Danuza de Oliveira Machado Azevedo TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO ESTADO DE MINAS GERAIS: RESULTADOS DO PRIMEIRO EXAME OFTALMOLÓGICO. Belo Horizonte Minas Gerais – Brasil 2008 Danuza de Oliveira Machado Azevedo TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO ESTADO DE MINAS GERAIS: RESULTADOS DO PRIMEIRO EXAME OFTALMOLÓGICO. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, com requisito parcial para a obtenção do título de Doutor. Área de Concentração: Oftalmologia Orientador: Prof. Dr. Fernando Oréfice Co - Orientador: Prof. Dr. Wesley Ribeiro Campos Faculdade de Medicina da UFMG Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil 2008 ii UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Magnífico Reitor Prof. Ronaldo Tadêu Pena Pró-Reitor de Pós-Graduação Prof. Jaime Arturo Ramirez Pró-Reitor de Pesquisa Prof. Carlos Alberto Pereira Tavares Diretor da Faculdade de Medicina Prof. Francisco José Penna Diretora do Hospital das Clínicas Profª. Tânia Mara Assis Lima Coordenador do Centro de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina Prof. Carlos Faria Santos Amaral Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Oftalmologia Prof. Joel Edmur Boteon iii Chefe do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e fonoaudiologia Profª. Ana Rosa Pimentel de Figueiredo Membros do Colegiado do Curso de Pós-Graduação em Oftalmologia Prof. Joel Edmur Boteon Prof. Márcio Bittar Nehemy Prof. Marco Aurélio Lana Peixoto Prof. Sebastião Cronemberger Sobrinho Prof. Evaldo Nascimento Prof. Fernando Oréfice Prof. Henderson Celestino de Almeida Prof. Homero Gusmão de Almeida Representante discente: Leonardo Rodrigues Pereira iv A Comissão Examinadora que assina abaixo__________________________ a tese intitulada “TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO ESTADO DE MINAS GERAIS: RESULTADOS DO PRIMEIRO EXAME OFTALMOLÓGICO”, apresentada e defendida em sessão pública, por Danuza de Oliveira Machado Azevedo, para a obtenção do grau de Doutor em Medicina, pelo curso de pós-graduação em Medicina, área de Oftalmologia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. _________________________________________________________________ Prof. Dr. Fernando Oréfice _________________________________________________________________ Prof. Dr. Wesley Ribeiro Campos _________________________________________________________________ Prof. Dr. André Luiz Land Curi _________________________________________________________________ Prof. Dr. Francisco Max Damico _________________________________________________________________ Prof. Dr. Rogério Alves Costa _________________________________________________________________ Dra Edilaine Márcia Fernandes Camargo Suplentes: _________________________________________________________________ Dr. Daniel Vítor de Vasconcelos Santos _________________________________________________________________ Dr. Rafael Ernani Almeida Andrade Belo Horizonte, 27 de março de 2008. v DEDICATÓRIA Eu dedico esta tese a pessoas muito especiais e que sempre estiveram ao meu lado: Ao meu pai Gilberto, pela educação e dedicação ilimitada durante toda a vida. À minha mãe Shirley, pelo amor e apoio incondicional. As minhas irmãs Alessandra e Daniela, que são minhas melhores amigas e tornam minha vida mais alegre. Ao Daniel, meu marido, pela ajuda, paciência e carinho. Sempre com idéias inteligentes e palavras tranqüilizadoras. vi AGRADECIMENTOS Ao Professor Dr. Fernando Oréfice, Titular do Departamento de Oftalmologia da Faculdade de Medicina de Minas Gerais que, além de orientar, mostrou o caminho a ser seguido, sempre seguro, preciso e determinado. Exemplo de profissional dedicado ao estudo e ensino das uveítes. Um mestre. Ao Professor Dr. Wesley Ribeiro Campos, Chefe do Serviço de Uveítes do Hospital São Geraldo, pela disponibilidade e dedicação dispensadas a execução deste trabalho. Exemplo de profissional dedicado e que esteve ao meu lado em todos os momentos sempre com boas idéias e, principalmente com uma palavra amiga. Ao Dr. Daniel Vítor pela ajuda fundamental na execução e revisão deste trabalho, e pela oportunidade de convivência e aprendizado durante todos esses meses. Além de amigo, exemplo de pesquisador e médico. À Dra. Gláucia M. Queiroz de Andrade pelo carinho, atenção e esclarecimentos em todos os momentos que precisei além da oportunidade de participar deste projeto. Ao Dr. José Nélio (NUPAD) pela oportunidade de participar deste projeto tão importante. À Dra. Éricka Carelos pela convivência, alegria, disposição e por dividir seus conhecimentos em pediatria conosco. Ao Dr. André Curi, grande amigo e grande incentivador. Aos médicos do Serviço de Uveítes do Hospital São Geraldo, pelo apoio e incentivo: Dra. Célia A. A. Araújo, Dra. Juliana Oréfice, Dra. Flávia Sardemberg, Dra. Edilaine M.F. Camargo, Dra. Alda Lúcia, Dra. Fernanda B.O. Porto, Dra. Adriana, Dra. vii Alba Regina Stheling, Dra. Cynthia A. Cordeiro, Dr. Roberto Gonçalves, Dr. Sidney R. Lemos, Dr. Gustavo Heringer, Dr. Rafael Stheling, Dr. Mário e especialmente a Dra. Anna Cristina Higino e Dra. Thais F. Bessa pela amizade e ajuda enquanto estive afastada das minhas atividades. À Bernadete, pela dedicação, amizade e profissionalismo durante todos esses anos. Sempre com uma palavra de apoio e incentivo, principalmente nas horas difíceis. As meninas do NUPAD pelo auxílio durante o exame dos recém-nascidos. Aos recém-nascidos e suas mães pela disponibilidade em ajudar na melhor compreensão da toxoplasmose congênita, participando deste trabalho. viii “Fui mudando minha angústia numa força heróica de asa. Para construir cada músculo houve universos de lágrimas. Devo-te o modelo justo: sonho, dor, vitória e graça.” Cecília Meireles ix RESUMO Introdução: A infecção pelo Toxoplasma gondii quando adquirida durante a gravidez, pode atravessar a placenta e resultar na infecção congênita do feto. A retinocoroidite é considerada a principal manifestação clínica e seqüela dessa doença. Estudos de prevalência da toxoplasmose congênita no Brasil são raros. É importante conhecermos a verdadeira dimensão da infecção em Minas Gerais para a elaboração de medidas preventivas e assim tentar diminuir a sua ocorrência. Objetivos: determinar a prevalência dos recém-nascidos com toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais. Descrever as características clínicas das lesões oculares observadas no primeiro exame oftalmológico dos recém-nascidos triados pelo programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado. Metodologia: 146.237 recém-nascidos foram triados pelo programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita, realizado no Estado de Minas Gerais, no período de novembro de 2006 a maio de 2007. A triagem neonatal, através da pesquisa de IgM anti-toxoplasma, identificou 221 recém-nascidos positivos que foram encaminhados para sorologia confirmatória pareada da mãe e do recémnascido, exame pediátrico, auditivo, neurológico e avaliação oftalmológica (oftalmoscopia binocular indireta). Desses, 183 foram confirmados para a toxoplasmose congênita através de critérios clínicos e laboratoriais. As lesões de retinocoroidite observadas foram classificadas como presentes e ausentes. Quando presentes analisaram-se os seguintes itens: lateralidade, distribuição topográfica, e atividade da lesão. Outros achados oculares tais como estrabismo, embainhamento vascular, opacidades vítreas e microftalmia, também foram descritos. Os dados x coletados foram analisados, associados e correlacionados entre si e com as alterações neurológicas observadas. Resultados: a prevalência estimada da toxoplasmose congênita no estado de Minas Gerais, no momento do primeiro exame oftalmológico, foi de: 1/799 nascidos vivos. A prevalência de lesão ocular observada no primeiro exame de fundo de olho destes recém-nascidos foi de 78,1% (143/183). O quadro ocular foi bilateral em 79,7% (114/143) e a mácula afetada em 79% (113/143) dos casos. A cicatriz de retinocoroidite foi a principal lesão ocular observada em 77,7% (111/143) dos RN. O estrabismo foi a principal alteração ocular associada à retinocoroidite e ocorreu em 19,6% (28/143) dos casos. Dos 41 pacientes com alteração neurológica detectadas pelos exames de imagem, 92,7% (38/41) apresentou lesão de retinocoroidite e 82,5% (33/40), envolvimento macular. Conclusões: O presente trabalho confirmou que a toxoplasmose congênita apresenta alta prevalência no Estado de Minas Gerais e identificou recém-nascidos infectados aparentemente normais ao exame de rotina neonatal, mas com alta prevalência de doença retiniana e neurológica ao exame específico. Portanto, esta doença merece especial atenção das autoridades de saúde e sua inclusão em programas de triagem deveria ser levada em consideração. Palavras-chave: toxoplasmose congênita, calcificações intracranianas. xi triagem neonatal, retinocoroidite, ABSTRACT Introduction: Acquired toxoplasmosis during pregnancy can cause a congenital infection of the fetus. Retinochoroiditis is the most common ocular finding and the most frequent sequel of congenital toxoplasmosis. Prevalence studies of disease in Brazil are scarce. It is important to know the real dimension of infection in the state of Minas Gerais to elaborate strategies for preventing and controlling congenital toxoplasmosis. Objectives: The purpose of this study is to determine the prevalence of congenital toxoplasmosis in the state of Minas Gerais. Another aim is to describe clinical characteristics of ocular lesions noticed at the first ophthalmologic exam in infected newborns from the neonatal screening program for congenital toxoplasmosis in Minas Gerais. Methods: 146,237 newborns were identified by the neonatal screening program of congenital toxoplasmosis in Minas Gerais from November 2006 until May 2007. This program identified 221 newborns suspected of congenital toxoplasmosis. All of them were submitted to confirmatory assays, pediatric, auditive, neurological and ophthalmological exam. 183 newborns