PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana Souza Carvalho
Intimi(ci)dades Femininas em Piraju-SP nos Anos Dourados.
(1950-1964)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
São Paulo
2008
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Luciana Souza Carvalho
Intimi(ci)dades femininas em Piraju-SP nos Anos Dourados.
(1950-1964)
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como
exigência parcial para obtenção do título de MESTRE
em História Social, sob a orientação da Profa. Dra.
Yvone Dias Avelino.
São Paulo
2008
Banca Examinadora
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
Toda Maria tem outro nome, porque Maria não é nome, é sinônimo
de mulher.
(Paulina Chiziane)
Para Maria Conceição Pereira Martini (in memoriam)
Agradecimentos
Carreguei comigo durante muito tempo, desde muito antes da
graduação, o desejo intenso de estudar “na Católica”. Um sonho que pensava
nunca ia realizar. Mas cá estou eu: realizando meu sonho.
Não foi fácil chegar até aqui. Não foi fácil encontrar meu caminho de
pesquisa. Escrever um trabalho como esse exige tempo, dedicação, paciência,
sentimento. Exige aquela centelha de vida a brilhar dentro da gente
continuamente.
Algumas vezes achei que não ia conseguir. Algumas vezes senti que a
centelha estava se apagando. Mas todas as vezes que desanimei encontrei
apoio e força pra continuar. Com todos e todas em quem busquei forças e
inspiração desejo partilhar essa doce conquista.
Tenho muito a agradecer. Agradecer ao Deus Pai de bondade e à Deusa
Mãe de ternura pelo dom de amar a vida, de sentir as dores do mundo
latejando em mim. Obrigada por me darem a oportunidade de encontrar em
meu caminho pessoas que me tornam um ser humano melhor pelo simples fato
de existirem. Obrigada por não me criarem indiferente a dor do próximo.
Pai e mãe: obrigada pelo apoio incondicional de vocês que mesmo não
entendendo muito bem os títulos da vida, se esforçaram sempre para que eu
realizasse meus sonhos. Em especial ao meu pai, com quem partilhei dores e
esperanças no processo de construção deste trabalho. Espero que se orgulhe
de mim Pai!
Márcio, meu companheiro, meu amigo, meu amor saiba que jamais teria
chegado até aqui sem você. O desejo de ser melhor com você e pra você me
inspiraram a desbravar arquivos, a tentar compreender processos históricos de
um lugar tão novo para mim. Sua paciência, seu incentivo, seu amor foram
minha base em todos os momentos.
O trabalho do historiador é na maioria das vezes solitário. O meu não foi.
Enquanto finalizava o texto a ser apresentado na qualificação, JD meu filhinho
amado – chutava dentro de mim, ora como se me incentivasse a continuar, ora
como se me dissesse “às vezes é preciso dar um tempo para colocar as idéias
no lugar”. Depois, entre mamadas e trocas de fralda, muitas noites mal-
dormidas e sorrisos que me ajudaram a esquecer todo o cansaço, iniciei as
correções do trabalho. Me perdoe filho, pelo tempo que deixei de ficar ao seu
lado, de ter você em meus braços. Espero que um dia você possa se orgulhar
de mim.
Matilde e Hélio, meus sogros, agradeço por toda a ajuda e por todo o
carinho com que me acolheram. Obrigada pelo amor que dedicam ao JD e por
cuidarem dele, especialmente nos dias de finalização da dissertação.
À Selma Carolina Assaf, Fernando Pereira Martini e Sílvio Pereira
Martini, meus mais sinceros agradecimentos. Obrigada pelo empréstimo dos
livros, cadernos, fotografias, trabalhos manuais. Selma: obrigada pelas
deliciosas conversas, pelos contatos que me ajudou a estabelecer. Muito, muito
obrigada por compartilharem comigo as lembranças, as recordações, a vida da
sua mãe. Espero não decepcioná-los.
Ao Paulo Henrique da Silva, Diretor de Cultura do Município de Piraju,
agradeço por abrir as portas do Arquivo Municipal, pelo incentivo e pela valiosa
cópia dos filmes em cinemascope que tanto me ajudaram a conhecer e criar
imagens dessa cidade tão nova para mim.
À Cristina Seclker, em nome de todas as outras funcionárias da
Biblioteca Municipal e do Arquivo Público: obrigada pelo carinho com que me
trataram e por toda a ajuda nos meses de pesquisa intensa e por vezes, tão
cansativa. Obrigada Cris, pelos chás que aqueceram meu corpo e minha alma
enquanto me enveredava nas páginas do Comércio de Piraju.
Ana Célia Romero, Nilza Maria Dell’Agnolo e Tânia Regina Assaf Guerra
que gentilmente me cederam seus cadernos de Economia Doméstica.
Aos professores Reinéro, Luís, Roberto, Alfredo e Pedro que na
graduação na UENP (naquela época ainda era FAFIJA), plantaram em mim
sementes da vontade de ir além, de voar mais alto. Aos três últimos, meu
agradecimento especial pela leitura do projeto de pesquisa e pela ajuda para
realizá-lo.
Aos professores da PUC-SP, meu respeito e minha admiração. Márcia
por todo o conhecimento que partilha sem temor, Heloísa pelas aulas
deliciosamente instigantes, Denise pelo fascínio que desperta com sua
capacidade de olhar a vida de maneira tão incrivelmente nova, Maria Odila a
quem peço desculpas pela minha incapacidade de acompanhar seus passos,
Olga por me sacudir e fazer escrever.
Betinha, sempre Betinha! Obrigada por ser essa super secretária, pelo
sorriso sempre estampado no rosto, mesmo quando todos os telefones estão
tocando e há uma fila de gente esperando pra ser atendida. Você é incrível!
Agradeço a professora Dra. Maria Izilda Santos de Matos e ao prof. Dr.
Marcelo Flório pela leitura generosa que fizeram do meu texto de qualificação.
Mais que isso: agradeço por iluminarem meu caminho de pesquisa. Tentei
seguir à risca suas sugestões. Espero ter ficado ao menos perto do que vocês
esperavam.
À minha orientadora Professora Dra. Yvone Dias Avelino, por ter me
acolhido no momento em que senti mais abandonada. Jamais cansarei de
agradecer por tudo que fez por mim. O carinho, a suavidade, a voz macia, os
apontamentos certos, as conversas, os conselhos. Tudo em você é bonito e
digno de ser celebrado! “Agradeço ao meu Deus todas as vezes que me
lembro de você”!
À Capes pela bolsa de estudos que me possibilitou desenvolver este
projeto que ora apresento em forma de dissertação.
E por fim, agradeço à professora Maria Conceição Pereira Martini, que
conforme disseram alguns de seus admiradores, deve estar fazendo artes no
céu...
Ao final do caminho me dirão: – E tu, viveste? Amaste?
E eu sem dizer nada, abrirei o coração cheio de nomes.
Aos nomes no meu coração.
É preciso recusar a idéia de que as mulheres seriam em si
mesmas um objeto de história. É o seu lugar, a sua condição, os seus
papéis e seus poderes, as suas formas de ação, o seu silêncio e a sua
palavra
que
pretendemos
perscrutar,
a
diversidade
de
suas
representações (...) que queremos captar nas suas permanências e
nas suas mudanças. História decididamente relacional que interroga
toda a sociedade e que é, na mesma medida, história dos homens.
Michelle Perrot
RESUMO
A presente dissertação Intimi(ci)dades Femininas em Piraju-SP nos
Anos Dourados, apresenta questões referentes ao universo feminino numa
cidade do interior paulista, no período compreendido entre 1950 e 1964,
conhecido por Anos Dourados. Num diálogo com a História das mulheres, o
cotidiano feminino da elite pirajuense é analisado através da trajetória da
professora de Economia Doméstica e poetisa Maria Conceição Pereira Martini,
objeto desta pesquisa. Os discursos da modernização da cidade e dos sujeitos,
do controle dos corpos e alma feminina são analisados nas poesias da
professora, nos livros e cadernos de Economia Doméstica e nos jornais
pesquisados.
Palavras-Chave: Mulheres; Educação; Poesias; Modernidade.
ABSTRACT
Female Intimaci(ti)es in Piraju – SP in the Golden Years. This
dissertation presents issues related do the female universe in a town of the
state of São Paulo in the time span 1950-1964, that is, the Golden Years. In a
dialogue with women´s history, we have analysed the female daily life of
Piraju´s elite, through the trajectory of the housekeeping economy instructor
and poetess Maria Conceição Pereira Martini, object of this research. The
discourses of modernization of the town and subjects, of the control of female
bodies and souls are analysed in her poems, in the books and notebooks on
housekeeping economy and in the newspaper we have researched.
Keywords: Women; Education; Poetry; Modernity.
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS......................................................................................................15
CAPÍTULO 1
Uma vida de “Maria”, um olhar de “Maria” na Piraju dos Anos Dourados. ........................23
CAPÍTULO II
A modernidade invade a intimi(ci)dade pirajuense ...............................................................45
2.1. Flanando pela cidade dos homens: um olhar feminino no projeto modernizador
pirajuense.................................................................................................................................46
2.2. Intimi(ci)dades femininas em Piraju.........................................................................61
CAPÍTULO III
De corpo e alma: uma breve história de corpos saudáveis e moral ilibada na Piraju dos
Anos Dourados .........................................................................................................................79
3.1. Corpos.....................................................................................................................81
3.2. Silêncios do corpo feminino em Piraju.....................................................................95
3.3. Alma.........................................................................................................................98
3.4. Aprender e ensinar a ser esposa e mãe................................................................107
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................................119
FONTES E BIBLIOGRAFIA......................................................................................................122
ANEXOS...................................................................................................................................140
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1. Diploma de normalista de Maria Conceição Pereira Martini. 1946.
Imagem 2. Maria Conceição Pereira Martini e os filhos Silvio, Selma e
Fernando durante solenidade de entrega de título de Cidadã Pirajuense. Piraju,
17 de dezembro de 1996. Acervo: Fernando Pereira Martini.
Imagem 3. Anúncio Regulador Fontoura. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.4. 16 abr. 1950.
Imagem 4. Anúncio Regulador Sedantol. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.2. 14 set. 1952.
Imagem 5. Anúncio Peitoral de Scott. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.2.
14 jul. 1956.
Imagem 6. Anúncio Heliogás. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. Anos 50.
Imagem 7. Anúncio Lava Roupa Prima Econômica. Fonte: O Comércio de
Piraju, Piraju. p.3. 19 fev. 1963.
Imagem 8. Anúncio Máquina de Costura com motor Arno. Fonte: O Comércio
de Piraju, Piraju. p.3. Anos 50.
Imagem 9. Professora Conceição e alunas entregando roupas de bebê
produzidas nas aulas de Economia Doméstica. 17 out. 1956. Fonte: Arquivo
particular Família Martini.
Imagem 10. Anúncio Lingeries Valisere. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
P.3. 21 jan. 1960.
Imagem 11. Anúncio Geladeira Clímax. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.2. 12 dez. 1957.
Imagem 12. Anúncio Produtos Walita. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.4.
04 mai. 1957.
Imagem 13. Práticas esportivas femininas às margens do rio Paranapanema.
Retirada de vídeo produzido nos anos 50.
Imagem 14. Estudantes apresentando-se aos professores na Escola Normal.
Retirada vídeo produzido nos anos 50.
Imagem 15, 16, 17. Práticas e habilidades femininas: jardinagem, cozinhar.
Fonte: Cadernos de Economia Doméstica.
Imagem 18. Desfile em Piraju no final da década de 50. Retirada de vídeo
produzido nos anos 50.
Imagem 19. Fotografia: Exposição de Trabalhos Manuais em 1959. Fonte:
Arquivo particular da família Maria Conceição Pereira Martini.
Imagem 20. Fotografia: Exposição de Trabalhos Manuais em 1963. Fonte:
Arquivo particular da família de Maria Conceição Pereira Martini.
Imagem 21. Caderno de Economia Doméstica de Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP,
1957.
Imagem 22. Lavadora de roupas Brastemp. Fonte: Caderno de Economia
Doméstica de Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP, 1957.
Imagem 23. Anúncio sabão Minerva. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.4.
04 mai. 1957.
Imagem 24. Anúncio Ferro de passar Walita. Fonte: O Comércio de Piraju,
Piraju. p.3. 15 mai. 1951.
Imagem 25. Ferros de passar. Fonte: Caderno de Economia Doméstica de
Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP, 1957.
Imagem 26, 27 e 28. Enlatados, cozinhas americanas e eletrodomésticos.
Fonte: Caderno de Economia Doméstica de Nilza Dell’Agnolo, Ana Célia
Romero e Tânia Regina Assaf Guerra. Piraju-SP, 1957, 1959, 1960 e 1973.
15
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
“A real descoberta não consiste em
visitar paisagens novas, senão
em ver com olhos diferentes.”
Marcel Proust, escritor francês (1871-1922)
Ao intitular este trabalho Intimi(ci)dades Femininas nos Anos Dourados,
desejei expressar as relações femininas cotidianas no coração da cidade. A cidade
reside no centro da intimidade daqueles que nela vivem.
Entendemos que a história não é cíclica com retornos a mesmos pontos, nem
linear com passado, presente e futuro pré-definidos. Acreditamos que a História se
delineia serpenteando em consonância com as construções humanas, sejam elas
materiais ou intelectuais.
Compreender a história de minha personagem, a partir de um olhar de
pesquisadora constitui uma grande tarefa e um grande desafio. A novidade da
História das mulheres não reside no fato de antes não ser presente: a novidade
consiste num novo olhar sobre elas. As mulheres sempre estiveram presentes, mas
encobertas pois não conseguiam falar de suas experiências, sentimentos e práticas
com suas próprias vozes. Eram sempre representadas pelos homens. Foi
especialmente a partir dos anos 60 que com o movimento feminista, a mulher
conquistou o direito de contar, escrever e refazer sua história.
Práticas, valores, sonhos, sentimentos e vivências femininas quando
observadas por homens acabam por perderem sua essência e passam a ser
desvalorizadas. E é em busca dessa essência e das particularidades que trazem em
si que devem partir as mulheres para serem desveladas.
Confesso que os novos objetos da História, entre eles a História das
Mulheres, não estiveram profundamente presentes na minha formação na
graduação. O pensamento marxista muito forte, não deixava outras idéias
penetrarem, mas deixou indícios, grandes curiosidades e a vontade de conhecer e
estudar outras formas de compreender o mundo e os processos históricos.
16
Comecei a me encantar com o tema, após a graduação, quando conheci a
obra de Michelle Perrot. Decidi que gostaria de trabalhar com diários íntimos e
autobiografias, mas a dificuldade em encontrá-los na região em que me propus
pesquisar converteu-se em um entrave para a realização do desejo de um mestrado.
Não havia fontes suficientes para escrever uma história das mulheres a partir
de diários e autobiografias. Provavelmente neste ponto tenha vivenciado a
dificuldade observada por Michelle Perrot em escrever uma história das mulheres e
encontrar seus relatos, já que os arquivos privados tratavam quase que
exclusivamente dos “grandes homens” e suas relações com a cidade e os arquivos
particulares até pouco tempo tratados com indiferença, foram sistematicamente
destruídos por herdeiros desligados de sua importância histórica ou mesmo pelas
próprias autoras desses registros, talvez receosas que seus segredos pudessem vir
à tona ou ainda num processo de autodesvalorização de suas memórias.1
Procurei várias professoras e mulheres idosas de minha região para tentar
encontrar escritos autobiográficos que pudessem servir como fonte para este
estudo, mas as respostas que encontrei foram bastante parecidas: “Diários? Sim, eu
escrevia muito quando jovem e solteira, mas depois que casei, queimei todos eles.
Imagina se meu marido visse o que estava escrito lá”.
Nas respostas podemos vislumbrar uma representação do que é ser feminina.
O diário é para as moçoilas casadoiras que, enquanto aguardam o marido vindouro,
compartilham com o papel a sua espera. Depois de casadas, não lhes fica bem
continuar escrevendo em diários, já que neles se registra a espera do marido e
talvez mais que isso: de um grande amor.
Após sua chegada – a do marido é quase certa, a do amor nem sempre – há
então o abandono do hábito de confessar-se ao caderno, já que não cabe mais à
mulher casada desejos pueris, conforme diagnosticava a sociedade machista.
Após minha mudança de Ourinhos para Piraju e continuando a busca por
fontes, percebi que esta pitoresca cidade do interior de São Paulo, distante 60 km de
Ourinhos, 320 km da capital paulista, pertencente ao Vale do Paranapanema e
quase na divisa com o estado do Paraná podia render bons frutos na pesquisa que
eu ainda perquiria, ou seja, partir da idéia para investigar as fontes.
1
PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005.
17
Cidade antiga na idade, na arquitetura e em muitas de suas relações sociais,
encontrei em Piraju, um bom material para realização do que desejava. Das mais
antigas cidades da região do Vale do Paranapanema, no sudoeste de São Paulo,
Piraju cujo significado vem do tupi-guarani e quer dizer “peixe dourado”, tem 135
anos de fundação e 127 desde que foi elevada à categoria de município.
Primeiramente povoada por índios caiwá, reza sua tradição que foi desbravada por
três pioneiros, que foram os fundadores da cidade atual. Um deles, Joaquim Arruda,
é bisavô de Maria Conceição Pereira Martini – fio condutor que me auxiliou a
desvendar o cotidiano feminino pirajuense nesta pesquisa, mãe de três filhos,
separada, poetisa, “arteira e defensora do Paranapanema” – como foi definida.
Professora de Economia Doméstica, entre as décadas de 50 e 80. Conceição Martini
é a personagem que me ajudou a “dar liga” nesta tentativa de reconstrução histórica
da vivência de mulheres pirajuenses durante os “Anos Dourados” entre 1950 e 1964.
Sua vida, ações, produções e realizações ajudaram a iluminar meu caminho de
pesquisa.
Suas poesias, contos e a procura por sua presença e ausência na história da
cidade me serviram de mote para olhar efetiva e afetivamente para outras mulheres
que vivenciaram o mesmo tempo histórico neste chão de terra roxa.
Me apoiei para realizar esta pesquisa além dos escritos da professora
Conceição (a maioria deles publicados em 12 obras lançadas entre 1985 e 2002),
também no registro cotidiano da cidade através das edições do jornal O Comércio
de Piraju – que circulou de 1950 a 1964, em depoimentos de seus filhos, em
fotografias de épocas e filmes em cinemascope produzidos durante o período
pesquisado. Além disso, cadernos e livros de Economia Doméstica e Puericultura
que pertenceram a Conceição Martini e outros de algumas de suas ex-alunas foram
pesquisados e analisados.
Decididamente, a professora Maria Conceição foi uma mulher comum.
Extraordinariamente comum como tantas outras extraordinárias mulheres comuns
que viveram e vivem, lutaram e lutam sozinhas pela sobrevivência numa sociedade
estigmatizada pelo domínio masculino. Donas-de-casa, trabalhadoras, mães,
consumidoras. Muitas, como Maria Conceição, abandonadas pelos maridos,
começaram a trabalhar tardiamente para sustentar os filhos.
18
No pertencimento ao comum reside o interesse desta pesquisadora. Em
aproximar-se da vivência cotidiana/comum de mulheres de uma época que não a
sua para numa tentativa de compreendê-las, refletir seu próprio tempo, seu próprio
caminho num diálogo espectador e protagonista.
Muito já foi estudado sobre as questões do feminino, mas os estudos de
gênero são além de um campo ainda aberto para ser explorado, uma forma de
reencontrar as mulheres.
A crítica feminista e os estudos de gênero comportam incontáveis trabalhos
que se têm realizado no intuito de estimular o debate e transpor as fronteiras da
alteridade. O universo masculino, das práticas patriarcais que passou a ser
questionado efetivamente com o ativismo da década de 60, embora houvesse antes
vozes isoladas de mulheres que se lançaram à escrita feminista como Virginia Woolf
e Simone de Beauvoir.
Desconheço a existência de um estudo específico sobre história das mulheres
na região do Vale do Paranapanema. Jefferson Del Rios, em seu Ourinhos:
memórias de uma cidade paulista2 traz alguns depoimentos de mulheres da
sociedade ourinhense, em forma de testemunho oral. Tanto Del Rios quanto o
professor Miguel Cáceres que publicou Piraju: memórias políticas e outras
memórias3 tratam as mulheres como meras espectadoras do processo de
desenvolvimento das cidades do Vale do Paranapanema.4
Creio por não haver nada semelhante escrito, nem por haver sido dada a
importância devida ao papel da mulher na construção desta região de terra roxa, que
outrora já foi berço do café e hoje é invadida pela cana; de grandes rios que, se
antes representavam imensas belezas naturais, atualmente desfigurados, geram
energia para o “estado locomotiva” e ferrovias por onde se transportavam riquezas e
que agora vivem abandonadas. Esta dissertação de mestrado vem dar sua
contribuição: auxiliando no aprofundamento da história das mulheres em especial,
no Vale do Paranapanema historicizando experiências femininas, dentro da cultura
2
DEL RIOS, Jefferson. Ourinhos: memórias de uma cidade paulista. Ourinhos, SO: Prefeitura
Municipal, 1992.
3
CÁCERES, Miguel. Piraju: memórias políticas e outras memórias. São Paulo: Pró-Texto
Comunicação e Editora Ltda, 1998.
4
Ainda sobre Piraju, há: LEMMAN, Constantino Piraju: seu passado e seu presente. Piraju, SP:
Gráfica Invicto, 1959. 2 vol. O autor que era russo e um ex-soldado da guarda imperial radicou-se na
cidade após fugir da Revolução Russa. Constantino Lemman também foi editor de O Comércio de
Piraju no período pesquisado.
19
própria dos Anos Dourados no século XX e buscando conhecer o lugar destinado às
mulheres neste processo e as práticas e representações de que está embutido.
O recorte cronológico escolhido para esta pesquisa engloba parte dos
chamados “Anos Dourados”, compreendendo de 1950 a 1964, embora as
digressões da memória permitam às vezes extrapolar estes limites.
O pensamento inicial deste trabalho tinha uma divisão diferente desta que ora
é apresentada em forma de dissertação. Durante a Banca de Qualificação, ocorrida
em 25 de abril de 2008, uma nova proposta de divisão foi sugerida após a leitura
generosa dos professores doutores Maria Izilda Santos de Matos e Marcelo Flório.
Juntamente com minha orientadora Professora Dra. Yvone Dias Avelino aceitamos a
sugestão que muito ajudou na organização do texto final e clareou caminhos que
pareciam ainda obscuros.
As poesias e contos da professora Conceição Martini foram ponto de partida
para este estudo. Delas, foram extraídos indícios que permitiram acompanhar e
compreender sua história de vida e a história das mulheres pirajuenses no tempo
recortado para esta pesquisa. As entrevistas com os filhos de Conceição
constituíram importante fonte para iniciar este trabalho.
Posteriormente, realizei a leitura do jornal O Comércio de Piraju, no período
compreendido entre 1950 e 1964, encontrando nele os apelos e os ícones da
modernidade: anúncios e mais anúncios de geladeiras, fogões, máquinas de lavar,
mas também de lingeries, reguladores menstruais. Vislumbramos as mulheres como
consumidoras, como beneméritas (as da elite) e como trabalhadoras assalariadas
(as populares).
A leitura do jornal permitiu também visualizar como as mulheres eram vistas
pela ótica masculina e as formas com que foram representadas por eles. Questões
como a saúde dos corpos, a beleza, a docilidade esperada da mulher se revelaram
nessa leitura.
Os cadernos de Economia Doméstica de mulheres que foram alunas de
Conceição Martini e os livros que ela utilizava em suas aulas ajudaram a traçar um
paralelo entre o desejo de ser moderno5 e modernidade6 anunciada e a vivenciada
5
Segundo a Profa. Dra. Yvone Avelino: “O moderno se contrapõe ao tradicional. (...) As cidades
transformaram-se em grandes centros privilegiados da produção de bens materiais e simbólicos,
cenário para os grandes sociais, tanto ideológicos, quanto estéticos, morais, filosóficos e científicos.
Entendemos a produção da modernidade como expressão de interesses em conflito, que de forma
dialógica representam a totalidade do fazer social”. AVELINO, Yvone Dias & outros. Arte urbana e
20
no
cotidiano
feminino
pirajuense.
Neles
observamos
a
reprodução
das
representações acerca da mulher ideal naquele momento histórico: aquela que devia
ser a esposa perfeita, a mãe dedicada, a consumidora das novidades, a zeladora do
lar, da moral e da Pátria, enfim, a guardiã da família e da sociedade.
No primeiro capítulo traço uma trajetória da vida de Conceição Martini, dando
ênfase ao período do recorte desta pesquisa. Para tanto, me utilizei de registros de
outros sobre sua pessoa e feitos e em entrevistas com os filhos Fernando e Selma.
Mas acima de tudo, meu encontro com Conceição Martini se deu através de sua
escrita, das palavras que escreveu no silêncio da noite, “quietinha em seu quarto”
conforme me narraram os filhos. Lendo seus contos e poesias, me tornei de certa
forma, íntima de seus desejos, anseios, sonhos e desilusões. Procurei manter o
afastamento recomendado do meu objeto, mas por certo, em muitas vezes, sorri e
em outras me entristeci com ela.
O segundo capítulo é basicamente uma tentativa de “tecer a cidade dos
homens e a cidade das mulheres” em Piraju, revelando algumas de suas texturas e
discutir a cidade que bradando modernidade deixou transparecer seus fantasmas de
conservadorismo e exclusão. Cidade na qual poucas vezes as mulheres puderam
ser vistas. Afastadas das decisões e disputas políticas, dos cargos de chefia, do
acesso à palavra falada e/ou escrita.
Procurei não fazer disso um grande problema, senão mais uma possibilidade
para pensar as mulheres e seu papel em Piraju. Também as ausências e o silêncio
podem ser reveladores dos discursos.
Para conhecer a Piraju feminina nos Anos Dourados, flanei brevemente
através do olhar de nossa personagem pela cidade masculina, na qual questões
calcadas em cimento e modernização, água e progresso, saneamento e repressão
se fizeram constantemente presentes nos Anos Dourados. E por fim, encontrei a
cidade das mulheres nas questões da modernização de hábitos, do consumo, do
trabalho.
reminiscências rurais na obra de Tarsila do Amaral. In: Projeto História: Revista do Programa de
Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. nº 19. São Paulo: EDUC, 1999. p.99.
6
Já modernidade, segundo a professora pode ser definida como “um conjunto de temporalidade, que
teve como marca as mudanças constantes e ininterruptas em todos os níveis da experiência social.”
AVELINO, Yvone. Op. Cit.
21
O paralelo entre o progresso da cidade e o progresso porta adentro invadindo
a intimidade feminina em Piraju foi observado através da publicidade inserida nas
páginas de O Comércio de Piraju, nos livros da professora Conceição Martini, nos
textos e imagens dos cadernos de Economia Doméstica de suas alunas, nas
lembranças de seus filhos e em algumas de suas próprias poesias.
No
terceiro
capítulo
busquei
verificar
as
vivências,
práticas
e
as
representações sobre o corpo e a alma feminina na Piraju desse período. Mulheres
que como Conceição Martini ensinava em suas aulas, eram intimadas a
desempenhar um papel de relevância para a sociedade burguesa – o de esposa
exemplar e mãe dedicada.
Neste capítulo analiso questões referentes ao embelezamento feminino, a
higiene dos corpos, a eugenia, as habilidades manuais e corporais esperadas de
uma mulher e as formas de limitação e controle impostas sobre seus corpos. E
ainda, uma análise da educação feminina e das representações dos saberes que se
julgavam fundamentais na vida de uma mulher moderna: ser uma boa dona-de-casa,
esposa e mãe, saber cozinhar bem, lavar roupa, cuidar da casa com bom gosto.
Compreende também como ocorreu a transmissão destes saberes na Escola
Normal de Piraju, com ênfase na disciplina de Economia Doméstica ministrada por
Conceição Martini no período pesquisado.
***
A escolha por um determinado caminho e não por nenhum outro dos que se
apresentaram neste jardim de caminhos bifurcados, que constituem uma pesquisa
histórica e a própria vida e que possibilitam uma série infinita de tempos que ao se
entrelaçarem criam um número infindável de possíveis enredos (dos quais, na maior
parte sequer existimos) tem um quê tanto emocional como racional, embora não se
descuide em ser tanto afetivo em olhar quanto efetivo em analisar.
Escolher pesquisar determinado lugar e sua gente, vivências, valores,
representações cabe numa tentativa de assimilar um momento novo que se
apresentou na trajetória de vida desta pesquisadora. E dessa forma, redescobrir a
história e a mim mesma.
Nos chamados Anos Dourados, a personagem objeto desta pesquisa se viu
na condição de mulher abandonada pelo marido, com três filhos para criar. E como
tantas outras Marias foi à luta com coragem.
22
Através de uma Maria e de sua luta na vida e seu amor e dedicação à
educação como mestra e à família como mãe, a todas as mulheres pirajuenses
busco, pois recontar um pouco de suas histórias.
23
CAPÍTULO I: Uma vida de “Maria”, um olhar de “Maria” na Piraju dos Anos
Dourados.
Sempre costumo dizer que Arte é como cavalgar nas nuvens, esculpindo-as,
lapidando-as e respeitando a sua forma poética de ser.
Tenho certeza que pintada serão pelas mãos de quem tem talento e
abnegação para aquilo que faz com tanta maestria.
Dona Maria Conceição Pereira Martini foi uma dessas que fez da Arte projeto
de vida e como ela dizia: “Eu sou arteira”.
Grande artista, grande pessoa, sempre com a mesma postura simpática,
alegre, disposta. Salve Maria, grande Conceição!
