferdinand de Saussure.
(...)
Saussure figura, portanto, com pai fundador
Françoise Dosse (1993: 65)
Paulo Cesar Tafarello
UNEMAT/PG-UNICAMP/NEAD
Marlon Leal Rodrigues
NEAD/UEMS/UNICAMP/UFMS
Introdução
Falar da contribuição de Saussure para o campo das Ciências Humanas é um lugar
comum quando temos em consideração o clássico livro “Curso de Linguística Geral”. No
entanto, quando coloca em questão o Saussure dos anagramas e o dos manuscritos vem a
surpresa. As dicotomias, as metáforas, as definições provisórias e tensas por vezes acabam
provando um tipo de estranhamento entre os Saussures: um apresentado pelos seus discípulos,
o outro, o mais conhecido, e pelos manuscritos. Neste sentido, a proposta é apenas levantar
algumas questões deste Saussure que causa um pouco estranhamento em suas concepções.
Para esta “viagem”, temos como o filósofo e linguista Simon Bouquet que apresenta o “novo”
Saussure, no entanto, não se trata de conceber que um pode sobrepor ao outro, mas pensar que
em que medida esse “novo” Saussure pode ou não mudar o rumo da Linguística Moderna do
curso.
Simon Bouquet
Simon Bouquet, filósofo e linguista, é pesquisador do Departamento de Línguas e
Literatura Românicas da Universidade de Berna, apresenta em Introdução à leitura de
Saussure (ILS) uma leitura que diferencia do pensamento de Ferdinand Saussure, à partir do
cotejamento entre os escritos originais do mestre genebrino e de seus alunos e o Cours de
linguistique générale (Cours). Obra póstuma publicada por Charles Bally e Albert Sechehaye
à partir também de anotações feitas pelos alunos do Cours .
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Já desde o prefácio da ILS, Bouquet marca claramente seu objetivo na obra – o de
apontar os desvios presentes na obra de seus alunos em relação ao pensamento original de
Saussure contido nas anotações deste e em anotações de alunos.
O nome de Ferdinand de Saussure (1857-1913) é frequentemente ligado ao Cours de
Linguistique Générale, obra fundadora da Linguística Moderna e ponto de partida da análise
estruturalista no século XX que influenciou e influencia de sobremaneira algumas disciplinas
das Ciências Sociais. Entretanto, à sua época era reconhecido principalmente por sua obra de
linguística histórica: Mémoire Sur le Système Primitif des Voyelles dans les Langues indoeuropéennes, publicada em 1878. O Cours de Linguistique Générale surgiu à partir de um
curso dado na Universidade de Genebra no período compreendido entre 1907 e 1911, escrito à
partir de notas dos alunos e publicada em 1916 sob esse título por Charles Bally e Albert
Sechehaye.
Segundo Bouquet, no Cours de Linguistique Générale, em 1916, Bally e Sechehaye,
apesar de terem realizado “uma síntese magistral da reflexão saussuriana (...) essa obra
oferece (...) um reflexo deformado do pensamento que pretende divulgar” (Bouquet, 1997:
11).
Para o autor, no Cours essa deformação se dá a partir de dois aspectos: o primeiro,
seria uma leitura equivocada da proposta do mestre genebrino, uma vez que organizaram a
obra segundo a lógica de um sistema acabado, enquanto que, nas anotações dos alunos, e até
mesmo no manuscrito de Saussure, encontra-se “um pensamento formado por pinceladas
separadas” (Bouquet, 1997: 13). O outro aspecto responsável por esta deformação do
pensamento saussuriano é o fato de que a “razão que ordena o sistema acabado do Cours é a
de um discurso homogêneo: o discurso de uma pura epistemologia programática da ciência da
linguagem” (Bouquet, 1997: 14).
O cotejamento do Cours, das anotações dos alunos e dos manuscritos de Saussure,
permite questionar essa homogeneidade uma vez que os textos originais seguem caminhos
diferenciados, onde ficam marcadas uma “epistemologia da gramática comparada (...) uma
reflexão filosófica sobre a linguagem e uma epistemologia programática da linguística ”.
A leitura dos escritos originais de Saussure permite que se explique, o que Bouquet
considera como mal-entendidos que são: “O primeiro mal-entendido é aquele que se enuncia
sobre forma desta preposição: o estruturalismo em linguística é o estrito desenvolvimento da
epistemologia programática saussuriana.” (Bouquet, 1997:16).
Para o autor da ILS o estruturalismo em linguística tem as bases gerais de seus
postulados em um modelo mais antigo, que qualifica, à partir de Jean-Claude Milner, de
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aristotélico. Se aceita essa inscrição do Cours e considerados os escritos originais, o modelo
seguido então, pela linguística , com base na “epistemologia programática saussureana (...)
será qualificado, num estenograma, de galileano”.
Um segundo mal-entendido delineado por Bouquet “é aquele que assumiu a forma da
seguinte tese: “o desenvolvimento da ciência da linguagem, tendo sucedido ao estruturalismo,
implica uma ruptura com a epistemologia saussuriana – ou, pelo menos, com certos aspectos
dessa epistemologia” (Bouquet, 1997:17).
Seria essa questão, segundo Bouquet, mais um fruto de uma leitura equivocada do
pensamento saussureano, provocada por Bally e Sechehaye, uma vez que, para o autor essas
rupturas são resolvidas por Saussure, que as havia antecipado em seus escritos.
O terceiro mal-entendido “é o que consiste em supor que os desenvolvimentos da
ciência da linguagem posteriores ao estruturalismo (os da gramática generativa em particular),
ao romper com a epistemologia saussuriana, reconciliam-se com a tradição das concepções
clássicas da linguagem dos séculos XVII e XVIII” (Bouquet, 1997: 17).
Bouquet afirma que esse rompimento, na verdade, não está presente nos textos
originais de Saussure. “a ligação com a gramática geral, assim como a referência aos filósofos
do século XVII e o conhecimento de Humboltd, a noção de valor, por outro lado deriva da
lexicografia clássica” (Bouquet, 1997: 17).
E o quarto mal-entendido “é o que assumiu a forma da seguinte proposição: a
epistemologia saussuriana da linguística é uma epistemologia que pode servir de modelo a
uma epistemologia geral das ciências humana.” (Bouquet, 1997: 17-8). O questionamento
que o autor da ILS faz aqui caminha justamente no sentido do questionamento ao primeiro
mal entendido, já que, se a linguística pode ser concebida como ciência, ela o será como uma
ciência galileana, uma vez que sua base se dá sobre uma epistemologia comum.
Feitas estas considerações, segue-se na obra um “Aparato Crítico” onde são dadas as
referências e datação dos textos saussureanos citados.
No preâmbulo da obra, o autor dá ao leitor o painel conceitual utilizado nesta, ou
seja, o ponto de partida a partir do qual se darão as discussões posteriores.
Partindo do alinhamento proposto por Koyré à física galileana, o autor define ciência
à partir da combinação de dois traços: “uma manipulação de objetos regida por uma relação
entre teoria e técnica” e à “utilização de uma notação matemática para dar conta dessa
manipulação de objetos e para formular as leis que essa manipulação permite descobrir”
(Bouquet, 1997: 27)
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O autor vê nesses dois traços combinados ao enunciado por Karl Popper que “faz
com que os enunciados da ciência sejam falsificáveis” (Bouquet, 1997: 28). Além disso,
permite que se divida essas proposições em dois tipos: saber positivo e saber não-positivo,
sendo,
O saber positivo é um saber estruturado de tal forma que seu valor de verdade implica uma
referencia externa à linguagem que enuncia esse saber: o saber positivo está submetido,
proposição por proposição, a um objeto real distinguível.