were confirmed for the congenital toxoplasmosis. Retinochoroiditis lesions were described and classified according to their laterality, topographic distribution and inflammatory activity. Other ocular findings such as strabismus, vitreous haze, retinal hemorrhage, and punctata lesion were described. The data were analyzed and correlated with maternal and newborns assays and with neurological findings. Results: The estimated prevalence of congenital toxoplasmosis in the state of Minas Gerais was 1 per 799 live births. The prevalence of ocular lesion in the first ophthalmological exam was 78.1% (143/183). Retinochoroiditis was bilateral in xii 79.7% (114/143) and macula was affected in 79% (113/143). The retinochoroiditis scars were the most common ocular lesion in 77.7% (111/143). Strabismus was detectable in 18,9% of the newborns (27/143). Among 41 patients with neurological alterations 92.7% (38/41) had retinochoroiditis and 82.5% (33/40) macular involvement. Conclusions: This study confirmed a high prevalence of the disease in the Minas Gerais state and identified asymptomatic newborns on the neonatal routine exams but with a high prevalence of neurological and retina’s disease. Congenital toxoplasmosis deserves especial attention from health authorities and should be considered for future inclusion in screenings programs. Key Words: congenital toxoplasmosis, neonatal screening, retinochoroiditis, cerebral calcifications. xiii LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura1 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite em zona 1 do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo............................................................................................ 71 Figura 2 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite na zona 1 do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo............................................................................................ 72 Figura 3 – Retinografia mostrando cicatriz de retinocoroidite na Zona 1 do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo............................................................................................ 72 Figura 4 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na zona 1 do olho esquerdo do lado de uma lesão cicatrizada já iniciando pigmentação. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo............................................................... 73 Figura 5 – Retinografia mostrando presença de dois focos de retinocoroidite necrosante e hemorragia, localizadas no olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo...... 74 Figura 6 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na região da mácula do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN decúbito lateral esquerdo................................................................................... 74 Figura 7 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas, no setor temporal da retina do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral direito........................................................................................................................... 75 Figura 8 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas na retina nasal do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral direito........................................................................................................................... xiv 76 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1–Trimestre da gestação em que foi realizada a sorologia para a toxoplasmose................................................................................................................ 66 Gráfico 2 – Lateralidade da lesão ocular..................................................................... 70 Gráfico 3 – Envolvimento da mácula nos RN com toxoplasmose congênita.............. 77 Gráfico 4 – Envolvimento macular unilateral e bilateral............................................... 78 Gráfico 5 - Freqüência de alterações neurológicas (calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular) nos RN confirmados para a toxoplasmose congênita........ xv 80 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Resultados da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita.............. 61 Tabela 2 – Resultado da triagem neonatal nos casos confirmados ou não confirmados para a toxoplasmose congênita............................................................... 62 Tabela 3 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 183 RNs confirmados (ELFA).............................................................................................. 63 Tabela 4 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 38 RNs não confirmados (ELFA)....................................................................................... Tabela 5 – IgM x IgG materno durante a gestação...................................................... 64 65 Tabela 6 - Freqüência de mães tratadas na gestação X RN confirmados ou não para a toxoplasmose congênita.................................................................................... 67 Tabela 7 – IgM anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA).................................... 67 Tabela 8 - IgM anti-toxoplasma materno durante a gestação e após o parto.............. 68 Tabela 9 – IgG anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA).................................... 69 Tabela 10 – Atividade inflamatória da lesão ocular observada na oftalmoscopia binocular indireta.......................................................................................................... 71 Tabela 11 – Distribuição geográfica das lesões oculares na retina............................. 77 Tabela 12 – Estrabismo associado à lesão de retinocoroidite macular...................... 79 Tabela 13 - Associação entre retinocoroidite e calcificação craniana nos RN com toxoplasmose congênita............................................................................................... Tabela 14 – Associação entre alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite nos pacientes que foram submetidos à avaliação neurológica................................. xvi 81 82 Tabela 15 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite bilateral....... 82 Tabela 16– Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite macular....... xvii 83 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais HC - Hospital das Clínicas HSG - Hospital São Geraldo COEP - Comitê de Ética em Pesquisa SAME - Serviço de Arquivo Médico e Estatística SUS - Sistema Único de Saúde T. gondii - Toxoplasma gondii OD - Olho direito OE - Olho esquerdo IgM - Imunoglobulina M IgG - Imunoglobulina G IgA - Imunoglobulina A IgE - Imunoglobulina E EUA - Estados Unidos da América MG - Minas Gerais NK - Natural Killer IL - Interleucinas INFγ - Interferon gama TNGα - Fator de necrose tumoral alfa TGFβ - Fator de crescimento tumoral beta Th1 - T helper 1 LT - Linfócitos T PCR - Reação de Cadeia da Polimerase xviii ELISA - Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay ELFA - Enzyme Linked Fluorescent Assay ISAGA - Imunosorbent Agglutination Assay RIF - Reação de Imunofluorescência Indireta CSF - Corante de Sabin-Feldmann RFC - Reação de Fixação de Complemento RHA - Reação de Hemaglutinação Indireta Ag S - Antígeno S n - Número de participantes da amostra p- Nível de significância estatística IC - Intervalo de Confiança OR - Odds Ratio OCT - Tomografia de Coerência Óptica TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TAA - Teste de Avidez de Anticorpos DD - Diâmetro de disco < - Menor que RN – Recém-nascido xix SUMÁRIO RESUMO.....................................................................................................x ABSTRACT................................................................................................xii LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................xiv LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................xv LISTA DE TABELAS..................................................................................xvi LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................xvii 1- INTRODUÇÃO..........................................................................................1 2- REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................4 2.1 HISTÓRICO............................................................................................4 2.2 AGENTE ETIOLÓGICO.............................................................................6 2.3 GENÓTIPOS E PATOGÊNESE..................................................................8 2.4 FONTES DE INFECÇÃO.........................................................................10 2.5 PREVALÊNCIA......................................................................................12 2.6 MANIFESTAÇÕES OCULARES................................................................15 2.7 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA...............18 2.8 A RESPOSTA IMUNE AO TOXOPLASMA GONDII......................................25 2.8.1 Imunidade inespecífica..............................................................25 2.8.2 Imunidade específica.................................................................26 2.8.2.1 Imunidade celular...................................................................26 2.8.2.2 Imunidade humoral.................................................................30 2.9 DIAGNÓSTICO......................................................................................31 2.9.1 Detecção Direta........................................................................31 2.9.2 Detecção indireta......................................................................32 2.10 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL..................................................................36 xx 2.11 DIAGNÓSTICO NEONATAL...................................................................39 2.12 TRATAMENTO DA TOXOPLASMOSE OCULAR.......................................45 2.13 TRATAMENTO PRÉ E PÓS NATAL........................................................47 3- OBJETIVOS...........................................................................................52 4- MATERIAL E MÉTODOS..........................................................................53 4.1 SELEÇÃO DOS PACIENTES...................................................................53 4.2 AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR DA MÃE E RECÉM-NASCIDO....................54 4.3 EXAME OFTALMOLÓGICO DOS RECÉM-NASCIDOS TRIADOS.................57 4.