Dona Maria “Artista” Conceição Martini...
Agora em outras telas, outros quadros, outras paisagens... o infinito. Um
sorriso eterno:
Fará muita falta no nosso meio mas, sua lembrança, de uma história dedicada
a Piraju, sua história, sua Arte, continuamente estará nos incentivando, norteando.
Sua trajetória de vida nos respaldará para continuarmos sonhando e vivendo “arte
em Piraju, artes no Brasil”. Não somos pequenos.
Continue sorrindo querida, nossa gratidão e contínuo respeito em sua
memória... “das lágrimas surgirá um quadro novo e muitos outros”.7
Inicio este capítulo apresentando a professora Maria Conceição Pereira
Martini, personagem e objeto desta pesquisa pelo seu fim. Parece paradoxal, mas
têm suas razões: recebeu a personagem uma homenagem póstuma, prestada por
dois amigos e admiradores de sua história e obra na Piraju8 onde viveu a maior parte
de seus anos. A crônica foi publicada no primeiro Natal passado na cidade, após a
morte da “arteira” e defensora do Paranapanema, como foi apelidada pelos autores.
Isto justifica também o título dado ao capítulo.
Resolvi intitulá-lo Uma vida de “Maria”, um olhar de “Maria” na Piraju dos
Anos Dourados na tentativa de nele abarcar tanto a vivência da professora Maria
Conceição quanto a de tantas outras Marias – pirajuenses anônimas ou não – das
quais não há registros disponíveis para recontar suas histórias.
7
MELLÃO; CUEBAS. Um Natal sem Maria. in: O Expresso, Piraju-SP. 30 dez. 2005. p.4. A crônica foi
publicada por ocasião do falecimento da professora Maria Conceição Pereira Martini, ocorrido em 19
de dezembro de 2005.
8
Piraju, cidade situada às margens do Rio Paranapanema e distante 320 km da capital paulista.
Segundo o IBGE sua população atual é de 28.067 habitantes. Fonte: Contagem da População 2007.
Para melhor localizar a cidade, ver mapa em anexo.
24
Michelle Perrot já havia dissertado sobre os silêncios que encobrem as
mulheres e dificultam a vida do historiador em reconstruir suas experi(viv)ências, já
que:
As mulheres deixam poucos vestígios diretos, escritos ou materiais. Seu
acesso à escrita foi tardio. Suas produções domésticas são rapidamente
consumidas, ou mais facilmente dispersas. São elas mesmas que destroem, apagam
esses vestígios porque os julgam sem interesse. Afinal, elas são apenas mulheres,
cuja vida não conta muito.9
Maria Conceição é uma exceção neste universo de silêncio das fontes. É
mister que deixou variados registros de sua vida, seja na forma das poesias e contos
que publicou ao longo dos seus 91 anos de existência terrena, ou ainda nas
autobiografias que escreveu, nas obras artísticas e sociais que realizou, nas
entrevistas escritas e faladas que concedeu, nos livros e cadernos que usou para
ensinar e, ainda, na forma de lembranças daqueles que com ela conviveram e
ajudaram a recontar essa história.
Através de Maria Conceição pretendo observar o cotidiano das mulheres em
Piraju, através da análise dos vestígios das relações de Conceição Martini na vida
pública/política da cidade. Por ser uma mulher comum e ao mesmo tempo, uma
exceção, nos é possível, através dela, vislumbrar o papel das mulheres pirajuenses
no âmbito dos estudos do cotidiano e recontar uma das muitas histórias possíveis
dessas mesmas mulheres.
A personagem escolhida para a realização deste estudo é única em sua
capacidade criativa e em sua subjetividade, mas podia ser ao mesmo tempo
qualquer uma das incontáveis mulheres que foram (e continuam indo) à luta
cotidiana armadas, sobretudo de coragem, força e criatividade.
Comum por ter sido uma mulher de seu tempo: mãe, religiosa, esposa
devotada mesmo após o abandono do marido. Mas também uma exceção, pois
esteve presente na vida política e social da cidade, atuando nas áreas de educação,
arte e filantropia, além da militância ecológica.
9
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.17.
25
Os estudos do cotidiano vivem momento de expansão após a crise dos
modelos; a busca por novas histórias e por outras memórias, que não as oficiais,
tornaram possível um estudo como este, aqui apresentado10.
As até então, invisíveis histórias, como as das mulheres enganadas no Tijuco
Preto, no final do XIX, e as da professora Conceição e de outras mulheres já no
século XX, ganham o interesse do historiador do cotidiano, segundo Michel de
Certeau.11
Este não busca mais as grandes histórias legitimadoras, mas sim uma
aproximação com as vivências dos excluídos, daqueles que antes não tiveram
espaço para contar suas histórias, com as quais na realidade, poucos se
importavam. Neste grupo excluído do poder e do saber é que se encontravam as
mulheres, dentre outros tantos: operários, jovens, crianças, minorias.
É uma dessas histórias que desejo recontar agora. E reconto como ouvi,
como compreendi e acima de tudo, como senti...
Piraju, década de 50 – vemos nossa personagem retornando à cidade,
desembarcando na bela Estação do Ramal da Sorocabana, projetada por Ramos de
Azevedo e inaugurada em 1915, mãos dadas com a delicada Selma e esta com o
irmão Silvio, no colo o pequeno Fernando, trazendo nas malas além das roupas;
sonhos, esperanças e promessas de tempos melhores que haviam de vir desde que
o marido a abandonou – materializados num atestado de aprovação em concurso
público para professor. Corta! Em outro plano, as lentes se abrem para uma cidade
em ritmo de cinemascope: construções que se anunciavam aos montes, um frenesi
de melhoramentos urbanos convivendo lado-a-lado a medidas sanitário-repressivas
– brados da entrada pirajuense nas veredas da modernidade – apresentados nas
telas de seus três cinemas e em outras telas Brasil afora.
Em Fartura, cidade próxima à Piraju, 27 de abril de 1914, nasceu Maria
Conceição Pereira, filha de José Duarte Pereira e de Adelina Pereira. Conceição
Martini era bisneta de Joaquim Arruda, que junto com Gracianos e Faustinos são
considerados os fundadores de Piraju, chegados em meados dos 1800.
10
HELLER, Agnes [et al.] A crise dos paradigmas em Ciências Sociais e os desafios para o século
XXI. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999.
11
Ver: CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1986.
26
O pai, José Duarte Pereira foi a primeira vítima da Gripe Espanhola12
residente na região:
Em 1918, meu avô trabalhava na prefeitura de Fartura e chegou um viajante
já com a gripe espanhola. Ele faleceu e meu avô foi um dos que conduziu o corpo ao
cemitério. Já voltou de lá com os sintomas, chegou em casa puxou o chapéu da
cabeça e disse: “Acho que peguei a danada.” E de fato foi para a cama e poucos
dias depois faleceu, deixando a minha avó com quatro crianças. A minha mãe era a
mais velha e inclusive um bebê recém-nascido.13
A mãe de Conceição ficou viúva com quatro filhos pequenos, tendo que
trabalhar para sustentar a família. Maria Conceição, tempos depois, passou pela
mesma situação:
E a vovó ficou sozinha, lutando e labutando... ela arrumaram um emprego
para ela na escola, costurava camisas, cuecas, pijamas, muito bem-feitos e fazia
pirulitos para vender para a criançada. Então com essa luta, a mamãe foi criada, sem
o pai presente, mas com a vovó muito firme, muito segura na criação, sozinha ali.
Isso mesmo aconteceu depois mais tarde com ela, nós morávamos em São Paulo
em 1950 (+) e meu pai saiu de casa, para aproveitar a vida moço novo, bonito e a
mamãe ficou com os três filhos, inclusive o Fernando que era o menor com três
anos, eu com 13 e o Silvio com 14. Minha mãe também lutou sozinha para nos criar.
Muita fibra, muita firmeza e nos proporcionou uma vida muito boa.14
Menina prendada – assim como deviam ser todas as meninas de seu tempo –
Maria Conceição aprendeu a pintar e bordar, cozer e coser, escrever e sonhar.
Professora dedicada, ambientalista ferrenha, cidadã compromissada, artista
polivalente lecionou saberes e prazeres, defendeu causas, pessoas e deveres, criou
obras e deu vida a sonhos.
12
A Gripe Espanhola assolou a Europa e espalhou-se por outros continentes, chegando ao Brasil em
setembro de 1918. Milhares morreram, a população assustada evitava sair às ruas e faltava gente até
mesmo para enterrar as vítimas, tamanho o número de contagiados pela doença. Ver também:
TEIXEIRA, Luis Antonio. Medo e morte: sobre a epidemia de Gripe Espanhola de 1918. Rio de
Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ Instituto de Medicina Social, 1993. 32 p. Série
Estudos em Saúde Coletiva, n. 59.
13
ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini Assaf: depoimento [fev. 2007].
Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida
para Dissertação de Mestrado.
14
Idem.
27
Filha devotada, esposa perene e mãe afetuosa registrou em versos as
saudades dos pais, a paixão eterna pelo marido e o amor incondicional aos filhos.
Minha mãe
Tão forte
Tão íntegra
Tão batalhadora
Tão jovem, ficaste ao leme
de um barco cujo capitão tão querido
foi chamado por Deus
Foi tua herança maior
quatro rebentos pequeninos
Que amaste, criaste e lhe deste
sublime lição de vida
Mãe. Na minha saudade
vejo-te ainda
Viva forte íntegra e batalhadora
A me dizer
como devo ser.15
Meu pai.
Como me lembro!
Moço alto moreno bonito
Tão pouco usufrui
de sua presença, pai
E ainda me lembro:
Na cama, não me deixaram
Chegar perto de ti
Vi homens te levarem
Para onde?
Esperei, pai, e não voltaste...16
Filha querida
Botão de rosa
rosa em botão
perfume do meu jardim
menina moça
moça menina
és um presente
que Deus deu para mim17
15
Fonte: Caderno de Poesias de Maria Conceição Pereira Martini. Piraju-SP, s/d.
Idem.
17
Idem.
16
28
Não sei
Se sou poetisa não sei
sei que ao olhar para o céu
sinto o azul transcendental
sinto a brisa no meu rosto qual carícia fraternal18
Um beijo na face um doce abraço e
A pergunta que não consegue evitar:
- Mamãe, onde está o Papai? – Ele não vai mais voltar?
- Viajou, filhinho e vai demorar...19
Professor aposentado
Vocação ou imposição
ganha-pão ou profissão
nossa vida foi sempre doação...20
Selma e Fernando, filhos da professora Conceição, narraram que em 1932, a
mãe estudava Escola Normal em Botucatu e que durante a Revolução, quem
transportava as moças do colégio para a cidade eram os soldados gaúchos, que iam
e voltavam de Piraju ouvindo troças das normalistas.
A cidade e em especial, a ponte, constituíram cenário de batalha entre as
tropas do governo federal e os paulistas. Estratégica para ambos os lados, foi
disputada, bombardeada e defendida pelos soldados aquartelados em suas duas
extremidades, conforme me narrou numa entrevista a professora Carmem Machado,
conterrânea e contemporânea à professora Conceição Martini.21
Invadida por milhares de soldados gaúchos, Piraju carrega como toda a
região, marcas da Revolução, seja nos artefatos de guerra porventura encontrados
até hoje, seja nos nomes das ruas e praças que prestam homenagem ao fato ou
mesmo, nas rodas de conversas dos mais antigos que ainda fazem memória do
acontecimento.
18
MARTINI, Maria Conceição Pereira. Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: João Scortecci Editora,
1992. p.43.
19
MARTINI, Maria Conceição Pereira. O segredo. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: João
Scortecci Editora, 1992. p.12.
20
Op Cit. Caderno de Poesia, s/d.
21
DIAS, Carmen de Oliveira. Carmen de Oliveira Dias: depoimento [jan. 2007]. Entrevistadora:
Luciana Souza Carvalho. Ourinhos, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para
Dissertação de Mestrado.
29
Das lembranças dos conflitos presenciados nos anos 30, Conceição escreveu
anos mais tarde a poesia Pola lei et pola grei:
M arcaram com sangue
M arcaram com a vida
D oada à causa
C onstitucionalista
N a praça tombaram
O rgulhosos
V alentes
E idealistas
D eram tudo por São Paulo
E pela Pátria querida
J amais sereis esquecidos
U fanamo-nos de vós
L egastes à posteridade
H eróica lição de amor
O rgulho sóis dos paulistas
– Martins, Miragaia, Drausio e Camargo.22
Maria Conceição aprendeu as primeiras letras na chamada “Escola
Tradicional” e presenciou ainda como aluna as mudanças ocorridas na Educação
Brasileira, através do movimento da Escola Nova23.
Entre as mudanças anunciadas pelo movimento escolanovista, algumas já
povoam imaginários escolares desde o final do século XIX, entre elas:
(...) a centralidade da criança nas relações de aprendizagem, o respeito às
normas higiênicas na disciplinarização do corpo do aluno e de seus gestos, a
22
MARTINI, M. C. P. Pola lei et pola grei. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: Scorttecci, 1992.
p. 11. Em Pola lei et pola grei, cujo significado em latim é Pela lei e pela família, visualizamos além da
exaltação dos soldados paulistas, a representação do universo que a autora considerava nos seus
escritos como o ideal: a ordem e a família como pilares para a vida.
23
O grande nome da Escola Nova é John Dewey (1859-1952), filósofo e pedagogo americano. Pra
ele, as escolas deviam deixar de ser lugares para a transmissão isolada de conhecimento e tornaremse pequenas comunidades nas quais o saber fosse construído. No Brasil, as idéias e ideais
escolanovistas já estavam presentes em 1882 através da figura de Rui Barbosa (1849-1923). Em
1932, mesmo ano da Revolução Constitucionalista, foi divulgado o Manifesto dos Pioneiros da
Educação Nova. Entre os signatários podemos destacar nomes como Lourenço Filho (1897-1970) e
Anísio Teixeira (1900-1971), grandes humanistas e nomes importantes de nossa história pedagógica.
30
cientificidade da escolarização de saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato de
observar, de intuir, na construção do conhecimento do aluno.24
Tais idéias se fizeram fortemente presentes nos métodos de ensino e nos
saberes difundidos pela professora Conceição, mesmo que não tenham alterado
significativamente o cotidiano escolar nacional, pois foram intensamente negociados
e reapropriados na prática docente cotidiana.25
Seus estudos na Escola Normal foram interrompidos para casar-se com
Américo Martini. Mais tarde retornou esses estudos, que só foram concluídos em
1946, já grávida de Fernando, seu terceiro filho.
Segundo a filha Selma Carolina Martini Assaf, em entrevista realizada em 27
de janeiro de 2007:
Lá [em Fartura, onde nasceu] ela fez as primeiras letras e depois foi enviada
para Botucatu para o colégio e deu continuidade aos estudos, porém não terminou
porque ficou noiva e o noivo não quis que ela estudasse. Só mais tarde, quando nós
já éramos crescidos, eu e o Sílvio, os dois mais velhos, foi que ela voltou a estudar
em São Paulo no Padre Anchieta. Ela formou-se em 1946.26
No final dos anos 40, a repercussão das idéias da Escola Nova já havia
tomado grande alcance, o que significa que o pensamento educacional de Maria
Conceição foi forjado dentro desse contexto. Esse ressoar pode ser sentido através
da preocupação constante da professora com a eugenia27 e com a cientificidade dos
saberes em lugar do empirismo nos cuidados com a casa, filhos, esposo, Pátria.
24
VIDAL, Diana Gonçalvez. Escola Nova e Processo Educativo. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira,
et.all. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 2ª edição.
25
Ver: LOPES, Eliane Marta Teixeira, et.all. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte:
Autêntica, 2000. 2ª edição.
26
ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini Assaf: depoimento [fev. 2007].
Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida
para Dissertação de Mestrado.
27
As discussões sobre a eugenia emergiram no Brasil durante as décadas de 1910 e 1920,
associando-se diretamente às preocupações nacionais quanto ao estado de saúde, saneamento,
higiene e da situação racial da população. Num primeiro momento, a eugenia foi entendida como um
ramo da higiene, assim acreditava-se que “eugenizar era sanear”, mas os idéias eugênicos
propunham mais do que isso, desejavam a criação de uma nova raça, adentrando assim nos trilhos
do progresso e da modernidade cultural e acertando o passo para ser uma nação “realmente
civilizada”. Os ideais eugênicos reapropriados pelos regimes nazi-fascistas foram utilizados para
justificar o extermínio de milhões de seres humanos julgados como não aptos.
31
Da vida em São Paulo, sabe-se que Conceição e os filhos passaram grandes
dificuldades frente às omissões de Américo Martini em seu papel de esposo e pai:
...meu pai saiu de casa, para aproveitar a vida moço novo, bonito e a mamãe
ficou com os três filhos, inclusive o Fernando que era o menor com três anos, eu com
13 e o Silvio com 14. Minha mãe também lutou sozinha para nos criar.
O papai ele quis viver a própria vida, aproveitar, não foi responsável, quando
ele nos deixou, em casa faltava de tudo, inclusive eu e Sílvio perdemos um ano em
São Paulo porque não tínhamos dinheiro para a condução para ir pra escola,
faltávamos muito por esse motivo e faltava também alimentação dentro de casa.28
Entre 1950 e 1956, uma média de 100 casamentos anuais foi registrada nos
livros do Cartório de Registro Civil de Piraju.29 Já os divórcios não puderam ser
constatados em números reais visto que a maioria das mulheres preferia não
assumir o labéu de “mulher largada” e continuavam casadas perante a lei, embora
não vivessem mais com os maridos e já houvesse uma aceitação ainda tímida, é
verdade, desse novo modelo de família que se apresentava.
Segundo Carla Bassanezi:
Os censos demográficos demonstram que as porcentagens de solteiras,
casadas e viúvas, entre 1940 e 1960, são praticamente constantes. Quanto às
mulheres separadas, sua proporção, ainda que pequena, vai crescendo a cada
década.30
E ainda segundo Letícia Costa:
O difícil é saber se de fato está ocorrendo uma proporção maior de
dissoluções matrimoniais, ou se a maior aceitação da condição de mulher ex-casada
está levando à declaração mais freqüente desse estado. Ou ambas as coisas.31
28
Idem.
Dados fornecidos pelo Senhor Oficial do cartório do Registro Civil de Piraju, Jefferson Roberto De
Chechi e registrados nos livros B18 a B20, de 04/11/1948 a 20/04/1956.
30
BASSANEZZI, Carla Beozzo. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e
relações homem-mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. pp. 412-413.
31
COSTA, Letícia B. Participação da mulher no mercado de trabalho. Vol. 30. São Paulo, CNPQ/ IPEUSP (série ensaios econômicos), 1984. pp.40-41.
29
32
Em 16 de dezembro de 1946, após ter interrompido os estudos de normalista
que havia iniciado na Escola Normal de Botucatu, Maria Conceição, grávida do filho
mais novo, recebeu das mãos de Marcílio Gonçalvez Ferreira Mendes, diretor da
Escola Normal e Ginásio Estadual Padre Anchieta, na capital paulista, o diploma que
a habilitava ao magistério primário.
Com o diploma de normalista nas mãos, pensou na carreira e prestou
concurso público para o cargo de professora de Economia Doméstica e Trabalhos
Manuais. Sua primeira nomeação, ainda interina, foi para a cidade de Registro,
localizada no Vale do Ribeira, até hoje a região mais carente do Estado de São
Paulo, cujo acesso era (e permanece) muito difícil. Os filhos maiores eram deixados
com avôs e tios, o mais novo levado consigo.
A disciplina Economia Doméstica e Puericultura foi introduzida nos currículos
escolares nos anos 20, antes mesmo da Reforma Sampaio Dória.32
Com
esta
disciplina visava-se preparar a mulher além da profissionalização somente para o
trabalho fabril: para desempenhar um papel de relevância para a sociedade
burguesa – o de esposa exemplar e mãe dedicada.
A introdução dessa cadeira [de Economia Doméstica e Puericultura] refletia a
tendência daqueles anos de repudiar o ensino profissional feminino direcionado para
atender exclusivamente as necessidades da indústria, ou seja, limitando a formação
ao trabalho fabril.33
Com a introdução do trabalho feminino, especialmente a partir da primeira
Grande Guerra, a mulher passou a encontrar seu espaço no mercado de trabalho
em profissões consideradas ideais à sua condição feminina, ao mesmo tempo em
que se preparava para assumir uma dupla jornada – no mercado e no lar.
32
Entre outros pontos a reforma proposta por Sampaio Dória reorganizava o ensino primário,
introduzia e novas disciplinas no currículo. A reforma Sampaio Doria foi duramente criticada por
teóricos da educação ao longo das décadas e acusada de “diluir o ensino primário na tentativa de
democratizá-lo.” Ver: AZANHA, José Mario Pires. Democratização do Ensino: Vicissitudes da Idéia no
Ensino Paulista. In: Revista Educação e Pesquisa, mai/ago, vol 30. nº 02. São Paulo: Universidade de
São Paulo. Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/298/29830212.pdf. Acesso em 15 de
setembro de 2008.
33
MORAES, Carmem Sylvia Vidigal. Instrução “Popular” e Ensino Profissional: uma perspectiva
histórica. In: VIDAL, Diana Gonçalves & HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. (orgs.). Brasil 500 anos:
tópicos em História da Educação. São Paulo: Edusp, 2002.
33
Com quase 33 anos, iniciava sua vida profissional tardiamente, em
decorrência da necessidade de sustentar os três filhos pequenos que, com ela,
haviam sido abandonados pelo pai. Conceição que em consonância com a criação
das mulheres de seu tempo, tinha sido educada para ser esposa e mãe, arregaçou
as mangas e foi à luta:
Por isso que a mamãe foi lecionar em Registro, foi com a vovó e levou o
Fernando, eu fiquei na casa da minha tia em São Paulo e o Silvio veio pra cá na casa
de um outro tio. Porque ela teve que inclusive (+) pagar três meses de aluguel que
estava atrasado, (+) advogado, imobiliária, ela acabou vendendo os móveis, rádio, as
coisas que tinha de melhor em casa ela vendeu para poder pagar (+) porque naquela
época as pessoas começavam a lecionar e só recebiam seis meses depois. Então,
não podia contar de imediato. Só quando nós viemos para Piraju, depois de ela
passar por esses lugares que ela comprou toda a mobília da casa: fogão. Mobiliou a
casa e lutou para trazer os filhos de volta.34
34
ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini Assaf: depoimento [fev. 2007].
Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida
para Dissertação de Mestrado.
Imagem 1: Diploma de normalista de Maria Conceição Pereira Martini. Logo após ter voltado a estudar tardiamente para garantir o sustento dos três filhos,
abandonados pelo pai, Maria Conceição foi aprovada em concurso público para a cadeira de Economia Doméstica e Trabalhos Manuais dando início a uma nova
fase de sua vida. A partir desse fato, nossa personagem ingressou na vida pública, edificando obras literárias e humanitárias. O reconhecimento por seus feitos
veio em 17 de dezembro de 1996, com o título de Cidadã Pirajuense, oferecido pela Câmara Municipal. Conceição Martini foi uma das nove mulheres a receber
tal homenagem na história do município.
34
35
Convém atentar que não há uma grande ruptura na escolha profissional de
Maria Conceição, visto que a Escola Normal visava acima de tudo preparar as
meninas-moças para exercer duas funções primordiais: serem esposas e mães.
Para isso se argumentavam tanto a ascensão social quanto a preparação para a
vida doméstica que a escola normal proporcionava como motivo que as levava a
essa escolha.35
... à medida que o discurso racionalizador invade o espaço social, propondo-se a
domesticar a classe operária, surge uma nova concepção do papel a ser
desempenhado pela mulher trabalhadora: o de esposa e mãe.36
Mais do que uma opção “natural”, as escolhas profissionais femininas estão
intrinsecamente influenciadas por relações díspares entre os sexos, construídas
social e culturalmente e marcadas pela distribuição desigual de poderes e
influências:
A escolha de ser professora, secretária, costureira, bordadeira, enfermeira, ou
outras profissões consideradas como tipicamente femininas, longe de fazer parte de
opções livremente “naturais”, participa do jogo de poder da sociedade, onde às
mulheres compete a maioria dos trabalhos em cuidados e serviços para com os
outros37.
Logo no ano seguinte ao seu ingresso no magistério público, Conceição
conseguiu uma remoção para Piraju. Seu retorno à cidade se deu especialmente por
nela residirem os parentes de seu ex-marido (de quem, de fato, nunca se separou,
apesar da Lei nº 968, de 10 de dezembro de 1949, que estabeleceu o desquite).38
35
Ver: CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza & SILVA, Vera Lúcia Gaspar. Feminização do
magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2002.
36
MORAES, op. cit.
37
REIS, Maria Cândida Delgado. Imagens flutuantes: mulher e educação (São Paulo, 1910/1930). In:
Revista Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História da PUC-SP. (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) São Paulo:
1994. nº 11. p. 48.
38
Segundo Marlene Fáveri, o divórcio foi instituído somente em 1977. A votação da emenda que
estabeleceu o divórcio no Brasil, gerou polêmicas em torno da indissolubilidade do casamento
religioso, e das mudanças no contrato civil. O clero e os parlamentares se enfrentavam, e, tanto
posições divorcistas quanto antidivorcistas davam ênfase à manutenção e reprodução dos valores
36
Mamãe era bisneta do Joaquim Antônio de Arruda [um dos fundadores de
Piraju]. E a família do papai também morava toda aqui. Ela quis vir de São Paulo pra
cá pra ficar no núcleo familiar.39
A vida de Conceição não foi fácil, criar os filhos, sustentar a casa – tarefas
genericamente masculinas – foram assumidas por ela. Trabalhar fora, colaborando
para a manutenção da casa ou ainda provendo sozinha o sustento da família foi
papel destinado não só à Conceição Martini, mas à muitas mulheres com o advento
da modernidade:
...mulheres casadas se viram carregando o duplo fardo de velhas
responsabilidades domésticas e novas responsabilidades no emprego, sem
mudanças nas relações entre os sexos ou nas esferas pública e privada.40
Apesar de todas as dificuldades encontradas pelo caminho, nossa
personagem criou os três filhos e deu a eles educação, carinho e conforto. Formouos: dois advogados (Sílvio e Fernando) e uma professora (Selma). O amor
incondicional foi cantado diversas vezes em suas poesias:
Silvio, Selma, Fer
São meus três caros rebentos
São meus três filhos queridos
Fazendo feliz a minha vida41
familiares vigentes. Se a Igreja Católica lutava pela não aprovação do divórcio, os divorcistas
apelavam para a imoralidade do desquite, propondo o re-casamento como forma de manter a honra
da mulher, recolocando-a nos papéis de gênero. FÁVERI, Marlene de. Desquite e divórcio: a
polêmica e as repercussões na imprensa. In: Caderno Espaço Feminino, v. 17, n. 01, Jan./JuL. 2007.
39
ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini Assaf: depoimento [fev. 2007].
Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida
para Dissertação de Mestrado.
40
HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras,
1995. p. 306.
41
MARTINI, Maria Conceição Pereira. Nota escrita à mão no Caderno de Poesias. Sem data.
37
A luta da mãe não foi esquecida pelos filhos, que em entrevista relembraram
como foi difícil o começo da vida em Piraju e todo o sacrifício de Conceição para
criá-los com dignidade:
Fernando: Foi aí que ela conseguiu comprar essa casa, tivemos umas três ou
quatro casas alugadas, depois ela conseguiu comprar essa casa. A primeira vez que
entrei nessa casa aqui, era uma tapera. Nós morávamos numa casa alugada, mas
nova. Eu era criança e não conhecia a pobreza, eles [os irmãos] conheceram a
dificuldade. Eu não me lembro da dificuldade porque eu era criança. Saímos de uma
casa boa, que era alugada e viemos pra cá. Eu falei: Mamãe a gente vai morar aqui
e ela falou você vai ver no que eu vou transformar essa casa!
Selma: E ela transformou, ela não consultou ninguém, ela fez a reforma,
agora está precisando de uma reformazinha, mas ela deixou a casa do jeitinho que
ela queria só ela no papelzinho ali...
Fernando: Lareira...
Selma: Tudo ela mesmo foi idealizando, conversado com o construtor e
modificando porque era tudo totalmente diferente.42
A reforma da casa e a aquisição de bens como a geladeira, que na
imaginação dos colegas de infância do filho mais novo, os tornava “milionários”
foram proporcionados também pela boa remuneração salarial que os professores
tinham na época, relembrada pelos filhos durante a entrevista:
Selma: Não era um ordenadinho de professora! [respondendo ao irmão que
havia dito que a mãe os criara com um “ordenadinho de professora”] Porque quando
a mamãe começou a lecionar professor ganhava bem! O professor foi perdendo isso
com o tempo. Ela nos criou, nos deu uma vida super confortável porque ela ganhava
muito bem! Só pra você ter uma idéia, eu me formei em 1957 no Curso Normal.
Junto comigo formou-se uma senhora que era esposa do juiz daqui Dr. Dálcio. Dona
Ana formou-se na minha turma. Mamãe ganhava na época oito mil cruzeiros (+) Não,
mamãe ganhava 12 mil e o Dr. Dálcio ganhava oito. Eles estavam em luta para se
equiparar ao professor. Por muito tempo, ela ganhou muito bem. Por isso ela pode
nos dar uma vida boa, porque era um excelente ordenado. Ela ganhava como
ganhava o Banco do Brasil. Naquela época, o Banco do Brasil também pagava bem,
hoje já não paga.
Fernando: E telefone? O nosso telefone era o 312.
Selma: Ela nos deu todo o conforto.