(...)
O saber não-positivo é um saber estruturado de tal maneira que o valor de verdade não
implica de modo algum uma referencia externa direta. Sua única referencia externa direta é
a de não distinguível, a substancia do real como um. É por essa razão que – literalmente –
cada sistema filosófico, por exemplo, reconstrói o mundo” (Bouquet, 1997: 29).
Para Bouquet, o saber não-positivo participa do discurso das ciências e o saber
positivo participa do discurso não-científico. É somente a partir do século XIX que se “passou
a estenografar, progressivamente, a complementaridade do saber positivo e do saber nãopositivo” (Bouquet, 1997: 30), assim como a filosofia que até o século XIX se confundia com
ciência passando então a designar um discurso pertencente exclusivamente ao domínio nãopositivo.
Ao tratar da crise da metafísica, Bouquet descreve como esta, por pretender enunciar
a teoria dos princípios de todo conhecimento, passa a ter sua posição de hegemônica atacada a
partir do século XVIII, uma vez que a independência das ciências nascentes então, era muito
grande sem referirem-se a um saber filosófico unificador. Outro motivo para esse ataque foi a
incapacidade da metafísica clássica de dialogar com os pensamentos científicos galileano e
newtoniano por não se situar no universo de verdade destas.
A filosofia das Luzes acaba por desembocar num positivismo filosófico sem, todavia,
vencer a “resistência da tradição metafísica, pois teve como descendência, além do
positivismo, a reação da filosofia Kantiana e os grandes sistemas do idealismo alemão”
(Bouquet, 1997: 33)
É ainda no século XVIII que a crise da filosofia ganha maior vulto, por causa de duas
correntes dicotômicas: “de um lado a corrente de uma filosofia que pretendia jogar o jogo da
positividade, de outro lado a corrente de uma filosofia cujos objetos se fixaram (...) como
objetos por excelência do saber não-positivo” (Bouquet, 1997: 33).
Bouquet diz que o pensamento de Kant nesse período é de fundamental importância,
pois, ao colocar o conhecimento humano na perspectiva da multiplicidade em detrimento de
uma postura marcada pela totalização do conhecimento, se torna o primeiro filósofo a
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construir um sistema metafísico limitado ao homem. “O pensamento kantiano pode ser
considerado, deste ponto de vista, conjuntamente ao impulso contínuo das ciências, como um
fator que condicionou a aparição e o desenvolvimento, no fim do século XIX e no século XX,
da epistemologia moderna, domínio filosófico que se dá por tarefa teorizar o saber positivo
humano” (Bouquet, 1997: 35), mas “na mesma medida em que demonstram a especificidade
dos saberes positivos, os critérios da epistemologia fragmentam a teoria do conhecimento”
(Bouquet, 1997: 35). Neste sentido “ao se definir como inteiramente destinada a responder a
questão O que é o homem? a filosofia kantiana coloca explicitamente o conceito de ‘homem’
como seu conceito primeiro” (Bouquet, 1997: 36).
Bouquet delineia uma representação “arborescente” sobre as teorias gerais e
particulares dos saberes, na qual o homem pertence ao topo e a partir dele tem-se seu saber,
que se divide em positivo e não-positivo, subdividindo-se estes em questões quanto ao
homem e quanto aos objetos não-humanos. O saber não-positivo no que se refere ao homem
pertence a ‘filosofia do homem’, a qual possui ‘seu saber’ dividido em positivo
(epistemologia geral e epistemologias particulares) e não-positivo (metafísica geral e
metafísicas particulares). Das metafísicas particulares ramificam-se, segundo Bouquet, a
metafísica das ciências humanas, que por sua vez, divide-se em metafísica geral das ciências
humanas e metafísicas particulares das ciências humanas.
À partir dessa arborescência Bouquet aponta para duas ligações dominantes
existentes entre as ciências humanas e sua metafísica particular, sendo a primeira a que afirma
que ser a metafísica das ciências humanas determinada simultaneamente pelas metafísicas das
ciências humanas e pelos saberes positivos dessas ciências. A segunda, liga o domínio da
metafísica das ciências humanas a seus discursos, uma vez que neste (discurso) são
produzidos os saberes não-positivos dessas ciências.
Para Bouquet, a existência dessas ligações permite chegar à conclusão de que a
metafísica das ciências humanas é capaz de “articular entre si, numa óptica metafísica, os
discursos das ciências humanas”, oferecendo ainda “uma referência fixa que permite articular
(...) as diferenças metafísicas particulares” (Bouquet, 1997: 50).
Ao discutir as projeções disciplinares e riscos da filosofia das ciências humanas,
Bouquet considera que os domínios conceituais anteriormente traçados acabam por ligarem-se
às disciplinas que projetam, sem, no entanto, representarem um “reflexo imediato e fiel”
(Bouquet, 1997: 51). No caso do domínio da filosofia das ciências humanas, essa projeção
acaba por dar-se ao menos em três disciplinas: a história dominial das ciências humanas (ou
das idéias em ciências humanas), que estuda a história de uma ciência humana em particular.
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O objeto dessa disciplina (ou dessas disciplinas, uma vez que existirão tantas disciplinas
quantas forem as ciências humanas) é o todo do discurso dessa disciplina, seu saber positivo e
seu saber não-positivo.
A segunda disciplina, de perspectiva metafísica, seria uma ‘história das idéias’ na
qual esta tematiza o encontro entre a história das ciências humanas e a “história do que tem
sido tradicionalmente denominado (...) metafísica” (Bouquet, 1997: 52). A terceira disciplina
seria a própria metafísica, dada a relação que a história da filosofia mantém com o
pensamento filosófico.
“Da contemplação de uma esfinge à filosofia de uma ciência”
A primeira parte da obra denominada Da contemplação de uma esfinge à filosofia de
uma ciência é divida em dois capítulos: No capítulo primeiro, denominado “A esfinge da
linguagem” Bouquet nos traz uma biografia detalhada de Saussure, mostrando as influências e
principalmente a evolução de seu pensamento. Assim, o autor nos mostra um Saussure que
não escreveu nenhuma obra que não os trabalhos universitários obrigatórios, mas no entanto
exerceu sua atividade de ensino com muito cuidado com relação a seus alunos e
ensinamentos.
Saussure tinha fascínio por enigmas, pelo desconhecido “o que a reflexão sobre uma
‘linguística geral’ tem todavia de específico no seio das pesquisas do sábio genebrino é que
este, desta vez, não se preocupa mais em decifrar os enigmas no seio de uma disciplina
constituída, mas coloca como enigmáticos os próprios fundamentos da organização de todo
um campo do saber” (Bouquet, 1997: 64), e é essa clareza uniforme do Cours que o fez
conhecer seu ‘extraordinário destino’.
Bally e Sechehaye, ao escreverem o Cours, não levaram em consideração algo
pertencente ao pensamento de Saussure, que é o mistério inerente ao objeto da linguística .