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA.........................................................................59 4.5 ASPECTOS ÉTICOS..............................................................................60 5- RESULTADOS........................................................................................61 5.1 POPULAÇÃO ESTUDADA.......................................................................61 5.2 TRIAGEM NEONATAL E SOROLOGIA CONFIRMATÓRIA PAREADA (MÃE E RN)...........................................................................................................62 5.3 ACHADOS OFTALMOLÓGICOS NO PRIEMEIRO EXAME DO RN................69 5.4 ACHADOS NEUROLÓGICOS NO PRIEMEIRO EXAME DO RN....................80 6- DISCUSSÃO...........................................................................................84 7- CONCLUSÕES.......................................................................................99 8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................100 9- ANEXOS..............................................................................................121 xxi 1 1- INTRODUÇÃO A infecção pelo Toxoplasma gondii é uma zoonose de distribuição mundial que afeta homens e animais. Essa infecção, se adquirida durante a gravidez, pode atravessar a placenta e resultar na infecção congênita do feto. A taxa de transmissão materno-fetal varia de menos de 2% na quarta semana de gestação para mais de 80% se a infecção ocorrer na trigésima sexta semana (Dunn et al., 1999). Quanto mais precoce for a idade gestacional no momento da infecção mais graves serão as manifestações clínicas da doença ao nascimento (Dunn et al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Contudo, crianças com toxoplasmose congênita, quando nascem, são assintomáticas em 70 a 90% dos casos (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Safadi et al., 2003; Remington et al., 2005; Many & Koren, 2006; Rorman et al., 2006) e só poderiam ser identificadas através de programas de triagem. As manifestações clínicas da toxoplasmose congênita, quando presentes, incluem a retinocoroidite, calcificações intracranianas e em casos graves, hidrocefalia (Remington et al., 2005). Ao longo do tempo, a infecção ocular pode sofrer reativação causando retinocoroidite, embaçamento visual ou mesmo cegueira em indivíduos que inicialmente não possuíam qualquer sinal clínico da doença. A reativação pode ocorrer na infância, adolescência e vida adulta (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; O'Neill, 1998). A retinocoroidite é considerada a principal manifestação clínica e seqüela da toxoplasmose congênita. As principais rotas de infecção pós-natal são a ingestão de carnes cruas ou mal passadas contendo cistos do parasita e a ingestão de oocistos, presentes nas 2 fezes de gato, espalhados no meio ambiente (Cook et al., 2000; Holland, 2003). Observações recentes mostram que a água contaminada também pode ser uma importante fonte de infecção (Bahia-Oliveira et al., 2003; de Moura et al., 2006). Na teoria, é possível prevenir a toxoplasmose através de medidas de saúde educacional, mas na prática, muito ainda precisa ser feito (Foulon et al., 2000). O diagnóstico precoce da toxoplasmose congênita, através dos programas de triagem pré-natal e neonatal (triagem do recém-nascido), seguido de tratamento adequado parece reduzir a incidência de manifestações clínicas da doença ao nascimento além de prevenir complicações secundárias e recorrências tardias. Essa é a razão para a adoção dos programas de triagem pré-natal na França (Jeannel et al., 1988b) e Áustria (Aspock & Pollak, 1992) e programas de triagem neonatal nos EUA (Guerina et al., 1994) e Dinamarca (Schmidt et al., 2006). Existe uma incerteza do melhor programa de triagem a ser instituído em cada país ou região: se pré-natal ou neonatal. Os programas de triagem pré-natal são dispendiosos e se baseiam na repetição de testes sorológicos ao longo da gestação. A triagem neonatal tem a vantagem de ser mais facilmente realizada e ter um custo menor. Um programa de triagem neonatal é oferecido em Massachusetts, EUA, desde 1988 e tem se mostrado muito eficiente (Guerina et al., 1994). Estudos de prevalência da toxoplasmose congênita no Brasil são raros. É importante conhecermos a verdadeira dimensão da infecção em Minas Gerais para a elaboração de propostas profiláticas adequadas e assim, diminuir sua ocorrência. No período de setembro de 2003 a outubro de 2004 foram triadas 30.808 crianças, em Belo Horizonte, pelo Programa de Triagem Neonatal de 3 Minas Gerais – “Teste do Pezinho”. Essas crianças foram testadas para toxoplasmose, além das outras doenças (como fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito) já incluídas no programa. O objetivo da realização do teste para a toxoplasmose foi o de avaliar as possibilidades desse teste, identificar precocemente a infecção congênita permitindo o tratamento adequado das crianças infectadas. Das 30.808 crianças triadas, 20 foram diagnosticadas com toxoplasmose congênita, resultando numa proporção de 1/1590 infectados por nascidos vivos. Somente quatro das vinte crianças apresentavam sintomas ao nascimento. Esses dados mostram a elevada prevalência da toxoplasmose congênita em Belo Horizonte e, provavelmente, em todo o Estado de Minas Gerais (dados ainda não publicados). Pretendeu-se neste estudo: descrever as características clínicas das lesões oculares, observadas no primeiro exame oftalmológico dos recém-nascidos triados pelo programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais; estimar a prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose congênita no estado e com isso, avaliar a necessidade da implantação definitiva de um programa de triagem para a doença visando o diagnóstico e tratamento precoce das crianças infectadas. A iniciativa é considerada inovadora em termos de serviço público no Brasil, principalmente pela abrangência do estudo. 4 2-REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Histórico A primeira descrição do Toxoplasma gondii foi realizada em 1908, por Alfonso Splendore (Brasil) que, após observar a morte de coelhos por paralisia, necropsiou vários animais e encontrou corpúsculos parasitários císticos. Esses, inoculados em cães, reproduziram a mesma doença. Na mesma época, os franceses Nicolle e Manceaux identificaram parasitas idênticos em um roedor norte-africano Gondii, identificando-o como Leishmania gondii. Entretanto, no ano seguinte, após a captura de outros roedores Gondiis na mesma área, verificaram que se tratava de um novo protozoário: o toxoplasma. A primeira descrição da toxoplasmose em humanos foi feita pelo oftalmologista Janku, em 1923, na cidade de Praga, e tratava-se de um caso de toxoplasmose congênita. Ao realizar a necropsia de uma criança de 11 meses de idade que foi ao óbito em decorrência de uma doença grave e disseminada (hidrocefalia, microftalmia e coloboma na mácula), notou que o organismo presente no bulbo ocular constituindo um cisto parasitário era, provavelmente, o Toxoplasma gondii. No Brasil, o primeiro caso de toxoplasmose foi diagnosticado por Margarino Torres em 1926, em um recém-nascido com meningoencefalite congênita (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Porém, somente após 1937, com os estudos de Wolf e Cowen (1939), a toxoplasmose passou a ser reconhecida por sua importância médica. Esses autores descreveram um caso grave e fatal de encefalite granulomatosa em uma criança (Wolf & Cowen, 1937). Já a forma adquirida desta parasitose foi 5 primeiramente descrita em 1940, em um adulto jovem com doença generalizada que o levou ao óbito (Pinkerton & Weinman, 1940). Em 1942, Sabin descreveu a tétrade de sinais clínicos da doença congênita, caracterizada por hidrocefalia ou microcefalia, retardo psicomotor, calcificações intracranianas e retinocoroidite, podendo ocorrer também microftalmia. Essa é a descrição clássica da doença ficando até hoje consagrada com o seu nome (Sabin, 1942). Em 1948, os estudos sobre a toxoplasmose receberam a relevante contribuição de Sabin e Feldman com o desenvolvimento de um teste sorológico específico: a reação de Sabin-Feldman ou ‘‘dye-test’’. Com isso, iniciaram-se os primeiros estudos epidemiológicos da toxoplasmose (Sabin & Feldman, 1948). Em 1952, Helenor Campbell Wilder demonstrou, pela primeira vez, a presença do parasita no olho confirmando esse agente como causa de uveíte (Wilder, 1952b). No Brasil, Bussaca e Nóbrega (1950) relataram que 23% dos casos de uveíte posterior tinham como agente etiológico o T.gondii (Bussaca & Nobrega, 1950). Posteriormente, Abreu Fialho (1953), Pereira et al (1965) e Martins et al (1969) verificaram que 38, 30 e 68%, respectivamente, das uveítes no Brasil configuravam toxoplasmose (Orefice & Bonfioli, 2000). Em 1957, Goldman desenvolveu o teste de imunofluorecência para o T.gondii (Goldman, 1957) e a partir de 1960, a toxoplasmose passou a ser considerada a maior causa de uveíte no mundo. A toxoplasmose congênita, como causa de doença ocular, se tornou mais conhecida a partir de trabalhos de alguns autores (Wilder, 1952a; Perkins, 1973). 6 Em 1988, foi apresentada no Simpósio Mundial de Uveítes em São Paulo, Brasil, uma alta prevalência de uveíte por toxoplasmose adquirida no estado do Rio Grande do Sul e esse tem sido o exemplo clássico de toxoplasmose ocular adquirida citado em todo o mundo (Glasner et al., 1992). 