Fernando: Nós tínhamos geladeira e era a coisa mais gostosa, eu reunia os
meus amigos e nas tardes de calor pegar o gelo pra gente fazer limonada, porque os
42
ASSAF, Selma Carolina Martini; MARTINI, Fernando Pereira. Selma Carolina Martini Assaf;
Fernando Pereira Martini: depoimento [fev. 2007]. Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju,
SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Dissertação de Mestrado.
38
meus amigos não tinham geladeira, então eu era considerado milionário porque nem
os fazendeiros tinham geladeira nas fazendas.
Selma: Você que sempre se achou rico Fernando! Nós nunca fomos ricos,
mas nós sempre tivemos conforto. Era uma época em que o professor era
valorizado, tinha um certo respeito da sociedade.43
A valorização social a que se referiu a filha em entrevista, o respeito adquirido
na sociedade pelo fato de ser professora foram muito importantes para Conceição
Martini.
Em meados dos anos 50, ao professor eram atribuídas, em média, 12 aulas
por semana. Tinha tempo de dar suas aulas, corrigir trabalhos, acompanhar seus
alunos, e, talvez, ir ao cinema, freqüentar o teatro, tomar um bom vinho, viajar, ler
como uma forma de lazer. O professor tinha um número de alunos que lhe permitia
falar sem comprometer suas cordas vocais. Sabe-se que ser professor, na época,
era ter um status social correspondente ao de um médico, ao de um juiz. Além disso,
o salário era compensador.44
A conquista do respeito social não era tarefa fácil para uma mulher separada,
nos anos 50, apesar do tema já estar presente no cotidiano, mesmo nas cidades do
interior. Segundo Mary Del Priore:
Nas primeiras décadas do século XX, toda a ameaça ao casamento era alvo
de críticas. O tema do divórcio, por exemplo, era considerado “imoral”; “a pior chaga
da sociedade”; “só em casos excepcionais e depois de rigorosíssimo processo”.45
Conceição Martini em entrevista concedida a um jornal local, em 1991, afirmou ser
“o seu casamento desfeito” a página mais dolorosa de sua existência.46
As discussões sobre o divórcio travadas nesta cidade durante a década de 50
não lhe retiraram os valores anteriores que tinha sobre o casamento, por esse
43
Idem.
ROMÃO,
Eliana
Sampaio.
A
expropriação
do
professor.
Disponível
em
http://www.faculdadecomunitaria.edu.br/programasinst/Revistas/revistas2007/educacao/A_expropriac
ao_do_professor.pdf. Acesso em 16 de setembro de 2008.
45
DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p.259.
46
Jornal O Expresso de Piraju. Piraju. 30 de dezembro de 1991. p.4.
44
39
motivo, a afirmação de que tenha sido o casamento desfeito a mais dolorosa de sua
existência, vem comprovar que família e pátria para esta educadora eram os
suportes mais significativos.
Em 12 de julho de 1953, o editor de O Comércio, senhor Constantino Leman
tratou do tema polêmico em artigo direto e bastante claro. Constantino declarou ser
o divórcio necessidade em alguns casos, sobretudo quando a mulher, a quem
considerava “o sexo fraco e merecedora de apoio e defesa” sofria maus tratos por
parte do marido, fossem físicos ou psicológicos e ainda quando este era viciado em
álcool ou jogatinas, não trabalhava e expunha esposa e filhos à necessidades e até
mesmo à fome:
Então, essas mulheres são obrigadas a suportar esse martírio? E os casos de
adultério? Tantos e tantos, uns mais revoltantes que outros. Não merecem também o
remédio da dissolução da sua infeliz união?47
Na semana seguinte, uma carta intitulada O Divórcio e sua desnecessidade
foi enviada ao jornal refutando o artigo de Constantino Leman. Citando os
mandamentos da Igreja Católica e a máxima de que “o que Deus uniu, o homem não
separa”, o autor não-identificado da carta defendeu com muitos argumentos sua
posição contrária ao divórcio:
Adultério? Qual será o homem que, refletindo não perceberá a
desnecessidade do divórcio em casos dessa natureza? Será possível que a sanção
de uma lei atéia servirá para limpar a mancha nojenta da desonra? E notem bem,
desonra, no sentido mais comum do conceito popular é adultério por parte da
esposa. São tantos, hoje em dia, os esposos adúlteros e tolerados pela pobre
esposa. Elas não fazem coro no vozerio a favor do divórcio.48
Honra, desonra – assuntos tão masculinos quanto o poder de decidir
questões que interessavam também às mulheres.
47
O DIVÓRCIO E SUA NECESSIDADE por Constantino Leman. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju,
p.6, 12 jul. 1953.
48
O DIVÓRCIO E SUA DESNECESSIDADE, carta anônima, Idem, p.2, 19 jul. 1953.
40
O assunto divórcio rendeu “pano para manga”, pois vários outros articulistas e
cidadãos se dispuseram a emitir suas opiniões, contestando as idéias uns dos
outros ou corroborando com aquelas a que eram simpáticos. Durante as semanas
seguintes, vários artigos e cartas podem ser vislumbrados no jornal a este respeito.
Pena que nem Conceição Martini nem nenhuma outra mulher enunciou sua opinião
no bi-semanário sobre este assunto.
Comportar-se como casada ou viúva, freqüentar espaços legítimos para esta
categoria feminina, falar apenas sobre assuntos que lhes convém e atuar em convenção
com o que se espera dela é forma de manter a distinção social cobrada da mulher.
Conceição Martini ao recomendar “fé em Deus, moral ilibada, distância das drogas
e muito trabalho e luta” aos mais jovens49 na mesma entrevista em que falou do
casamento desfeito, demonstrou a representação do ideal para a professora em manter
uma conduta sempre irretocável perante a tênue linha que separa uma mulher direita,
porém só, da mulher “falada”.
Para a mulher não era fácil se separar, levando em conta que a maioria dependia
economicamente do marido. Além disso, ela perderia o status de mulher casada. As
mulheres separadas eram chamadas de mulher largada, o que dá a idéia de abandono.
Para se manter como uma mulher direita era exigido dela a castidade.50
Mantendo-se casta perante a sociedade e cuidando do pai de seus filhos,
quando este voltou para casa, já doente, anos mais tarde, Conceição Martini
equilibrou-se nessa corda bamba que era imposta às mulheres de seu tempo.
A lágrima quente do arrependimento
ao rolar de teus olhos
veio molhar minha face unida à tua
num gesto de compaixão por tua dor.
[...]
Meus lábios, como cálice sagrado
receberam a hóstia pura da sublimação de tua dor
49
Jornal O Expresso de Piraju. Piraju. 30 de dezembro de 2005. p.3.
VASCONCELOS, Vânia Nara Pereira. Mulheres honestas, mulheres faladas: casamento e papéis
sociais. In: FERREIRA, Silvia Lucia & NASCIMENTO, Enilda Rosendo do (org.). Imagens da mulher
na cultura contemporânea. Salvador, BA: NEIM/ UFBA, 2002. Col. Bahianas, 7. p. 218.
50
41
num beijo incontestável do mais puro perdão.
[...]
Lábios nos lábios, braços se apertando com ardor
nossas almas se fundiram novamente para o amor
na felicidade da reconciliação.51
Mais que isso: conquistou respeito e admiração ao engajar-se em diversas
frentes de ação, culturais e sociais.
Lecionou por 30 anos nos colégios mais tradicionais da cidade: a antiga
Escola Normal e Colégio Coronel Nhonhô Braga e o Grupo Escolar General Ataliba
Leonel (hoje chamadas Escolas Estaduais). Aposentou-se nos anos 80, já como
professora de Educação Artística, depois que a disciplina de Economia Doméstica e
Trabalhos Manuais foi suprimida do currículo.
Fundou e/ou participou de organizações de defesa e promoção da vida, da
cultura e do meio ambiente.
Ela foi professora de Trabalhos Manuais e Economia Doméstica. Então ela
ensinou muita gente bordar, fazer tricô, fazer crochê e como ela tinha esse dom de
professora, mesmo depois de aposentada, as pessoas vinham aqui e ela ensinava
gratuitamente. Ela deu aula diversas vezes nas Casas Pernambucanas ensinando
diversos tipos de trabalho. Assim que ela aposentou, formou um grupo de voluntárias
da APAE que se reunia toda semana e fazia trabalhos que depois eram vendidos nas
feiras, na FECAPI, para a APAE. Ela teve por muitos anos essa função. Depois ela
fundou a Associação de Artesanato aqui, também ficou aí por uns sete anos como
presidente da associação, é aquela casa que tem ali atrás da Igreja Matriz, é a Casa
do Artesão. Ela fazia muitos trabalhos assim... ela lutou pelo rio, quando era para o
desvio do rio. Ela lutou junto com a gente lá, ela também foi da primeira diretoria da
ADEVIDA, batalhadora e [interrupção do irmão] ‘O AA’. Também foi fundado aqui na
casa dela, aliás a primeira reunião foi aqui na casa dela com as autoridades e depois
foi em frente e está aí até hoje. Ela se envolvia em tudo, porque ela era muito
dinâmica, atenta a tudo (+). Ah sim, a FECAPI, a primeira FECAPI ela participou
desde o início, levou as moças para São Paulo, as recepcionistas no canal de
televisão, levou-as para conversar com os deputados, ela estava sempre ligada aos
movimentos da cidade.52
51
MARTINI, Maria Conceição Pereira. Reconciliação. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo:
João Scortecci Editora, 1992. p.45.
52
ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini Assaf: depoimento [fev. 2007].
Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida
para Dissertação de Mestrado.
42
Escreveu poesias e contos. Publicou centenas e deixou outras tantas inéditas.
Conceição escrevia à noite, quando se ausentavam as vozes e exuberavam os
sentimentos, conforme narraram os filhos em entrevista:
Selma: Era quietinha à noite, no quarto dela, ela ficava fazendo as poesias e
os contos. Quando a gente via era tudo novidade, não falava nada, ficava lá
quietinha, ela gostava muito de ler, de palavras cruzadas e à noite no quarto ela fazia
suas poesias, seus contos... Nós temos aí treze livros, antologias né (+)... com os
contos dela e um livro que é só dela. E tem aqui inúmeras poesias inéditas... umas
130 mais ou menos.53
Sua escrita esteve sempre embebida em sentimentos e religiosidade,
constituindo-se, sobretudo, numa reescrita de si mesma capaz de fornecer pistas,
indícios sobre o contexto em que viveu quando analisada juntamente com a vida da
personagem e com outras fontes que possibilitem a reconstrução do seu lugar
social.54
Fernando: Muitas vezes eu estava datilografando e ela ditando, e eu via que
ela era muito apaixonada pelo meu pai, paixão eterna.
Selma: Nós até falávamos que a poesia dela era muita dor de cotovelo.
Fernando: Então eu brincava com ela, eu tava datilografando e ela ditando: Ê
dorzinha de cotovelo! Ela ficava louca da vida, mas de mentirinha né”.55
Madrugada fria
Fora só lamento do vento
penetrando a persiana
mexe a cortina
vaporosa e fina.
Cá dentro grita
53 ASSAF, Selma Carolina Martini. Selma Carolina Martini: depoimento [fev. 2007]. Entrevistadora:
Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Dissertação
de Mestrado.
54
PEIXOTO, Marta. Sereia de papel: Ana Cristina César e as ficções autobiográficas do eu. In:
SUSSEKIND, Flora; DIAS, Tânia & AZEVEDO, Carlito (org.). Vozes Femininas: gênero, mediações e
práticas de escrita. Rio de Janeiro: 7letras: Fundação Casa Rui Barbosa, 2003.
55
MARTINI, Fernando Pereira. Fernando Pereira Martini: depoimento [fev. 2007]. Entrevistadora:
Luciana Souza Carvalho. Piraju, SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Dissertação
de Mestrado.
43
no silêncio ambiente
o tic-tac do despertador
e uma saudade grande
de um grande amor. 56
Nos mais de 100 anos de existência do município, 77 pessoas foram
homenageadas com títulos de cidadãos e/ou beneméritos pirajuenses57. Desse total,
somente nove foram mulheres. Duas esposas de governadores e uma deputada.
Das seis restantes que realmente viveram na cidade, três eram professoras
(incluindo nossa personagem), uma envolvida com o apoio a grupos de terceira
idade, uma jornalista, a atual presidente do Fundo Social de Solidariedade que
também é a primeira-dama do município. Maria Conceição foi uma dessas mulheres
singulares, que alcançaram destaque na vida da cidade e por essa feita, foi
homenageada com tal graça.
Pela singularidade de sua existência, por sua participação ativa na vida social
e cultural pirajuense, pelas índoles que ajudou formar em seus 30 anos de
magistério, por todas as obras (artísticas e humanas) que edificou e pela quantidade
de registros disponíveis para recontar sua história é que Maria Conceição Pereira
Martini vai ser o fio condutor que nos ajudará a contar uma das versões possíveis
das trajetórias femininas em Piraju nos Anos Dourados.
Também,
nesse
contexto, como as mulheres viam e sentiam as inovações que o processo
modernizador naquele momento no Brasil trouxe porta adentro, em questões
importantes à família, como a educação feminina. Entre os assuntos que esta
educação pontuava, estavam os cuidados com o lar e com a família, a
modernização de hábitos e práticas sociais, do trabalho doméstico através da
introdução dos eletrodomésticos na vida cotidiana, as questões do trabalho feminino
e as relações das mulheres com seus corpos.
56
MARTINI, Maria Conceição Pereira. Horas Tardias. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: João
Scortecci Editora, 1992. p.30.
57
Fonte: Câmara Municipal de Piraju.
44
Imagem 2: Em 17 de dezembro de 1996, por decreto legislativo da Câmara Municipal de Piraju, Conceição
Martini foi agraciada com o título de Cidadã Pirajuense. Posteriormente, em 23 de maio de 1997, recebeu a placa
comemorativa do referido título em sessão solene da Câmara. Na imagem, Conceição Martini ladeada pelos
filhos Silvio, Selma e Fernando. Fonte: Arquivo particular da família Martini.
45
CAPÍTULO II: A modernidade invade a intimi(ci)dade pirajuense
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria,
crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo
tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo que sabemos,
tudo que somos.58
Ao retornar para Piraju em 1950, qual foi a cidade que Conceição Martini
encontrou e como era a cidade encontrada pelas mulheres que nela viveram neste
período? Como ela (e as outras) vivenciaram as inovações que a modernização
trouxe para Piraju. São questões relativas ao universo feminino que este capítulo vai
descortinar: a modernidade porta adentro, uma nova mulher para um novo tempo –
esposa/ mãe X trabalhadora/ consumidora.
Para conhecer a cidade das mulheres foi necessário procurá-la nas
entrelinhas da cidade dos homens, nas brechas em que perfis femininos delineiamse de maneira quase que casual, como se escapassem sorrateiramente das vistas
masculinas, encobertos pelas penumbras que cercam a história das mulheres.
Essa dificuldade segundo Michelle Perrot reside no fato de que:
(...) as mulheres são menos vistas no espaço público, o único, que por muito
tempo, merecia interesse e relato. Elas atuam em família, confinadas em casa, ou no
que serve de casa. São invisíveis. Em muitas sociedades, a invisibilidade e o silêncio
das mulheres fazem parte da ordem das coisas. É a garantia de uma cidade
tranqüila.
(...) porque são pouco vistas, pouco se fala delas. Essa é uma segunda razão
de silêncio: o silêncio das fontes. As mulheres deixam poucos vestígios diretos,
escritos ou materiais.59
Para conhecer a Piraju das mulheres, faremos um breve flanar através do
olhar de nossa personagem pela cidade masculina, na qual questões calcadas em
58
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p.
15.
59
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.16-17.
46
cimento e modernização, água e progresso, saneamento e repressão se fizeram
constantemente presentes nos Anos Dourados.
2.1.
Flanando pela cidade dos homens: um olhar feminino no projeto
modernizador pirajuense.
A cidade não pode ser pensada no singular, já que é lugar de convivência da
diversidade. Pacífica ou conflituosa, ela se apresenta nas diversas imagens, sons,
ritmos, cheiros, cores, sabores que podemos apreender dela. A cidade é lugar de
beleza e de massacre, de natureza e de progresso, de cooperação e
enfrentamentos, do cultural e natural, de proteção e insegurança, de influências
diversas e resistências, de multiplicidades e de solidão, de opulência e medo, de
coronéis e política, de ruas de terra e avenidas de asfalto, de casas antigas e
projetos modernos, de repressão e liberdade.
Nos 14 anos a que se referem esta pesquisa, Conceição Martini testemunhou
a ascensão de quatro prefeitos ao poder, a passagem de três párocos pela Paróquia
do São Sebastião do Tijuco Preto, o aparecimento e desaparecimento de um jornal
de publicação regular (O Comércio de Piraju, que circulou de 1935 a 1938, e
posteriormente, de 9 de abril de 1944 a 31 de dezembro de 1964)60.
Presenciou as grandes inaugurações públicas da energia elétrica, de
cinemas, praças, jardins e fontes, do calçamento e, além disso, inúmeras tentativas
de resolver os problemas referentes à falta d’água e a posterior chegada da água
encanada à maioria dos bairros do município, as orquestras tocando na praça
Ataliba Leonel e os footings da juventude no mesmo local, pelo qual passava todos
os dias em seu caminho de casa à Escola Normal.
Viu também a febre de transformar a cidade de feições antigas numa outra,
de aspecto moderno, através do incentivo à construção de prédios residenciais e
comerciais que se adequassem às regras da arquitetura moderna, da abertura de
60
Outros jornais surgiram na cidade após o fechamento de O Comércio de Piraju. A saber: A Folha
de Piraju, surgida em 8 de julho de 1965, o Observador, fundado em 31 de maio de 1990 e O
Expresso, também fundado na década de 90. Todos em circulação atualmente.
47
largas avenidas e da instauração de medidas de saneamento por muitas vezes,
repressivas e eugenistas.
Sentiu ainda, as facilidades advindas das inovações tecnológicas e os apelos
da modernidade veiculados nos anúncios de jornal. Vivenciou principalmente os
reflexos dessa modernidade no cotidiano feminino “porta adentro”, como sugere
Maria Izilda Santos de Matos61.
A Piraju apresentada pelo único jornal em circulação neste período, pelo
vídeo de caráter institucional promovido pela prefeitura, partidos políticos e por
fazendeiros e comerciantes e ainda pelos livros de Constantino Leman – editor de O
Comércio de Piraju, é uma cidade que desejava ser moderna e conviveu com
tentativas de modernização ao mesmo tempo em que persistiram ranços de seu
passado conservador/ coronelista.
Professora Conceição Martini retornou a Piraju no mesmo momento em que
Getulio Vargas voltava à Presidência da República pelo voto popular, mesmo contra
a vontade e todos os lamentos daqueles que haviam se unido para derrotar o
“ditador” 62, para recomeçar sua vida nova. Sozinha e com seus três filhos para criar.
O final da década de 40 e o início dos anos 50 trouxeram para Piraju, dentro
do pensamento modernizador que atravessou o país, um desejo de progresso, de
futuro. Mas o modelo de modernização brasileiro não era qualquer um: era de cunho
conservador em suas estruturas, baseado num populismo multifacetado de
governantes como Getúlio, Juscelino, Jânio e Jango, isso sem contar as lideranças
estaduais e municipais que seguiam à risca os mesmos princípios.63
Piraju não estava sozinha nessa ânsia de modernização conservadora.
Inspirada pelo governo JK e seus “50 anos em 5” e seu apelo nacionaldesenvolvimentista, a cidade recebeu cara nova com construções de casas, praças,
fontes, produtos e serviços. Ganhou ainda um apêndice ao nome: “Cidade jardim”.
61
Ver: MATOS, Maria Izilda Santos de. Porta adentro. Criados de servir em São Paulo de 1890 a
1930. In: BRUSCHINI, Cristina & SORJ, Bila (orgs.) Novos olhares: mulheres e relações de gênero no
Brasil. São Paulo: Marco Zero, 1994.
62
GOMES, Ângela de Castro. A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o
público e o privado. In: SCHWARCZ, Lilia (org.) História da vida privada no Brasil: contrastes da
intimidade contemporânea. vol 4. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000. p.539.
63
Op.cit. p.546.
48
Enquanto no Planalto Central, Brasília ia tomando forma graças ao trabalho
de milhares de migrantes nortistas e nordestinos, Piraju ganhou a Brasilinha – a
praça recebeu o apelido pela rapidez com que foi construída.64
A década de 50 iniciou-se em Piraju aos brados da reconstrução e da
retomada do crescimento perdido desde a crise do café que sempre foi (e
permanece sendo) a base da economia local. Discurso que perpassou a história da
cidade durante todo o período estudado e cujos ecos ainda podem ser ouvidos na
Piraju atual.
Na década e meia pesquisada, questões envolvendo a modernização foram
constantes nos jornais, documentos, leis municipais que ajudaram a descortinar as
vivências e preocupações que se fizeram presentes na cidade durante o período65:
Piraju, destarte, dentro da mesma simbiose demográfica que felizmente
caracteriza quase todas as cidades paulistas, é obra comum de brasileiros, italianos,
espanhóis, portugueses e sírio-libaneses, nessa festa de raças que marca bem o
nosso ‘facies’ étnico. Todas essas raças, no século passado, se mesclaram em
audaciosa ‘bandeira’ à margem esquerda do rio Paranapanema, no pouso humilde
de Tijuco Preto, para edificarem juntas, no decurso dos anos, através de lutas e
sacrifícios sem conta, uma cidade moderna, bonita, aprazível, com lindas praças
ajardinadas, com telefone, luz, água e esgotos, instituições filantrópicas e culturais,
campo de aviação, comércio sólido, agricultura ativíssima, somando enfim, uma
célula dinâmica e rica sobremodo atuante na grandeza do Estado-líder.66
Para atestar a onda de crescimento anunciado e a modernização que viria
com ele, manchetes estampavam em primeira página a “reentrada pirajuense na
senda do progresso”, prenunciando o aumento do número de construções tanto de
casas quanto de prédios comerciais, a instalação de novas fábricas, o potencial
elétrico, a fertilidade de suas terras nas quais “se plantando, tudo nascia”.
64
A preocupação com o embelezamento da cidade, através da construção de “novas e modernas”
residências, dentro do movimento que mobilizou arquitetos e urbanistas por todo o país, motivados
pela utopia de remodelar as velhas cidades transformando-as em cidades modernas, planejadas,
funcionais e belas para o desfrute das elites e das camadas médias urbanas foi uma constante no
período pesquisado. A um arquiteto de nome Alessandro Chiappero se atribuiu a grande
responsabilidade pela modernização da cidade ao modificar sua fisionomia através dos projetos do
edifício da Prefeitura Municipal inaugurado em 1959 e de várias residências e prédios comerciais da
cidade.
65
Para tanto foram analisados 14 anos do Jornal O Comércio de Piraju e o Código de Posturas,
Costumes e Bem-Estar do Município de Piraju, entre outras fontes que constam nas Referências
Bibliográficas ao final deste trabalho.
64
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 11 jul. 1959.
49
Previsões sobre a supremacia pirajuense também eram freqüentes,
apontando que a cidade logo alcançaria lugar de destaque sobre as demais que
compunham a Alta Sorocabana. Tais presságios eram sempre justificados por
números e fatos: as 77 fábricas presentes na cidade, as máquinas de
beneficiamento, a produção de cereais e a exportação de aguardente, refrigerantes,
calçados, artefatos de matérias de origem vegetal e animal, fogos e uma série de
artigos de “boa aceitação no mercado”, eram afirmadas como valores que vinham
pesar na balança comercial do município, aumentando-lhe a riqueza.67
Apesar de todo o alarde, eram tímidos os resultados reais e as previsões
nunca chegaram a se concretizar. No final da década de 50, ainda faltavam na
cidade “residências bonitas, modernas que valorizassem grandemente a fisionomia
urbana”, uma casa de carnes, um moderno entreposto para a distribuição do
pescado abundante do Paranapanema, um ‘jazz’, uma estação de rádio, serviços de
transporte urbano fáceis e cômodos.68
O processo modernizador de Piraju esteve intimamente ligado com o
embelezamento urbano através da construção de novas casas e edifícios, da
abertura de avenidas largas, da instauração de medidas de saneamento e repressão
e das tentativas de resolução dos problemas referentes ao calçamento urbano e à
falta d’água.
Desde o início dos anos 50, o problema habitacional foi uma constante na
vida da cidade. Para ajudar a solucionar o problema, a prefeitura passou a oferecer
plantas gratuitas para a construção de casas.
As plantas “de dois ou três
dormitórios, de fachadas modernas e bonitas” foram escolhidas pelo prefeito “com a
finalidade de possibilitar a todos os pretendentes para construção de residência uma
planta conveniente, sendo que a Prefeitura não permitia construções sem planta”.69
67
O crescimento da cidade é averiguado pelo número de construções. (...) Piraju como ponto de
convergência de vasta região do País, está passando por notável surto de prosperidade, sendo até
lisonjeiros os prognósticos a respeito de sua supremacia, em futuro próximo, sobre as demais
cidades da Alta Sorocabana. (...) Pela sua localização e com o potencial elétrico que possui, Piraju
poderá ser o maior centro comercial e industrial da região. Suas terras férteis produzem tudo. (...)
Piraju cresce, em todo sentido. A cidade amplia suas avenidas, rasga terrenos baldios para
construções, acelera o ritmo de progresso, moderniza o seu aspecto, não pode fugir ao destino que
lhe está traçado. PIRAJU CRESCE. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 02 julho 1950. Grifo
nosso.
68
1958 VERSUS 1957. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 28 dez. 1957. Apesar dos anos 50
serem considerados a década do rádio, em Piraju somente em 09 de outubro de 1960 é que foi
inaugurada a Rádio Difusora, após anos de campanhas e promessas.
69
Os populares eram quem mais sofriam com a falta de moradias modestas, com preços acessíveis,
visto que a preocupação da elite local era somente com a construção de casas luxuosas e modernas.
50
Já temos focalizado este assunto: a necessidade de se construírem em Piraju
casas residenciais. Não palacetes, mas casas. Também, não cortiços, pois, já estão
sobrando, e seria mesmo conveniente uma intervenção do poder público no sentido
da sua proibição. Enquanto se permitir a construção de cortiços, não haverá
construções decentes.70
Para além do incentivo às novas construções de residências modernas
quanto das cobranças por moradias populares, outra questão presente no período e
que pode ser visualizada através das leis municipais e das constantes referências
feitas pela imprensa e discursos dos candidatos em época de eleições dizia respeito
ao calçamento das ruas e passeios públicos, que até o fim da década de 50 e
atravessando os anos 60, não passavam de caminhos de terra batida que ao menor
sinal de chuva transformavam-se em verdadeiros lamaçais intransitáveis.
Era já velho sonho do pirajuense, ver Piraju ostentando, como várias outras
cidades do interior, a beleza e o conforto do seu devido calçamento. Muito justa
aspiração de um povo civilizado, ordeiro, e trabalhador como este da boa terra, cuja
fama de progresso batia record em outras eras. Piraju possuía quase tudo, mas, para
completar seu ritmo de progresso e melhoramento faltava-lhe o embelezamento de
suas ruas pelo necessário calçamento.71
O processo modernizador incluía não só obras de embelezamento da cidade
tais quais o incentivo à construção de edifícios modernos e leis para regulamentar o
espaço urbano, como também medidas repressivas de combate a velhos hábitos
considerados anti-estéticos ou anti-higiênicos.72
Os apelos pela construção de casas acessíveis aos populares era justificado pelo fato de que
nenhuma iniciativa que viesse a depender da mão-de-obra trabalhadora podia ser levada adiante já
que não havia onde acomodar os braçais que eram necessários para concretizar os planos de
modernização da cidade. A superlotação e a absoluta falta de higiene das habitações populares
consistia em entrave para o progresso da cidade. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 27 out.
1956; CASAS, CASAS E MAIS CASAS! Idem, Piraju, p.1, 01 jun. 1957.
70
POPULAÇÃO E MORADIAS. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.4, 03 mai.1958.
71
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 07 mai. 1950.
72
Apesar das iniciativas com intuito de inovar a face da cidade, os problemas de habitação eram
presentes e constantes, tanto pela escassez de moradias, quanto pela proliferação de cortiços, que
iam contra as medidas saneadoras-modernistas que vigoravam com força neste momento. O foco
desejado eram as construções de “bonitas residências”. Foram encontradas diversas cobranças para
que o poder público proibisse a construção de cortiços e responsabilizasse os moradores que
mantinham passeios estragados, portões quebrados e deixavam água esguichando de buracos nos
muros em dias de chuva. A CIDADE E SEU ASPECTO EXTERNO. Jornal O Comércio de Piraju,
Piraju, p.2, 04 fev. 1961.
51
Cuidei bastante da limpeza pública. As ruas estão varridas, retirei da cidade o
lixo acumulado pelas gerações que por aqui passaram; incinerei monturos imensos,
que a Prefeitura não tinha recursos suficientes para remover.
Houve lamúrias e reclamações por se haver mexido no cisco preciosamente
guardado em fundos de quintais; lamúrias, reclamações e ameaças porque mandei
matar algumas centenas de cães vagabundos; lamúrias, reclamações, ameaças,
guinchos, berros e coices dos fazendeiros que criavam bichos nas praças.73
As palavras acima, extraídas de um relatório de Graciliano Ramos enquanto
prefeito de Palmeira dos Índios e responsável pelo seu descobrimento como escritor,
datam de 1928 e trazem em si condições importantes para o processo de
modernização: saneamento, limpeza pública e combate a velhos hábitos
considerados anti-higiênicos, como a criação de porcos, cães e gado pelas praças e
ruas.