Saussure confere a esse objeto um caráter desorientador e também tal motivo, afirma não
haver um ponto de partida, “uma tal falta de ‘primeiro objeto’ pelo qual apanhar a realidade
linguística ” (Bouquet, 1997: 69), e também por ser esse objeto incomensurável em relação a
qualquer outra realidade, não havendo, conforme Saussure, uma expressão analógica que
designe a realidade da linguagem.
O deslizamento se faz presente em quase todos os conceitos fundadores do
pensamento saussuriano. “Por outro lado, as célebres dicotomias sincronia e diacronia,
significante e significado, língua e fala relações in praesentia e relações in absentia (...)
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contribuem elas mesmas para revelar o caráter escorregadio dos fenômenos linguístico s”
(Bouquet, 1997: 72)
Ao contrário do que é mostrado no Cours, para Saussure “a língua e a linguagem (...)
continuam a ser o lugar de uma busca inacabada até mesmo quanto aos conceitos
fundamentais que traçam o mapa dessa busca” (Bouquet, 1997: 72-3).
A compreensão da língua é prejudicada pela duplicidade e, para Bouquet “a própria
idéia de valor, pedra angular da teoria saussuriana, não escapa à dialética do claro e do
obscuro que caracteriza a projeção dessa teoria sobre os fatos da linguagem” (Bouquet, 1997:
73) e esse paradoxo e mistério confrontam com os princípios saussurianos da ciência da
linguagem, onde o objeto obscuro e a teoria clara modelam-se mutuamente. “Os contornos
dominiais da ciência introduzida nas aulas genebrinas permanecem certamente, no espírito de
Saussure, mais tênues do que revela a redação de Bally e Sechehaye” (Bouquet, 1997: 74).
A dialética do claro e do obscuro, pertencente ao pensamento saussuriano “se
enraíza, sem dúvidas, na episteme do século XIX” (Bouquet, 1997: 75), já que, segundo
Foucault a linguagem “depois de ter sido tratada pela era clássica como um médium
transparente, impecável reflexo do pensamento, retoma paradoxalmente, por causa da ciência
comparatista que a relega à categoria de objeto (...) Em outras palavras (...) a análise da
mudança diacrônica, na medida em que traz à tona forças secretas, cegas ao sentido,
trabalhando a face sincrônica da linguagem e submetendo-a a uma metamorfose incessante,
destrói a tese da linguagem reflexo” (Bouquet, 1997: 75).
Bally e Sechehaye, além da obscuridade do objeto linguístico ocultarem de forma
também sistemática a dimensão filosófica, reivindicada por Saussure como seu objetivo e essa
reivindicação assumi duas formas: uma interna à teoria saussuriana que consiste “na
afirmação de que os pontos específicos dessa teoria dependem de uma ‘visão filosófica”
(Bouquet, 1997: 76), e outra externa “que se trata de uma qualificação global da teoria
enunciada – ou, mais precisamente, de uma qualificação global do objetivo dos ensinamentos
intitulados ‘linguística geral’” (Bouquet, 1997: 76).
O autor afirma que a real intenção de Saussure era criar um curso filosófico de
linguística . E quanto ao uso por Saussure da expressão ‘filosofia da linguística ’ Bouquet nos
mostra duas possíveis explicações. A primeira é que “generalizaram-se no século XIX as
etiquetas ‘filosofia de’” (Bouquet, 1997: 77), e a outra explicação é a de que “o movimento da
crítica das ciências, que começou nos anos 1870 e estava a pleno vapor na virada do século,
conferiu um novo valor à locução filosofia das ciências – um valor que logo se cristalizou no
termo epistemologia –, de maneira que as diversas ‘filosofias de’, como dissessem respeito a
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disciplinas científicas, tornaram-se, virtualmente pelo menos, a declinação de uma teoria
unificada” (Bouquet, 1997: 77-8). A expressão filosofia da linguística usada por Saussure, é,
conforme Bouquet, o que hoje é chamado de epistemologia da linguística .
Bouquet aprofunda na interpretação da expressão filosofia da linguística e conclui
que a teoria da ciência da linguagem, enquanto ciência humana, implica tanto uma
epistemologia quanto uma metafísica que se completam, e tal hipótese se verifica na estrutura
da teoria saussuriana. Essa estrutura pode ser representada “como a estratificação de três
configurações discursivas sucessivas articuladas juntas” (Bouquet, 1997: 78): uma
epistemologia da gramática comparada, uma metafísica do signo e uma epistemologia
programática.
Apesar do objeto obscuro de Saussure, Bouquet afirma ser sua teoria bastante clara,
uma vez que os textos originais tematizam mais claramente a distinção entre metafísica e
epistemologia, sendo, no plano filosófico, menos obscuros que o texto dos discípulos, os
quais pretendem excluir a obscuridade.
A gramática comparada, que surgiu no fim do século XVIII por meio de Friedrich
Schlegel e Bopp, se formou através da comparação de diversas línguas entre si e da história
fonológica e gramatical de línguas em particular, e esta gramática traz à luz o fato de que as
regularidades
mecânicas
(também
chamadas
de
leis
fonéticas)
se
manifestaram
indiferentemente em todas as línguas, não dependendo do pensamento e da representação
humana, provando assim os parentescos linguístico s.
Os neogramáticos defendem “a tese segundo a qual ‘toda mudança fonética, na
medida em que se produz mecanicamente, efetua-se segundo leis sem exceções’, e, por outro
lado, sustenta que o fundamento dessas leis é ‘puramente psicomecânico’” (Bouquet, 1997:
85).
Conforme Bouquet, o debate sobre leis fonéticas é bastante confuso, já que os
neogramáticos constatam, de um lado, o fato empírico, gerador de gramática comparada, de
que há mudanças fonológicas regulares, e de outro, o julgamento epistemológico contra a
ideologia que assimila a história das línguas a uma história natural, onde “as línguas, em seu
conjunto, são como organismos autônomos, suscetíveis de uma história natural” (Bouquet,
1997: 86).
O discurso dos neogramáticos, segundo Bouquet, é ambíguo, pois
se o fato da regularidade estipulado pelos neogramáticos é verídico (...) sua análise deixa de
lado o objeto epistemológico correspondente a esse fato. O objeto epistemológico escapa
aos neogramáticos precisamente porque eles definem esse objeto como produto de uma
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ordem híbrida: ao mesmo tempo ordem natural (‘físico-mecânica’) e ordem do espírito
(‘psicológica’). Sendo o domínio psicológico o das exceções às mudanças físico-mecânicas,
e sendo a lei físico-mecânica enunciada de maneira a ser irrecusável, segue-se que a
controvérsia sobre as mudanças fonológicas se apóiam unicamente sobre as exceções
“psicológicas’ às mudanças mecânicas’” (Bouquet, 1997: 86).
A dúvida em relação se a linguística é uma ciência social ou natural permaneceu
ainda no fim do século XIX, revelando a inexistência, no debate sobre as leis fonéticas, de
uma epistemologia da gramática comparada.
Pode-se observar pelos textos de Saussure que ele possuía um pensamento sólido a
respeito da epistemologia do comparatismo, e que essa reflexão epistemológica é articulada a
uma teoria do espírito (uma metafísica) “mas Saussure esboça antes de mais nada uma
epistemologia da gramática comparada que, na relação dialética em que ela se constrói com a
dita metafísica, serve de fundamento a esta” (Bouquet, 1997:88)
Saussure considera ter sido Whitney quem mostrou uma real compreensão
epistemológica da linguística histórica, mas Whitney mostrou apenas um esboço de uma
epistemologia.