2.2 Agente etiológico Reino: Protista; Sub-reino: Protozoa; Filo: Apicomplexa; Classe: Sporozoa; Subclasse: Coccidia; Ordem: Eucoccidia; Sub-ordem: Eumeriidae; Família: Sarcocystidae; Gênero: Toxoplasma; Espécie: Toxoplasma gondii. A espécie Toxoplasma gondii é membro da família Sarcocystidae, que tem como hospedeiro definitivo membros da família Felidae, sendo o gato doméstico (Felis catus) o de maior importância epidemiológica (Kawazoe, 1995). Tem como hospedeiros intermediários animais homeotérmicos incluindo o homem. Por ser um parasita intracelular obrigatório, o T.gondii pode ser encontrado em vários tecidos tais como a placenta, músculos estriados, esqueléticos e cardíacos, cérebro, retina e leucócitos. Líquidos orgânicos como peritoneal, a saliva, o leite materno, o esperma e a urina também podem exibir o parasita (Frenkel, 1971). As formas livres são encontradas circulando por um curto período de tempo. Apresenta morfologias múltiplas dependendo do seu habitat e do estado evolutivo (Oréfice and Bahia-Oliveira, 2005). As principais formas de apresentação do parasita são: Taquizoíto: também denominada forma livre, trofozoíta ou forma proliferativa. Trata-se de uma forma obrigatoriamente intracelular, que se prolifera na fase aguda da doença. É um estágio de rápida multiplicação do parasita, com 7 capacidade de invadir ativamente uma célula e se multiplicar em vacúolos citoplasmáticos, denominados vacúolos parasitófagos. A proliferação exacerbada conduz ao rompimento da célula hospedeira liberando os múltiplos taquizoítos que, livres, penetram em células adjacentes ou caem na circulação. Provocam uma resposta inflamatória importante e destruição tecidual. São responsáveis pelas manifestações clínicas da doença. Sua forma em arco (toxon = arco) deu o nome ao gênero toxoplasma. Bradizoíto e cisto: forma encistada decorrente da resposta imune ante a presença do taquizoíto (Frenkel, 1997). Os bradizoítos apresentam multiplicação lenta e iniciam a sua formação seis a oito dias após a infecção (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Os cistos formados apresentam tamanho variável com milhares de bradizoítos no seu interior, alcançando 3000 parasitas. Podem ser destruídos por digestão péptica e ao serem ingeridos, liberam os bradizoítos que permanecem viáveis, os quais, por sua vez, circularão provocando a formação de grupos teciduais de cistos e se transformarão em taquizoítos. As localizações mais prevalentes da forma cística do toxoplasma são os tecidos musculares, nervoso e retina. Encontrar cistos em órgãos viscerais como pulmões, fígado e rins é mais raro. Os cistos teciduais intactos geralmente não causam danos ao hospedeiro e podem persistir por toda a vida do infectado (Lynfield & Guerina, 1997). Os cistos são muito resistentes às condições ambientais e permanecem viáveis em temperatura ambiente e em refrigerador (Dubey & Beattie, 1988). É a principal forma encontrada na fase crônica da doença. Oocisto: os oocistos apresentam forma ovalada e, quando esporulados, caracterizam-se por conter dois esporocistos, cada um deles contendo no seu interior quatro esporozoítos. São encontrados nas fezes de felídeos, em 8 conseqüência do processo sexuado que ocorre nas células epiteliais de sua mucosa intestinal. Podem sobreviver fora do corpo por pelo menos um ano, em solo quente e úmido (Frenkel et al., 1975; Lynfield & Guerina, 1997) e assim, se tornarem infectantes. 2.3 Genótipos e Patogênese O Toxoplasma gondii pode ser dividido em três principais genótipos (Sibley & Boothroyd, 1992). A diferença nos genótipos pode ser parcialmente responsável pela diferença de patogênese observada na infecção. Na Europa, há um predomínio do genótipo II (Grigg et al., 2001), mas no Brasil, o genótipo predominante é do tipo I que apresenta alta virulência (Khan et al., 2005; Vallochi et al., 2005; Peyron et al., 2006). Em um estudo recente realizado no Brasil, a análise de lesão ocular provocada pelo T. gondii demonstrou apenas espécies do tipo I e III e nenhuma do tipo II (Ferreira et al., 2006). Essa observação tem implicações importantes na epidemiologia, gravidade da doença, manifestações clínicas e eficácia ao tratamento (Boothroyd & Grigg, 2002). A multiplicação do parasita é o fator primário na patogênese da doença, tanto na forma sistêmica quanto na ocular. Durante o estágio agudo da doença, o parasita atravessa a parede intestinal e cai na circulação sanguínea provocando uma parasitemia. O T.gondii atinge o olho através do sangue como parasitas livres ou dentro de leucócitos circulantes. A identificação de parasitas em vasos das camadas internas da retina dá suporte à rota hematogênica (Roberts et al., 2001). Com o desenvolvimento da imunidade ao parasita, a fase de multiplicação rápida dos taquizoítos cessa e ocorre a formação de cistos tissulares contendo os bradizoítos (Dubey & Beattie, 1988). Esses poderão permanecer latentes por 9 vários anos no tecido do hospedeiro. Os ataques recorrentes são secundários a multiplicação dos parasitas após sua liberação dos cistos retinianos (Roberts & McLeod,1999). Alguns autores estudaram a possibilidade de que os danos retinianos na toxoplasmose poderiam ser causados por mecanismos auto-imunes. Trinta e seis pacientes foram estudados, sendo 18 com a primeira recorrência e 18 com múltiplas recorrências. Concluíram que a extensão da reatividade anti-retina na retinocoroidite toxoplásmica não é causada apenas por anticorpos anti-antígeno S, mas a alta prevalência de anticorpos antifotorreceptor na retinocoroidite toxoplásmica, em comparação aos controles saudáveis, sugere que esses anticorpos podem ser copatogênicos na retinocoroidite (Whittle et al., 1998). Não se sabe ao certos os fatores que levam à recorrência da lesão, uma série de situações foram propostas: trauma, alterações hormonais, cirurgias, exposição aos raios ultravioletas, baixa da imunidade, mas nenhum deles tem sido amplamente aceito (Rothova, 2003). A taxa de recorrência da lesão varia de acordo com o tempo: o risco é maior no primeiro ano após o episódio de atividade e menor nos anos subseqüentes (Bosch-Driessen et al., 2002; Holland, 2003). Este declínio pode estar relacionado com fatores do hospedeiro, seqüestro de cistos, ou melhora do controle imunológico da doença. Outra possibilidade, seria a vida do cisto ser finita e com isso o hospedeiro poderia não ter cistos viáveis após determinado tempo. Taxas de recorrências na forma adquirida ou congênita da doença parecem ser similares (8 -40%) (Koppe & Rothova, 1989; Guerina, 1994; Couvreur, 1999; Bosch-Driessen et al., 2002). 10 Reinfecção com outras cepas do parasita podem ocorrer, mas a importância clínica desse fato ainda não foi bem estabelecida (Aspinall et al., 2003). 2.4 Fontes de infecção A transmissão transplacentária ou congênita foi a primeira forma a ser reconhecida como causa de toxoplasmose no homem. Depois da aquisição do T.gondii, pela primeira vez, durante a gestação, ele atinge a circulação fetal pela infecção da placenta. Após terem atravessado a placenta, os taquizoítos se transformam em bradizoítos em poucos dias (Luder et al., 1999). A taxa de transmissão vertical é variável e para alguns autores, parece não ser influenciada pelo tratamento durante a gestação (Dunn et al., 1999; Gilbert et al., 2001b). A gravidade da infecção congênita também depende do período da gestação no qual a mãe se tornou infectada. O risco de transmissão materno-fetal da toxoplasmose congênita é menor se a infecção ocorrer durante o primeiro trimestre da gestação (10 a 25%) em comparação com o último trimestre (60 a 90%), mas a gravidade clínica da doença é substancialmente maior quando adquirida no primeiro (Dunn et al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Após o desenvolvimento da imunidade materna à infecção, acredita-se que as outras gestações estarão protegidas; entretanto, existem relatos de mães soropositivas para a toxoplasmose que transmitiram a infecção para seus filhos durante a gravidez (Hennequin et al., 1997; Dollfus et al., 1998; Many & Koren, 2006). Em um relato de caso, os autores descreveram uma criança com toxoplasmose congênita cuja mãe imunocompetente apresentava cicatriz de retinocoroidite diagnosticada 20 anos antes da gestação. A criança apresentou 11 sorologia positiva para a toxoplasmose logo após o nascimento e foi tratada ao longo de todo o primeiro ano de vida. Aos noves meses de idade, o exame oftalmológico revelou uma cicatriz macular no olho direito (Silveira et al., 2003). Outro caso similar foi descrito, no qual o terceiro filho de uma mãe imunocompetente e previamente infectada apresentou toxoplasmose congênita diagnosticada logo após o nascimento. Com três semanas de vida pós-natal, o exame oftalmológico constatou cicatriz macular bilateral (Kodjikian et al., 2004). Esses dois casos podem ser explicados pela re-infecção por espécies do parasita diferentes da infecção original ou reativação de uma infecção latente induzida por imunidade celular associada a gravidez. Mulheres imunodeficientes, cronicamente infectadas, podem transmitir a infecção para o feto, mas a probabilidade de que isso ocorra é baixa (Lebech et al., 1996; Rorman e tal., 2006). Até 1950, as fontes de infecção pós-natal pelo T.gondii ainda não eram conhecidas. Em 1951, Hogan especulou que alguns vetores poderiam transmitir a doença (Hogan, 1951), mas em 1958 ele cita evidências de que a transmissão oral teria importância (Hogan, 1958). Desde aquele tempo, a infecção pós-natal tem sido atribuída à ingestão de cistos em carnes cruas e mal passadas ou a ingestão de oocistos presentes no solo, contaminando verduras e frutas (Cook et al., 2000). Observações recentes mostram que a água contaminada também pode ser uma importante fonte de infecção. Em 1979, uma epidemia de toxoplasmose entre soldados das forças armadas dos EUA, no Panamá, foi atribuída à ingestão de água contaminada com oocistos (Benenson et al., 1982). Em 1995, uma epidemia de toxoplasmose em Vitória, no Canadá, foi atribuída à contaminação de um reservatório aberto de água por fezes de gato (Bowie et al., 1997; Burnett et 12 al., 1998). Em 2001, uma epidemia semelhante ocorreu em Santa Isabel do Ivaí no sul do Brasil e foi também atribuída a um reservatório de água não filtrada contaminada com oocistos (de Moura et al., 2006). A água tem sido considerada um veículo de disseminação da toxoplasmose não só em epidemias, mas também em áreas endêmicas no Brasil (Bahia-Oliveira et al., 2003; Dodds, 2006). Outras vias de infecção foram descritas tais como o leite e saliva contaminada, perdigotos ou lambedura, acidentes de laboratório e após transplante (Oréfice&Bahia-Oliveira,2005). 