Não só a presença de cães e gado solto nas ruas e porcos de engorda nos
quintais foram proibidas, mas também a de migrantes nortistas e nordestinos como o
era Graciliano Ramos.
Modernizar incluía o saneamento da cidade, através de medidas repressivas
à padrões/comportamentos considerados “atrasados” como a criação de porcos nos
quintais tanto da zona urbana quanto da suburbana, sob pena de multa para quem
desrespeitasse tal determinação74;
outras medidas como a obrigatoriedade de
comunicar ao Centro de Saúde todos os casos de moléstias transmissíveis (mesmo
as já tratadas), as chamadas “doenças que pega” e a proibição expressa do
“estacionamento de caminhões que transportavam famílias do Norte, dentro do
perímetro urbano da cidade”75, demonstram além da preocupação com a higiene e
73
RAMOS, Graciliano. Relatórios do prefeito de Palmeira dos Índios. In: Vivente das Alagoas. Rio de
Janeiro: Record, 1962. p.30.
74
Em setembro de 1952, os senhores Vicente Laino e Bertholdo Ferreira de Campos, ambos
residentes à Rua Cerqueira César, foram autuados por terem porcos de engorda no quintal de suas
residências. Apesar das multas e até ameaças de prisão, vários foram os episódios de reincidências
neste delito, o que demonstra que tais ações de saneamento e repressão não eram aceitas com
passividade pelos populares. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 07 jul. 1952.
75
O senhor Bartolomeu de Andrade Silva em carta enviada ao jornal, criticou a decisão do chefe do
Centro de Saúde, que proibiu expressamente a entrada na cidade de caminhões que traziam pessoas
vindas do Norte do país. Dizia que se fosse para evitar a contaminação por doenças contagiosas, as
autoridades sanitárias de cidades mais desenvolvidas como a capital paulista e Itapetininga teriam
tomado medidas semelhantes, mas não o fizeram e que também não foram tomadas medidas como
esta em relação aos caminhões de transporte de porcos e galinhas, cujo odor exalado era bem
inconveniente. Cidade de imigrantes, sobretudo italianos, sírios, libaneses e espanhóis, as
autoridades pirajuenses consideravam os migrantes nordestinos mais inconvenientes que os suínos.
FAMÍLIAS DO NORTE. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 22 mai. 1952.
52
saneamento da cidade, um preconceito e o medo da contaminação pelos que
vinham “de fora”.76
Afinal não adiantava modernizar as cidades, se as pessoas que lá moravam
não passassem por uma reforma nelas mesmas. Ou seja, os hábitos e
comportamentos deveriam também ser modernizados, porém, nem toda a sociedade
estava incluída neste projeto. Apenas as pessoas das classes abastadas faziam
parte desta modernização.77
Em julho de 52, o diretor do Centro de Saúde veio a público alertar para o
perigo dos cães soltos pelas ruas, já que o número de casos de hidrofobia já hia
passado de 20. Para resolver a situação e conter o surto de casos de raiva no
município, foram propostas medidas de controle e fiscalização78, como o
licenciamento do animal mediante pagamento de uma taxa em cujo preço estava
incluída “uma focinheira com placa numerada e a vacina preventiva anti-rábica a ser
aplicada exclusiva e obrigatoriamente pela Prefeitura Municipal”.79
E o último, mas não menos importante, dos pontos apontados como
indispensáveis para a modernização pirajuense foram as tentativas de resolução dos
problemas ocasionados pela falta d’água.
76
Tais medidas estiveram fortemente presentes e podem ser visualizadas no jornal em circulação no
período e nas leis do Código de Posturas, Costumes e Bem-Estar do Município.
77
GELLACIC, Gisele Bischoff. Bonecas da moda. Um estudo sobre o corpo através da moda e da
beleza. Revista Feminina (1915-1936). Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC, 2008. p.11.
78
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.4, 19 jul. 1952. Sobre este assunto ver: Código de Posturas,
Costumes e Bem-Estar do Município de Piraju, artigos 283, 284 e 285 e seus parágrafos e incisos.
79
Entre as medidas de saneamento instauradas na cidade, o recolhimento de cães sem identificação
a um local onde eram mantidos por alguns dias para serem reclamados e vacinados após as devidas
taxas serem pagas pelo proprietário e caso não o fossem, serem exterminados não foi bem aceita
entre a população. A imensa maioria dos cães que vagavam pelas ruas pertencia a pessoas da
classe operária, impossibilitada de despender qualquer quantia pelo registro dos animais que
acabavam exterminados sem que ninguém reivindicasse sua propriedade. Em setembro de 57, um
funcionário do serviço de recolhimento de cães foi agredido por um proprietário que não desejava ter
seu cão levado pela carrocinha. Ainda em relação a medidas regularizadoras de saúde e higiene, em
janeiro de 56, a prefeitura municipal estabeleceu pontos para estacionamento de charretes, visando
“diminuir a concentração desses veículos na Praça Ataliba Leonel, do que resultava graves
transtornos à higiene local” e anunciou a apreensão de animais encontrados dentro do perímetro
urbano. Cães e porcos representavam riscos de contaminação, já o gado solto pela cidade era uma
preocupação antiga devido ao perigo que representava aos transeuntes; não raros eram os casos de
estouro das boiadas e pisoteamento. As crianças e os populares da Vila Tibiriçá eram os que mais
sofriam com a situação que demorou a ser controlada. Reclamações e protestos populares durante
toda década de 50 e invadindo os anos 60 ponteiam a dificuldade em resolver o problema. Jornal O
Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 14 jan. 1956; p.1, 21 jan. 1956 e p.1, 14 set. 1957.
53
Água que por ventura era (e continua sendo) abundante no entorno da cidade
erguida às margens do Rio Paranapanema e atravessada por dezenas de córregos
e ribeirões, mas mostrava-se sempre escassa nas torneiras.80
A falta d’água apareceu junto com os encanamentos recém-inaugurados e os
moradores da rua Major Mariano, uma das principais da cidade e por onde trafegava
o bonde, reclamavam que apesar do calçamento e encanamento novos, a água
antes escassa, mas certa, havia deixado de existir.81
Em 1956, o prefeito eleito Joaquim Camargo, voltou de uma viagem a São
Paulo, com garantias de que as obras da rede de água e esgoto e a construção da
praça de esportes logo seriam iniciadas, com os recursos do empréstimo
conseguido na gestão anterior para essa finalidade que encontrava-se parado à
espera dos estudos pela Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de São
Paulo.82
Os anúncios das obras da estação de água e da instalação de uma nova
usina hidrelétrica83 foram suficientes para engrandecer os ânimos, que viram a
certeza da modernidade tão sonhada aproximando-se ao barulho das águas.
A abundância d’água e consequentemente, de energia elétrica, deviam
acarretar o desenvolvimento econômico e a expansão sem medidas para a cidade,
já que muitas indústrias eram esperadas para se instalarem, aumentando não só
sua riqueza quanto sua população. Mais que isso, a água ajudaria a cidade a
disciplinar hábitos (seus e dos seus cidadãos), como era desejado numa cidade
moderna.84
80
Durante o período estudado, a água mostrou-se quase que artigo de luxo, principalmente naquelas
casas situadas nos bairros mais altos em relação ao rio. Dentre esses bairros, foi possível notar que a
Vila Tibiriçá ficou sempre relegada ao último plano, quando das tentativas de resolver o problema. Os
problemas de falta d’água, encanamento e saneamento básico ficaram pendentes até depois do ano
2000 no bairro popular mais antigo da cidade.
81
DAÍ-NOS ÁGUA, CARTA ANÔNIMA DE UM MORADOR DA RUA MAJOR MARIANO. Jornal O
Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 27 nov. 1953.
82
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 1 mar. 1956.
83
A Usina Hidrelétrica Paranapanema foi a primeira a ser instalada na cidade, sendo inaugurada em
1937. A Usina Jurumirim, cujas obras se iniciaram em 1957 foi concluída em 1962. Fonte: site da
Duke Energy do Brasil. Disponível em: http://www.duke-e.nergy.com.br/usinas/uhe_jurumirim.asp.
Acesso em 10 junho de 2007.
84
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 11 fev. 1956.
54
Criar uma nova relação com a água, numa cidade onde as vivências estavam
intimamente relacionadas a velhas formas culturais de perceber e se relacionar com
esse elemento que era tão próximo, correndo livre pelo Paranapanema e pelos
vários ribeirões que corta(va)m a cidade e atravessa(va)m os quintais não era tarefa
fácil.
Além das constantes quebras nos maquinários dos geradores da Companhia
de Força e Luz, que constituíam um agravante no problema do abastecimento
d’água e um entrave na tentativa da cidade em modernizar-se; havia ainda uma
outra (e talvez mais grave) questão: a necessidade de enraizar nos habitantes novas
formas de se relacionar com a água.
Se motivações ecológicas como a necessidade de economizar água e reciclar
o lixo são extremamente contemporâneas, nos Anos Dourados ela não se faziam
presentes: o serviço de abastecimento apresentava vários problemas, motivados
pelo entre outras causas pelo desperdício por parte de alguns moradores que tinham
dois motivos para tanto: um era o de prejudicar quem estivesse no poder, por serem
seus adversários políticos; o outro, era por “não quererem gastar alguns cruzeiros no
conserto de torneiras e bóias, vivendo mesmo com as caixas de descarga
estragadas dentro de casa” e havia ainda os “relaxados, que esqueciam torneiras
abertas”.85
Como uma cidade que aspirava o futuro podia contentar-se em buscar água
nas “biquinhas ou chafarizes”? – indagava o articulista de O Comércio, Seu
desenvolvimento pleno exigia água abundante e permanente, tanto para abastecer
as torneiras das residências, quanto para gerar eletricidade – fundamental para
assegurar seu progresso.86
85
Os pressupostos modernos de higiene e asseio não estavam relacionados a uma consciência
ambiental, antes a preocupações com a saúde da população através do impedimento da
disseminação de doenças, cujas causas haviam sido recentemente descobertas. Jornal O Comércio
de Piraju, Piraju, p.3, 29 jun. 1957.
86
A construção da usina hidrelétrica de Jurumirim inspirou as projeções de um futuro grandioso para
Piraju pois, a usina traria o progresso com letras maiúsculas: Chegou o momento das grandes
realizações, o momento da concretização do sonho de todos os pirajuenses, o momento do
PROGRESSO DE PIRAJU. Houve mesmo quem dissesse que “se Piraju não desapareceu da face da
Terra, foi porque durante as altas horas da noite, se refazia sozinha dos estragos causados por maus
administradores”. Piraju será em futuro próximo o maior centro hidrelétrico da América do Sul. Vamos
portanto incentivar o progresso da nossa terra contribuindo social e financeiramente. Cerremos
fileiras contra tudo o que possa prejudicar o progresso de nossa cidade e empatemos as nossas
reservas aqui em Piraju, para que tenhamos um Piraju melhor, um Piraju gigante. TUDO POR
PIRAJU. Jornal O Comércio de Piraju, p.7, 23 jun. 1956. Idem, Piraju, p.3, 24 ago. 1957. Grifo nosso.
55
Mais do que uma modernização real, foi o desejo de construir imagens de
modernidade de si mesma e da cidade que perpassou a elite local por todo o
período estudado.
modernizar o país significava, para as elites pensantes brasileiras, tirar o
Brasil do “atraso” em que ele se encontrava. Atraso identificado com base nos
elementos formadores do povo ou da raça brasileira, atribuídos ao passado colonial
e suas remanescências, e agravados pelo clima tropical – negritude, indolência,
preguiça.87
No entanto, as relações sociais mantiveram os ranços do coronelismo e do
conservadorismo, visualizados em práticas recorrentes como o oferecimento de
benefícios em troca de votos.
O tabu do ‘coronel’ ainda não desapareceu, no interior do Brasil. O pagé
encabresta os coitados e, em troca de uma churrascada, tira-lhes o direito sagrado
do voto secreto. (...) Infeliz do povo que conserva o tabu do ‘coronel’ e por ele se
orienta.88
A emergência do desejo de um viver moderno não destruiu todas as outras
experiências culturais e sociais, nem as subjetividades já existentes na cidade.
Antigo e novo passaram a dividir espaço na vivência cotidiana. O moderno foi mais
desejado do que significativamente vivido por todos, pois implicava em condições de
acesso não disponíveis à maioria dos elementos desta sociedade em análise.
Mesmo não sendo virtualmente acessíveis à maior parte da população, os
ícones da modernidade invadiram o cotidiano pirajuense, através dos jornais, das
conversas diárias e dos desejos de também participar dessa nova onda.
87
PERES, Maria Thereza Miguel; TERCI, Eliana Tadeu. Revisitando a modernidade brasileira:
Nacionalismo e Desenvolvimentismo. In: Revista Impulso: Revista de Ciências Sociais e Humanas.
nº.29. vol.13. Piracicaba-SP: Editora Unimep, 2001. pp-137-154.
88
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 29 nov. 1953. A prática de oferecer churrascadas de fogo
de chão era comum e muito utilizada durante os períodos eleitorais na cidade. Durante esses
eventos, os populares cuidavam de seu espeto com um olho e com o outro acompanhavam os
discursos políticos. Tais eventos acabavam por converterem-se em momentos de sociabilidade, nos
quais aconteciam mais do que promessas políticas: rodas de jovens sentadas à grama com seus
vestidos vaporosos e risinhos abafados flertavam com elegantes rapazolas em ternos de linho;
crianças corriam por entre as pessoas; acordos eram firmados e fofocas disparadas, enquanto grupos
folclóricos se apresentavam para deleite dos convivas.
56
O automóvel – símbolo desejado de modernidade e de status dava sua
entrada na cidade com intensidade. O Comércio anunciou a chegada do “novo astro
da indústria automobilística brasileira: o Aero-Willis” que oferecia uma “superclasse
em matéria de automóveis com seu estilo arrojado, em harmonia com as linhas
clássicas dos carros modernos”. O Aero-Willis, que recebeu esse nome por ter sido
inspirado numa estrutura em monobloco como os mais modernos aviões a jato do
período – foi um dos símbolos mais fortes da emergente indústria nacional.89
Elas também estavam ao volante em Piraju já no início dos anos 50. Se não
na propaganda do Aero-Willis, na qual apareciam no banco do carona, mas de fato,
guiando pela cidade:
Sempre gostei de dar as minhas voltinhas pela cidade. (...) Mas o que me
agrada, sobremaneira, é ver ao volante umas senhoritas, mocinhas; é bem mais
agradável que ver marmanjos. Qualquer um, com prazer dá caminho, vendo um
automóvel, ou uma camionete, guiado por senhoritas; todos gostam, param para
olhar, esquecem até onde vão ou o que fazem.90
Muitos automóveis exalando fumaça (outro símbolo em potencial dos tempos
modernos) e modernidade de seus carburadores, tornavam o trânsito complicado,
pois dividiam espaço com caminhões vindos de fora, que trafegavam pela cidade
“por causa da ponte sobre o Paranapanema – ponto de passagem obrigatório aos
que se dirigiam ao Paraná e Alta Sorocabana”.91
Numa cidade cheia de contradições, desejosa em modernizar-se, mas
indisposta a pagar os preços que esse processo exigia, eram constantes as
reclamações por causa do tráfego de caminhões em suas ruas e acusações que
estes destruíam o calçamento já que “os monstros de mais de uma dezena de
toneladas, dia e noite, subiam e desciam suas ruas, ao sabor do capricho”.92
89
Fonte: Carros do Passado. Disponível em: http://www2.uol.com.br/bestcars/classicos/aero-1.htm.
Acesso em 28 de outubro de 2008.
90
DIZ O CONDE DE PARANAPANEMA. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 22 jan. 1950.
91
UM APELO E SUAS RAZÕES. Idem, Piraju, p.1, 25 abr.1959.
92
Apesar das leis criadas para regulamentar e fiscalizar a utilização das vias públicas, o trânsito
permaneceu complicado por todas as décadas de 50 e 60. O centro da cidade se encontrava
praticamente sem fiscalização e podia-se ver “volta e meia dois caminhões parados um ao lado do
outro, sem fazer mínima conta de que outros necessitavam de passagem” e tendo que subir em
calçadas. CONTÍNUO PREJUÍZO CAUSADO PELO TRÂNSITO PESADO. Jornal O Comércio de
Piraju, Piraju, p.1, 14 fev. 1959 e p.4, 21 jul. 1956.
57
Agravando o estado já precário das vias públicas, havia ainda as “peripécias”
dos motoristas locais, que segundo o delegado de trânsito, recém-chegado à cidade
em 1959, bem podiam dirigir na Inglaterra, de tanto que transitavam na mão errada:
O mais grave a meu ver, é a inversão da mão de direção, que a lei brasileira
estabelece ser a direita, e grande parte de motoristas dirige incompreensivelmente, na
esquerda. Tenho comentado a respeito dessa anomalia grave do trânsito de Piraju,
pilheirando que muito motorista daqui se fosse guiar na Inglaterra, cuja mão de direção
é a esquerda, guiaria na direita... (...) Quando se tenta explicar (...) a um motorista
errado, ele olha com pose o policial e retruca: ‘Tenho vinte anos de carta’... (...)
Entendo que a ocorrência de infrações, via de regra, é fruto da ignorância completa da
lei, por parte de motoristas amadores e profissionais, que obtém sua cartas por
telefone...93
Muitas coisas mudaram na cidade neste ensaio para adentrar na
modernidade: comerciantes auxiliaram nessa tentativa reformando as fachadas das
lojas, anunciando e trazendo para a cidade carros importados e eletrodomésticos
dos mais variados tipos com a finalidade de facilitar a vida dos pirajuenses,
sobretudo das mulheres que eram quem “operavam” tais inovações.
Até mesmo a televisão, que muitos técnicos acreditavam ser inviável na
cidade devido ao terreno acidentado não permitir uma boa recepção das imagens,
marcava sua presença:
A Casa Arbex continua com as experiências no campo da Televisão, obtendo
resultados bastante satisfatórios. Atualmente está experimentando um moderno
aparelho da Phillips que possui inúmeras vantagens, entre as quais: 50 ou 60 ciclos,
funcionamento com oscilação de voltagem e outros. Interessante é observar que os
técnicos e engenheiros das grandes firmas distribuidoras dos aparelhos da Televisão
até agora não acreditam que seja possível em Piraju, obter uma boa recepção.94
Não só a televisão e as reformas urbanas ditavam o tom do moderno, mas
também os cinemas, antenados com a “melhor programação da capital” e até
mesmo levando o nome da cidade para projeção nacional. Em 1º de maio de 1952, o
Cine Central, completamente reformado “com paredes revestidas e pintadas com
bastante gosto, que davam-lhe um aspecto desses teatros modernos, em nada
lembrando o antiquado salão com sua varanda, de onde os moleques costumavam
93 Custódio Pinto Sampaio ao Jornal O Comércio de Piraju, p.1, 31 jan. 1959.
94
TELEVISÃO EM PIRAJU. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 29 jan. 1955.
58
atirar na platéia o que lhes viesse às mãos” voltou a funcionar exibindo o filme
Destino às Nuvens com o artista americano Glenn Ford. A renda da exibição (Cr$
10.640,00) foi doada à construção da Igreja Matriz.95
Os proprietários do Cine-Central anunciaram em 1957, a instalação de novos
equipamentos, apropriados para a exibição de filmes em “Cinemascope e de todas
as modalidades modernas de filmes” e também a ampliação da tela “tanto quanto
permitisse o prédio”.96
Além da exibição dos mais recentes lançamentos do cinema americano, que
colaboravam para ditar o tom do moderno na sociedade brasileira, veiculando idéias
e ideais norte-americanos e apresentando (e introjetando) o “american way of life”, a
própria cidade se viu projetada além das telas e fronteiras locais, através da exibição
“Brasil afora” do filme em cinemascope produzido pelo cineasta Primo Carbonari,
que captou em sua objetiva diversos aspectos de uma Piraju em “franco
desenvolvimento”, com o arrojo moderno de suas linhas arquitetônicas adentrando
ao universo do progresso, conforme era anunciado no referido vídeo.
Graças às notáveis e repetidas reportagens nos grandes jornais da capital (...)
Piraju é conhecida e devidamente apreciada muito além das fronteiras locais.
Agora, passando a ser exibido pelo Brasil afora o recente filme em
cinemascope realizado pelo conhecido cineasta Primo Carbonari, a nossa cidade,
sem dúvida, ganhará mais em popularidade, fazendo conhecer seus melhoramentos
e sua beleza natural.
Principiando por uma alegoria, o roteiro do filme dá a conhecer a origem do
nome Piraju e, desfraldando em seguida belos aspectos da barragem e a vista geral
da cidade, passa a apresentar o novo jardim da praça Benedito Silveira Camargo, a
Praça Ataliba Leonel, a Praça Arruda, onde também surpreende as crianças no
Parque Infantil na sua hora do lanche e focaliza o notável edifício da USELPA.
Subindo mais, demora-se o cinegrafista na Estação de Tratamento de Água,
frisando na parte sonora o arrojo moderno das linhas arquitetônicas de seu edifício.
Penetrando no interior, apresenta ao público vários aspectos dos serviços de
manobras e também o exame de laboratório pelo qual passa a água distribuída à
população.
Mais alguns passos para a frente e o telespectador acompanha as vistas
apanhadas no Cemitério, desde o novo e imponente portão de entrada, quando o
comentarista relata o fato de uma senhora idosa que ponderou a alguém que o
Cemitério tão bem cuidado já se torna atraente para quem logo deverá repousar ali.
Passa-se para o Estádio Municipal, Fábrica de lajotas, Grupo Escolar da Vila
Cantizani, Posto Agropecuário, Parque Infantil de uma escola rural do Município,
tudo produtos da Administração atual, sucedem-se como agradáveis panoramas,
95
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 06 mai. 1950. No dia 28 de fevereiro de 1953, foi
inaugurado o Cine-Jardim, um dos três cinemas que Piraju chegou a possuir simultaneamente.
96
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 02 fev. 1957.
59
aparecendo ainda, aspectos de uma belíssima lavoura cafeeira e, finalmente, surge
em toda a sua imponência, a Igreja Matriz, também filmada de dentro, onde foi dado
um destaque especial ao altar.
Viemos a saber neste instante, que o filme sobre Piraju está sendo exibido no
Cine Marabá, em São Paulo.97
Num destes filmes gravados em cinemascope e recuperados pela Diretoria de
Cultura do município é possível ver a quantidade de mulheres freqüentadoras dos
cinemas. A cena as mostra em grupos animados ou na companhia de rapazes,
deixando as dependências do Cine Central, após as exibições de romances, dramas
e faroestes.98
Elas sonhavam não somente com artistas de cinema... outros símbolos da
modernidade despertavam a atenção e o encanto feminino nos dourados anos
pirajuenses.
Como não participavam das decisões político-partidárias da cidade, as
mulheres pouco apareciam nos jornais, a não ser nas páginas de crônicas sociais
que anunciavam bodas, desfiles de modas, aniversários, noivados e nas
reportagens sobre eventos em que colaboravam como beneméritas ou ainda nas
notas sobre beleza e cuidados femininos. Foi-nos possível ainda conhecer sobre
elas, seus desejos e vivências cotidianas através dos anúncios de produtos de toda
sorte que apareciam no Comércio, nos fornecendo pistas sobre a modernidade que
invadiu a intimidade feminina em Piraju.
97
PIRAJU EM CINEMASCOPE. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.7, 19 set. 1959.
As contradições da modernidade podiam ser observadas ao ler as críticas às preferências
cinematográficas dos pirajuenses. O gênero faroeste que viveu seu apogeu entre as décadas de 50 e
60, com filmes e séries como Bonanza (1959) e James West (1965), em Piraju foi duramente criticado
pelos ditos “intelectuais”, mas estavam no gosto do povo que lotava os cinemas para ver um bom
bang-bang. Os críticos atribuíam a preferência à juventude dos espectadores, demonstrando
preconceito com a capacidade intelectual dos mais jovens. Apesar do orgulho que se pode perceber
em possuir três cinemas, em exibir os mais recentes lançamentos de Hollywood e mesmo de ver a
cidade divulgada nos grandes cinemas da Capital, inúmeras foram as reclamações registradas sobre
o comportamento dos jovens dentro dos respectivos estabelecimentos durante todo o período
pesquisado, os jovens e sua algazarra nos cinemas constaram como uma das grandes preocupações
da cidade: “Não basta gritar que a nossa cidade é adiantada, que a nossa população é culta; é
preciso que isto seja uma realidade” esbravejou um articulista por ocasião da “perturbação exercida
por um certo grupo de jovens estudantes” durante a exibição do filme Mozart em novembro de 58.
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 03 nov.1958. E em outra ocasião ao perguntar qual era a
preferência cinematográfica do pirajuense: “Far West e muitos tiros! Não adianta trazer filmes que
ficaram semanas inteiras em cartaz no cartaz, na Capital; esses aqui não interessam. É, como disse,
filmes de cowboy, melhor quando coloridos. (...) Outro tipo que aqui todos apreciam imensamente –
os filmes de Tarzan. (...) O público de Piraju, todo ele, é muito jovem?”. O GOSTO NÃO SE
DISCUTE. Idem, p.3, 24 mai. 1958. Grifos nossos.
98
60
Para escrever a história, são necessárias fontes, documentos, vestígios. E
isso é uma dificuldade quando se trata da história das mulheres. Sua presença é
frequentemente apagada, seus vestígios, desfeitos, seus arquivos, destruídos. Há
um déficit, uma falta de vestígios.
Inicialmente por ausência de registro. Na própria língua. A gramática contribui
para isso. Quando há mistura de gêneros, usa-se o masculino plural: eles dissimula
elas.99
Assim, apartadas das discussões, dos documentos e das fontes oficiais, para
compor este estudo, os tons da novidade e os reflexos da modernidade adentrando
a intimidade feminina em Piraju foram observados através da publicidade inserida
nas páginas de O Comércio de Piraju, nos livros da professora Conceição Martini,
nos textos e imagens dos cadernos de Economia Doméstica de suas alunas, nas
lembranças de seus filhos e em algumas de suas próprias poesias que fazem relatos
da vida da mulher na modernidade.
99
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.21
61
2.2. Intimi(ci)dades femininas em Piraju.
Anúncio
Pílulas –
... de vida eternal
- Gerovital
... de impedimento total
- Anticoncepcional
Pílulas?
Ora pílulas...100
A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento a uma tarde
Sem dúvida inolvidável e já olvidada,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.101
Os poemas de Conceição Martini e Jorge Luis Borges refletem, cada um a
seu modo, as preocupações de seus autores com o fenômeno da modernidade. O
de Conceição chamado Anúncio, traz no nome uma das questões que tratamos
neste capítulo: a venda de tudo que se possa imaginar, o consumo de tudo que
estiver ao alcance e o desejo incontrolável de possuir tudo aquilo que não estiver – a
qualquer custo. Expressa também a mudança que a modernidade trouxe aos
corpos, sobretudo femininos, com o advento da pílula anticoncepcional e dos
remédios para retardar os efeitos do envelhecimento.
Ser moderno significa também não se deixar ultrapassar pela idade. O que
antes significava respeito e sabedoria, agora significa atraso. E para ser moderno,
tudo que é antigo deve ser descartado.
100
Poesia Anúncio. Caderno de Poesia de Maria Conceição Pereira Martini. Piraju, SP. s/d.
BORGES, Jorge Luis. As coisas. in: Elogio da Sombra. Trad. Carlos Nejar e Alfredo Jacques.
Porto Alegre: Editora Globo/MEC, 1971. pág. 24.
101
62
Nesse sentido o poema As coisas de Borges faz um retrato da rapidez com
que tudo passa na modernidade: de coisas a ilusões, de objetos a sentimentos, tudo
brevemente será mais do que esquecido, será substituído por algo muito mais novo
e vibrante. O que é atual agora, logo perde suas cores.
Ao falar de modernidade, do que é moderno levamos em conta que a
experimentação desse conceito está carregada de subjetividades, sensibilidades,
lutas, cooperações, resistências e imbricada pelas diferenças de sua vivência em
variados espaços sociais.
A modernização de hábitos e costumes no Brasil foi influenciada pelo modelo
americano, o “american way of life”, que após a Segunda Guerra consolidou seu
campo de ascendência em países subdesenvolvidos da América Latina e em parte
da Europa.102
O estilo de vida americano, American way of life, foi adotado amplamente no
Brasil, tanto economicamente, quanto socialmente no período de governo do
presidente Juscelino Kubitschek (1956 – 1961). O capitalismo foi definitivamente
implantado no Brasil, estimulando o investimento privado e abrindo as portas ao
capital estrangeiro. O Plano de Metas pretendia desenvolver o país na velocidade de
50 anos em 5.103
No início dos anos 50, a sociedade brasileira engatinhava rumo ao
consumismo. Dos 51 milhões de brasileiros em 1950, somente 35% viviam nas
cidades.104 Era para essa nascente classe média urbana, capaz de consumir
eletrodomésticos, alimentos, bebidas, artigos de vestuário, produtos de limpeza e
higiene, que se voltavam as atenções, especialmente através da publicidade.
Segundo Maria Izilda Santos de Matos:
102
Sobre esse assunto ver HOBSBAWN, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.De todas as características do modo americano de vida, a que mais
chama a atenção é o consumo: coisas que até então não faziam falta, passam a serem vistas como
absolutamente necessárias.
103
ANDRADE, Maíra Zimmermann de. Transformação Social pela Cozinha: Consumo das Mulheres
no Brasil do Desenvolvimentismo. Anais do 3º Colóquio de Moda. FEEVALE, Novo Hamburgo, RS.
Disponível
em:
http://www.coloquiomoda.com.br/coloquio2007/anais_aprovados/transformacao_social_pela_cozinha.
pdf. Acesso em 21 de outubro de 2008.