Segundo Bouquet, Saussure considera pouco lúcida a linguística em relação a seu
objeto real e que esse objeto científico da linguística comparatista não é classificado entre os
linguistas e nem entre os filósofos. Saussure adota a linguística enquanto ciência histórica
(social), ou seja, adota o ponto de vista neogramatical da Sprachgeschichte.
sua contribuição decisiva nesse domínio (...) vem da antecipação do ponto de vista que
adotou depois, de maneira explícita, a filosofia das ciências, a saber, um ponto de vista que
segundo a definição do genebrino, como já vimos, é dotada ‘do grau de abstração que é
necessário para dominar o que se faz’ e pretende avaliar ‘a legitimidade e a razão e ser o
que se faz’. (...) a epistemologia saussuriana da gramática comparada assume claramente a
forma de uma definição do objeto, assim como de uma enunciação dos critérios que
garantem a cientificidade da disciplina (...): a matematização do empírico (...) e a
refutabilidade (Bouquet, 1997: 91).
Saussure resume o objeto comparatista, fato que se mostra de grande importância
para ele, na tese da natureza psicológica do dito objeto e segundo esta tese “a face fonológica
da língua pertence assim como sua face semântica, à ordem do espírito” (Bouquet, 1997: 93).
As aulas de Saussure tematizam a distinção entre substância (fonética) e forma
(fonológica) “a distinção que fundamenta o caráter psicológico da realidade linguística
considerada no plano fonológico” (Bouquet, 1997: 93).
A literalização do empírico liga-se e deve sua origem ao objeto fonológico já que a
escrita existe para notar as palavras de uma língua. A gramática comparada surgiu graças à
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escrita, que antes de se tornar científica, a escrita comum possui uma valor histórico. “Reflexo
e abstração da articulação fonêmica dessas línguas, essas escritas alfabéticas são o traço (...)
de seu parentesco que elas revelam no nível de sua segunda articulação” (Bouquet, 1997: 97).
A transcrição da realidade fonológica deve se libertar da escrita comum para se
tornar uma escrita científica. Saussure dedicou bastante tempo na questão da escrita na
gramática comparada e “enunciou uma epistemologia intransigente, tematizando a exigência
de não confundir a pseudoliteralização da escrita comum e a literalização real da escrita
científica suposta pelo exercício do comparatismo” (Bouquet, 1997: 98).
A literalização (escrita das quantidades) e a formalização (escrita das relações entre
as quantidades) são especificados com clareza pela epistemologia saussuriana da gramática
comparada que através da epistemologia galileana constituem o critério global de
matematização do empírico.
Para Saussure, a formalização, que possui caráter matemático, faz uso de equações e
não regras, equações essas que possuem dois tipos: “as equações do primeiro tipo são as que
refletem o parentesco de duas línguas que não se encontram (...) As equações do segundo tipo
são as que dão conta da mudança fonética relativa a dois estados de língua dos quais um está
em posição de dependência em relação ao outro” (Bouquet, 1997: 101).
A formalização comprova a realidade do objeto da literalização, sendo portanto,
indissociáveis. “a literalização poder ser considerada ao mesmo tempo como a condição e o
objetivo da equação comparatista” (Bouquet, 1997: 103).
Hermann Paul, Louis Havet e Saussure preconizam a figura matemática da equação
proporcional (ou quarta proporcional) como uma representação da mudança analógica. A
falsificabilidade, ou a refutabilidade, é o terceiro critério de uma ciência galileana e postulada
por Saussure que afirma não constituir nem critério de cientificidade para a fonologia
histórica, e deve atuar no plano do empírico. De acordo com a reflexão saussuriana o objeto
linguístico é a consciência dos sujeitos falantes.
A tematização do papel dessa ciência do sujeito falante define o pensamento
epistemológico de julgamento de aceitabilidade ou de gramaticalidade e “é sobre a
consciência linguística do ‘falante nativo’ (...) que se baseia a falsificação de teorias na
gramática contemporânea” (Bouquet, 1997: 105).
A oralidade constitui o quadro do fenômeno fonológico e pode ser considerado como
o meio da consciência linguística , e ao contrário, o texto escrito não representa diretamente
nenhum fato da consciência no que se refere ao objeto fonológico. “Na óptica comparatista, a
escrita comum, documento do oral e documento indireto de um fato de consciência, deve se
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submeter a uma representação e a uma retranscrição – a da literalização – para se referir ao
fato fonológico” (Bouquet, 1997: 108). “Sendo a língua um fenômeno psíquico, é só no
espírito de um gramático ou do leitor de um gramático que pode ser interpretada a realidade (a
‘materialidade psicológica’) do fato fonológico” (Bouquet, 1997: 108).
“Ao definir como psicológico o objeto da gramática comparada (...) Saussure dá uma
forma epistemológica às proposições que até então pertenciam apenas a posições de princípio
imperfeitamente adaptadas a seus próprios argumentos (...) ou insuficientemente
desenvolvidas” (Bouquet, 1997: 109).
A epistemologia Saussuriana se faz original ao supor na base do fenômeno da
mudança fonológica, um domínio psíquico delimitável e suscetível de uma álgebra “essa
epistemologia estabelece, a respeito do estudo de um fato do espírito, critérios de
cientificidade galileanos” (Bouquet, 1997: 110). “Há em Saussure (...) uma epistemologia
programática que bordeja a epistemologia de uma ciência reconhecida” (Bouquet, 1997: 110).
A repercussão da fonologia histórica, apesar de receber da gramática comparada um
valor epistemológico crucial, fez com que diminuísse o interesse pelos linguajares, pois
reforçou a concepção monumental de uma língua essencialmente concebida como escrita e
somente no final do século XIX “os resultados da gramática comparada se engajaram no
estudo sistemático da diversidade das línguas vivas: o comparatismo, na medida em que atesta
que o objeto fonológico é um objeto da ciência, acabou dando uma nova espessura à tradição
do estudo dos linguajares, que antes ignorava e contribuía para eclipsar. Dessa reabilitação
participaram os neogramáticos” (Bouquet, 1997: 113).
Ao interesse teórico pelo oral se deve a correlação entre o comparatismo e o estudo
da diversidade dos idiomas. “a redescoberta dos linguajares pela linguística tende a dar à
noção de ‘língua’ um conteúdo novo porque o comparatismo supõe uma propriedade das
línguas á qual fornece pela primeira vez uma justificativa teórica: sua igualdade” (Bouquet,
1997: 115).
Vários axiomas são atribuídos à suposição de que as línguas possuem igualdade.
Esses axiomas são o da igualdade fonológica das línguas, o da igualdade das línguas em
relação ao arbitrário e o da igualdade gramatical das línguas. Saussure resgata o tema
epistemológico da igualdade linguística
em seus cursos, mas apesar do comparatismo
sustentar a igualdade fonológica e a morfossintática, Saussure coloca a igualdade funcional,
pois as línguas incluem por natureza os sistemas fonológicos.
Saussure afirma que o problema da origem da língua é o de suas transformações,
assimilando o problema da língua a uma origem sincrônica, funcional, onde na base do
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fenômeno fonológico é colocado o caráter psicológico do objeto. Esse postulado supõe “um
conceito fundamental da epistemologia saussuriana – um conceito que constitui uma figura
sintética dessa epistemologia: ‘a língua’, entendida no sentido de uma generalização”
(Bouquet, 1997: 119).