2.5 Prevalência A toxoplasmose é uma das zoonoses mais difundidas no mundo e apresenta-se com alta prevalência nas diversas regiões, de acordo com fatores climáticos, geográficos, profissionais, etários, alimentares e outros (Rothova, 2003). Sua incidência é maior nas áreas tropicais e vai diminuindo com o aumento da latitude. Estima-se que o parasita infecte aproximadamente 13 a 50% da população mundial (Jones et al., 2001a). A toxoplasmose é uma infecção comum na América do Sul. No Brasil, a prevalência sorológica do T. gondii varia de 50-80% na população adulta sadia, com valores mais altos encontrados em algumas regiões do norte e do sul (Orefice & Bonfioli, 2000) e em pessoas de classe sócio-econômicas mais baixas (BahiaOliveira et al., 2003). A soropositividade para a toxoplasmose aumenta com a idade, obtendo-se valores máximos após os sessenta anos (Melamed, 1991). Em um estudo realizado no sul do Brasil, a prevalência de sorologia positiva para a toxoplasmose entre crianças de 10 a 15 anos foi muito alta, chegando a atingir 98% dessa população estudada (Silveira et al., 1988). 13 A prevalência estimada da toxoplasmose congênita no mundo varia de 110/10.000 nascidos vivos. No Brasil, a prevalência é maior: 3-8/10.000 nascidos vivos. (Neto et al., 2000; Evengard et al., 2001; Jones et al., 2001b; McLeod et al., 2006). Alguns autores, no Rio Grande do Sul, reportaram 47 casos de toxoplasmose congênita dentre 140.914 amostras de sangue periférico obtidas de recém-nascidos originados de várias cidades brasileiras, no período entre setembro de 1995 e dezembro de 1998. Este trabalho mostrou uma prevalência da toxoplasmose congênita de 1/3000 nascidos vivos e essa foi a maior prevalência da doença registrada na literatura até o ano 2000 (Neto et al., 2000). Em Passo Fundo, também no Rio Grande do Sul, foi realizado um estudo para se determinar a prevalência da infecção congênita pelo Toxoplasma gondii em recém-nascidos atendidos no Hospital Universitário de Passo Fundo. Foram analisadas amostras de sangue do cordão umbilical de 1250 recém-nascidos vivos. O diagnóstico laboratorial foi realizado através da detecção de IgM pelo método ELFA (Enzyme Linked Fluorescent Assay). A incidência da toxoplasmose congênita ao nascimento foi de 8/10.000 (Mozzatto & Procianoy, 2003). Na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, um estudo avaliou 805 amostras de soro obtidas do sangue do cordão umbilical de recém-nascidos. Dessas, 305 foram coletadas em um hospital privado e 500 em um hospital público, entre janeiro e agosto de 2002. Todas as amostras foram analisadas utilizando-se o ELISA (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay) para a detecção de anticorpos IgG. As amostras positivas foram testadas para os anticorpos IgM e IgA. A prevalência de anticorpos IgG positivos nas amostras foi de 51,6% e da toxoplasmose congênita de 0,5% no hospital privado e 0,8% no público (Segundo et al., 2004). 14 Em outro trabalho realizado no Brasil (áreas não especificadas), os autores estimaram a prevalência da toxoplasmose congênita, doença de chagas, citomegalovírus e rubéola através da triagem neonatal pelo “teste do pezinho”. A prevalência estimada para a toxoplasmose congênita foi de 1/1.867 nascidos vivos (Neto et al., 2004). Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo também foi conduzido um estudo para se determinar a prevalência da infecção congênita na região. Amostras de sangue foram obtidas de 15.162 neonatos e testadas para o IgM anti-toxoplasma em papel filtro. Quinze amostras foram positivas. O diagnóstico definitivo foi confirmado em cinco das 13 crianças que completaram o seguimento e a prevalência da doença foi estimada em 3,3/10.000 nascidos vivos (Carvalheiro et al., 2005). Estima-se que a infecção seja ainda mais freqüente em algumas regiões brasileiras. Em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, um inquérito sorológico com 2500 recém-nascidos mostrou uma proporção de um recém-nascido infectado para 500 nascidos vivos (20/10.000) (Bahia-Oliveira et al., 2001). Nos EUA, 85% das mulheres são soronegativas e suscetíveis a adquirir a infecção primária durante a gravidez (Jones et al., 2001b). No Brasil, em um estudo realizado no Paraná, 66% das mulheres testadas mostraram-se reagentes à toxoplasmose IgG, com 70% de soropositividade entre aquelas em idade fértil (Garcia et al., 1999). Outro estudo, realizado em Recife, constatou uma prevalência de 51,6% de anticorpos IgG entre mulheres com 18 a 40 anos (Coelho et al., 2003). A soropositividade para toxoplasmose em gestantes foi de 14% em Estocolmo (Petersson et al., 2000), 20,3% na Finlândia (Lappalainen et al., 1995b) e de 67,3% em Paris (Jeannel et al., 1988a). No Brasil, a soroprevalência entre 15 grávidas foi de 67% no Paraná (Reiche et al., 2000), 51,6% em Minas Gerais (Segundo et al., 2004), 77,1% no Rio de Janeiro (Meireles, 1985), 32,7% em São Paulo (Vaz et al., 1990), 74,5% no noroeste do Rio Grande do Sul (Spalding et al., 2003) e 59,8% na cidade de Porto Alegre (Varella et al., 2003). A toxoplasmose ocular é a causa mais comum de uveíte posterior em várias partes do mundo, incluindo a América do norte, América do Sul e Europa (Holland, 2003). Entretanto, pouco se sabe sobre o número total de indivíduos com doença ocular inativa (muitos podem ser assintomáticos). O envolvimento é mais grave nos pacientes com sistema imune deficiente, ou seja, neonatos e adultos imunocomprometidos (Bosch-Driessen et al., 2002; Hovakimyan & Cunningham, 2002; Smith & Cunningham, 2002). A toxoplasmose ocular pode ser dividida em congênita (pré-natal) ou adquirida (pós-natal). A exata contribuição de cada uma dessas formas na prevalência da doença não é bem esclarecida (Wilson & Remington, 1980; Koppe & Rothova, 1989; Burnett et al., 1998). Ela é comumente atribuída à infecção congênita. Entretanto, recentemente, vários estudos têm discutido que a infecção adquirida possa ser uma importante causa de toxoplasmose ocular (Bowie et al., 1997; Burnett et al., 1998; Silveira et al., 2001; Bahia-Oliveira et al., 2003) e que essa, seja mais freqüente do que se pensava. Em um artigo de revisão, os autores concluem que pelo menos 2/3 dos pacientes com toxoplasmose ocular na Inglaterra, adquiriram a infecção no período pós-natal e não pré-natal (Gilbert & Stanford, 2000). 2.6 Manifestações oculares 16 A manifestação ocular característica da toxoplasmose consiste em uma retinocoroidite focal necrosante, frequentemente associada a uma lesão satélite já cicatrizada indicativa de recorrência. Em uma série de 154 pacientes, as lesões satélites ocorreram em 80% dos casos (Bosch-Driessen et al., 2002). A lesão satélite é considerada padrão ouro para diagnóstico da toxoplasmose ocular. O exame do olho contralateral também pode mostrar antigas cicatrizes de retinocoroidite. O tamanho da lesão varia de 1/10 de diâmetro de disco (DD) até dois quadrantes. Alguns estudos observaram uma relação positiva entre o tamanho da lesão, o risco aumentado de complicações e um maior tempo de duração da doença ativa (Holland, 2004). É nítida a predileção do parasita pela região máculodiscal. Já em outros locais da retina, a distribuição é homogênea. Diferenças anatômicas e da microvasculatura entre a macula e a retina periférica, podem criar um ambiente que influencie a localização da lesão, além disso, macrófagos estão em menor quantidade na região macular (Yang et al., 2000). O acometimento do corpo vítreo é constante na toxoplasmose ocular e responsável por seqüelas importantes da doença. A opacificação vítrea tem resolução lenta podendo, nos casos graves, demorar, às vezes, mais de um ano após total cicatrização da lesão ou ser necessário tratamento cirúrgico. Pode haver contração e descolamento do corpo vítreo posterior (Oréfice & BahiaOliveira, 2005). Vasculite retiniana venosa é comum em pacientes com toxoplasmose ocular e pode ocorrer na vizinhança ou distante do foco ativo da retinocoroidite (Theodossiadis et al., 1995). 