104
IBGE. Recenseamento Geral de 1950.
63
Nos anos 50, a emergência do desejo de ser moderno generalizou-se por
toda a sociedade e passou à esfera do domínio da vida cotidiana. A produção tanto
material quanto cultural passou a ter destino nos mercados de massa e ficou ligada
às diversas necessidades do dia-a-dia. Da mesma forma, a idéia de moderno estava
relacionada a novos estilos de vida, comportamentos e hábitos, difundidos mais
amplamente pelos meios de comunicação de massa.105
Reflexo de uma modernidade desejada não somente por eles, mas também
por elas que passaram a constituir alvo certeiro desta cultura sedutoramente
moderna – a publicidade vinha com força impulsionar a ânsia do consumo –
característica marcante destes novos tempos.
Dispúnhamos, também, de todas as maravilhas eletrodomésticas: o ferro
elétrico, que substituiu o ferro a carvão; o fogão a gás de botijão, que veio tomar o
lugar do fogão elétrico, na casa dos ricos, ou do fogão a carvão, do fogão a lenha, do
fogareiro e da espiriteira, na dos remediados ou pobres: em cima dos fogões,
estavam, agora, panelas – inclusive a de pressão – ou frigideiras de alumínio e não
de barro ou de ferro; o chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a
geladeira; o secador de cabelos; a máquina de barbear, concorrendo com a gilete; o
aspirador de pó, substituindo as vassouras e o espanador; a enceradeira, no lugar do
escovão; depois veio a moda do carpete e do sinteco; a torradeira de pão; a máquina
de lavar roupa; o rádio a válvula deu lugar ao rádio transistorado, AM e FM, ao rádio
de pilha, que andava de um lado para o outro junto com o ouvinte; a eletrola, a vitrola
hi-fi, o som estereofônico, o aparelho de som, o disco de acetato, o disco de vinil, o
LP de doze polegadas, a fita; a TV preto-e-branco, depois TV em cores, com controle
remoto; o videocassete; o ar-condicionado.106
A casa da professora Conceição Martini e seus ensinamentos nas aulas de
Economia Doméstica e Trabalhos Manuais que ministrava na Escola Normal de
Piraju ilustram essa nova maneira de viver das camadas mais abastadas da
sociedade pirajuense.
Dois momentos de sua trajetória nos ajudam a descortinar um pouco desse
viver: o primeiro ao retornar para Piraju, quando “vendeu os móveis, rádio e demais
objetos de valor” para pagar o aluguel da casa que estava atrasado há três meses” e
a posterior reaquisição desse tipo de bem, “inclusive o fogão a gás” e ainda o
105
MATOS, Maria Izilda Santos de. Pelas noites de Copacabana: Roteiro boêmio de Antonio Maria.
Disponível em: http://copacabana.com/antonio-maria.shtml. Acesso em 26 de setembro de 2008.
106
MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia (org.) História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. vol 4. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 564.
64
deslumbramento que a geladeira, que segundo Hobsbawm, nem na Europa a
maioria das casas possuía em 1945107, causava aos amigos de Fernando, filho mais
novo de Conceição quando se reuniam “nas tardes de calor e pegavam o gelo para
fazer limonada.”108
Outros ícones da modernidade também estavam presentes na casa de
Conceição Martini: o telefone (um dos primeiros da cidade), eletrodomésticos,
móveis.109
Nos cadernos de suas alunas, tanto as lições remetem a esse novo estilo de
vida, preparando-as para o exercício das magnas funções de esposa e mãe, quanto
os símbolos recortados de revistas e jornais demonstram o afã que os novos objetos
de desejo e consumo introjetavam, criando uma nova mulher: consumidora e
moderna.
O maior apelo da publicidade era voltado às mulheres, que constituíam o alvo
principal das intensas campanhas que visavam atrair o público e criar hábitos de
consumo na sociedade. Quem melhor que elas para experimentar e incorporar todas
essas novidades na vida doméstica e cotidiana?
O consumo, segundo Nancy F. Cott, seria antes de mais nada, uma
característica da "mulher moderna"; é interessante como a autora citada começa a
caracterizar a relação mulher/publicidade: "Os publicitários e os especialistas em
técnicas de promoção referiam-se habitualmente ao consumidor como ela".
Consumidor torna-se sinônimo de mulher.110
Enquanto no Brasil, os anúncios “ao vivo” durante a programação televisa e
do rádio ganhavam força, em Piraju, as novidades se faziam conhecer
especialmente através das páginas do jornal O Comércio de Piraju, já que a
televisão além de ser privilégio para pouquíssimos, ainda não apresentava boa
recepção e a primeira emissora de rádio só foi inaugurada em 1960.
107
HOBSBAWM, op.cit. p.260.
ASSAF, Selma Carolina Martini; MARTINI, Fernando Pereira. Selma Carolina Martini Assaf;
Fernando Pereira Martini: depoimento [fev. 2007]. Entrevistadora: Luciana Souza Carvalho. Piraju,
SP: 2007. 1 cassete sonoro. Entrevista concedida para Dissertação de Mestrado.
109
Idem, ibidem.
110
BONADIO, Maria Cláudia. Publicidade de moda e tecnologias de gênero. Mappin Stores (19141930). NIDEM - Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Moda da UNIP. Disponível em:
http://www3.unip.br/servicos/aluno/suporte/nidem/artigos/pub_de_moda.asp. Acesso em 18 de
outubro de 2008.
108
65
Bombardeada de todos os lados por informações que tinham por intuito
despertar-lhes o frenesi por ter, encontramos especialmente nas páginas de O
Comércio anúncios e mais anúncios de “maravilhosas novidades” que iam desde
“reguladores menstruais para que a mulher moderna vivesse sorrindo até
enceradeiras que nunca mais obrigariam a mulher abaixar-se para dar brilho no
chão de sua casa”. Isto significava mais que comodidade: era uma libertação, o
colocar-se em pé, sem dores (nem menstruais nem na columa) senhora de seu
destino e de seu lar e não mais, escrava deles. Mas ainda assim, parte intrínseca e
indissociável do lar.
A publicidade gera então uma nova relação: não é só o produto que a
propaganda apresenta que é desejado; as consumidoras desejam, consomem, o
que este produto passa a significar111, através dos significados a ele atribuídos por
meio do anúncio publicitário: juventude, beleza, modernidade, praticidade.
Propagandas como as de Menstrol, o regulador do Laboratório Santosin e
Sedantol, calmante e regulador da saúde feminina prometiam resolver o “problema
mensal feminino, combatendo regras dolorosas, cólicas e complicações, para que a
mulher vivesse sorrindo”.112 Tais propagandas deixavam implícito que sem os
“incômodos mensais”, a rainha do lar não tinha razões para queixar-se.
Já a do Peitoral de Scott prometia acabar com a tosse, aliviando,
expectorando e acalmando. Nela, um garboso cavalheiro aparece ajudando uma
frágil senhorita a percorrer o caminho que se mostra atrás deles.113 A propaganda
demonstra que sempre é necessária ajuda masculina para percorrer o caminho, pois
não cabe à mulher caminhar sozinha, seu papel é o de companheira e nunca de
liderança, já que a ela falta a centelha da razão.114
111
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. Corpos femininos e publicidade na revista Capricho (décadas
de 1950-1960). In: Anais Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, SC: 2008.
Disponível em: http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST48/Raquel_de_Barros_Pinto_Miguel_48.pdf.
Acesso em 18 de outubro de 2008.
112
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 15 jan. 1950 e p.3, 28 mai. 1950.
113
Idem, p.4, 1 mai.1954.
114
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.23.
66
Imagens 3, 4 e 5: Promessas de felicidade eterna. Medicamentos para que a mulher “vivesse sempre sorrindo”.
Fonte: Anúncios Regulador Fontoura, Regulador Sedantol e Peitoral de Scott. In: O Comércio de Piraju, Piraju.
16 abr. 1950, 14 set. 1952 e 14 jul. 1956.
Muitos modernos benefícios foram amplamente anunciados, como forma de
poupar a mulher do trabalho pesado, auxiliando no processo de limpeza da casa.
Produtos de higiene, tanto para o lar quanto para uso pessoal representavam
a modernização de hábitos de consumo, das formas de realizar o trabalho feminino
e de se relacionar com o próprio corpo enquanto instrumento de/ para o trabalho.
Com estes produtos, a mulher não precisava mais descabelar-se nem estragar as
unhas ao cumprir suas atividades domésticas, além de seguir os modernos preceitos
de limpeza e higiene, abandonando velhas maneiras de executar tais atividades. Os
anúncios analisados trazem sempre delicadas figuras femininas impecavelmente
vestidas, maquiadas, com cabelos arrumados, trajando jóias e “em cima do salto”.
As mulheres exibidas em anúncios dos anos 50, e também do início dos anos
60, retratavam o ideal da “moça prendada moderna”, uma vez que deveriam estar
atentas aos cuidados da casa, dos filhos, do marido, devendo ainda, manterem-se
67
sempre belas. Para conseguirem cumprir todas essas tarefas, as mulheres contavam
com importantes aliados: batedeira, máquina de lavar roupa, sabão em pó e
enceradeira de um lado, e cremes contra rugas, sabonetes perfumados e poderosos
dentifrícios de outro.115
Para as “senhoras donas de casa”, a Mercantil Santos anunciou um produto
revolucionário para manter “o assoalho sempre limpo de brilhante, sem nunca mais
ter de usar o antiquado e dispendioso processo de encerá-lo toda semana:
Imperlax.” O produto para impermeabilizar pisos e assoalho foi apresentado como
uma novidade sensacional que representava economia e comodidade para a dona
de casa, que não mais precisava se preocupar em encerar o chão.116
Outros produtos com a mesma finalidade também apareceram diversas
vezes: variados tipos de ceras e enceradeiras, de várias marcas: Arno, GE, Walita. A
cera Cachopa, por exemplo, prometia valer por três pois “espalhava, rendia e
brilhava mais”. Em sua propaganda uma mulher de cabeça desproporcional ao
corpo, encerando o chão com enceradeira e um sorriso aberto no rosto117. Já a
enceradeira representava uma economia imensa de tempo e principalmente de
esforço físico ao passo que substituiu os pesados escovões.
Alguns anúncios como o da Lava Roupas Prima Econômica iam além:
procuravam demonstrar que com a tecnologia, os serviços domésticos se tornavam
tão fáceis quanto “brincadeira de criança”, economizando o tempo e esforço da
mulher moderna.118
Antes que a rede de distribuição de água chegasse às casas, e antes da
popularização das máquinas de lavar e dos produtos de limpeza industrializados, o
ritual da lavagem de roupas consumia horas de trabalho, representando um esforço
hercúleo e um enorme desgaste físico que revela sem eufemismo o que também
significava ser “rainha do lar”.119
115
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. op. cit. 2008.
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju. p.1, 02 mar. 1957.
117
ANÚNCIO CERA CACHOPA. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 31 nov. 1952.
118
ANÚNCIO LAVA ROUPA PRIMA ECONÔMICA. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 19 fev.
1963
119
MALUF, Marina & MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando
(org); SEVCENKO, Nicolau (org do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p.409.
116
68
Convém lembrar que o trabalho doméstico infantil era uma prática aceitável
neste momento.120 As meninas deviam aprender a cuidar da casa “desde cedo”. A
novidade que o anúncio desejava demonstrar era a facilidade de operar o
eletrodoméstico em questão e sua eficiência, já que muitas mulheres mostravam
resistência quanto à sua utilização em substituição aos métodos tradicionais de
lavagem de roupa.
Como forma de desfazer esse receio, o anúncio da Lava Roupa Prima
Econômica indicava que o produto era simples de “instalar, ligar, funcionar,
manejar”. Por não ter mecanismos complicados, nem peças delicadas podia ser
facilmente manuseado por mulheres. Mas seus mais importantes (e modernos)
atributos eram anunciados por tornarem possível à mulher: “lavar roupas em casa de
maneira rápida, higiênica e econômica”.121
Não foi só na área de serviço que chegaram as novidades: elas também se
apresentaram de forma audaciosa na cozinha transformando o ato de cozinhar que
mantinha grande importância nas atividades femininas, mas numa nova roupagem
através dos fogões – primeiro a querosene depois a gás em detrimento do velho
fogão a lenha – ícone do antigo e que devia ser superado, das geladeiras elétricas,
das cozinhas “americanas” com seus ambientes planejados e integrados, das
dezenas de eletrodomésticos para substituir o trabalho artesanal e também com:
(...) o predomínio esmagador do alimento industrializado. O arroz, o feijão, o
açúcar, as farinhas, de trigo, de rosca, de mandioca, já empacotados de fábrica em
sacos de plástico e não mais na hora, retirados de tonéis, de sacos ou de vidros
imensos e colocados em sacos de papel. Chegou o extrato de tomate; a lata de
ervilha, de palmito, de milho, de legumes picados; o leite condensado; em pó, alguns
só para crianças; o creme de leite; o iogurte; novas espécies de biscoito e de
macarrão; os achocolatados, (...) o pão tipo Pullman, para fazer torradas ou
sanduíches, agora em moda. A cerveja, agora também em lata (...) o guaraná, o da
Antártica preferido ao da Brahma, (...) a Coca-Cola (...).122
120
Um outro anúncio encontrado nas páginas de O Comércio chama ainda mais a atenção no que
tange à relação criança-trabalho: o dos Fogões Liquigás, no qual um bebê na ponta dos pés acende o
fogo com um palito de fósforos para esquentar a mamadeira que está numa em um das bocas do
fogão. O anúncio pretende chamar a atenção para a “facilidade” e a “segurança” que o produto
represente, podendo ser operado até mesmo por crianças. ANÚNCIO FOGÃO LIQUIGAS. Jornal O
Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 31 dez. 1955.
121
ANÚNCIO LAVA ROUPA PRIMA ECONÔMICA. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 19 fev.
1961.
122
MELLO, João Manuel Cardoso de & NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade
moderna. In: SCHWARCZ, Lilia (org.) História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade
contemporânea. vol 4. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p.565.
69
Mas
o
cozinhar
não
transformou-se
somente
pela
chegada
dos
eletrodomésticos, dos alimentos industrializados e pela sistematização dos
conhecimentos: a própria cozinha transformou-se; se antes estava relegada aos
fundos da casa e somente era “habitada por mulheres”, nos Anos Dourados ganhou
destaque, cores, inovações:
Nos anos 50, a preparação de alimentos e as refeições eram as principais
atividades realizadas na cozinha, todavia, atividades sociais entre a família e amigos
eram bastante comuns, tornando a Cozinha uma extensão da sala de estar.
A área utilizada para as refeições era composta por bancos em uma bancada,
por cadeiras em uma mesa ou por um canto confortável projetado como parte da
cozinha. Quando não ocupado para as refeições, o espaço era utilizado para outras
atividades, como a preparação de alimentos, organização das roupas vindas da
lavanderia ou para servir aperitivos em encontros sociais.
Ao longo dos anos os móveis antigos da cozinha foram sendo substituídos
por plásticos e metais brilhantes em cores modernas como o amarelo, o rosa, o
verde e o azul, sendo o branco ainda bastante utilizado. Os pisos, inicialmente de
linóleo, também foram gradualmente sucedidos por plásticos de maior durabilidade.
Este foi o período na história de maior aquisição de utensílios para cozinha e
também de maior aprimoramento tecnológico, possibilitando mais tempo livre para
dona de casa. Tamanhas foram as comodidades, que até maridos e filhos se
punham a disposição para colaborarem com as tarefas domésticas.123
Inovações de todo gênero foram apresentadas às mulheres para facilitar seu
trabalho na cozinha e modernizar também este ambiente da casa:
O visual dos equipamentos era de extrema importância e acompanhavam o
estilo moderno da época. A empresa General Electric, no final dos anos 40,
revolucionou ao introduzir a geladeira com compartimento do freezer separado. Na
metade da década de 50, surgiram as geladeiras que produziam cubos de gelo
automaticamente e as com portas magnéticas em resposta a grande quantidade de
casos de acidentes com crianças. A marca Frigidaire oferecia quatro séries em 10
tamanhos e em dois acabamentos: porcelana ou pintura de alta durabilidade. Na
linha dos fogões, a empresa Kelvinator lançou um modelo elétrico com forno duplo e
com controle automático de cozimento que permitia a dona de casa cozinhar uma
refeição inteira em uma única vez.124
123
MOTT, Tatiana Guirar & RICCETTI, Teresa Maria. Anos 50: Usos e percepções do ambiente
doméstico e seus objetos. In: Anais do 4º Congresso Internacional de Pesquisa em Design. Rio de
Janeiro,
RJ:
2007.
Disponível
em:
http://www.anpedesign.org.br/artigos/pdf/Anos%2050_%20Usos%20e%20percep%E7%F5es%20do%
20ambiente%20dom%E9stico%20e%20seus%20ob%85.pdf. Acesso em 20 de setembro de 2008.
124
MOTT, Tatiana Guirar & RICCETTI, Teresa Maria. MOTT, Tatiana Guirar & RICCETTI, Teresa
Maria. op. cit. Acesso em 20 de setembro de 2008.
70
Em setembro de 57, pela primeira vez foi apresentado às mulheres
pirajuenses o Heliogás – o gás do subsolo brasileiro, oferecendo rapidez, limpeza e
economia no trabalho da dona de casa.125 A propaganda anunciava que os fogões
equipados com Heliogás eram “mais rápidos, limpos e econômicos” – características
fundamentais na modernidade.
A propaganda de Heliogás nos permitiu perceber ainda que o ato de cozinhar
era considerado “uma tarefa” potencialmente árdua, difícil e atrasada, já que
informava também que a utilização de carvão e lenha estava superada.
Fora isso, oferecia uma novidade para “transformar a tarefa de cozinhar num
verdadeiro prazer: grandes facilidades de pagamento”. Eram os crediários que
chegavam (para ficar) em Piraju.
A publicidade começava a sofisticar-se, preocupando-se com a linguagem
direta e o apelo visual. Os grandes magazines estimulavam o consumo, oferecendo
a novidade do crediário.126
Já presentes nas grandes cidades, o crediário aumentava o desejo de
consumo e a facilidade em adquirir os novos produtos que eram diariamente
anunciados.
125
ANÚNCIO HELIOGÁS. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 14 set. 1957.
Livro
Anos
50
–
BNDES.
Disponível
em:
http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro50anos/Livro_Anos_50.pdf. Acesso em 18 de outubro de
2008.
126
71
Imagens 6, 7 e 8: Inovações para facilitar a vida da mulher moderna eram oferecidas o tempo todo, reforçando a
imagem da nova sociedade de consumo que se apresentava. Anúncios: Heliogás, Lava Roupa Prima Econômica
e Máquina de Costura com motor Arno. As propagandas apresentavam os novos produtos como máquinas tão
fáceis de utilizar que até crianças poderiam operá-las. Fonte: Anúncios no Jornal O Comércio de Piraju, décadas
de 50 e 60.
72
O ingresso de eletrodomésticos nos lares gerou um tempo útil que a partir de
então precisava ser explorado permitindo às mulheres alçarem vôos nunca antes
imaginados...
Gastando menos tempo nos cuidados com a casa, nascia um novo tempo
para cuidar de si, de seu corpo e alma.
Segundo Maria Cláudia Bonadio:
Antes associada ao ócio do lar, ela agora ganha uma imagem dinâmica,
associada à cidade através do comércio. É a mulher quem vai às compras e é a ela
que a publicidade se dirige. A indústria publicitária coloca a mulher mais perto da
modernidade, anuncia os novos modelos de roupas, móveis e eletrodomésticos
indispensáveis à mulher moderna, dinâmica e sociável. Antes restrita ao lar, a
consumidora ainda tem as tarefas de mãe e esposa, mas de forma "reformada". A
feminilidade é, portanto desconstruída, para ser reconstruída com nova
embalagem.127
Neste (nem tão) novo cenário, antigas representações femininas calcadas
num ideário tradicional foram revestidas sob a tônica modernizante do pensamento
da época.
A modernidade através da publicidade desconstruiu a imagem de uma mulher
“somente” mãe-esposa, para criar outra imagem: a de uma mulher multifacetada:
dona-de-casa, esposa, mãe, mas também consumidora e trabalhadora em outros
espaços que não somente o doméstico.
Ao mesmo tempo em que se apregoava a mulher como rainha do lar, muitas
delas tiveram que sair para trabalhar fora, como foi o caso da própria Conceição
Martini. Neste ponto o antigo e o moderno contrastavam: a mesma mulher que era
inundada por anúncios e artigos pregando o bom gosto feminino, o cuidado com o
lar e com a família, também recebia chamados para trabalhar fora, mas não em
postos de comando, como foi o caso dos anúncios das máquinas de datilografar
Remington128, que estampou a primeira página de O Comércio em 20 de setembro
127
BONADIO, Maria Cláudia. Publicidade de moda e tecnologias de gênero. Mappin Stores (19141930). NIDEM - Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Moda da UNIP. Disponível em:
http://www3.unip.br/servicos/aluno/suporte/nidem/artigos/pub_de_moda.asp. Acesso em 02 de
outubro de 2008.
128
ANÚNCIO REMINGTON. Jornal O Comércio de Piraju. Piraju-SP, p.1. 20 out. 1962.
73
de 1962 e convocou as mulheres ao trabalho, embora somente como “eficientes
colaboradoras do mundo dos negócios” e nunca como protagonistas dele.
Entre os fatores que colaboraram decisivamente para que as mulheres
pudessem sair para trabalhar fora estava a diminuição do número de filhos e a
mecanização das atividades domésticas.
O que mudou na revolução social [do pós-guerras] não foi apenas a natureza
das atividades da mulher na sociedade, mas também os papéis desempenhados por
elas ou as expectativas convencionais do que deviam ser esses papéis.129
Analisando outros anúncios veiculados no Comércio, pudemos perceber que
as mulheres não se portavam como simples receptoras de informações e apelos de
consumo. Tais anúncios demonstravam sua participação na vida social e produtiva
ocupando lugares como chefes de família, profissionais liberais, proprietária de
imóveis, numa faceta da divisão sexual do trabalho.130
O trabalhar fora era destinado àquelas mais pobres; que em Piraju ocupavamse, sobretudo, no trabalho de costura e como empregadas domésticas.131
Às mulheres da elite reservava-se o trabalho beneficente ou então, o
magistério, associado às “predisposições naturais femininas” também chamadas de
“tendências naturais do servir”:
129
HOBSBAWN, op. cit., 1995, p. 306.
Em 1950, a senhora Rosa Martinelli anunciou a venda de uma casa com dois quartos, sala
cozinha, copa, banheiro e um pequeno quintal, situada à Rua Nhonhô Braga, 450 e em 1955, Julieta
de Souza Netto anunciou seus serviços de parteira formada pela Escola de Enfermagem Obstétrica
anexa à Faculdade de Medicina de São Paulo. Disponibilizava-se para realizar partos, fazer curativos
e injeções, devendo ser procurada à rua Rubião Junior, 991 ou pelo telefone 431. Em outubro de 58,
também apareceu pela primeira vez no Comércio, o anúncio de uma médica. Tratava-se da Dr.ª
Sarah do Val, “especialista em senhoras, partos, esterilidade matrimonial e colposcopia (diagnóstico
precoce do câncer). O anúncio informava que a médica tinha realizado longo estágio em hospitais de
Buenos Aires era ex-médica da Clínica de Ginecologia do Hospital das Clínicas e da Santa Casa de
Misericórdia de São Paulo. Informava ainda que só atendia com hora marcada, no período da tarde,
no consultório que funcionava em sua própria residência. O Comércio de Piraju, Piraju-SP, p.2, 2
jul.1950; 1955 e p.4, 18 out.1958.
131
Em julho de 1953, Dona Maria Modista oferecia emprego às moças com prática em costura. As
candidatas deviam procurá-la, à Rua Cerqueira César, 637. O anúncio enfatizava que era inútil
apresentar-se sem prática, o que pode indicar que havia um grande número de moças dispostas a
trabalhar, porém nem todas com capacitação para operar a máquina de costura. O Comércio de
Piraju, Piraju-SP, p.1, 5 jul.1953.
130
74
Embora tenhamos um número crescente de mulheres que se dirigem a
profissões liberais como Medicina, Direito, Engenharia, Arquitetura, no exercício
profissional, as escolhas das funções inerentes a essas profissões ainda são aquelas
mais voltadas ao que tradicionalmente lhes foi inculcado. Temos, assim, médicas
pediatras e ginecologistas, que cuidam de crianças, e mulheres advogadas que
atendem à Vara de Família, engenheiras civis e arquitetas que cuidam de construir e
decorar casas e residências, mantendo a tendência do cuidar e do servir, bastante
associada à função de educadora.132
A
Escola
Normal
destinava-se
tanto
àquelas
que
necessitavam
profissionalizar-se numa “carreira respeitosa” como era considerada a professora
normalista quanto às que se preparavam para assumir as funções de “esposa e
mãe”. Neste sentido, a professora Conceição Martini contribuiu para a construção do
pensamento modernizador da sociedade pirajuense.
Como beneméritas da sociedade, é possível vislumbrá-las por todo o período
analisado para compor esta dissertação, encabeçando campanhas que iam da
construção do isolamento para tuberculosos133, da maternidade e reforma da Igreja
Matriz às disputas político-partidárias quando organizavam comitês femininos de
apoio aos candidatos, embora não houvesse entre os mesmos nenhuma mulher.134
A atuação beneficente era vista como positiva para as mulheres.
Estreitamente ligada aos preceitos que deviam conduzir a família moderna dentro de
uma moral cristã, era incentivada às jovens, mas sobretudo, às senhoras, já que
estas dispunham de tempo para dedicarem-se aos intermináveis trabalhos que o
voluntariado exigia, enquanto as senhoritas precisavam despender seu tempo para
aprender a cuidar do lar e as jovens senhoras casadas ocupavam a maior parte dele
com a casa, marido e filhos.
Na Escola Normal participar e promover atividades caritativas, servia de
laboratório, para que as alunas pudessem aprender e exercitar a caridade. Visitas a
instituições de caridade, arrecadação e distribuição de alimentos, remédios,
fabricação de roupas para bebês nas aulas, que posteriormente eram doadas e os
132
FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Gênero e escolha profissional. In: FERREIRA,
Silvia Lucia & NASCIMENTO, Enilda Rosendo do (org.). Imagens da mulher na cultura
contemporânea. Salvador, BA: NEIM/ UFBA, 2002. Col. Bahianas, 7. p.234.
133
A tuberculose afligiu os moradores durante a década de 50. Em junho de 1951, as normalistas da
Escola Normal Nhonhô Braga foram levadas para visitar a clínica dos drs. Orlando Murari e Emilio
Athié com vistas de conhecerem mais sobre a tuberculose e os estragos por ela provocados. Ibidem,
p.3, 10 jun. 1951.
134
A primeira mulher eleita para participar da vida política pirajuense foi a vereadora Tatiane Trova
nas eleições do ano 2000.
75
desfiles para arregimentar fundos para o trabalho social ajudavam a criar o hábito e
passavam a fazer parte da vida e da rotina feminina.135
Imagem 9: Professora Conceição e alunas entregando roupas de bebê produzidas nas aulas de Economia
Doméstica. 17 out. 1956. Fonte: Arquivo particular Família Martini.
135
PASSOS, Elizete. Crenças morais de uma educadora. In: FERREIRA, Silvia Lucia &
NASCIMENTO, Enilda Rosendo do (org.). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador,
BA: NEIM/ UFBA, 2002. Col. Bahianas, vol.7. p.223.
76
Durante o ano de 1950, a iminência das eleições para deputados, senadores
e presidente mobilizou as senhoras e senhoritas pirajuenses, que sempre sob
comando de algum homem, fundaram comitês femininos de apoio às candidaturas
como a de Lucas Garcez e Erlindo Salzano (candidatos pelo P.S.P eleitos para o
governo do Estado de São Paulo), cujo objetivo era o de “arregimentar o maior
número de
senhoras e senhoritas para trabalhar em prol das candidaturas
paulistas”.136
Entre suas contribuições para a modernização da cidade, as senhoras
encabeçaram campanhas como a do Comitê Feminino Pró-Matriz, cuja ação visava
a arrecadação de verbas para reforma e ampliação da Igreja da cidade, campanha
que foi iniciada na década de 40 e perdurou até fins dos anos 60.
Também se envolviam com as ações de saúde pública, como em 1952,
quando para auxiliar na construção do isolamento para os tuberculosos, doença que
assolava a cidade e outros lugares do país, as senhoritas da sociedade pirajuense
participaram do concurso “Rainha da Caridade”, patrocinadas por padrinhos
influentes política e economicamente. 137
A escolha da comissão feminina pela construção do isolamento para
tuberculosos se deu pela Revma. Madre Ester e pelo Dr. José Pedro. Praticamente
todas as integrantes de tal comissão, com exceção de Madre Ester, responsável
pela tesouraria, eram professoras. A comissão contou ainda com a presença de
algumas professorandas em seu conselho deliberativo. Tal escolha demonstra que
às professoras reservava-se papel de destaque e respeito na sociedade
pirajuense.138
A Diretoria da CITEP (abreviatura de ‘Construção Isolamento Tuberculosos
em Piraju’) realizou no dia 29 p.p. uma reunião, no clube 9 de Julho, tendo convidado
para a mesma, senhoras de nossa sociedade. A finalidade da reunião motivou-se
pela necessidade da constituição de fundos para o início da luta contra tuberculose
no município.
136
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1, 20 ago. 1950.