Através dos textos originais percebe-se que, em 1891, numa conferência, Saussure
evoca uma linguística geral mas sem lhe atribuir conteúdo preciso. O conceito de língua foi
progressivamente desenvolvido nas aulas de 1910, dispensando um tópico do seu curso para
“A Língua”. “No segundo tópico do curso, é principalmente do ponto de vista semântico que
está desenvolvido esse conceito geral de ‘a língua’ – sendo que, nesse caso, o propósito é o de
uma epistemologia programática da ciência da linguagem, apoiada numa base metafísica”
(Bouquet, 1997: 122).
Segundo a epistemologia saussuriana do comparatismo, o valor geral de “língua”
decorre da definição do objeto e este objeto não é apenas opositivo e
deve sua identidade exclusivamente à oposição de que participa com os outros objetos do
sistema fonológico. Uma tal doutrina supõe que, quanto à face fonológica (...) em qualquer
língua que seja, só há ‘diferenças, mas diferenças sem termos positivos’. Dessa natureza do
objeto decorre que toda língua – ou seja a língua – é caracterizada por uma singularidade
absoluta” (Bouquet, 1997: 123).
O termo ‘língua’, usado por Saussure para estenografar também um valor geral, é
atribuído as três acepções existentes nos escritos do curso: o idioma em particular, o equilíbrio
desse idioma, a generalidade nas línguas.
Nas aulas, Saussure desenvolve “a tese de que a linguagem – a língua – não pode ser
concebida independentemente de uma consideração detalhada das diversas línguas” (Bouquet,
1997: 124):
Assim se enuncia a epistemologia saussuriana da gramática comparada. Ao basear o ponto
de vista de a língua no postulado das características (psicológica, diferencial, sem valor
positivo) do objeto fonológico de uma ciência que satisfaz aos critérios de literalização, de
formalização e de refutabilidade, o autor de Mémoire define ao mesmo tempo o único ponto
de vista possível, segundo ele, de uma linguística geral – que é aqui uma linguística
fonológica geral. A ‘a língua’ é o conceito fundador dessa linguística porque esse conceito
‘representa uma unidade satisfatória para o espírito’” (Bouquet, 1997: 126-7).
A gramática comparada se preocupa com a filologia e a linguística de campo e não
tanto com a metafísica a qual pertence o termo signo, mas no sentido fonológico, este termo
faz parte do vocabulário comparatista. As tentativas comparatistas de generalização
contentaram-se em acomodar seus resultados à filosofia materialista.
13
O termo signo tem seu conceito transformado explicitamente depois de Sauusure, e
essas transformações são esclarecidas pela gramática comparada através de duas perspectivas:
a dos estudos da mudança fonológica e fonética e a da comparação morfossintática das
línguas.
Na medida em que ilustra o princípio sistêmico que atua nas línguas, a disciplina
comparatista está naturalmente apta a suscitar uma mutação do conceito de ‘signo’(...) Se
essa mutação conceitual é tematizada por Saussure mais do que por qualquer outro, a
questão da natureza do vínculo entre o signo lógico e o que ele significa não depende
exclusivamente de uma epistemologia da gramática comparada: essa questão está
igualmente ligada às consequências metafísicas do saber positivo produzido por essa
disciplina (Bouquet, 1997: 129-30).
A estratificação do fenômeno da mudança fonológica se dá pela proposição, na
concepção saussuriana, de que a língua é uma forma distinta de substancias que ela formaliza.
Dessa estratificação tem-se três pontos de vista: o primeiro diz respeito a uma substância
acústica e articulatória, atualmente chamada de fonética, sendo portanto material e não
linguístico ; o segundo pertence à ordem de uma substância, e enquanto ponto de vista
fonético é psicológico não linguístico
e comanda a análise das exceções às leis da
formalização fonética; o terceiro ponto de vista refere-se a mudança fonética, formalização da
substância, atualmente fonológico.
É sobre essas distinções, mantidas ao longo de sua reflexão, que repousa a posição de
Saussure diante da questão do papel desempenhado pelo sentido – ou seja, pelo signo – na
gramática comparada. Tais distinções lhe permitem, principalmente, conceber a diferença
intrínseca das ópticas relativas aos dois domínios de investigação comparatista: “o domínio de
uma gramática fonológica e o domínio de uma gramática morfossintática” (Bouquet, 1997:
131-2).
Para Saussure, as sílabas são as unidades do fenômeno fonético desprovidas de
sentido, e a lei fonética comprova a dupla natureza da mudança fonológica: por essa mudança
obedecer às leis da natureza diacrônica, trata-se de uma mudança fonética e por obedecer às
leis da natureza sincrônica, trata-se de uma mudança fonológica. “Saussure fala então de um
fenômeno de ordem ‘gramatical’” (Bouquet, 1997: 134).
Saussure, ao longo de seus ensinamentos e escritos, destaca o exame do sentido, a
função deste em relação ao signo, e é disso que depende o fenômeno da analogia “... é preciso
que uma unidade significativa seja circunscrita pelo sentido para que se aplique a razão
analógica” (Bouquet, 1997: 138). “O fato de as regras analógicas, que se exercem no plano
linguístico (...) permitirem explicar um bom número de ‘exceções’ às leis fonéticas, confirma
14
não apenas o caráter psicológico do fenômeno linguístico (...) mas ainda o caráter galileano
da ciência que supostamente enuncia o conjunto das leis da diacronia fonológica” (Bouquet,
1997: 138). “Os elementos da equação analógica são (...) determinados pelo sentido”
(Bouquet, 1997: 139).
No capítulo do primeiro curso, consagrado à analogia, Saussure diferencia a
mudança analógica da fonética afirmando que esta se apóia no fato de que ‘a língua interpreta
aquilo que há nela’. “Na medida em que é sobre o fato psicológico que se baseia a
complementaridade entre a mudança fonética e a mudança analógica, a diferenciação feita
pela analogia vale para as outras causas de evolução fonológica que não pertencem ao quadro
das leis fonéticas, que foram objeto de debate na virada do século: sejam elas causas
linguística s como o empréstimo (...) e a redução; sejam elas causas sociológicas” (Bouquet,
1997: 140).
Conforme Bouquet, a proposição a língua é um sistema de signos possui, para
Saussure, três pontos de vista: a epistemologia de uma ciência comprovada, uma metafísica da
linguagem e a epistemologia programática, que é a base teórica de uma ciência da linguagem
humana.
A proposição a língua é um sistema de signos participa da metafísica da linguagem
uma vez que o conceito de signo pertence a uma tradição filosófica onde os conceitos
inscrevem-se numa rede de proposições no seio das quais, articulando-se a outros conceitos
(...) desempenham o papel de conceitos a priori – ou seja, de conceitos primitivos. Em
outras palavras, do ponto de vista da metafísica tradicional (...) língua e signo são
sustentados diretamente por sua articulação a um conjunto de conceitos e de proposições
que podem recobrir apenas um valor primitivo” (Bouquet, 1997: 145).
As proposições que formam os conceitos primitivos pertencem às teorias filosóficas
do signo em geral e do signo linguístico em particular. “Elas aparecem principalmente nas
obras dos Solitaires de Port-Royal (...) mas também em filósofos como Locke“ (Bouquet,
1997: 146). Enquanto a perspectiva metafísica é implícita na reflexão saussuriana, uma forma
dela explícita também aparece: “a de uma tematização de conceitos primitivos designados
como tais na medida em que são colocados como pertencendo a uma esfera exterior à
linguística projetada” (Bouquet, 1997: 146-7).