17 A redução da acuidade visual na toxoplasmose ocular ativa pode resultar da turvação ou opacificação dos meios e do acometimento foveal diretamente causado pela lesão. Pode, ainda, ocorrer em conseqüência de formação de edema retiniano, secundário às lesões retinianas localizadas fora da região macular (Orefice et al., 2006; Orefice et al., 2007). O processo evolutivo da lesão na toxoplasmose ocular revela que a cicatrização ocorre da periferia para o centro, ou seja, de maneira centrípeta. Nesses casos, observa-se que, progressivamente, as margens da lesão vão ficando mais nítidas, o exsudato e a vitreíte diminuem, até que resta uma zona central amorfa, elevada, de cor cinza ou marrom. Depois de um período variável de tempo, ocorre a pigmentação, sobretudo nas margens da lesão. A intensidade da pigmentação dentro ou ao redor da lesão pode refletir a extensão do dano ao estrato pigmentoso da retina (EPR) durante a fase ativa da doença (Smith & Cunningham, 2002; Holland, 2004). A área de cicatriz frequentemente é menor do que a área de retina inflamada durante o estágio agudo da doença (Holland, 2004). Manifestações atípicas compreendem lesões largas, eventualmente múltiplas e ou bilaterais simulando necrose retiniana aguda. Essa forma de apresentação é mais comum em pacientes idosos ou imunocomprometidos (Holland et al., 1988). Outras apresentações atípicas incluem: forma punctata externa; neurorretinite; neurite; forma pseudomúltipla; esclerite; reação vítrea intensa sem lesão focal em atividade; uveíte anterior isolada (Bosch-Driessen et al., 2002; Hovakimyan & Cunningham, 2002; Labalette et al., 2002; Smith & Cunningham, 2002; Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Na infecção adquirida, uma inflamação intra-ocular transitória sem sinais de retinite na fase aguda foi relatada 18 e pode representar a infecção intra-ocular inicial do parasita que pode ser acompanhada, posteriormente, de acometimento da retina (Holland, 1999). As diferentes manifestações da doença, provavelmente, se devem a combinação de fatores do hospedeiro, parasita e meio ambiente. Pacientes imunocomprometidos têm risco maior de doença mais grave. A idade influencia, pois tanto a prevalência quanto a gravidade da doença aumentam com a idade. O genótipo do parasita também pode ser um fator determinante, particularmente, nos pacientes imunocomprometidos. Complicações como irite granulomatosa, pressão intra-ocular elevada, oclusões vasculares, descolamento de retina seroso ou regmatogênico, entre outras, podem dificultar o diagnóstico correto da toxoplasmose ocular (Rothova, 2003). 2.7 Manifestações clínicas da Toxoplasmose congênita A toxoplasmose congênita pode apresentar-se como uma entre quatro formas clínico-evolutivas: infecção subclínica (assintomática), doença sistêmica ou neurológica ao nascimento, doença grave ou leve nos primeiros meses de vida e seqüelas ou recidivas de infecção prévia não diagnosticada. As manifestações clínicas são variadas, hepatoesplenomegalia, podendo icterícia, surdez, ocorrer hidrocefalia, microcefalia, exantema petequial, calcificações intracranianas, microftalmia, retinocoroidite, estrabismo, nistagmo, catarata e glaucoma (Remington et al., 2005) A tétrade de Sabin é caracterizada por hidrocefalia ou microcefalia, retardo psicomotor, calcificações intracranianas e retinocoroidite. Como o retardo psicomotor é uma manifestação mais tardia da doença, alguns autores chamam a 19 tétrade de Sabin de tríade de Sabin que é caracterizada por hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite (Remington et al., 2005). Ela ocorre em apenas 10 a 15% dos casos. Nas formas mais graves é habitual o envolvimento de outros órgãos podendo ocorrer pneumonia, miocardite, colestase, anemia, trombocitopenia, meningoencefalite e anormalidades liquóricas (Lynfield & Guerina, 1997). A maioria das crianças com toxoplasmose congênita é assintomática ao nascimento (70 a 90%) e a maior parte delas (65 a 85%), vai desenvolver seqüelas durante a infância, adolescência e início da vida adulta (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003; Safadi et al., 2003; Many & Koren, 2006). A retinocoroidite é a manifestação mais comum da doença e sua principal seqüela. Estima-se que em países da Europa, a lesão de retinocoroidite é observada logo após o nascimento em 10% das crianças infectadas e novas lesões poderão aparecer em qualquer idade (Gilbert et al., 2007; Tan et al., 2007). Mesmo crianças tratadas adequadamente com medicação específica durante todo o primeiro ano de vida poderão desenvolver lesão ocular tardia (McAuley et al., 1994; Gras et al., 2001). Na América do Sul as lesões de retinocoroidite são mais comuns e mais graves devido à maior virulência dos parasitas (Gilbert & Dezateux, 2006; Gomez-Marin & dela Torre, 2007). Estudos com modelos experimentais para a toxoplasmose ocular têm demonstrado a presença de cistos intra-retinianos de T.gondii com potencial para lesão ocular tardia e recorrência (Gazzinelli et al., 1994; Pavesio et al., 1995). Os cistos de T. gondii podem estar presentes até mesmo em retinas aparentemente normais ao exame do fundo de olho (Brezin et al., 2003). 20 Koppe et al (1986) seguiram de maneira prospectiva 11 recém-nascidos com toxoplasmose congênita. Desses, quatro (36,6%) apresentavam doença retiniana ao nascimento. Depois de 20 anos de seguimento, 82% dos infectados tinham evidência de retinocoroidite (Koppe et al., 1986). Achados similares foram, anteriormente, observados por Wilson et al (1980) que seguiram 13 crianças com infecção sub-clínica ao nascimento e no período de seguimento ao longo dos anos, 11 (84,6%) apresentaram retinocoroidite (Wilson et al., 1980). Apesar dos autores acima ressaltarem o aparecimento de lesão ocular tardia nas crianças com toxoplasmose congênita, evidências obtidas á partir de alguns estudos mostram, de maneira consistente, que o aparecimento da lesão ocular após os dois anos de idade, em crianças sem lesão prévia descrita, é incomum e pode representar uma falha na detecção dessas lesões nos exames anteriores: 1/20 crianças após dois anos de idade em alguns estudos de coorte (Guerina 1994; Lappalainen et al. 1995a; Lebech et al. 1999); 3/9 crianças após seis anos de idade por Koppe et al (1986); 2/54 pacientes seguidos por 1-5 anos por Mets et al (1997); 2/49 crianças depois de dois anos de idade e seguidas por 2-11 anos por Couvreur et al (1984) e 2/37 crianças depois dos 10 anos de idade por Peyron et al (1996). Recentemente, um estudo experimental para a toxoplasmose congênita realizado em fêmeas grávidas de camundongos C57BL/6 mostrou que os embriões infectados pelo T.gondii desenvolveram retinocoroidite antes mesmo do nascimento. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da toxoplasmose congênita não é uma manifestação tão tardia da doença e que o olho é afetado logo nas fases iniciais da infecção (Tedesco et al., 2007). 21 Na retina, a infecção congênita pode levar a formação de áreas brancas de retinocoroidite focal necrótica, uni ou bilaterais, localizadas principalmente na mácula (Bosch-Driessen et al., 2002). A predileção do parasita pelo polo posterior na toxoplasmose congênita está associada ao fato de que essa região se torna vascularizada muito cedo no processo de desenvolvimento ocular e apesar da mácula ser avascular, ela obtém seu suprimento sanguíneo de arteríolas terminais que formam um grande plexo capilar em torno dela. Como o T. gondii atinge o olho, provavelmente, pela rota hematogênica, a presença do parasita nos capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento da infecção nessa delicada região do olho (Fiona et al., 2001). As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes, simples ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de retinocoroidite adjacentes. Altas taxas de acometimento bilateral são descritas na toxoplasmose congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Wallon et al., 2004; Kodjikian et al., 2006) e o envolvimento ocular é mais freqüente em associação à doença neurológica (95%) do que à doença disseminada (66%) (Remington et al., 2005). Outras alterações oculares podem estar presentes tais como o estrabismo, catarata, glaucoma e nistagmo, geralmente associados à retinocoroidite macular bilateral. Devido à imaturidade do sistema imunológico do recém-nascido, a vitreíte e a presença de sinais inflamatórios no segmento anterior do olho podem ser discretas ou até mesmo estar ausentes (Velilla et al., 2006; Levy, 2007; Petrova & Mehta, 2007) Guerina et al (1994) identificaram pela triagem neonatal em Massachusetts (janeiro de 1986 - junho de 1992) e New Hampshire (julho de 1988 - junho de 22 1992), 50 crianças com toxoplasmose congênita. O exame oftalmológico foi realizado no período neonatal em 48 delas. Lesão ocular ativa foi constatada em 2/48 (4%) e cicatriz de retinocoroidite em 7/48 (15%). Das nove crianças com retinocoroidite, sete apresentavam lesão macular. O seguimento ocular de 39 crianças, tratadas no primeiro ano de vida, até seis anos de idade mostrou o aparecimento de nova lesão ocular, em quatro (10%) (lesão macular em uma e cicatrizes retinianas pequenas em três). Um estudo toxoplasmose prospectivo congênita longitudinal tratados com de 76 pirimetamina recém-nascidos e sulfadiazina com por aproximadamente um ano e, 18 indivíduos não tratados durante o primeiro ano de vida mostrou que a cicatriz de retinocoroidite foi o achado mais comum, com predomínio de lesões na mácula. A cicatriz macular estava presente em 54% dos pacientes tratados (41% bilaterais) e em 76% dos pacientes não tratados (23% bilaterais). Estrabismo ocorreu em 34% dos casos, microftalmia em 13%, catarata em 9% e nistagmo em 26% (Mets et al., 1997). Sáfadi et al (2003), acompanharam por um período de cinco anos, 43 crianças com toxoplasmose congênita, no Hospital da Santa Casa de São Paulo. Eles observaram uma prevalência de infecção subclínica ao nascimento de 88%. Das 43 crianças, 22 (51%) desenvolveram manifestações neurológicas e 41 (95%) apresentaram retinocoroidite. Das alterações oculares associadas, o estrabismo foi a mais freqüente (49%). Microftalmia ocorreu em apenas 9,3% dos casos (Safadi et al., 2003). Wallon et al (2004) seguiram por um período de 14 anos, em um hospital de Lyon na França, 327 crianças diagnosticadas com toxoplasmose congênita. A lesão de retinocoroidite foi identificada em 79 delas (24%). Apenas nove crianças 23 (3%) apresentavam lesão ocular no primeiro mês de vida e 38 (12%) desenvolveram pelo menos uma lesão durante o primeiro ano. Metade das lesões oculares iniciais foi diagnosticada ao longo do primeiro ano de vida. A retinocoroidite foi a principal seqüela da toxoplasmose congênita nessas crianças. Schmidt et al (2006) avaliaram os resultados dos primeiros quatro anos do programa nacional de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita realizado na Dinamarca. Foram identificadas 55 crianças com a doença e 47 foram submetidas ao exame oftalmológico. Aproximadamente 14,9% (7/47) possuíam lesões retinianas ao nascimento (todas na região macular); 23,5% (8/34) com um ano de idade e 25% (4/16) com três anos de idade. Calcificação intracraniana foi o principal achado neurológico (10/47) e em metade dos casos, ela estava associada à lesão de retinocoroidite. Em outro estudo prospectivo longitudinal, 430 crianças com sorologia positiva para a toxoplasmose congênita foram acompanhadas por aproximadamente 12 anos. A lesão de retinocoroidite foi detectada em 130 crianças (30,2%), sendo 22 focos de retinocoroidite diagnosticados ao nascimento (18 crianças) e 264 durante o seguimento. As lesões detectadas ao nascimento estavam localizadas principalmente na região macular e a alteração ocular mais frequentemente associada à retinocoroidite, nesses casos, foi o estrabismo. Manifestações neurológicas foram observadas em 16 crianças sem lesão ocular e em 25 com lesão ocular (Kodjikian et al., 2006). Outros estudos, também evidenciaram a retinocoroidite como principal manifestação da toxoplasmose congênita e o estrabismo com principal alteração ocular associada (Bahia, 1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Villena et al., 1998b; Vutova et al., 2002). 