A senhorita Maria Helena Camargo Lopes, apadrinhada pelo Sr. Joaquim Ribeiro, que foi prefeito
da cidade, ficou em primeiro lugar na disputa do concurso Rainha da Caridade 1952 obtendo 20.000
votos. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 21 dez. 1952.
138
Professora Conceição Martini não participou dessa Comissão. Sua chegada dois antes à cidade e
o fato de trabalhar em Piraju e em outras cidades, como Registro, Tanabi e Lins nesse período talvez
expliquem sua ausência da referida comissão. Posteriormente, esteve presente encabeçando
diversas ações sociais, mas isto já bem mais pra frente no tempo pesquisado.
137
77
Compareceram elementos mais representativos da sociedade pirajuense,
destacando-se entre os presentes as senhoras: Dra. Zuleica S. Keinworthy, promotor
público da Comarca, D. Odette Gallo, Profa. Balbina Marques Galvão, diretora do
Externato Paulista, D. Nair Esteves Lopes, funcionária do Posto de Puericultura,
Profa. Diva Ciari, D. Yolanda M. Carneiro, e as srtas. Célia Pagnozzi e Ondina M.
Carneiro.
Foi na mesma reunião, instituído um interessante concurso, em que será
eleita a rainha da Campanha e que terá o título de ‘Rainha da Caridade’, sendo
propostas as candidatas, todas elas gentis meninas, filhas de elementos
representativos da sociedade de Piraju, sendo ainda escolhido um padrinho para
cada candidata.139
Os concursos de beleza figuravam e ainda hoje se destacam com grande
status social na cidade, envolvendo as “mais belas e tradicionais filhas da terra” em
desfiles não só de beleza, mas também de sobrenomes.140
Apesar de ser a profissão de modelo socialmente condenável nos anos 50 e
60141, quando a imagem e o corpo eram utilizados para promover “causas nobres”, o
preconceito era deixado de lado.
Em 1956, pela primeira vez, não somente fogões, geladeiras, rádios,
televisões e emplastros foram anunciados para despertar o desejo de consumo das
mulheres. Um anúncio da marca de lingerie Valisère142 mostrando uma dama
trajando sensualmente uma camisola apareceu nas páginas de O Comércio.
Delicada, magra, com ares românticos, sonhadores e sem encarar a fotografia, a
representação da mulher que se veste em com “lindas cores modernas e modelos
criados em Paris”, é uma exaltação de uma nova mulher, que consome e se exibe
no recôndito do lar. E é dessa mulher emergente e das formas como se relacionou
com seu corpo que tratará o capítulo seguinte.
139
MOVIMENTO PRÓ-CONSTRUÇÃO DO ISOLAMENTO PARA TUBERCULOSOS. Jornal O
Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 10 mai. 1952.
140
Em auxílio ao Hospital do Câncer de São Paulo, as cidades do Estado criaram o concurso “Miss
Paulistinha”, evento que elegeu a mais bela menina paulista entre três e nove anos de idade. A Rede
Feminina de Piraju participou entusiasticamente da campanha, arrecadando um total de Cr$
104.488,00. A menina Maria do Carmo R. Blanco foi a primeira classificada no concurso municipal,
conquistando assim o direito de defender Piraju na disputa estadual. Jornal O Comércio de Piraju,
Piraju, p.4, 08 set. 1956.
141
Ver: BONADIO, Maria Claudia. Dignidade, celibato e bom comportamento: relatos sobre a
profissão de modelo e manequim no Brasil dos anos 1960. In: Cadernos Pagu (22). Campinas, 2004.
pp.47-81.
142
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 17 mar. 1956.
78
Imagens 10, 11 e 12: Expressões dos desejos femininos: geladeiras, enceradeiras, ferros elétricos, batedeiras,
máquinas de costura com motor e lingeries. As inovações tecnológicas também se apresentavam nos novos
tecidos das lingeries Valisere (jersey de rayon e naylon, com legítimo fio Rhodianyl). Fonte: Anúncios no jornal O
Comércio de Piraju, Piraju-SP (21 jan. 1960, p.3; 12 dez. 1957, p.2 e 04 mai. 1957, p4)
79
CAPÍTULO III: De corpo e alma: uma breve história de corpos saudáveis e
moral ilibada na Piraju dos Anos Dourados.
Facto grave
De São Sebastião do Tijuco Preto escreve-nos um amigo, a 21 do corrente, o
seguinte, para o qual chamamos a attenção da autoridade competente:
“Nesta terra da-se immoralidades que a imprensa deve denunciar.
Já foi denunciado ao Dr. Governador do Estado e dr. promotor publico d’es a
Comarca, um facto criminoso, altamente grave, e até hoje nem uma providencia foi
dada no sentido de punir os criminosos. No dia 1º de Agosto do anno corrente, um
individuo, por pandega certamente arvorou-se em Juiz de paz, e fez quatro
casamentos, tendo como co-participante no crime, o escrivão do Juiz de paz, que é
seu cunhado. Assim, por mero passatempo, foram atiradas a mancebia quatro
mulheres, que de boa fé acceitaram o acto como ligítimo. Ora, o povo, que em sua
totalidade é ignorante, não havendo acceitado senão com profundo desgosto a lei do
casamento civil, por irde encontra com suas crenças religiosas, sendo testemunha
deste facto immoral e escandaloso, abomina a lei a desespera, mórmente porque vê
o silêncio das autoridades.
Para mim é ainda mais criminoso o escrivão, por que é de sua obrigação
saber quais são os Juizes de paz de sua parochia. Deixo o commentario á
imprensa.”143
Desde 1890, quando “quatro mulheres anônimas foram atiradas a mancebia
por pândega de alguns indivíduos na Paróquia de São Sebastião do Tijuco Preto”
até 1950, quando Professora Conceição retornou sozinha com os filhos a Piraju,
algumas coisas mudaram e outras permaneceram bem parecidas nas relações entre
as mulheres e as formas de representação e limitação impostas sobre seus corpos.
No final do século XIX, as mulheres que foram enganadas sofreram
duplamente: primeiro o fardo do casamento somente civil, ato considerado “imoral e
escandaloso”, pois “abominava a lei” e causava desespero na comunidade pelo
“silêncio das autoridades” e depois pelo fato dos casamentos não terem validade
nenhuma, já que o juiz de paz era um impostor.
Não nos foi possível saber se outros casamentos foram realizados para
regularizar sua situação ou ainda se os noivos sabiam da identidade falsa do juiz de
paz e se aproveitaram da situação para ludibriar as incautas donzelas. Mas nos é
143
FACTO GRAVE. Jornal O Rio Novense: orgam imparcial e semanario, Rio Novo, p. 2, 25 dez.
1890.
80
possível imaginar o que essas mulheres devem ter sofrido com a discriminação
social, especialmente se “perderam a honra” neste ínterim.
De qualquer forma, o que nos interessa refletir é a forma como essas
mulheres e seus corpos foram expostos socialmente. Mesmo que tenham casado
novamente, desta vez com juiz de paz verdadeiro, seus corpos foram atirados à
“mancebia” e seu lugar social na cidade ficou seriamente abalado.
Nos 60 anos que se passaram desde o ocorrido com as quatro anônimas até
o ano do retorno de Conceição à Piraju, as mulheres do Tijuco Preto tiveram
avanços significativos nas suas condições como o acesso à escolarização e novas
formas de se relacionarem com seus corpos. Mas também permanências em sua
condição social e a necessidade de “andar sempre na linha” para serem
consideradas “dignas de respeito”.
São as formas de representação do corpo e da alma feminina na Piraju dos
designados Anos Dourados que este capítulo visa reconstruir. Para tanto dividi-o em
Corpos e Almas.
Em Corpos analiso questões referentes ao embelezamento feminino, a
higiene dos corpos, a eugenia, as habilidades manuais e corporais esperadas de
uma mulher e as formas de limitação e controle impostas sobre seus corpos.
Já em Almas procuro abranger uma análise da educação feminina e das
representações dos saberes que se julgavam fundamentais na vida de uma mulher
moderna: ser uma boa dona-de-casa, esposa e mãe, saber cozinhar bem, lavar
roupa, cuidar da casa com bom gosto. Compreende também como ocorreu a
transmissão destes saberes na Escola Normal de Piraju, com ênfase na disciplina de
Economia Doméstica ministrada por Conceição Martini no período pesquisado.
81
3.1. Corpos
A mulher é antes de tudo, uma imagem. Um rosto, um corpo, um vestido ou
nu. A mulher é feita de aparências. E isso se acentua mais porque, na cultura
judaico-cristã ela é constrangida ao silêncio público. Ela deve ora se ocultar, ora se
mostrar. Códigos bastante precisos regem suas aparições assim como as de tal ou
qual parte de seu corpo.144
Mulher
Ele a fez matematicamente mulher
para ser
somada ao companheiro
multiplicada em sua prole
dividida com a humanidade
subtraída nunca em seu Eu maior: - ser mulher.
Deu-lhe
beleza ao corpo escultural
bondade ao coração maternal
doçura para vida matrimonial
inteligência para ser do homem uma igual
calor para vivência fraternal
discernimento para ética e moral.
Deu-lhe
os parâmetros para ser feliz.145
A poesia Mulher, escrita pela professora Maria Conceição Martini traz
referências importantes sobre o modo como nossa personagem entende o que é ser
mulher e as funções de seu corpo e de sua alma.
Entre os pressupostos da modernidade, encontramos a importância destinada
à saúde e beleza dos corpos que podem ser entendidos como
memória mutante das leis e dos códigos de cada cultura, registro das
soluções e dos limites científicos e tecnológicos, o corpo não cessa de ser
(re)fabricado ao longo do tempo.146
144
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.51.
MARTINI, Maria Conceição Pereira. Mulher. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: João
Scortecci Editora, 1992. p.07.
145
82
Na década de 50, os ideais eugênicos em voga pediam corpos saudáveis,
dispostos, aptos. Para as mulheres estas características estavam intimamente
ligadas ao bom cumprimento da missão maior que esperavam delas Pátria e
sociedade: ser mãe.
Não escapando aos discursos eugenistas dentro dos quais foi educada,
professora Conceição os entende – corpo e alma – como fontes para a realização
deste sagrado dever feminino. Para tanto, o corpo devia ser “escultural”, pois
somente assim atrairia os melhores olhares e a alma educadamente doce para ser
capaz de preservar a vida matrimonial.
Primeiro mandamento das mulheres: beleza. “Seja bela e cale-se”, é o que se
lhe impõe, desde a noite dos tempos talvez. (...) A beleza é um capital na troca
amorosa ou na conquista matrimonial.147
Estar sempre bonita, bem-cuidada e antenada com a moda era visto como
predicado da mulher moderna, que apesar de passar o dia todo envolvida com os
afazeres domésticos não devia descuidar de sua imagem jamais, pois a imagem
sedutoramente natural devia fazer parte de sua rotina, de sua intimidade.
A beleza do rosto, a dimensão do pescoço, a desenvoltura do busto, das
ancas, o torneado dos membros, a não-discrepância anatômica dos seios, das mãos,
dos pés, a resistência das carnes, o modo de andar, de olhar, de falar... a beleza dos
cabelos, o tamanho, a forma e a cor dos olhos, dos cílio, das sobrancelhas, o
colorido, a forma e a dimensão dos lábios e dentes, do nariz e das orelhas, a forma
das mãos, dos pés e das unhas, essas características eram consideradas adornos
naturais que deveriam ser cultivados (...) para ditar o padrão que se almejava como
estética da mulher brasileira.148
146
Sobre a inserção dos corpos na história e para encontrar mais pistas sobre uma “história dos
corpos” ver Denise Bernuzzi de Sant’Anna: Políticas do Corpo e Corpos de Passagem e Maria Izilda
Santos de Matos: Âncora de Emoções.
147
PERROT, Michelle. Op. Cit.
148
RAMOS, Marina Bernardete. Perfectíveis corpos – Corpo e Nação: Territorialidades
Imponderáveis. In: Revista Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em
História e do Departamento de História da PUC-SP. (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
São Paulo: 2002. nº 25. p.294.
83
Por ser a beleza feminina considerada capital simbólico e por vezes
financeiro, a modernidade abriu um predicado para todas as mulheres: se antes “as
feias caiam em desgraça”, a partir do século XX elas foram resgatadas, através dos
cosméticos e das maquiagens, novidades para tornar todas as mulheres belas.149
A partir de meados dos anos 50 e começo dos anos 60, um novo discurso
sobre a beleza e os cuidados com o corpo foi articulado e se propagou através da
imprensa: a idéia de que modificar o corpo era não só possível, mas também
necessário. Assim, neste momento, principalmente os anúncios de cosméticos e
outros produtos para o cuidado com o corpo insistiam sobre a idéia do prazer da
transformação corporal. (...) Era, portanto, mais necessário às mulheres a construção
de uma aparência na qual deveriam ser observados cuidados com todo o corpo.
Pele, cabelos, mãos, pescoço, etc, deveriam demonstrar o encanto, a suavidade e a
graça, tidos como partes fundamentais e “naturais” do universo feminino.150
Em Piraju, as mulheres contavam com as dicas da Miss Poly Ponds151
publicada no Comércio. Os anúncios em forma de “conversas de mulher para
mulher”, nos quais eram respondidas dúvidas femininas que tratavam desde as
formas para manter a pele sempre bonita até como conversar comportadamente
sem gesticular em excesso, serviam para divulgar os cosméticos da marca norteamericana e criar o hábito de consumi-los.
Sou ainda muito jovem e já tenho uma cútis feia. Por favor, que devo fazer
para melhorá-la?
A melhor maneira de evitar que sua cútis se estrague é mantê-la bem limpa.
Para todas as mulheres, principalmente as muito jovens a limpeza da cútis deve ser
uma questão de hábito. Eis o tratamento obrigatório para você em várias horas do
dia.152
149
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.50.
Oliveira, Nucia Alexandra Silva de. A beleza que se compra... o gênero que se constrói. Uma
análise de anúncios publicitários de produtos de beleza para homens e mulheres (1950-1990). In:
Anais
Fazendo
Gênero
7.
Florianópolis,
SC:
2006.
Disponível
em:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/N/Nucia_Alexandra_Silva_de_Oliveira_43.pdf. Acesso em
14 de setembro de 2008.
151
As dicas da Miss Polly Ponds eram uma forma de divulgar a marca de cosméticos norte-americana
Pond’s, fundada pelo farmacêutico Theron Pond em 1846.
152
CANTINHO DA MENINA MOÇA. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju. p.2. 10 dez. 1962.
150
84
Também a marca de cosméticos Helena Rubinstein, representada em Piraju
pela Casa Arbex, anunciada pela primeira vez em 1958, em letras coloridas, veio
oferecer soluções para qualquer que fossem os problemas de beleza das
pirajuenses:
Helena Rubinstein
Tem o prazer de convidá-la para uma consulta de beleza na CASA ARBEX,
onde uma das suas melhores assistentes estará ao seu dispor, para analisar sua
cútis e ensinar-lhe como usar seus produtos de beleza em casa. A consulta inclui,
também graciosamente, a aplicação de um maquillage ‘sob medida’ para maior
realce de seus encantos. Certa de que esta consulta resolverá qualquer que seja o
seu problema de beleza, agradece a gentileza de sua visita.153
Não só a pele, mas também os cabelos eram objeto de discussões. No lugar
de representação que é o corpo feminino, eles têm grande importância. Michelle
Perrot afirma que ”o penteado transforma os cabelos em peça do vestuário, em
objeto de arte e de moda, que passam a fazer parte da mise-em-scène da sedução,
da elegância.”154
Embora em Piraju, tal empenho nem sempre fosse apreciado. Às vezes, as
tentativas de “ficar no grito da moda” geravam comentários de deboche.
Novo penteado surge em Piraju, neste fim de ano, com a encantadora Vera
Lucia Petersen, mostrando-nos a evolução da moda feminina. Cabelos caídos na
testa, e presos em forma de um ‘coque’. Vocês gostaram de vê-la? Muitos não.
Porém, eu gostei!155
Outras seções destinadas ao embelezamento feminino e a outros “assuntos
de mulher” como dicas sobre comportamento, alimentação, moda e sobre seu papel
enquanto trabalhadora, esposa e mãe apareceram e desapareceram das páginas de
O Comércio de Piraju durante o período analisado. Em comum, afirmavam que cabia
à mulher moderna saber se comportar com “graça e encanto”.156
153
ANÚNCIO HELENA RUBINSTEIN, CASA ARBEX. Ibidem, p.6, 15 mar. 1958.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007. p.59.
155
SOCIETY. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 19 dez. 1959.
156
A seção Notas Femininas que era retirada da Santos & Santos Interpress, agência de notícias da
capital paulistana, da qual O Comércio obtinha suas notícias nacionais e internacionais, foi publicada
154
85
Mas as novidades estéticas nem sempre eram bem recebidas. Na Piraju dos
Anos Dourados, esse medo das novas expressões corporais femininas aparecia nas
críticas da Coluna Espinafre, que eram anônimas. Apesar de não saber o nome do
autor, podemos supor que era um homem ou uma mulher que se fazia passar por
um.
O tingimento dos cabelos, através dos novos produtos para essa finalidade
que invadiram o mercado a partir da década de 50, não foram bem recebidos por
todos:
Mulher é a coisa mais incompreensível que Deus criou. São bonitas, lindas,
mas fazem um esforço miserável para estragarem a beleza...ora pintando os
cabelos, ora vestindo conjuntos absurdos e horrorosos etc. etc. Enfim... ‘nóis gosta
assim mesmo’...
Aliás essa mania de pintar os cabelos, além de horrível é um absurdo.... Não
compreendo como certos pais permitem que isto aconteça a meninas mal saídas dos
‘cueiros’.157
Mas não bastava que os corpos femininos fossem somente bem talhados ou
esculturais como afirmou a poesia de Conceição, acima de tudo, era necessário que
fossem saudáveis. Somente corpos saudáveis podiam cumprir seu dever de procriar
“crianças fortes e sadias – homens do porvir, concorrendo assim para melhorar a
humanidade”, segundo artigo assinado pela professora.158
O artigo intitulado Eugenia e Puericultura, publicado no Prisma Escolar159,
suplemento educacional de O Comércio de Piraju em 1953 tratava sobre as relações
esporadicamente entre os anos 50 e 60. As Notas Femininas trataram desde informar qual era o
“vestido que estava no grito da moda” e como deveria ser utilizado até que era “preferível sair com
um lenço à cabeça, do que exibir grampos e rolinhos prendendo os cabelos”. Dicas de exercícios
para afinar a cintura e da importância de escovar os cabelos durante meia hora por dia também
constaram das Notas, além de testes para saber se a mulher realmente estava amando. As do início
da década de 60 dedicaram mais espaço para a relação mãe e filho do que anteriormente dedicava
aos cuidados femininos com o tipo de roupa correta, com os cabelos, maquiagem, etc. No ano de 63,
surge uma sessão de “Conselhos Práticos”, assinada por Tia Cotinha, que tinha como objetivo
reproduzir no jornal “dicas” culinárias, de moda e higiene, visando servir como instrumento de
preparação para as moçoilas casadoiras. SEGREDINHOS DE MULHER. Ibidem, p.2, 21 fev. 1959;
NOTAS FEMININAS, Ibidem, 11 nov. e 21 nov. 1959 e TIA COTINHA, CONSELHOS PRÁTICOS.
Ibidem, p.2, 04 jun. 1963.
157
ESPINAFRE. Ibidem, p.2, 28 nov. 1959.
158
EUGENIA E PUERICULTURA, Maria Conceição Pereira Martini. Suplemento Estudantil O Prisma
Escolar. In: Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 15 ago. 1953.
159
O Prisma Escolar - Jornal Estudantil do Colégio Estadual e Escola Normal de Piraju nasceu em 10
de maio de 1953 e foi apresentado à sociedade pirajuense pelo professor de Língua Portuguesa Hélio
86
entre eugenia e puericultura como forma de construir uma nação moderna através
da geração de cidadãos mais fortes, sadios e capazes:
Ensinar puericultura é ensinar eugenia. Ensinar puericultura à mãezinha, à
adolescente e à garota de curso primário.
Nunca será demasiado cedo para preparar a mulher para o bom desempenho
da sublime missão que a vida lhe reserva – ser mãe.
Nunca será demasiado cedo ensinar à mulher os meios e recursos com os
quais poderá orientar e auxiliar criaturas menos esclarecidas, tornando-as capazes
de oferecerem ao mundo rebentos sadios e fortes e de saberem criá-los e educá-los
integralmente.160
Para Denise Bernuzzi de Sant’Anna, tais discursos revelam entre outras “as
diversas nuanças do antigo sonho de ser moderno e civilizado, que há muito
persegue as elites desse país”.161
Uma conduta moderada em relação à sexualidade, uma boa aparência do
corpo, hábitos de higiene, aspirações de acesso social, educação, trabalho seriam
índices para classificar homens e mulheres numa taxonomia étnica brasileira.162
Falar em eugenia, menos de 10 anos após o final da Segunda Grande Guerra
pode ser uma demonstração de valores morais muito fortes nesse momento, que se
refletem nas noções de patriotismo e religiosidade.163
Para criar e manter corpos belos e saudáveis as práticas desportivas eram
amplamente incentivadas em Piraju, para homens e mulheres.
Magdalena. O articulista Valdir Bittencourt Carvalho, na semana seguinte elogiou a iniciativa e
desejou que a partir dela se fizessem novas assinaturas do jornal O Comércio já que O Prisma
Escolar passaria a ser “indispensável no lar de todos os estudantes”... O suplemento que vinha
encadernado juntamente com O Comércio constituiu-se em oportunidade de encontrar Conceição
Martini escrevendo e revelando seus posicionamentos, dando maior visibilidade à nossa personagem.
Na edição do dia 15 de agosto de 1953, a professora Conceição Martini aparece no Comércio de
Piraju, pela primeira vez, assinando um artigo chamado Eugenia e Puericultura, dentro do Prisma.
160
EUGENIA E PUERICULTURA, Maria Conceição Pereira Martini. Suplemento Estudantil O Prisma
Escolar. In: Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 15 ago. 1953.
161
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para
uma história do corpo no Brasil. In: Políticas do Corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. p.122
162
RAMOS, Marina Bernardete. Op. Cit.
163
PASSOS, Elizete. Crenças morais de uma educadora. In: FERREIRA, Silvia Lucia &
NASCIMENTO, Enilda Rosendo do (org.). Imagens da mulher na cultura contemporânea. Salvador,
BA: NEIM/ UFBA, 2002. Col. Bahianas, 7. p. 221
87
Para elas eram recomendadas as modalidades que ressaltassem a elegância,
a graça e a leveza “natural” dos movimentos femininos: a natação desde que não se
ultrapassasse os 400m, as corridas rasas até 200m, o ciclismo em provas de curta
duração, esportes coletivos como o vôlei e o basquete, desde que fossem
“obedecidas as novas regras, que procuravam evitar ao máximo o contato pessoal e
os choques entre as disputantes. O futebol era seriamente contra-indicado, pois sua
prática era considerada “absurda e nociva e o espetáculo oferecido anti-desportivo e
antifisiológico”.164
É hoje ponto pacífico, a indicação e a necessidade da educação física
feminina e mesmo fora do âmbito dos militantes especializados são bem conhecidos
seus efeitos benéficos. Há, no entretanto, vários aspectos a serem observados, e
uma orientação sábia e sensata é fundamental, pois a mulher não difere do homem
só no seu aspecto morfológico, por ter ossos mais delicados, bacia mais larga,
músculos menos potentes e formas mais arredondadas. Também em várias facetas
de seu espírito, está bem caracterizada a individualidade feminina.165
Segundo Cláudia Maria de Farias:
Através desta associação, onde se distinguia quais as atividades esportivas
consideradas mais adequadas à condição feminina, o discurso médico-eugênico
transformava o corpo feminino em objeto de discussão e análise, construindo
paralelamente representações de feminilidade e masculinidade que apontavam para
uma moralização dos corpos e uma diferenciação “natural” entre os sexos.166
Entre os desportos praticados em Piraju no período analisado observamos
sobretudo, a natação nas águas do Rio Paranapanema. A prática que quase
desapareceu (e atualmente vem sendo retomada na cidade através de provas e
campeonatos esparsos), nas décadas de 50 e 60 era constante.
164
DESPORTOS PARA A MULHER, SECÇÃO ESCOLAR. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.4,
28 set. 1957.
165
Idem, Ibidem.
166
FARIAS, Cláudia Maria de. Projeção e emancipação das mulheres brasileiras no esporte, 19321968. In: Anais do Encontro 2008 da ANPUH. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:
http://encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1214931563_ARQUIVO_Texto2ANPUHRJ2008.pdf. Acesso em 10 de novembro de 2008.
88
Praticar natação no Rio Paranapanema às margens da Sociedade Atlética
Paranapanema era uma atividade de lazer para a classe privilegiada. Os populares
também podiam praticá-la, já que o rio atravessa a cidade, embora a prática não
tivesse o mesmo glamour se não ocorresse no clube da elite.
Provas de natação eram comuns e incentivadas aos jovens como forma de
estimular o desenvolvimento físico e manter a saúde. Segundo os discursos, não
havia sequer a necessidade da construção de piscinas como haviam em clubes de
outras cidades, pois a natureza havia brindado Piraju com “lugares pitorescos,
talhados tanto para o entretenimento do espírito quanto para a tonificação do corpo
e a cultura da beleza plástica.”
Enquanto em outras cidades, os clubes constroem piscinas para que seus
associados possam dedicar-se à natação, a Sociedade Atlética Paranapanema,
plantada à beira do majestoso rio, dispõe de excelente recanto para a prática do
esporte e magnífica praça para exercícios destinados ao fortalecimento do físico. A
mocidade ali se delicia com movimentos que desenvolvem os músculos sem
violência, facultando-lhes gozar dos três fatores imprescindíveis à saúde: sol, água e
ar. Crianças, jovens, adultos, todos se entregam a atividades benéficas ao
organismo, com aquela alegria peculiar aos que sabem aproveitar os encantos que a
natureza proporciona ao ser humano.167
Diferentemente dos tempos atuais, em que a quase totalidade dos indivíduos
que podem ser vistos “saltando do Arvão” (uma árvore na qual está preso uma
espécie de balanço improvisado) para um mergulho no “Panema” é composta de
crianças e adolescentes oriundos dos bairros populares, no período pesquisado
também a elite local mantinha um relacionamento intenso com o rio. Algumas vezes,
andando pelo passeio público que circunda a orla do rio, podemos observar
especialmente jovens que paravam seus carros para um rápido mergulho. Alguns
cidadãos ilustres em conversas informais relataram que costumam dar um mergulho
no Paranapanema para “aliviar o stress diário”.
Tais atitudes mostram mudanças nas formas de relacionamento dos
pirajuenses e seus corpos com o rio: se outrora a prática da natação no
Paranapanema era motivada como atividade física para manter o corpo saudável e
167
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.6, 20 jan. 1952.
89
belo, atualmente é encarada como modo simples de “relaxamento”. Mas a natação
no rio não é mais uma forma de lazer das elites, que agora dispõem de piscinas nos
clubes, apesar de ainda ocorrer às margens do Iate Clube (nome atual da antiga
Sociedade Atlética Paranapanema).
Os cuidados com o embelezamento do corpo atualmente têm outros lugares
para acontecer: as duas academias de ginástica próximas ao rio, que com suas
paredes de vidro permitem aos indivíduos malharem observando o Paranapanema
de uma distância segura, enquanto tonificam seus físicos em aparelhos pósmodernos para esse fim.
A postura corporal da mulher da mulher moderna também constituía motivo
de preocupação que apareceu ressaltada no artigo escrito pela professora de
educação física do Colégio Normal Arlete Barreto Gatti em 20 de julho de 57, na
Secção Escolar de O Comércio de Piraju.
A ‘mulher mundana’ de nossa época – como pode facilmente ser comprovado
pelo exame de qualquer revista de moda – distingue-se pelo seu porte
absolutamente antinatural. Sendo o abdômen proeminente, a cintura côncava, as
ancas avançadas, exerce-se uma pressão constante sobre os órgãos femininos mais
avançados.168
168
SENHORITA, APRENDA A FICAR EM PÉ! Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.5, 20 jul. 1950.
90
Imagens 13 e 14: Corpos à mostra. A prática esportiva era incentivada, pois ajudava a tornar a mulher moderna
forte e sadia. Entre os esportes recomendados, a ginástica e a natação, que em Piraju destacava-se por ser
realizada no rio Paranapanema. As imagens capturadas de filmes em cinemascope produzidos no período deste
estudo, nos permitir visualizar não só os corpos à mostra, em biquínis recatados e uniformes para a realização
das aulas de Educação Física, mas também as práticas corporais femininas para manterem-se belas e
saudáveis. As seqüências dos vídeos trazem respectivamente, as mulheres nadando no rio (imagem 13) e as
estudantes apresentando-se aos professores na Escola Normal (imagem 14). Fonte: vídeo produzido nos anos
50.
91
Além dos cuidados com o corpo através da prática de esportes, cuidar da
saúde também constituía dimensão importante do viver moderno dentro do
pensamento eugênico.
As idéias de Pasteur e Kock, os conhecimentos sobre micróbios e bactérias
mudaram as formas se relacionar com a saúde dos corpos, pois tornaram possíveis:
(...) outras formas de compreensão das causas das doenças, dos corpos e da
higiene, bem como das formas de transmissão das doenças, da idéia de contágio e
da sua cura. Era preciso mudar hábitos e atitudes.169
Na década de 50, o grande o número casos de tuberculose em Piraju
demonstrou que o Hospital Municipal precisava encaixar-se nesse padrão desejado.