A tematização explícita do primitivo, qualificada de ‘geral’, de ‘filosófica’ e também
de ‘semiologia’ é prejudicada na obra de Bally e Sechehaye, já que, segundo Bouquet,
a leitura dos textos originais revela, com efeito, que a redação de Bally e Sechehaye tem
por consequência amalgar os domínios da reflexão que, nos cursos e nos escritos, estão
15
cuidadosamente discriminados. Em outras palavras, o pensamento de Saussure constrói um
ponto de vista explicitamente distinto de uma epistemologia da linguística (...) o que é
definido por asserções e conceitos metafísicos” (Bouquet, 1997: 147).
A generalidade da linguagem humana, tema esquecido entre os comparatistas,
reaparece entre os linguistas no final do século XIX, reaparecendo também a expressão
linguística geral, que se opõe ao termo linguística .
o ponto de vista comparatista sozinho só pode dar conta da generalidade das leis
fonológicas, assim como da generalidade do fato mínimo da existência do sentido como
princípio de segmentação das unidades fonológicas (...) além disso, o tema da generalidade
linguística precisa ser sustentado, como Saussure repete, por uma ampliação da óptica do
comparatismo. Dessa ampliação da óptica, os ingredientes, naturalmente dados são: (1) os
saberes positivos da gramática comparada (...); (2) os saberes empíricos sobre a linguagem
que não a gramática comparada (...); (3) uma teoria geral – metafísica – da linguagem”
(Bouquet, 1997: 149).
A visão geral da linguagem é cuidadosamente tematizada nos textos originais e é
constituída pelo conceito epistemológico de língua. O termo geral se refere a capacidade “de
sintetizar as descobertas da gramática comparada e de se elevar acima das considerações
comparatistas” (Bouquet, 1997: 149), mas, segundo Saussure, a linguística do seu século é
incapaz dessa síntese.
Novamente Saussure se refere a Whitney com reconhecimento, em se tratando da
concepção da generalidade linguística , apesar de considerar seu pensamento como um esboço
da ‘visão geral’ sobre a linguagem.
Saussure “concebe a generalização (...) como um procedimento ativo que, a partir de
resultados científicos dos quais gerou a síntese com elementos exteriores (...) estará apto a
voltar ao domínio da positividade” (Bouquet, 1997: 151). Bally e Sechehaye não se referiram
no Curso à filosofia tão mencionada por Saussure, onde ‘filosofia da linguagem’ abrange
tanto a epistemologia da linguística quanto a metafísica da linguística . Eles simplesmente
trocaram a palavra ‘filosofia’ por ‘ciência’. “O ponto de vista filosófico, exterior e
complementar, garante a pertinência da epistemologia que Saussure delineia” (Bouquet, 1997:
157). Saussure confere à filosofia conceitos da identidade do signo, como a arbitrariedade, o
arbitrário da ligação entre significante e significado, mutabilidade e estar atribuições à
filosofia foram excluídas por Bally e Sechehaye,
Ao colocar a unidade ou identidade do signo (...) como sustentadas por uma concepção
filosófica, esses enunciados, deformados ou esquecidos pelo texto de 1916, são
testemunhos de uma tematização metafísica, pois o que definem como ‘filosófico’ decorre
de um domínio conceitual não apenas distinto do domínio de uma epistemologia da
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gramática comparada, mas ainda primitivo em relação àquilo que será elaborado como uma
epistemologia programática da linguística (Bouquet, 1997: 157).
O pensamento saussuriano sobre a semiologia é uma constante em suas aulas e
anotações, mas Bally e Sechehaye praticamente excluíram essa visão semiológica do Curso,
reduzindo o pensamento saussuriano a uma epistemologia da linguística , ocultando a relação
de complementariedade entre o epistemológico e o metafísico da teoria de Saussure. “É a
partir dessa ‘base semiológica’, exterior e primitiva a uma ciência da linguagem, que se
edificará a projeção epistemológica saussuriana” (Bouquet, 1997: 160).
Para Bouquet, a atitude dos redatores do Curso não deve ser censurada, pois
contribuiu para a aceitação da obra. Um dos motivos, conforme Bouquet, para que pouco
falassem da semiologia no Curso é o fato de terem ficado confusos com a posição de
Saussure.
como ele (Saussure) se coloca na óptica semiológica, o requisito primordial que enuncia é
considerar a língua no que ela possui em comum com outros objetos – com outros sistemas
semiologicos. Por outro lado, ele apresenta uma língua como o ‘padrão’ (patron) de todos
os sitemas semiológicos. Diante dessas proposições aparentemente difíceis de conciliar,
pode-se imaginar que Bally e Sechehaye ficaram perturbados: essa é provavelmente uma
das razões que contribuíram para que fizessem da semiologia uma síntese ao mesmo tempo
tímida e pouco articulada ao resto da teoria (Bouquet, 1997: 160).
Saussure cria um paradoxo ao afirmar que a semiologia está incluída na psicologia ao
mesmo tempo que afirma que a semiologia deve ser independente da psicologia. “A
psicologia tal como existe em sua época não tem relação, portanto, com a nova linguística
cujo plano é traçado por Saussure” (Bouquet, 1997: 170).
Para Saussure, a psicologia, apesar de tratar da linguagem, ignora os três requisitos
paradoxais que fundamentam a ciência da linguagem:
(1) apreender a língua sob o ângulo das propriedades comuns que ela mantém com outros
sistemas de signos; (2) considerar a mudança diacrônica como um fato semiológico maior;
(3) considerar a língua como um objeto único (...) ele critica na psicologia o fato de ela
ignorar as propriedades linguística s que (...) sustentam os três requisitos paradoxais do
ponto de vista semiológico em linguística – o arbitrário e a mutabilidade de um lado (...),
a gramaticalidade de outro (Bouquet, 1997: 171).
Saussure “pretende construir seu objeto tanto sobre o alicerce das propriedades
semiológicas gerais quanto sobre o das propriedades específicas à língua. No plano das
propriedades gerais, é reivindicada a inclusão teórica na psicologia (...), no plano das
17
propriedades específicas, é a independência disciplinar que Saussure enfatiza” (Bouquet,
1997: 174).
Saussure baseia sua crítica da psicologia sobre uma base metafísica, uma metafísica
do signo. “a metafísica semiológica saussuriana é colocada a priori como algo que se constrói
em interação com uma metafísica da linguística segundo os requisitos paradoxais que foram
mencionados e, simultaneamente, como algo que rege a metafísica da psicologia” (Bouquet,
1997: 177).
Das idéias sobre linguagem do fim do século XIX, se apóiam os conceitos
epistemológicos de língua e signo que sustentam a teoria de Saussure sobre uma ciência do
espírito. “é do pensamento das Luzes – tanto da metafísica dos filósofos quanto dos estudo
propriamente linguístico s dos gramáticos – que a metafísica saussuriana é impregnada”
(Bouquet, 1997: 179), sendo Locke o primeiro e o único no século XVII a assumir os
considerandos metafísicos e epistemológicos.