24 Na toxoplasmose congênita, o espectro das manifestações neurológicas é variado, e como já foi dito, é mais freqüente nas crianças com lesão ocular. Na doença com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de retinocoroidite é de 94,4%, quando as lesões neurológicas são discretas ou ausentes, a incidência de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005). Os sinais neurológicos freqüentemente aparecem entre três e 12 meses de vida e os sintomas neurológicos raramente se desenvolvem após o primeiro ano. As lesões cerebrais causadas pelo toxoplasma são: inflamação de meninges e áreas de necrose cerebral e meníngea. Os locais geralmente mais acometidos pela necrose são: o parênquima cerebral, os gânglios da base e a região do aqueduto de Sylvius (Diebler et al., 1985). Ao nascimento, é possível a detecção de calcificações das áreas de necrose e isso ocorre, provavelmente, pelo número insuficiente de fagócitos capazes de remover os debris inflamatórios (Mussbichler, 1968; Patel et al., 1996). A forma e a localização das calcificações intracranianas podem variar de acordo com o tempo da infecção materna: massas grandes e densas no gânglio basal se a infecção ocorrer antes da vigésima semana de gestação, pequenas e redondas em torno dos ventrículos laterais se a infecção ocorrer entre a vigésima e trigésima semana e calcificações pequenas e disseminadas no parênquima cerebral (mais freqüentes) se a infecção ocorrer em qualquer época da gestação, mas principalmente a partir da trigésima semana (Diebler et al., 1985). A presença de calcificações intracranianas não tem mostrado associação com deficiência de aprendizagem (Figueiredo et al., 1989) e a presença de calcificações nodulares disseminadas não sugere, necessariamente, 25 um pior prognóstico e podem melhorar ou até mesmo desaparecer com o tratamento específico para a toxoplasmose (Patel et al., 1996). Entre as mais comuns manifestações do sistema nervoso central está a hidrocefalia que pode aparecer ao nascimento ou logo após. Geralmente é progressiva, por isso a importância do monitoramento do crescimento cefálico. A microcefalia reflete dano cerebral grave e pode resultar em retardo mental, mas crianças com microcefalia também podem se desenvolver normalmente (Remington et al., 2001; Remington et al., 2005) Em um estudo, foi avaliada a freqüência e o tipo de alterações tomográficas cerebrais em pacientes com diagnóstico de toxoplasmose congênita, que apresentavam alterações oftalmológicas. As lesões cerebrais radiologicamente mais freqüentes foram as calcificações intracranianas, presentes em 16 pacientes (72,7%). Dentre esses, nove (56,2%) possuíam apenas calcificações e sete (43,75%) apresentavam-nas em conjunto com outro tipo de alteração neurológica. A dilatação ventricular foi a segunda alteração mais freqüentemente encontrada (11,7%) (Melamed et al., 2001). 2.8 A resposta imune ao Toxoplasma gondii 2.8.1 Imunidade inespecífica As respostas imunes de um hospedeiro ao T. gondii são complexas e envolvem precocemente a ativação de mecanismos de imunidade inespecífica. Estudos em camundongos sugerem que o controle da infecção aguda causada pelo toxoplasma, deflagra inicialmente uma resposta inata, seguida por uma resposta adquirida antígeno-específica, que é particularmente crítica para a 26 resolução da infecção por taquizoítos (Johnson & Sayles, 1997; Alexander & Hunter, 1998). Os taquizoítos ativam células como macrófagos e “natural killer” (NK). Os macrófagos humanos são fagócitos com função, não só de apresentação de antígenos, através do HLA classe II, mas também de secretar mediadores como o interferon-gama (IFN-y), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa, “Tumor Necrosis Factor- alfa”), o fator estimulador de colônia de granulócitos-macrófagos (GM-CSF, “grnulocyte-monocyte colony-stimulating factor”), a interleucina-12 (IL-12) e a interleucina-15 (IL-15). Já as células “natural killer” (NK) representam um subconjunto de células derivadas da linhagem linfocitária com função citotóxica e que secretam citocinas, principalmente o IFN-Y, sendo de grande importância na defesa contra vírus e outros patógenos intracelulares. A ativação inicial das células NK e dos macrófagos pelo T. gondii é importante para o estabelecimento da resistência inespecífica que atuará rapidamente no sentido de reduzir o número de taquizoítos, mesmo antes do desenvolvimento da resposta imune específica. Ao mesmo tempo, a ativação das células NK une a atividade dos mecanismos imunes inatos com mecanismos antígeno- específicos (Bliss et al., 1999), pelo estabelecimento de uma rede de citocinas necessárias para responder à infecção pelo T. gondii associada à ação de apresentação de antígenos, a ser realizada por macrófagos, células dendríticas (as células dendríticas, derivadas da medula óssea, são as células apresentadoras de antígenos mais eficientes e para isso, expressam moléculas dos antígenos leucocitários humanos –HLA tanto da classe I quanto da II) e células hospedeiras infectadas (Wilson & Lewis, 1990). 27 2.8.2 Imunidade específica 2.8.2.1 Imunidade celular A imunidade mediada por células ou imunidade específica é desenvolvida por linfócitos T originados no timo, responsáveis principalmente pela defesa contra patógenos intracelulares obrigatórios, com a função de promover a sua destruição ou a lise das células infectadas (Haynes & Heinly, 1995). Essas ações são realizadas tanto da forma direta quanto da forma indireta, por secreção de citocinas. Os linfócitos T se subdividem em linfócitos T alfa-beta e linfócitos T gama-delta (Robey & Fowlkes, 1998). Apenas 5% do total dos linfócitos T no organismo são representados pelos linfócitos T gama-delta que são encontrados em maior concentração em regiões específicas, como a mucosa intestinal e placenta (Scalise et al., 1992). Uma hipótese bem fundamentada para a ação desses linfócitos T propõe que eles poderiam reconhecer antígenos encontrados nos limites epiteliais, entre o hospedeiro e o ambiente externo. Neste caso, eles iniciariam uma primeira linha de defesa contra patógenos invasores, antes mesmo do recrutamento dos linfócitos T alfa-beta mais específicos. A resposta das células T gama-delta, observadas em certas infecções, inclusive contra patógenos intracelulares, como T. gondii, em humanos e em camundongos poderiam acontecer independentemente do reconhecimento dos patógenos (Wilson & Lewis, 1990). Os linfócitos T alfa-beta são mais numerosos, representando aproximadamente 95% do total de linfócitos e seus receptores estão envolvidos no reconhecimento de antígenos (Tanchot et al., 1997). Para a sua ativação, outros sinais são requeridos, envolvendo moléculas acessórias que facilitam as interações com as células apresentadoras de antígenos (APCs) ou com células alvos. Duas 28 dessas moléculas são denominadas de co-receptoras, CD4 e o CD8, que subdividem, respectivamente, os linfócitos T em dois conjuntos: as células T CD4+, que representam 65% dos linfócitos T alfa-beta e as células T CD8+, que representam 35% dos linfócitos T alfa-beta (Tanchot et al., 1997). Ambos os linfócitos T alfa-beta CD4+ e CD8+ participam de forma associativa e complementar na imunidade celular específica contra os patógenos intracelulares incluindo o T. gondii e outros (De Paoli et al., 1992). Células T CD8+ efetoras citotóxicas (CTL) são capazes de lisar células alvos infectadas, mas para a geração das células T CD8+ efetoras é requerida a participação de células T CD4+ auxiliares ou “helper” (Gazzinelli et al., 1991). Dessa reação específica, formam-se células de memória, tanto para as células T CD4+, quanto para as células T CD8+. De acordo com o ambiente propiciado por citocinas produzidas logo após o contato com o antígeno, os linfócitos T CD4+ ainda não estimulados são influenciados por essas citocinas diferenciando-se em células Th1 (T “helper”1) ou em células Th2 (T “helper”2), com cada subconjunto passando a produzir um perfil diferente de citocinas (Mosmann et al., 1986). Os linfócitos T CD4+ Th1 induzem a imunidade celular protetora contra patógenos intracelulares e produzem citocinas IL-12 e IFN-gama, importantes para a diferenciação e proliferação de macrófagos e células NK, mas também para estimular o aumento de produção de imunoglobulinas IgG2a/IgG em camundongos. Os linfócitos T CD4+ Th2 são mais eficientes em induzir a imunidade humoral (Mosmann, 1991) e produzem principalmente as citocinas IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, que irão coordenar funções como a regulação da produção de IgE, da eosinofilia e da mastocitose (Toellner et al., 1998). 