Para tanto, buscou-se modernizar os serviços de saúde através de sua ampliação,
iniciada no final dos anos 40 e concluída em 1959170, com a construção do
isolamento para tuberculosos e da maternidade. Até mesmo a preocupação com as
cores com que foram pintados os quartos correspondiam “às exigências modernas”.
O tom azul-claro em predileção ao branco foi escolhido por que era considerado o
ideal para “não cansar a vista”.171
Em suma, nos Anos Dourados a preocupação com a beleza corporal e a
correção moral, estiveram presentes em Piraju, fosse através do incentivo à prática de
esportes para o desenvolvimento físico, fosse através dos anúncios nos jornais e dos
desfiles de modas já citados anteriormente, nos quais havia a exibição dos corpos
femininos.
Também os cadernos de Economia Doméstica pesquisados constituíam
uma demonstração deste pensamento. Imagens e mais imagens de mulheres sempre
impecáveis podem ser vistas neles – recortadas de jornais e revistas, em maioria de
anúncios de eletrodomésticos, cosméticos:
169
MATOS, Maria Izilda Santos de. Corpos numa Paulicéia desvairada: Mulheres, homens e médicos.
São Paulo (1890-1930). In: Revista Projeto História: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados
em História e do Departamento de História da PUC-SP. (Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo) São Paulo: 2002. nº 25. p.383.
170
“Com a instalação da maternidade neste nosocômio, onde outrora se via um longo muro, ergue[u]se uma fachada de estrutura moderna, neste estilo que para Piraju veio junto com o bafo de
realizações, (...) de progresso sem par.” Jornal O Comércio de Piraju, p.3, 05 set. 1959.
171
Idem, ibidem.
92
Não importava a atividade que estivesse sendo desempenhada: lavando
roupa, costurando, cozinhando ou namorando, independente da situação as
mulheres exibiam-se impecáveis, desde os pés até a cabeça.172
Imagens 15, 16, 17 e 18: A mulher moderna devia estar sempre irretocável, não importava a atividade que
estivesse realizando. Fonte: Cadernos de Economia Doméstica e vídeo produzido na década de 50.
172
MIGUEL, Raquel de Barros Pinto. Corpos femininos e publicidade na revista Capricho (décadas
de 1950-1960). In: Anais Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, SC: 2008. p.4.
Disponível em: http://www.fazendogenero8.ufsc.br/sts/ST48/Raquel_de_Barros_Pinto_Miguel_48.pdf.
Acesso em 18 de outubro de 2008.
93
Desenvolver habilidades corporais e manuais era incentivado às jovens,
especialmente na Escola Normal. Nas aulas de Economia Doméstica, por exemplo,
a normalista aprendia a costurar, bordar, tricotar, mas também aprendia como
comportar-se à mesa, como manter a (com)postura pois cabia a ela agir com graça e
encanto.
As exposições e mostras dos resultados obtidos em sala de aula eram uma
constante na vida social da cidade. Diversos registros fotográficos demonstram o
valor dado a tais eventos. Neles se apresentavam as produções das alunas que iam
desde peças do enxoval e roupinhas de bebê cujas receitas estavam bem grafadas
em seus cadernos, brinquedos, cartazes que apontavam os cuidados que a mulher
deveria ter como esposa e especialmente como mãe ao atentar para a perfeita
organização da casa, da higiene e do tratamento dispensado às crianças – que era
aprendido nas aulas de Puericultura – chegando até as concepções de patriotismo
fortemente presentes na professora Conceição e no ensino do período, através da
apresentação de cartazes saudando os ideais revolucionários de 32.
Imagem 19 e 20 : Fotografias de 1959 e 1963 retratam “a forma como se preparavam as alunas” para serem boas esposas
e especialmente boas mães. Moldes e roupinhas de bebê, horários das mamadas, tabela de peso e altura. Além disso, a
forte presença da religião e a representação da mulher/ mãe como “símbolo de pureza” e sua equiparação à “mãe do céu”.
Fonte: Arquivo particular da família de Maria Conceição Martini.
94
95
3.2. Silêncios do corpo feminino em Piraju nos Anos Dourados
O corpo está no centro de toda relação de poder. Mas o corpo das mulheres é
o centro, de maneira imediata e específica. Sua aparência, sua beleza, suas formas,
suas roupas, seus gestos, sua maneira de andar, de olhar, de falar e de rir
(provocante, o riso não cai bem às mulheres, prefere-se que elas fiquem com as
lágrimas) são objeto de uma perpétua suspeita. Suspeita que visa o seu sexo, vulcão
da terra. Enclausurá-las seria a melhor solução: em um espaço fechado e controlado,
ou no mínimo sob um véu que mascara sua chama incendiária.173
Proibidas de expor sua opinião publicamente em assuntos que certamente as
interessavam, pelo sim ou pelo não, foram tratadas com desrespeito em diversas
oportunidades.
Em certa ocasião, um pai enviou carta ao jornal denunciando a realização de
um banquete no qual as, sobremesas levariam os nomes de moças trabalhadoras
da Escola Normal, Ginásio e do Posto de Saúde:
Chegou ao meu conhecimento – como se tornou público em toda a cidade –
que estava em preparo aqui em Piraju um grande banquete a ser realizado no
domingo atrasado, dia 2, caso o Snr. Governador do Estado renunciasse a seu cargo
– como se esperava – e o Snr. Vice-Governador o substituísse naquelas funções.
Seriam participantes desse banquete os próceres do Partido Social Democrático,
local, idealizadores do festim e o cardápio seria composto de vários pratos que iriam
receber os nomes dos funcionários públicos estaduais, nomeados pelo atual governo
do Estado, para esta cidade. Comentou-se, com ironia, com muita maldade e muita
malícia, publicamente por ai, que os vários funcionários do sexo feminino da Escola
Normal e Ginásio e do Posto de Saúde figurariam como os pratos de ‘SOBREMESA’.
Essas funcionárias, nominalmente citadas publicamente, uma por uma, se
constituem de moças e de senhoras casadas, quase todas professoras públicas,
pertencentes a famílias mui dignas e radicadas, quase em sua totalidade, nesta
cidade. Uma delas – minha filha – embora natural da capital do Estado, aqui se acha
radicada há mais de 4 anos, formou-se pela Escola Normal, daqui, em 1948, em
primeiro lugar, premiada pelo Estado e aqui se consorciou com filho de criação de
Piraju. O Snr. Prefeito local, dirigente do Partido Social Democrático que seria o
principal participante do banquete, foi o paraninfo da formatura dessa turma de
minha filha...174
173
PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. pp.317318.
174
CARTA DE BENEDITO TAVARES DE TOLEDO. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 16 abr.
1950.
96
O ataque não era exclusivo nem restrito às mulheres, mas aos funcionários
com cargos de nomeação. Ainda quando destratadas, a elas não se reservava o
status (de prato) principal, mas de suplemento, de sobremesa, que é servida depois
e guarda características de beleza, doçura e prazer próprias das representações do
feminino.
Se havia falta de respeito mesmo em se tratando de moças e senhoras de
“mui dignas famílias”, quando quem sofria o abuso pertencia a camada popular, a
situação era pior ainda, como ocorreu no caso de uma menina que foi sexualmente
abusada pelo pai. Por não ter ocorrido com algum representante da elite local, o fato
se tornou motivo de piadas e deboches nas rodas da “high society”.
Lamentável. Humilhante. Degradante. É a ‘chacota’, são os ‘xistes’ que se
fazem com o caso, que é a vergonha de uma sociedade, que é o reflexo de uma
época de horror, sofrimento e promiscuidade que a maioria sofredora vive. Piadas na
rua, piadas no cinema, piadas no circo... sobre uma menina de 13 anos que teve o
infortúnio de ser infelicitada pelo próprio pai. Silêncio em respeito à menina, em
respeito à esposa, em respeito aos irmãozinhos... em respeito às nossas famílias...175
Não só para as mulheres violentadas moral ou fisicamente a cidade se
apresentava pouco acolhedora. Mães solteiras e mulheres largadas também
sentiram na pele o preconceito. Conceição Martini, nossa personagem retornou à
“Cidade-Jardim”, com três filhos para criar sozinha, pois aqui se encontrava parte de
sua família e de seu ex-marido. Não que Piraju fosse essencialmente acolhedora
com mães solteiras...
Muito eram os casos de mães solteiras na cidade, fato justificado por ser
Piraju “uma cidade em crescimento, com elevado número de operários, situada na
passagem do trânsito inter-estadual”.176 Tal argumentação demonstra a esquiva em
reconhecer o problema da sociedade pirajuense como um todo, ao ler tais discursos
175
SILÊNCIO POR FAVOR (Coluna Espinafre). Ibidem, p.6, 05 dez. 1959.
O não-reconhecimento do elemento popular na constituição social da cidade se dava não somente
com as mães solteiras, também os operários e operárias moradores do bairro Jurumirim, que na
época era majoritariamente habitado por essa parcela da população sentiram na pele o preconceito.
Coibidos de adentrar aos bailes da alta sociedade por não trajarem roupas como as da elite e claro,
por desejarem freqüentar um “ambiente selecionado” que não lhes pertencia: “Uma coisa que anotei
e não posso deixar de observar, é sobre o pessoal da Jurumirim que também se achava presente
[num baile de carnaval]. Será que a Jurumirim virou festança e o Clube ‘9 de Julho’ trabalho? Ou será
que traje de trabalho é também traje ‘esporte’? Creio que não! o ‘it’ principal de uma sociedade é o
ambiente selecionado “. SOCIETY. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.2, 13 fev. 1960.
176
97
temos a impressão que a questão não tem relação com a cidade em si, como se os
operários e os populares não a compusessem. Não havia estrutura para ajudar
mulheres que porventura engravidassem sem marido. A única instituição que abria
suas portas era o Asilo, que mesmo assim não era apropriado para tal função.
Seguidamente, surgem famílias sem o seu chefe natural e sem um
determinado destino... (...) Mães, com filhos menores, que são os casos mais
freqüentes, após procurarem as devidas autoridades, as quais, aqui na cidade não
dispõem de organizações adequadas, vêm ao Asilo, como a única apropriada
instituição de caridade em função.177
Numa sociedade que se orgulhava das riquezas geradas pelo café, a pobreza
mostrava sua face cruel especialmente entre as mulheres, que constituíam a grande
parcela dos miseráveis que se dirigiam até a Prefeitura Municipal para esmolar.178
As restrições eram feitas aos seus corpos, seus sexos e suas bocas. O direito
à palavra é e sempre foi masculino. As mulheres falavam, mas não em público. Na
esfera pública a palavra pertencia somente a eles.
As mulheres falam, inicialmente entre elas, na sombra do gineceu ou da casa;
mas também no mercado, no lavadouro, local de mexericos temido pelos homens
que tem medo de suas confidências. (...) As mulheres contam, dizem – e maldizem –
cantam e choram, suplicam e rezam, clamam e protestam, tagarelam e zombam,
gritam e vociferam. (...) Mas sua palavra pertence à vertente privada das coisas... (...)
O que é recusado às mulheres é a palavra pública.179
Sobre quais assuntos homens e mulheres podiam tratar? Aos homens
competiam aqueles de interesse público, de “importância”. Banalidades, trivialidades
177
Ibidem, p.1, 13 fev. 1960.
“Tivemos já a oportunidade de escrever sobre o grande número de pedintes que comparecem
diariamente ao gabinete do Prefeito, para solicitar auxilio. Em maior número de casos, são mulheres
quase sempre acompanhadas de crianças”. A POBREZA IMPERA. Ibidem, p.1, 08 fev. 1964.
179
PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru, SP: EDUSC, 2005. pp.317-318.
178
98
é que eram assunto de mulheres, que não deviam ocupar-se dos assuntos
masculinos, mas sim da casa e no máximo em escrever “receitas de pudim”.180
Quando se reuniam às soleiras das portas eram classificadas de “fuxiqueiras
e causadoras de intrigas”.
Um esclarecimento por desencargo de consciência... O C.M.F (Centro
Municipal de Fuchico) do descidão da rua Cerqueira César (elas se reconhecem) é
constituído só de saias, quero dizer sexo feminino. Masculino não. [...] Homem
não.181
Tal atitude demonstra que o lugar da conversa feminina era da porta para
dentro da casa, da igreja ou das reuniões sociais. A rua para elas era lugar de
silêncio. Além disso, os assuntos a serem por elas tratados deviam estar
relacionados às benesses que podiam proporcionar às suas famílias, à cidade e à
Nação.
Essa mulher, que não tinha direito à palavra pública, precisava ser ensinada e
controlada cotidianamente. Afinal, o lugar de “mulheres de respeito” não era à
soleira das portas, fazendo fofocas, mas sim, no reduto do lar, cuidando da casa,
marido e filhos e para isso era necessário disciplinar também a alma feminina.
3..3. Alma
Professora Conceição costumava iniciar o ano letivo da disciplina de
Economia Doméstica com um excerto do Livro das Noivas de Julia Lopes de
Almeida que dizia:
A mulher não nasceu para adorno, nasceu para a luta, para o amor e para o
triunfo do mundo inteiro.
180
“Mas, escrever o quê, então? Receitas de pudim? Que escrevam as senhoras, ou alguém que se
esconde atrás de nome feminino, sendo barbudo mesmo”. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.5,
02 jul. 1954.
181
Espinafre. Ibidem, p.3, 21 nov. 1959.
99
(...)
É a nos, como mães, que a Pátria suplica bons cidadãos.
É de nós, quando esposas, que a sociedade exige o maior exemplo de
dignidade e de moral.
Com a educação superficialíssima que temos não meditamos nisto, e levamos
de contínuo a queixar-nos que é nulo o papel que nos confiaram... como poderíamos,
todavia, encontrar outro, mais amplo e mais sagrado? 182
Dentro do discurso racionalista-científico em voga desde o início do século
XX, era à mulher a quem cabia desencadear a reforma de hábitos e
comportamentos que conduziriam a sociedade à almejada modernidade através da
criação de “bons cidadãos para a Pátria”.
A mãe de família, a boa dona de casa, na aparente modéstia de suas tarefas,
cuidando da economia do lar, acalentando o filhinho, alimentando-o, ensinando-lhe
as primeiras palavras, instilando-lhe na alma os bons sentimentos, defendendo-o
contra os perigos materiais e morais está realizando uma obra admirável de criação;
a formação de uma criatura útil à sua Pátria e à humanidade.183
Tanto que para ela foram destinados os papéis de “esposa, dona-de-casa,
mãe (da família e da Pátria), enfermeira, professora”.
Filha, esposa e mãe, primeira mestra, administradora dos bens familiares,
enfermeira, amiga de todas as horas, fiel e dedicada, companheira de alegrias e
tristezas é realmente a mulher, a verdadeira “Rainha do Lar”.184
Em muitas de suas poesias, também Conceição Martini, uma mulher de seu
tempo, deixou claro o que acreditava ser a “sublime missão” que a vida reservava à
uma mulher: ser esposa e mãe.
182
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia Romero. Piraju-SP,
1959.
183
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Nilza Maria Dell’ Agnolo. Piraju-SP,
1957.
184
Ibidem.
100
Os rebentos
chegaram
cada um a
seu tempo
bemvindos
chegaram
deixaram o ventre
e no coração
se instalaram185
Amor
Casamento
Filhos
- ventura
- realização
- continuidade186
Para criar esta sociedade moderna e higienizada, acreditava-se que devia ser
respaldada pela organização social e moral, cujo pilar era a família. Convocou-se a
mulher para que retornasse ao lar e assumisse a missão de ser “a mãe de uma nova
Pátria”, aprender para tanto “noções indispensáveis de higiene, contabilidade,
puericultura, enfermagem” entre outras. Para realizar tal missão era necessário que
os saberes domésticos fossem sistematizados e não somente vivenciados
empiricamente:
Tão complexos se apresentam os problemas da família, que a dona-de-casa,
no seu lar, no seu viver diário necessita de um conjunto de sistematizado e variado
de conhecimentos científicos a fim de que as tarefas não sejam desempenhadas
empiricamente. São lhe indispensáveis noções de: higiene, nutrologia, contabilidade
doméstica, jardinagem, horticultura, enfermagem, puericultura e deveres sociais.187
A preocupação e a responsabilidade feminina em criar e manter um ambiente
saudável e ordenado e, sobretudo, “homens de bens” era transmitida às jovens da
elite pirajuense nas aulas de Economia Doméstica da Escola Normal, pela
professora Conceição Martini:
185
MARTINI, M.C.P. Minha prole. In: Poesia Palavra Sentimento. São Paulo: João Scortecci Editora,
1992. p.8.
186
MARTINI, M.C.P. Caderno de Poesias. s/d.
187
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Nilza Maria Dell’ Agnolo. Piraju-SP,
1957.
101
A jovem deve compenetrar-se de que será responsável um dia por uma casa,
um lar e uma família. É sobre os joelhos maternos que se forma o que de maior e de
mais útil há no mundo: um homem de bem.188
A Escola Normal tinha duas funções principais: profissionalizar as moças para
uma carreira “respeitosa”, como era considerada a docência primária e ensiná-las a
desempenhar uma função importante dentro da sociedade burguesa: ser esposa,
mãe e professora.
A primeira lição do caderno de Ana Célia Romero, aluna da 7ª série em 1959
informava que o objeto de estudo da Economia Doméstica consistia na diferenciação
entre casa e lar:
Casa é o imóvel em que moramos e onde nos abrigamos contra as
tempestades.
Lar é muito mais que isso, é a casa e a vida sentimental e espiritual da
família. Para que exista um lar no interior das paredes de uma habitação, é
necessário que ali resida o verdadeiro espírito da família. Este espírito compete à
mulher criá-lo e conservá-lo.189
As jovens pirajuenses deviam convencerem-se profundamente que seriam um
dia “responsáveis por uma casa, um lar e uma família” e ainda pelo “futuro do Brasil”:
(...) Em Piraju, bem se compreende a significação alevantada que possui a
entrega de diplomas, mórmente às professorandas, que irão cuidar da infância, da
seiva moça da nacionalidade, do futuro do Brasil.190
As mulheres brasileiras, já no século XIX, encontravam-se em situação
semelhante às de Portugal: muitas eram impedidas de ler, mesmo já tendo
conquistado esse direito, para que não aprendessem “o que não se devia aprender”.
188
Idem, ibidem.
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia Romero, Piraju-SP,
1959.
190
Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.1,06 jul. 1952.
189
102
A elas cabia a educação para o lar: cozer e coser, lavar, bordar e os demais saberes
necessários à futura esposa e mãe.
O pouco caso pela educação no Brasil é herança histórica. A primeira escola
normal surgiu somente em 1835, ou seja, 335 anos após a invasão portuguesa e 13
anos depois da Independência.191 Tais escolas seguiam ainda que precariamente o
modelo francês. Não se verifica uma preocupação com métodos ou com a
preparação sistemática dos professores, visto que isso:
Refletia uma tendência geral da época de que o magistério não constituía
uma profissão, mas sim, uma vocação, para a qual eram necessárias dedicação,
qualidades morais e aptidão. Conhecimentos especializados não eram muito
importantes e um sinal disso foi a ausência da disciplina de Metodologia do
Ensino...192
Num primeiro momento, as escolas normais eram destinadas quase que
exclusivamente ao sexo masculino, somente mais tarde surgiram os cursos para
mulheres que aos poucos começaram a exercer papel principal nos processos
educativos.193
Há uma grande contradição no caminho: a mulher que era privada da
educação por não se considerar que houvesse necessidade de uma educação
formal para exercer os papéis destinados a ela na sociedade: ser esposa e mãe; era
por outro lado, vista como a mais capacitada para ensinar as crianças, já que
possuía habilidades inatas para tal.
Às mulheres reservavam-se duas possibilidades: casar ou ser professora.
Ambas eram vistas como adequadas, sendo o magistério considerado uma espécie
de extensão das atividades assumidas no lar, já que estava fortemente ligado a uma
191
Assegurada aos filhos da elite, restrita às camadas médias e proibida aos escravos até quase o
final do Império, somente com a chegada das idéias trazidas pelo liberalismo francês, é que
verificaremos uma preocupação com a educação no Brasil e um avanço no sentido de criar escolas
para a preparação dos docentes para o ensino primário em expansão.
192
CAMPOS, Maria Christina Siqueira de Souza & SILVA, Vera Lúcia Gaspar. Feminização do
magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista, SP: EDUSF, 2002.
.
p.18
193
“A escola normal de São Paulo, por exemplo, inaugurou sua sessão feminina em 1847, mas só
passou a funcionar efetivamente em 1875. Destinava-se a jovens órfãs, que “aos dezoito anos, não
tivessem sido pedidas em casamento e não quisessem se empregar como domésticas em casas de
famílias de bons costumes” . CAMPOS, op. cit., 2002, p.19.
103
visão de maternidade, como se a professora ocupasse o lugar da mãe no dever de
educar as crianças.
No pós-guerra o pensamento eugênico emergente também despertou uma
influência marcante no delineamento do papel da família, de homens e mulheres.
Procurando difundir as idéias de melhoria de qualidade da raça, o discurso eugenista
apoiou inicialmente a maternologia, reforçando que a função social e cívica da
mulher era garantir a sobrevivência das futuras gerações, o aperfeiçoamento e
fortalecimento da raça.194
Segundo Marina Maluf e Marisa Romero a maternologia podia ser entendida
como:
...um discurso político que operava em relação a outros discursos e em
relação a um arranjo de práticas políticas e sociais concretas, ou seja,
ideologicamente acata a diferença entre os sexos, principalmente a identidade da
mulher como mãe, cuja responsabilidade é a de levar para a sociedade como um
todo os valores intrínsecos à maternidade. E mais, maternalismo era, naquele
momento histórico, o núcleo central e definidor da visão que algumas mulheres
tinham de si mesmas e da política.195
A preocupação em preparar a mulher para cuidar da infância residia na
tentativa de diminuir os altos índices de mortalidade infantil reinantes no período e
que, segundo o Livro de Puericultura utilizado por Conceição em suas aulas,
estavam associados aos seguintes fatores:
1- ignorância das mães no modo de criar os filhos: a) dando alimentação errada em
quantidade, qualidade e horário; b) dando ouvidos a conselhos de comadres,
vizinhas, curandeiros, em lugar de procurar médicos especializados ou Centros de
Saúde.
194
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades.
Bauru, SP: EDUSC, 2007. p.55. Grifo nosso.
195
MALUF, Marina & ROMERO, Marisa. A sublime virtude de ser mãe. In: Projeto História: Revista do
Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. nº 25. São Paulo: EDUC, 2002. p.238.
104
2- miséria que impede a criança de viver em ambiente adequado: habitação sadia,
quarto arejado, roupa apropriada e falta de meios para comprar alimentos e
remédios.196
No currículo das primeiras escolas normais femininas não encontramos
disciplinas pedagógicas, o que nos permite perceber que se achava inerente à
mulher o ato de educar.
(...) a partir do predomínio de uma perspectiva sócio-cultural que reconhecia e
valorizava o saber-fazer doméstico construído nas vivências comunitárias, as
atividades e os afazeres de dona de casa e mãe de família eram encarados como
um mister que as moças conheciam naturalmente.197
Em Piraju, a Escola Normal destinava-se às filhas da elite local e regional,
que argumentavam tanto a ascensão social quanto a preparação para a vida
doméstica que a escola normal proporcionava como motivo que as levava a essa
escolha.
Ser professora ainda no início dos anos 50 era considerado pela sociedade uma
conceituada opção de profissionalização para as mulheres. O trabalho fora do lar, começava
198
a fazer parte da realidade de muitas mulheres.
Para Maria Cândida Delgado Reis, “discursos mistificadores sugeriam – pela
repetição exaustiva de imagens sacralizadas” e fundadas na retórica de um instinto
naturalmente feminino para o tratamento de questões como cuidar de filhos, da
196
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA. DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO.
DIRETORIA DO SERVIÇO DE SAÚDE ESCOLAR. – SÃO PAULO – O Ensino da Puericultura no 4º
ano feminino primário (Planos de Aulas). Org. por Maria Antonieta de Castro, Educadora-Chefe do
Serviço de Saúde Escolar, com a colaboração das Educadoras sanitárias Graziela M. Leite
Vasconcelos e Moriza Menezes de Souza. Boletim da Revista “EDUCAÇÃO”, 1946. p.08.
197
OLIVEIRA, Sueli Teresa de. Uma colméia gigantesca: escola profissional feminina de São Paulo –
1910/20/30. Dissertação de Mestrado em História. São Paulo: PUC, 1992. p.50.
198
FUCKNER, Cleusa Maria. Magistério e Casamento: Memória e Formação no Colégio de Educação
Familiar de Curitiba (1953-1986). In: Anais do IV SEMINÁRIO "PERSPECTIVAS DO ENSINO DE
HISTÓRIA".
Ouro
Preto-MG:
UFOP,
2001.
Disponível
em:
http://www.ichs.ufop.br/perspectivas/anais/GT1401.htm. Acesso em 13 de setembro de 2008.
105
casa199 – o papel da professora como guardiã do futuro ou ainda como “árbitro da
verdade”. Papel que estaria afastado do homem, pois para ser professor primário
era necessário possuir uma “proximidade espiritual” das crianças: intensidade de
emoções, mas a curta duração das mesmas. Ao homem – ser racional não cabia o
emocional, ficando assim reservado à mulher a educação das crianças:
Completando o Lar vem a escola e dentro desta, o Professor: ficaria melhor,
hoje em dia, dizer-se: a Professora. E por que não há mais tantos professores?
Dizia-se, ainda há pouco tempo, que a carreira de professor não era boa para os
homens, por questões econômicas pois os ordenados eram pequenos e só as moças
se sujeitavam a eles. Mas há muitos professores, homens formados na Escola
Normal, que enveredam para outras carreiras. Por que, então, essa dificuldade de
homens para o magistério primário? É que ninguém é professor primário só por o
querer ser; é necessária a vocação, e eu diria, quase a graça de Deus, para isso.
Para esse mistér é necessário o espírito irmão do das crianças e só as mulheres
podem tê-lo. A marca psicológica das mulheres é a intensidade das emoções, mas a
duração muito curta delas. As impressões para os homens são mais duradouras,
embora menos intensas. Assim, para irmanar-se com o espírito da criança que sente
muito, por pouco tempo, que chora agora e ri d’aqui a pouco, só um espírito
semelhante, servido por um cérebro potente, uma cultura às vezes invulgar, uma
noção de responsabilidade que raramente um homem tem, em relação às suas
obrigações e ao seu serviço.200
Semelhante afirmação evidencia a posição conservadora que enveredava a
proposta de educação feminina, que não era vista como um instrumento
emancipador da mulher, mas uma extensão dos espaços e funções a ela destinados
socialmente. Seu lugar, lógico, permaneceria sendo o privado, o lar, mas o papel de
professora poderia complementar tanto esse espaço quanto o orçamento familiar,
que persistia sendo a maior responsabilidade do homem – chefe de família.201
Afora isso, expressa também outro elemento presente tanto na formação da
professora Conceição quanto na das normalistas de sua época: a moral cristã. “É
que ninguém é professor primário só por o querer ser; é necessária a vocação, e eu
diria, quase a graça de Deus, para isso”. A abnegação, o desprendimento de si para
a vivência do servir ao outro são características do cristianismo e estão presentes
199
REIS, Maria Cândida Delgado. Guardiãs do futuro: imagens do magistério de 1895 a 1920 em São
Paulo. In: BRUSCHINI, Cristina & SORJ, Bila (orgs). Novos olhares: mulheres e relações de gênero
no Brasil. São Paulo: Marco Zero, 1994. p.112.
200
EDUCAÇÃO. Jornal O Comércio de Piraju, Piraju, p.3, 19 out. 1952.
201
PASSOS, op. cit., 2002, p. 223.
106
nos discursos do período. O serviço feminino, enquanto educadora é visto como
uma predestinação, como algo natural ao próprio ser mulher.
Apesar do movimento dos pioneiros da educação e da institucionalização de
uma educação laica, a moral cristã ainda se refletia fortemente nas práticas e
discursos das professoras.
Em entrevista concedida ao jornal A Tribuna de Piraju, em 15 de setembro de
1991, a professora Conceição declarou-se, quando perguntada sobre sua religião:
“católica, profundamente católica”.
Também a baixa remuneração pelo exercício da profissão, coadunou para o
afastamento dos homens da mesma, visto ser praticamente impossível manter um
lar somente com o ordenado de professor primário, mas não era somente esse o
motivo para que a função de professor primário fosse recomendada às mulheres.
Corroboravam para isso discursos médicos do início do século que viam a mulher
como um
produto do seu sistema reprodutivo, base de sua função social e de suas
características comportamentais: o útero e os ovários determinariam a conduta
feminina desde a puberdade até a menopausa, bem como seu comportamento
emocional e moral, produzindo um ser incapaz de raciocínios longos, abstrações e
atividade intelectual, mais frágil do ponto de vista físico e sedentário por natureza,
sendo que a combinação desses atributos, aliada à sensibilidade emocional, tornava
as mulheres preparadas para a procriação e criação dos filhos.202
Foi neste contexto de uma prática educacional voltada à preparação da
mulher para exercer a função de dona-de-casa que Conceição Martini viveu e
compreendeu seu mundo. Sua pela Economia Doméstica também pode ser
entendida dentro dele: uma mulher que saiu para trabalhar tardiamente, obrigada
pela necessidade que lhe foi imposta, escolheu como profissão algo perto de seus
valores e crenças.
202
MATOS, op.cit., 2005, p.53.