Na tradição das teorias do signo (...), as propriedades às quais se refere
nosso conceito contemporâneo de ‘arbitrário linguistico’ – sendo que o
Cours de linguistique générale contribui para a edificação desse conceito –
constituem uma temática recorrente. Bem antes da era clássica, a
tematização dessas propriedades está relacionada a uma teoria geral dos
signos: ela pertence à descendência aristotélica, entra por um caminho mais
especificamente linguístico em De dialectica, de Santo Agostinho (387), e
assume uma forma sistematizada com De signis, de Roger Bacon (1267)
(Bouquet, 1997: 181).
O arbitrário linguístico nos séculos XVIII e XIX é considerado a priori na questão da
origem da linguagem e os conceitos de sistema e de valor aplicados à língua. A lexicologia e a
retórica são outros ramos ligados à tradição filosófica que interessam à metafísica saussuriana.
O dicionário monolíngues, onde as entradas lexicais são correlativas, surgiu na
França no século XVII e descrevem o sistema de valores de uma língua no sentido
saussuriano. “Acompanhando essa lógica, classes inteiras de palavras que correspondem de
maneira direta a coisas, ou seja, classes de palavras pouco dependentes da sistematicidade da
língua, são excluídas” (Bouquet, 1997: 185).
Esses dicionários de sinônimos contribuíram para revelar o caráter opositivo dos
sentidos linguístico s. “É nesse grande movimento da lexicologia das Luzes que se
estabeleceu, a partir do século XVII, o sentido ‘lexicológico’ do termo valor, utilizado e
redeterminado por Saussure” (Bouquet, 1997: 185-6).
18
A retórica das figuras, outro ramo de estudos empíricos da língua francesa, teve
também um peso importante na metafísica saussuriana.
A semiótica do século XVIII pertence ao paradigma clássico da representação a que
se remetem os trabalhos linguístico s empíricos da época e é enfraquecida no século seguinte
com o aparecimento da gramática comparada, “De objeto espiritual tributário das
determinações de uma metafísica que se assume enquanto tal, a linguagem se transforma
pouco a pouco em objeto de uma ciência que aspira satisfazer a uma filosofia materialista”
(Bouquet, 1997: 189).
Com o comparatismo, a física da linguagem substitui a psicologia da linguagem e
também faz surgir o real fonológico, que se presta a absorver o paradigma clássico da
metafísica da linguagem.
A nova objetivação do signo que a metafísica saussuriana esclarece pode ser assim
formulada: tradicionalmente determinado por seu estatuto de ‘representar’ uma realidade
distinta pela qual ele ‘vale’ (...), o signo se transforma doravante num objeto concebível
nele mesmo. O fato de o signo ser considerado como um objeto em si mesmo, como uma
totalidade orgânica, vem da integração, no nível semântico, do princípio segundo o qual a
língua procede de uma ordem autônoma no seio dos fenômenos psicológicos, correlato da
tese segundo a qual a língua é uma formalização psicológica realizada a partir de dua
‘substâncias’ (Bouquet, 1997: 193).
Saussure, a partir de um conceito psicológico e semântico de ‘signo’, o transforma no
denominador comum de todos os níveis de uma gramática do sentido linguístico , tornando
signo e gramática os conceitos metafísicos centrais que sustentam uma epistemologia
programática da linguística .
Para Saussure, o arbitrário linguístico decorre do valor linguístico e sobre esse tema
o Curso traz apenas uma esclarecimento muito confuso, o que não é verdade nos textos
originais.
a renovação teórica saussuriana do tema do arbitrário (...) decorre da unificação, no seio de
um mesmo conceito, de três relações distintas implicadas pela língua: de um lado uma
relação entre o significante e o significado (...) de outro lado uma relação mantida pelos
significantes no seio do sistema fonológico (...); uma relação, homóloga à dos significantes,
mantida pelos significados no seio do sistema semântico (Bouquet, 1997: 195-6).
A gramática comparada, embora rompa com os pontos da vista tradicionais dobre a língua,
fornece dois novos alimentos às problemáticas cartesianas da linguagem: de um lado,
diretamente, ela acarreta, na ordem fonológica, uma prova da digitalização do espírito; de
outro lado, indiretamente, ela permite a renovação da noção de ‘signo’ a partir da
generalidade do específico que traz à luz, sendo que essa renovação é apta, na homologia
em que fundamenta uma semântica do valor, a reinscrever a questão da linguagem numa
concepção geral – metafísica – do espírito. A transversalidade do conceito de ‘valor’ nos
níveis lexicológicos, morfológicos e sintático da linguagem é a ponta de lança dessa nova
metafísica (Bouquet, 1997: 198-9).
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O pensamento metafísico de Saussure é revelado pelas críticas à filosofia da idade
clássica e das Luzes. “Para encobrir os ingredientes de uma nova metafísica, o pensamento
saussuriano se enuncia, de maneira crucial, sob a forma de uma epistemologia programática
ou, melhor dizendo, essa metafísica enuncia o programa de um saber positivo...” (Bouquet,
1997:202)
Três saberes formaram a epistemologia programática saussuriana: uma concepção
geral da ciência, uma epistemologia da gramática comparada e uma metafísica da linguagem.
O pensamento de Saussure deve ser considerado como uma epistemologia
programática e não como uma epistemologia, pois não se limita à análise das condições de
existência da ciência existente, e não se apóia na análise exclusiva dos resultados dessa
ciência.
O objeto da ciência comparatista corresponde à ordenação dos domínios da ciência
da linguagem, as quais Bouquet denomina quadrante. São eles: o quadrante definido pela
epistemologia saussuriana, o da intercessão do significante e da diacronia (fonologia
diacrônica); o quadrante definido pela interseção significante/sincronia (fonologia sincrônica)
que designa o lugar da ciência que assumiu posteriormente o nome de fonologia; o quadrante
definido pela intersecção significante/sincronia; o quadrante definido pela intersecção
significante/diacronia (a semântica sincrônica e a diacrônica).
Dessa instabilidade, o Cours de linguistique générale também padece: como o termo
semântica tende, sob a influência da obra de Bréal e da linguística histórica em geral, a
designar o estudo das mudanças de sentido, Bally e Sechehaye seguem essa tendência de
sua época e traem os textos originais, nos quais esse termo aparece claramente com a
acepção moderna de ‘relativo ao sentido’ (...) Embora pareça surpreendente, essa
infidelidade de Bally e Sechehaye pode ser facilmente explicada se, abandonando nossa
concepção de linguagem marcada pelo desenvolvimento da linguística do século XX, nós
nos colocarmos no contexto dos anos 1910: a abstração à qual Saussure submete a noção de
‘sentido linguistico’(...) é um aspecto do pensamento que, efetivamente, opera uma ruptura
e uma inovação radicais, que pegaram seus contemporâneos desprevenidos (Bouquet, 1997:
213-5).
O quinto quadrante é o que corresponde ao plano da fala. O exame dos critérios de
cientificidade revela que a epistemologia programática saussuriana projeta nos quadrantes
uma ciência galileana e “esses critérios reproduzem os da literalização, da formalização e da
refutabilidade, reivindicados pelo quadrante da fonologia histórica” (Bouquet, 1997: 220). “É
inegavelmente nos quadrantes semânticos que habita o que está essencialmente em jogo no
projeto epistemológico saussuriano, tanto no plano da linguística da língua quanto no plano
da linguística da fala” (Bouquet, 1997: 223). “A mutação saussuriana do tema do arbitrário
linguístico inscreve a mutação comparatista do conceito de ‘signo’ no coração de uma
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revolução metafísica” (Bouquet, 1997: 228), e a importância do conceito de arbitrário na
teoria saussuriana faz verdadeira por sustentar diretamente o conceito de valor, de sua
epistemologia programática.