107
3.4. Ensinar e aprender a ser esposa e mãe
A cadeira de Economia Doméstica e Puericultura foi introduzida nos currículos
escolares nos anos 20, antes mesmo da Reforma Sampaio Dória. Com esta
disciplina visava-se preparar a mulher para além da profissionalização somente para
o trabalho fabril que esta vinha exercendo desde o início da industrialização: para
desempenhar um papel de relevância para a sociedade burguesa – o de esposa
exemplar e mãe dedicada. Trazer a mulher de volta ao lar, com capacitação para
representar a nova face da burguesia capitalista era o anseio desse momento, visto
que os preceitos para construir uma grande Nação residiam justamente na
organização social através especialmente da colaboração de cada indivíduo dentro
da comunidade e da família.203
Estudar na Escola Normal de Piraju fazia parte dos ideais e representações
femininas da época.204 Os cadernos de Economia Doméstica analisados
demonstram diferenças sociais latentes – recheados de imagens da modernidade
tais como eletrodomésticos dos mais variados tipos, aparelhos de televisão,
cozinhas em estilo americano – além é claro, das lições que iam desde a construção
da casa com os cômodos necessários (entre eles, quarto de empregada, copa e
cozinha conjugadas, sala de jantar), passando pelos elementos necessários para
compor um enxoval que imprimisse respeito à família do noivo, até os modos de se
comportar e administrar uma casa.
É lógico que tais pressupostos não eram destinados à “qualquer uma”, e sim,
tão somente, às “moças de família”, àquelas tidas para casar com os elementos
mais notáveis da sociedade pirajuense e serem mães dos futuros homens de bem
da cidade. Um caráter formado dentro dos ensinamentos e valores morais e cristãos
– além de uma aparência razoável, um sobrenome tradicional e por vezes, uma
203
NOVELLI, Giseli. Ensino Profissionalizante na cidade de São Paulo: um estudo sobre o currículo
da “Escola Profissional Feminina” nas décadas de 1910, 1920 e 1930. Disponível em:
http://www.anped.org.br/reunioes/27/gt09/t0910.pdf. Acesso em 10 de agosto de 2007.
204
Fundada em 1946, a Escola Normal Nhonhô Braga era para poucas, lá estudavam as filhas da
elite pirajuense e regional. Aos populares o que ficava destinado era o chamado primeiro grau no
Grupo Escolar Ataliba Leonel. Algumas mulheres do povo me relataram que o laço no cabelo era
obrigatório para entrar na escola, mas que apesar do laço iam de pés descalços. Mundos diferentes
não se misturavam na Piraju dos Anos Dourados.
108
situação financeira familiar estável – constituíam valioso capital simbólico no
mercado matrimonial.
Aprender a ser esposa e mãe passava obrigatoriamente em aprender os
preceitos modernos do gerenciamento do lar, do controle das contas, do cuidado
com os filhos e o esposo e de tudo que estivesse relacionado ao ambiente
doméstico.
Mas não estamos falando de uma mulher que precisava cozinhar no fogão à
lenha e lavar suas roupas às margens dos ribeirões ou dos chafarizes pirajuenses. A
mulher-esposa-mãe (da elite pirajuense) dos anos 50 podia contar com poderosos
aliados em sua missão: fogões a querosene e posteriormente à gás, máquinas de
lavar roupas, além de geladeiras, cozinhas planejadas e aparelhos televisores para
seus momentos de descanso, conforme já citado nas páginas anteriores.
Entre os utensílios indispensáveis para compor uma casa moderna, a
professora Conceição Martini recomendava: aparelhos completos para jantar, chá e
café, batedeira elétrica, geladeira, máquina de café (preferencialmente elétrica),
liquidificador, ferro elétrico.205
Os cadernos, como o da aluna Ana Célia Romero traziam ainda, figuras de
descascadores, processadores de alimentos, misturadores de massas – todos
movidos a eletricidade. Também panelas, assadeiras, travessas e faqueiros em
alumínio ou em aço inoxidável eram indicados para figurarem numa casa “bem
equipada” por causa das sensações de modernidade e leveza que transmitiam. Já a
enceradeira, máquinas de lavar roupas e de costura, a panela de pressão eram tidos
como utensílios “indispensáveis para auxiliar nos serviços domésticos nas diversas
partes da casa”.
As expressões habituais “serviços domésticos”, arrumação da casa, encobrem o
trabalho de limpeza, lavar/ passar roupa, a cozinha e as compras. Essa é a ordem
dessas tarefas vistas sob o ângulo da sua valorização social. Sua execução pela
esposa (ou supervisionadas por ela) é considerada óbvia.206
205
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia Romero. Piraju-SP, 1959
e 1960.
206
PRADO, Danda. Ser esposa: a profissão mais antiga. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.230.
109
Imagem 21: Além de ícones da modernidade, como a máquina de lavar, a máquina de costura e a enceradeira, a
imagem da nova mulher – esposa e mãe comprometida com a perfeita organização de seu lar. No caderno,
lições sobre como manter a casa em absoluta ordem e os acessórios necessários para realizar tal missão com
extrema higiene, eficiência e sem “descer do salto”. Fonte: Caderno de Economia Doméstica de Nilza
Dell’Agnolo. Piraju-SP, 1957.
110
A introdução dos aparelhos eletrodomésticos e do avanço tecnológico no
ambiente doméstico poupou esforços femininos, mas isto não significou que as
mulheres passaram a trabalhar menos: o tempo economizado era reutilizado na
educação dos filhos, no gerenciamento do lar, nas compras, nos cuidados para
melhorar o ambiente doméstico.207
Os aparelhos domésticos destinados a poupar trabalho eram mais eficazes
na elevação dos padrões de limpeza e de ordem – e em incentivar as donas de casa
a atingi-los – do que propriamente na diminuição do número de horas de trabalho
doméstico. (...) As expectativas em matéria de saúde e bem-estar excediam as
gerações anteriores, e as donas de casa encaravam a sério a oportunidade de
melhorar a saúde e a segurança de suas famílias, porque, à sua volta, os
especialistas de economia doméstica e os publicitários proclamavam que se uma
dona de casa cuidasse convenientemente do seu lar contribuiria para o conforto, o
ajustamento e a eficiência de seus entes queridos.208
Atividades que outrora eram realizadas fora de casa, voltaram a acontecer no
recôndito do lar, baseado principalmente no medo do contágio que a falta de higiene
podia ocasionar.
Lavar/ passar roupas
Lavar roupas representava tamanha importância no cotidiano feminino que o
livro de Economia Doméstica utilizado pela professora Conceição Martini, trazia um
capítulo destinado somente para tratar desse assunto. Os saberes para essa
atividade deviam ter embasamento teórico:
O processo de lavagem não é tão simples como as pessoas leigas admitem;
ao contrário, é uma prática que requer muito cuidado e algum conhecimento.209
207
COTT, Nancy F. A mulher moderna: o estilo americano dos anos 20.. In: THÉBAUD, Françoise
(org.). História das Mulheres no Ocidente: O século XX. vol 5. Porto: Afrontamento; São Paulo:
EBRADIL, 1995. p.107.
208
Op. Cit, p.107.
209
SOUZA, Marina G. Sampaio de. Economia Doméstica (terceira e quarta séries – curso ginasial). 5ª
ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1957. p.52.
111
Os ensinamentos repassados às alunas pela professora Conceição Martini,
iam desde como executar os processos de lavagem para retirar cada tipo de
mancha, a lavagem de roupas brancas, de tecidos como linha, lã e peças finas e
ainda como elaborar um rol de roupas.
O processo de lavagem podia ser tanto manual quanto mecânico (máquina de
lavar), químico ou a vapor.
O rol de roupas servia para conferir as roupas que fossem mandadas à
lavadeira. Todas as peças deviam ser marcadas para que não houvesse confusão
com peças trocadas.
Mandar as roupas para lavar e passar fora de casa devia ser encarado como
último recurso para a dona-de-casa moderna em face aos perigos que isso podia
representar para a saúde da família:
Se a roupa puder ser lavada no próprio domicílio, tanto melhor, isso será um
grande benefício para a família.
A lavagem de roupas, em comum, de diversas procedências, por profissionais
ignorantes e privados do necessário para seu mister, constitui grande perigo para a
família.210
210
Idem, p.57.
112
Imagens 22, 23, 24 e 25: Lavadora de roupas Brastemp, sabão Minerva e ferros elétricos: comodidades para a
vida de dona de cada. Lavar mecanicamente as roupas e não precisar mais ficar o dia inteiro mexendo o tacho
para o fabrico do sabão de cinzas, óleo ou outras substâncias anteriormente utilizadas para esse fim, nem
passar roupas com os pesados e pouco práticos ferros de brasa, representava economia de tempo e de esforço
físico para as mulheres que podiam despendê-lo então, no cuidado com a educação dos filhos e a organização
do lar. Fonte: imagem retirada do Caderno de Economia Doméstica de Nilza Maria Dell’Agnolo e anúncios do
sabão Minerva eFerro Elétrico Walita, publicados no Jornal O Comércio de Piraju (15 mai. 1951. p.3 e 04 mai.
1957. p.4).
113
Segundo Marina Maluf e Maria Lúcia Mott:
Os médicos recomendavam às mães de família que não mandassem lavar a
roupa fora de casa, entre outras razões pelo risco do contato com peças de uso de
pessoas portadoras de doenças contagiosas. Julia Lopes de Almeida, no seu Livro
das Noivas, ensina que os moradores das cidades mais populosas deviam dar suas
roupas de uso para lavadeiras que morassem fora, em arrabaldes isolados, onde
houvesse água corrente abundante e ervas, onde as roupas estendidas pudessem
ter “frescor, viço e perfume”.211
Em Piraju, a lavagem e passagem das roupas, que antes ocorria nas bicas e
às margens dos ribeirões, pelas mãos de lavadeiras que recebiam pelo trabalho e
passavam com ferro de brasa adentrou o universo do lar e engrossou as atividades
da dona de casa, especialmente com a chegada da água encanada a partir de 1956
e dos ferros elétricos de toda sorte, anunciados enfaticamente nas páginas de O
Comércio.
Cozinhar
O ato de cozinhar além de ser considerado uma arte, era visto também pela
Economia Doméstica como uma técnica científica.
Se grandes cientistas, realizando estudo sobre a alimentação, concluíram que
o valor nutritivo dos alimentos, depende em grande parte, da maneira como são
preparados, concluímos logicamente que o cozinhar, além de ser uma arte é também
uma técnica de base científica.212
211
MALUF, Marina & MOTT, Maria Lúcia. Recônditos do mundo feminino. In: NOVAIS, Fernando
(org); SEVCENKO, Nicolau (org do volume). História da Vida Privada no Brasil, vol. 3. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998. p.409.
212
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia Romero. Piraju-SP,
1959 e 1960.
114
Nas aulas de Economia Doméstica eram estudados assuntos como
Alimentação e nutrição, adequação dos alimentos às idades, origem e preparo geral
dos alimentos, horários em que deviam servir as refeições, cuidados especiais na
alimentação das crianças, entre outros, além é claro, de sugestões e conselhos para
sistematizar e facilitar o trabalho na cozinha. Receitas de doces e salgados também
eram ministradas nas aulas, aliadas à importância de arrumar a mesa e utilizar os
talheres corretamente.
Segundo Anne-Marie Sohn, no período do entre-guerras “o modelo culinário
burguês – entrada, carne e legumes, salada e sobremesa – difundiu-se amplamente,
mobilizando a dona de casa”.213
O cardápio das segundas-feiras, por exemplo, era assim sugerido às
normalistas pirajuenses pela professora Conceição Martini nas aulas de Economia
Doméstica:
Almoço
1- salada de alface e ovos cozidos
2- Dobradinha ensopada com lingüiça, batata e azeitona
3- frutas
4- Café
Jantar
1- Frio com peti-poá
2- Bolo de batata com carne assada picadinha e bem refogada com tempero
3- gelatina de laranja
4- Café214
Era recomendada a adequação dos alimentos ao gênero de trabalho, já que
“determinadas funções, determinadas atividades, exigiam maior dispêndio de
energia do que outras, como por exemplo, o trabalho braçal que exigia muito maior
energia que o trabalho intelectual.”215
213
SOHN, Anne-Marie. Entre duas guerras: Os papéis femininos em França e Inglaterra. In:
THÉBAUD, Françoise (org.). História das Mulheres no Ocidente: O século XX. vol 5. Porto: Edições
Afrontamento, 1995. p.126.
214
No final do cardápio havia a recomendação de que todas as refeições houvesse arroz, pão torrado
e fresco e manteiga. CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia
Romero. Piraju-SP, 1959 e 1960.
215
SOUZA, Marina G. Sampaio de. Economia Doméstica (terceira e quarta séries – curso ginasial). 5ª
ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1957. p.65.
115
Novidades na cozinha, os fogões primeiro a querosene, depois a gás, a
geladeira, o liquidificador, a batedeira, a cafeteira facilitaram o trabalho feminino na
cozinha reduzindo o tempo de preparo dos alimentos.
O caderno de Economia Doméstica recomendava às alunas que sua cozinha
devia ser prática, moderna e higiênica:
A cozinha é a parte da casa onde mais tempo passa a dona-de-casa.
Deve ela apresentar o máximo de conforto e higiene. Pia, fogão, mesas,
armários devem se possível, estar bem próximos para facilitar os serviços e poupar
canseiras.
O material desses móveis de cozinha deve ser de madeira ou laqueada ou
chapa esmaltada para facilitar a limpeza. As cozinhas americanas de chapa
esmaltada são o máximo em comodidade, beleza e higiene até hoje conhecidas. Na
cozinha é indicada a cor azul para afugentar as moscas.216
Mesmo as mulheres que não precisavam cozinhar, deviam sabê-lo para que
pudessem “dar ordens às empregadas, as quais em regra pouco entendiam de
preparar alimentos”. Deviam conhecer também o valor nutritivo dos alimentos, como
prepará-los e apresentá-los de acordo com o senso estético que era considerado de
grande valor psicológico para despertar o apetite e facilitar a digestão.217
216
Cadernos de Economia Doméstica e Puericultura de Nilza Maria Dell’ Agnolo. Piraju, 1957 e Ana
Célia Romero. Piraju-SP, 1959 e 1960.
217
Idem.
116
Imagens 26, 27 e 28: enlatados, cozinhas americanas e eletrodomésticos invadiram o cotidiano das famílias
abastadas, facilitando o trabalho feminino. Fonte: CADERNOS DE ECONOMIA DOMÉSTICA E
PUERICULTURA, Ana Célia Romero. Piraju-SP, 1959 e 1960; Nilza Maria Dell’ Agnolo. Piraju-SP, 1957 e Tânia
Regina Assaf Guerra. Piraju-SP, 1973.
117
Arrumar a casa, organizar o lar
Organizar a casa envolvia aprendizados que iam desde como arrumar
perfeitamente a cama e dispor os talheres na mesa até como planejar o orçamento
doméstico.
Segundo Danda Prado:
Em relação à manutenção de um lar, dentro de um orçamento preciso, de
horários impossíveis de planificar e das mais variadas e imprevistas solicitações,
poder-se-ia dizer que essa profissão (de responsável pelos serviços domésticos)
goza de um valor inverso no critério de sua avaliação social. (...) não tem preço –
porque a mulher (a esposa) cumpre-o com amor, esperando de volta somente
reconhecimento e amor.218
O espaço físico da casa, que se possível devia ser “própria” e não alugada,
devia ser construída para atender os modernos padrões de conforto e higiene:
A casa deve ser construída atendendo mais ao conforto da família do que
poderão dizer as vizinhas. Uma boa moradia deve apresentar (o máximo de conforto
e higiene) além das salas e dormitórios necessários, as seguintes dependências:
cozinha, copa, despensa, banheiro, quarto e banheiro para a empregada, áreas,
tanques e se possível quintal e jardim.219
Manter a casa organizada incluía o equilíbrio no orçamento doméstico, que
era visto com função feminina, mas devia estar sob o controle do marido:
A organização e execução da contabilidade doméstica cabe sempre à mulher,
quer lhe seja entregue todo o dinheiro, ficando com o marido apenas uma quantia
que ele acha necessária para as suas despesas, quer fique somente com a verba
218
PRADO, Danda. Ser esposa: a profissão mais antiga. São Paulo: Brasiliense, 1979. p.231.
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Nilza Maria Dell’ Agnolo. Piraju-SP,
1957.
219
118
destinada às despesas caseiras, mas em qualquer caso o marido deve ter
conhecimento de todo o movimento financeiro.220
Limpar rigorosamente todos os cômodos, arejá-los, inspecionar móveis e
objetos em busca de poeira e decorar a casa com bom gosto fazia parte da rotina
ensinada nas aulas de Economia Doméstica:
Todos os dias, pela manhã, deve-se proceder à limpeza da casa. (...) Todos
os dias de manhã deve-se fazer o arejamento da casa. Portas e janelas devem ser
abertas, para que o ar penetre em todos os seus cômodos, e que seja
completamente renovado o ar contido em seu interior. (...) Quando se procede a
retirada do pó de um móvel ou qualquer outra parte da casa, deve-se evitar que a
poeira se espalhe. O uso de aspirador elétrico é o ideal. (...) De um modo geral,
embora se disponha de uma grande verba, deve evitar o exagero na ornamentação,
pois a casa ficaria parecendo mais a exposição de uma loja e perderia todo o seu
encanto.221
Toda a organização da casa ficava ao encargo da mulher, mesmo as que não
realizavam tais tarefas precisavam aprendê-las para que pudessem supervisionar o
trabalho das empregadas.
Neste universo, no qual as mulheres deviam ser espelhos da ordem almejada
e anunciadoras das transformações que estavam ocorrendo, fossem os avanços
tecnológicos que chegavam para facilitar a vida doméstica e o trabalho (no lar e fora
dele), fossem os novos ideais de modernidade e prosperidade anunciados pela
tentativa de inserir do país no modelo de desenvolvimento americano, é que
moldaram corpos e almas femininos.
Em Piraju, este processo foi analisado a partir do cotidiano das mulheres de
elite, através da vivência da professora Maria Conceição Pereira Martini, cujos
saberes transmitidos nas aulas de Economia Doméstica que ministrava na Escola
Normal ajudaram na tentativa de disciplinar os corpos e almas das mulheres da elite,
para que essas assumissem os papéis delas esperados neste momento histórico: o
de esposa e mãe zelosas da família e da Pátria.
220
SOUZA, Marina G. Sampaio de. Economia Doméstica (terceira e quarta séries – curso ginasial).
5ª ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1957. p.93.
221
Idem. pp. 25 27 e 30.
119
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo de uma trajetória feminina num determinado espaço físico e histórico
– Piraju, uma cidade do interior paulista – procuramos refletir o cotidiano das
mulheres na modernidade conservadora dos Anos Dourados.
A modernização de hábitos e costumes no Brasil ocorreu inspirada no modelo
americano, o american way of life e foi direcionada especialmente para a emergente
classe média, capaz de consumir de tudo: de artigos de higiene passando por
eletrodomésticos até carros novos. Capaz de consumir também os ideais da
modernidade: progresso, disciplina, rapidez.
Especialmente durante os anos 50 e adentrando aos 60, que surgiram as
melhores e maiores chances de ascensão social e econômica, para homens e
também para as mulheres, graças ao desenvolvimento industrial do país, à
urbanização e à modernização de aparelhos para o lar e para o trabalho, gerando
um maior conforto e uma melhor qualidade de vida ao povo brasileiro.
Uma mulher que retornasse ao lar, após ter saído dele e vivenciado o mundo
do trabalho no período das Grandes Guerras, assumindo o papel de “condutora da
sociedade burguesa à almejada modernidade” era a representação buscada neste
momento.
Nos papéis de esposa e mãe era a mulher responsável por criar os “homens
de bem para a Pátria” e enquanto consumidora por introduzir nos lares os avanços
tecnológicos – ícones da modernidade.
Neste trabalho analisamos os reflexos dessa modernização em Piraju, uma
cidade do interior paulista, cuja economia e relações sociais sempre giraram em
torno do café, a partir do olhar e da trajetória de uma professora de Economia
Doméstica, responsável por parte da formação das mulheres da elite pirajuense
através de seus ensinamentos na Escola Normal.
Educar as moças da classe média e alta dentro daquilo que era esperado
para o perfil feminino durante os chamados Anos Dourados consistia em formar
moças prendadas, adaptadas e bem preparadas para criarem aqueles que seriam o
futuro da nação brasileira, gerirem seus lares ou até mesmo realizarem um trabalho
apropriado a suas posições sociais, especialmente serem professoras primárias.
120
As mulheres de classe média e alta, normalmente permaneciam em casa,
limitando-se a um ensino das chamadas prendas domésticas (cozinhar, bordar,
costurar), enquanto as populares sempre trabalharam fora de casa para auxiliar na
renda familiar.
Para realizar este trabalho, descortinamos os viveres cotidianos das mulheres
através da busca por suas presenças e ausências na sociedade pirajuense a partir
de fontes diferentes, mas complementares entre si.
Intitulamos esta dissertação de Intimi(ci)dades Femininas na Piraju dos Anos
Dourados, pois acreditamos que as relações sociais acontecem no coração do lócus
em que estão inseridas, nesse caso, numa pequena cidade do interior paulista
ansiosa em adentrar à modernidade prometida dos Anos Dourados.
Para que essa modernização acontecesse era importante criar novos hábitos
e disciplinar os corpos e as almas de toda a sociedade e a mulher era quem devia
conduzir essa transformação. Em Piraju, tais ideais foram difundidos e repassados
às jovens sobretudo na Escola Normal, e as aulas de Economia Doméstica
ministradas pela professora Maria Conceição Pereira Martini – fio condutor deste
estudo – concorriam para isso.
Voltada à formação das moças para gerir a casa, cuidar do esposo, prepararse para a maternidade e os cuidados com os filhos e ainda, para profissionalizar a
mulher numa profissão considerada apropriada, a Economia Doméstica foi
introduzida nos currículos das escolas normais, suas aulas eram destinadas
somente às mulheres.
A disciplina de Economia Doméstica foi suprimida dos currículos escolares
nos anos 80. Professora Conceição passou então a ministrar aulas de Educação
Artística, já que possuía grandes habilidades manuais que também eram
repassadas às alunas anteriormente quando ensinava-as a costurar roupinhas para
bebês, bordar diversos tipos de pontos, pintar, desenhar cartazes para ilustrar as
aulas que porventura fossem lecionar um dia.
A supressão da Economia Doméstica dos currículos significa que às mulheres
do século XXI não cabe mais a representação de esposa e mãe? Essa questão é
digna de ser refletida: as mulheres de hoje encontram-se no mundo do trabalho, em
cargos de chefia, morando sozinhas, responsáveis por suas próprias vidas e sem
dar satisfação dela pra ninguém. Mas ainda uma grande parte das jovens mulheres,
quando beiram a casa dos 30 passam a preocupar-se se vão ou não “ficar para
121
titias”. A diferença é que as mulheres do século XXI aproveitam sua solteirice
intensamente.
***
Sobre o trabalho do historiador incidem luzes e sombras. E todo trabalho de
pesquisa também lança luzes e cria sombras.
As luzes que esta dissertação ajudou a acender residem principalmente no
fato de quebrar o silêncio sobre as vivências femininas em Piraju num determinado
momento histórico. Outro ponto importante foi ter sido este trabalho realizado por
uma mulher, pois versões masculinas de histórias de Piraju já existem.
As sombras que não conseguiu iluminar estão na sua limitação em ter se
restringido à uma história das mulheres de elite e não ter conseguido trazer à tona
as vivências femininas das classes populares – isto fica para uma próxima pesquisa.
Também a história das mulheres é uma história de classes. As fontes
pesquisadas não iluminaram as populares, os jornais pesquisados não as retrataram
em quase nenhum momento e a Escola Normal não lhes era opção.
Se não aparecem nos jornais, se não estudaram na Escola Normal... como
encontrar as mulheres do povo que viveram em Piraju nos Anos Dourados?
Algumas pistas sobre como fazê-lo este trabalho pode lançar...
A História Oral é uma delas, pois poderá ajudar a incidir mais luz sobre
questões femininas, especialmente se o desejo for reconstruir aquelas relativas às
mulheres das camadas populares.
Outras são procurá-las nos registros de processos-crime e ainda abrir bem os
olhos e observar suas incidências nos filmes em cinemascope produzidos aos anos
50 e início da década de 60 que retrataram a cidade e foram recuperados pela
Diretoria de Cultura do Município.
As pistas estão lançadas, descortinar as vivências femininas em Piraju, seja
das mulheres da elite, seja das populares em outros momentos históricos vai ser
tarefa para nós: mulheres-pesquisadoras. Sim, acredito que esse trabalho deve ser
feito por mãos femininas, pela ótica feminina (e talvez pelo viés do feminismo) com a
sensibilidade que somente nós, mulheres possuímos para compreender e
reconstruir nossa própria história e da sociedade a qual pertencemos.
122
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a) Jornais
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d) Cadernos de Economia Doméstica e Puericultura
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Ana Célia
Romero. Piraju-SP, 1959 e 1960.
124
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Nilza Maria Dell’
Agnolo. Piraju-SP, 1957.
CADERNO DE ECONOMIA DOMÉSTICA E PUERICULTURA, Tânia Regina
Assaf Guerra. Piraju-SP, 1973.
e) Livros de Economia Doméstica e Puericultura
SOUZA, Marina G. Sampaio de. Economia Doméstica (terceira e quarta séries
– curso ginasial). 5ª ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1957.
SECRETARIA DA EDUCAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA. DEPARTAMENTO DE
EDUCAÇÃO. DIRETORIA DO SERVIÇO DE SAÚDE ESCOLAR. – SÃO
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Saúde Escolar, com a colaboração das Educadoras sanitárias Graziela M. Leite
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f) Livros e outras publicações sobre Piraju
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Pró-Texto Comunicação e Editora Ltda, 1998.
CANTARIN, Márcio Matiassi. Piraju: cidade linda. Poesia de Cordel. (mimeo).
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g) Documentos e Leis Municipais
Código de Posturas, Costumes e Bem-Estar do Município de Piraju. 1970.
II – Orais
a) Entrevistas
Entrevista com Selma Carolina Assaf. Piraju-SP. 27 de fevereiro de 2007.
Entrevista com Fernando Martini. Piraju-SP. 27 de fevereiro de 2007.
Entrevista com Carmen Oliveira Dias. Ourinhos-SP. 10 de janeiro de 2007.
III – Imagéticas
a) Fotografias
Imagem 1. Diploma de normalista de Maria Conceição Pereira Martini. 1946.
Imagem 2. Maria Conceição Pereira Martini e os filhos Silvio, Selma e
Fernando durante solenidade de entrega de título de Cidadã Pirajuense. Piraju,
17 de dezembro de 1996. Acervo: Fernando Pereira Martini.
Imagem 3. Anúncio Regulador Fontoura. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.4. 16 abr. 1950.
Imagem 4. Anúncio Regulador Sedantol. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.2. 14 set. 1952.
126
Imagem 5. Anúncio Peitoral de Scott. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.2.
14 jul. 1956.
Imagem 6. Anúncio Heliogás. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. Anos 50.
Imagem 7. Anúncio Lava Roupa Prima Econômica. Fonte: O Comércio de
Piraju, Piraju. p.3. 19 fev. 1963.
Imagem 8. Anúncio Máquina de Costura com motor Arno. Fonte: O Comércio
de Piraju, Piraju. p.3. Anos 50.
Imagem 9. Professora Conceição e alunas entregando roupas de bebê
produzidas nas aulas de Economia Doméstica. 17 out. 1956. Fonte: Arquivo
particular Família Martini.
Imagem 10. Anúncio Lingeries Valisere. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
P.3. 21 jan. 1960.
Imagem 11. Anúncio Geladeira Clímax. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju.
p.2. 12 dez. 1957.
Imagem 12. Anúncio Produtos Walita. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.4.
04 mai. 1957.
Imagem 13. Práticas esportivas femininas às margens do rio Paranapanema.
Retirada de vídeo produzido nos anos 50.
Imagem 14. Estudantes apresentando-se aos professores na Escola Normal.
Retirada vídeo produzido nos anos 50.
Imagem 15, 16, 17. Práticas e habilidades femininas: jardinagem, cozinhar.
Fonte: Cadernos de Economia Doméstica.
Imagem 18. Desfile em Piraju no final da década de 50. Retirada de vídeo
produzido nos anos 50.
Imagem 19. Fotografia: Exposição de Trabalhos Manuais em 1959. Fonte:
Arquivo particular da família Maria Conceição Pereira Martini.
Imagem 20. Fotografia: Exposição de Trabalhos Manuais em 1963. Fonte:
Arquivo particular da família de Maria Conceição Pereira Martini.
Imagem 21. Caderno de Economia Doméstica de Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP,
1957.
Imagem 22. Lavadora de roupas Brastemp. Fonte: Caderno de Economia
Doméstica de Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP, 1957.
Imagem 23. Anúncio sabão Minerva. Fonte: O Comércio de Piraju, Piraju. p.4.
04 mai. 1957.
127
Imagem 24. Anúncio Ferro de passar Walita. Fonte: O Comércio de Piraju,
Piraju. p.3. 15 mai. 1951.
Imagem 25. Ferros de passar. Fonte: Caderno de Economia Doméstica de
Nilza Dell’Agnolo. Piraju-SP, 1957.
Imagem 26, 27 e 28. Enlatados, cozinhas americanas e eletrodomésticos.
Fonte: Caderno de Economia Doméstica de Nilza Dell’Agnolo, Ana Célia
Romero e Tânia Regina Assaf Guerra. Piraju-SP, 1957, 1959, 1960 e 1973.
b) vídeo
DVD com vídeos recuperados pela Diretoria Municipal de Cultura de Piraju.
Vídeos produzidos entre as décadas de 50 e 60.
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140
ANEXO
Mapa simplificado. Fonte: www.faroldolago.com.br
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