Bouquet afirma que, em parte, os debates sobre a base textual do Curso são uma
ilusão de óptica criada por Bally e Sechehaye uma vez que uma ambiquidade sobre o signo
teria causado um mal-entendido para eles. “O mal-entendido do arbitrário no Cours decorre
em primeiro lugar de uma ambiguidade ligada ao conceito de signo (que) (...)é empregado por
Saussure em duas acepções: de um lado esse termo designa a entidade linguística global
composta de uma face fonológica e de uma face semântica; de outro lado ele designa apenas a
face fonológica” (Bouquet, 1997: 228-9).
Bally e Sechehaye “optaram por estender retroativamente ao conjunto de seu texto o
par terminológico significante/significado (...) Se, de uma maneira geral, essa atitude
terminológica (...) esclarece efetivamente sua exposição, no que diz respeito à questão do
arbitrário ela se revela (...) uma grande fonte de confusão” (Bouquet, 1997: 231).
Bouquet mostra, ao analisar as anotações dos alunos, que o arbitrário no Curso em
nada corresponde a formulação original de Saussure. O pensamento saussuriano se refere a
um conceito de arbitrário em referência a uma propriedade global do signo, mas o único texto
que dá ao arbitrário uma noção mais ampla que do arbitrário do significante foi deixado de
lado por Bally e Sechehaye.
O termo arbitrário é usado por Saussure para se referir à relação entre significante e
significado, interna ao signo, e à relação que une entre eles os termos do sistema de uma
língua dada. Arbitrário significa contingente a uma língua.
Bouquet afirma ter o arbitrário, na teoria saussuriana, dois graus: “O primeiro grau
do arbitrário – o que se aplica ao fato de que um significante dado corresponde a um
significado dado, e inversamente” (Bouquet, 1997: 234). “O segundo grau do arbitrário da
língua é relativo ao ‘corte’ realizado por um signo na substância à qual ele dá forma. É isso
que denominaremos arbitrário sistêmico do signo” (Bouquet, 1997: 235).
O método comparativo do século XIX “projeta uma luz sobre a variedade e ao
mesmo tempo sobre a semelhança dos elementos significativos das diversas línguas”
(Bouquet, 1997: 239), mas Saussure censura a ciência da linguagem por causa da ignorância
das realidades de que nota, ou seja, pela falta de filosofia.
O objeto da língua é obscuro, pois a língua parece “ao alcance da mão”, o que é um
equívoco, e também pelo fato de que uma linguística sem epistemologia sem epistemologia é
uma ilusão. Outro equívoco cometido por Bally e Sechehaye foi o fato de não terem levado
21
em consideração a auto-crítica de Saussure ao corrigir sua metáfora da folha de papel usada
para representar a díade do signo.
Do fato de o objeto semântico ser definido, com base no axioma da generalidade do
específico, como um objeto concreto (...) transversal ao conjunto de níveis de análise
linguística , decorrem consequências metafísicas e epistemológicas. No plano metafísico, a
teoria saussuriana do signo linguístico rompe com as da era clássica e da era das Luzes, das
quais procede: é uma teoria nova, na qual a unidade semântica (...) se torna um ser
puramente contingente a uma língua dada. No plano da epistemologia programática da
linguística , o axioma da transversalidade e da homogeneidade semânticas, axioma
fundador de uma gramática do sentido, põe novamente em questão as divisões tradicionais
da lexicologia, da morfologia e da sintaxe. No caso, o termo gramática faz a ligação entre
três configurações de saberes: os estudos empíricos classicamente designados por essa
palavra (...); a gramática comparada; a epistemologia programática saussuriana (Bouquet,
1997: 250-1).
Saussure afirma que a linguística estática exige um trabalho árduo e concebe essa
linguística como ‘uma gramática geral’ e que a teoria do valor é caracterizada por sua
generalidade. “Unificada, essa teoria do valor linguístico o é na medida em que o fenômeno
que ela reflete, denominado indiferentemente por Saussure sentido ou
significação, é
concebido como unitário. Complexa, essa teoria do valor o é na medida em que coordena dois
fatos, eles mesmos complexos. O primeiro fato (...) faz corresponder termo a termo à teoria do
valor e a teoria do arbitrário. O segundo fato (...) associa, a esse valor proveniente do
arbitrário da língua, um valor proveniente do fato sintagmático.
O valor procedente do arbitrário é qualificado de valor in absentia e essa noção de
valor, conforme Bouquet, recobre duas categorias: a do arbitrário interno do signo e a do valor
sistêmico do signo, que compreende o valor sistêmico fonológico e semântico.
O valor absentia constitui somente uma parte do valor semântico, o qual somente
alcança sua plena significação a partir da união do valor in absentia e do valor in praesentia.
Bally e Sechehaye não trataram desses valores, no Curso, em sua totalidade. Eles destinaram
capítulos específicos para cada valor. “Essa decupagem por capítulos (...) tende a revelar uma
só das duas ordens de valor concebidas por Saussure (a associativa) como o fato de ‘o valor’,
em detrimento da outra ordem (a sintagmática)” (Bouquet, 1997: 269). Saussure considera as
ordens in praesentia e in absentia como homólogas das esferas da fala e da língua.
Na distinção entre língua e fala feita por Saussure, a fala recebe dois sentidos que
não são claramente diferenciados, “de um lado designa essa execução enquanto algo que
compõe uma pluralidade de signos. Tomado nessa segunda acepção, o conceito de ‘fala’ deve
ser considerado como um conceito metafísico correlativo do conceito de ‘lingua’” (Bouquet,
22
1997: 275) “De outro lado, o sentido lógico-gramatical (...) é destinado a não suportar a
oposição ao conceito de ‘língua’ aplicado a um ‘tesouro de signos’” (Bouquet, 1997: 275).
“Quando a composição dos signos é denominada fala, a separação da língua e da fala
pode ser criticada não apenas em nome do axioma da indissolubilidade do valor in absentia e
do valor in praesentia, mas ainda, mais precisamente, segundo os três argumentos...” (
Bouquet, 1997:277) “A sintase só se manifesta na fala; ora, ela faz parte da língua...” (idem),
“O fato sintagmático é transversal às unidades lexicais da língua e às unidades da fala...”
(Bouquet, 1997:278) e “Há relações sintagmáticas in absentia” (Bouquet, 1997: 297).
Considerações
O trajeto que traçado optou por algumas questões ao passo que deixou outras para
momento posterior. Os manuscritos que de Saussure ou dos rascunhos dos próprios alunos
nos apresentam um outro Saussure de bases filosóficas consistentes a procura de colocar
questões do que resolvê-las. Este Saussure ainda está por ser lido de diversas formas em
diversos momentos. A primeira leitura é sempre marcada pelo impacto da descoberta, da
surpresa de um Saussure caminhando entre a filosofia a linguística. Resta a nos saber em que
medida este outro Saussure pode ou não desestabilizar a Linguística Moderna fundada pelos
seus alunos ou por ele.
Referências Bibliográficas
BOUQUET, Simon. Introdução à leitura de Saussure. Trad. Carlos A. L. Salum e Ana Lúcia
Franco. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.
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1 saussure: o eterno retorno - Centro de Pesquisa em Análise do