29 A IL-12 estimula a diferenciação de linfócitos T CD4+ em linfócitos T CD4+ Th1 (Trinchieri, 1993). Além disso, foi observado que o IFN-gama é um potente inibidor da diferenciação de linfócitos T CD4+ em linfócitos T CD4+ Th2 (Gajewskl & Fitch, 1988). Dessa forma, patógenos como o T. gondii, que estimulam macrófagos e células NK a produzirem IFN-gama, induzem respostas dominadas por linfócitos T CD4+ Th1 tendendo, portanto, para uma imunidade predominantemente do tipo celular (Mosmann, 1991; Roberts & McLeod, 1999). Cada subconjunto de linfócitos T CD4+ Th1 ou T CD4+ Th2, através da produção de citocinas é capaz de inibir reciprocamente a diferenciação e o crescimento de células e da produção de citocinas específicas do outro subconjunto. Essa regulação cruzada provê a base para o entendimento das interrelações entre resposta imune celular e humoral (Gazzinelli et al., 1993; Trinchieri, 1993). Diante de tudo isso, tem sido demonstrado que os mecanismos específicos imunes mediados por células desempenham um papel de destaque na resistência à infecção pelo T. gondii (Reyes & Frenkel, 1987) e são fundamentais no controle dessa infecção (Gazzinelli et al., 1993). Sob a ação da imunidade celular, os T. gondii, que na fase aguda da toxoplasmose se encontram principalmente na forma de taquizoítos, são destruídos, enquanto outros na forma de bradizoítos formam cistos teciduais. Nesses cistos, localizados dentro das células hospedeiras, ficam protegidos da ação do sistema imune durante a fase crônica da doença e quando deixam esses locais, os parasitas são prontamente eliminados pela imunidade já estabelecida (Gazzinelli et al., 1993). 30 Em um estudo, os autores analisaram a resposta imune entre pacientes com toxoplasmose adquirida e toxoplasmose congênita. Pacientes com toxoplasmose ocular adquirida secretam maiores quantidades de interleucina 1 e fator de necrose tumoral alfa. Os dados mostraram também, que a resistência à infecção pode estar ligada à habilidade de secretar altos índices de IL12 (interleucina 12). Foi muito significativo, o resultado dos pacientes com toxoplasmose congênita que apresentaram uma menor resposta proliferativa de linfócitos. Eles secretavam menos interleucina 2 e IFN gama do que os pacientes com diagnóstico de toxoplasmose ocular adquirida. A diminuição da resposta ao toxoplasma na toxoplasmose congênita sugere que as células T específicas para T. gondii podem ter sido anergizadas ou destruídas através da exposição aos antígenos do toxoplasma no período pré-natal. Os achados foram importantes porque mostram testes de laboratório que podem diferenciar a toxoplasmose adquirida da congênita e sugerem que o mecanismo que envolve o desenvolvimento da lesão ocular possa ser diferente nas duas formas da doença, apesar da aparência semelhante no aspecto patológico (Yamamoto et al., 2000). 2.8.2.2 Imunidade humoral Os anticorpos são a primeira linha de defesa contra o T.gondii e atuam sobre os taquizoítos liberados após a lise de uma célula infectada. Ativam a via do complemento, promovem a opsonização dos parasitas e aumentam a atividade fagocitária dos macrófagos (Roberts & McLeod, 1999). Dentro de duas semanas após o início da infecção, já são detectados anticorpos IgM, IgA e IgE contra o T.gondii. Produção de anticorpos IgA nas superfícies mucosa parece oferecer proteção contra uma reinfecção (Montoya, 2002; Montoya & Rosso, 2005). 31 2.9 Diagnóstico O diagnóstico da toxoplasmose ocular é normalmente realizado pelo exame oftalmológico e se baseia no encontro de apresentações clínicas variadas compatíveis com a infecção da retina pelo toxoplasma (diagnóstico presumível) (Assis et al., 1997), mas a infecção pelo T.gondii pode ser diagnosticada de maneira direta (diagnóstico de certeza), através da técnica de PCR para identificação de antígenos do parasita, isolamento do parasita em tecidos, histologia e, de maneira indireta, através da sorologia. 2.9.1 Detecção Direta A identificação do parasita pode ser obtida a partir da inoculação do material infectado a ser estudado, por via intraperitoneal, em camundongos, com posterior observação de soroconversão nesses animais e de cistos em seus cérebros. Outra forma direta de investigação diagnóstica é a cultura do material a ser examinado em fibroblastos humanos ou outras linhagens de células. A detecção do parasita ou de seu DNA nos fluídos intra-oculares e a evidência da produção de anticorpos específicos contra o toxoplasma dentro do olho (coeficiente de Witmer-Desmonts) estão sendo utilizados com grande sucesso para confirmar o diagnóstico da toxoplasmose ocular (Montoya et al., 1999; Garweg et al., 2000). Recentemente, um grupo de investigadores da Índia avaliou a eficácia do PCR e do uso do coeficiente de Witmer-Desmonts em fluídos intraoculares, para o diagnóstico da toxoplasmose ocular e encontraram uma especificidade de 100% para ambos os exames e uma sensibilidade de 72,7% e 59,1%, respectivamente (Mahalakshmi et al., 2006). Os pacientes com doença ocular na toxoplasmose adquirida são mais velhos e mais frequentemente positivos 32 quando se pesquisa a presença de DNA do T.gondii nos fluídos intra-oculares (Ongkosuwito et al., 1999) Além dos fluídos intra-oculares, os antígenos parasitários podem ser identificados pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) no sangue, líquido amniótico, líquor, tecido cerebral e placenta. 2.9.2 Detecção indireta Na avaliação sorológica são utilizados os anticorpos das classes IgM, IgG, IgA e IgE. Os principais exames utilizados são: reação de Sabin Feldman (IgG), imunofluorescência para o IgG e IgM, os teste imunoenzimáticos ELISA e ELFA para o IgG, IgM, IgA e IgE, os testes de captura para o IgM, reação de hemaglutinação e fixação de complemento, os testes de avidez de IgG. • A reação de Sabin Feldman é considerada, ainda hoje, como padrão ouro para os demais testes devido a sua alta especificidade e sensibilidade. Esse teste mede os anticorpos IgG cujos títulos são detectáveis uma a duas semanas após a aquisição da infecção e atingem um pico máximo em seis a oito semanas para depois ir declinando gradualmente ao longo de meses ou anos. Títulos baixos de anticorpos IgG podem ser detectados pelo resto da vida do infectado (Wong & Remington, 1994). Recomenda-se que esse teste seja realizado em um laboratório de referência utilizando-se um soro padrão determinado pela OMS (Camargo, 1989; Beazley & Egerman, 1998) • O teste de imunofluorescência indireta detecta anticorpos IgM e IgG. A principal desvantagem desse teste é a freqüência de reações falso-positivas e falso-negativas. A presença de fator reumatóide positivo no sangue, que ocorre em pacientes com artrite reumatóide e, eventualmente, em grávidas 33 pode ser responsável por resultados falso-positivos de IgM (Beazley & Egerman, 1998). • O ELISA tem como base uma reação em que a enzima é ligada ao seu substrato hidrolisado mais uma anti-imunoglobulina humana. O produto é capaz de desenvolver cor ou fluorescência, cuja intensidade é lida com um espectrofotômetro (fluorômetro). A quantidade de anticorpos é diretamente proporcional à intensidade da cor (ELISA) ou da fluorescência (ELFA). Tanto o ELFA como o ELISA podem detectar anticorpos IgG, IgM, IgA e IgE (Beazley & Egerman, 1998). O ELISA-IgM é mais sensível e específico que a imunofluorescência IgM. Em virtude de sua alta sensibilidade, detecta anticorpos IgM por muitos meses após a fase aguda, tirando-lhe o valor de marcador de infecção recente (Lynfield & Guerina, 1997). • Testes de captura de IgM eliminam resultados falsos, pois utilizam o soro com anticorpos contendo anti-globulinas que se deseja capturar. O produto final destas reações pode ser mensurado pela cor (ELISA), pela fluorescência (ELFA) e pela aglutinação (ISAGA). • O ISAGA (Imunosorbent agglutination assay) permite a detecção simultânea de anticorpos IgM e IgA anti-toxoplasma. Tem alta sensibilidade e especificidade. Permite o diagnóstico precoce da toxoplasmose congênita e contribui para o diagnóstico da infecção recente em mulheres grávidas. • A reação de hemaglutinação testa tanto IgG quanto IgM e é considerada de baixo custo em relação as demais, mas não é um bom teste para ser aplicado em infecções congênitas (Jacobs & Lunde, 1957; Camargo et al., 1989). 34 • A reação de fixação de complemento se torna positiva três a seis semanas após o início da infecção, mas não permanece positiva por muito tempo. Não é um bom teste para detectar infecção recente (Camargo, 1989). • O teste de avidez de IgG: a avidez corresponde a força de ligação entre um antígeno e um anticorpo a qual aumenta progressivamente com o passar do tempo ou seja, anticorpos de baixa avidez (<30%) são produzidos nos estágios iniciais da infecção (três meses ou menos), enquanto que aqueles com alta avidez (>60% ou mais) são mais característicos de infecção em fase crônica (mais de quatro meses) (Lappalainen et al., 1995a; Lappalainen et al., 1995b). A pesquisa de anticorpos na toxoplasmose tem como objetivo definir o diagnóstico, mas principalmente, determinar a época em que ocorreu a infecção (Camargo, 1989). A presença de anticorpos IgG demonstra apenas que houve infecção e, portanto, informa sobre a imunidade. Títulos abaixo de 1/1024 indicam fase crônica ou podem representar infecção muito recente, caso os níveis de anticorpos estejam em ascendência. Sendo assim, deve-se repetir o exame após 15 dias e verificar se houve ascendência do título ou se ele se manteve estável. Títulos acima de 1/1024, geralmente acompanhados de IgM positiva, indicam infecção aguda. A IgG presente no primeiro mês de vida pode ser de transferência materna, sua meia-vida é de 28 dias e seus níveis caem rapidamente no lactente não infectado. O teste de avidez de IgG pode ajudar na definição da época em que ocorreu a infecção. A baixa avidez nem sempre indica infecção recente 35 (imunocomprometidos podem ter anticorpos com baixa avidez), mas a alta exclui infecção primária nos últimos cinco meses (Ashburn et al., 1998a; Ashburn et al., 1998b). Os anticorpos IgM são indicativos de infecção recente e não sinal de reinfecção e são produzidos antes dos anticorpos IgG e IgA. Normalmente se desenvolvem precocemente, dentro de uma a duas semanas após a infecção, com pico máximo em um a dois meses e queda após o oitavo mês, embora haja descrição de persistência por até 31 meses (Janitschke et al., 1989). A persistência ou a recorrência de IgM na infecção congênita, também já foram descritas (Sibalic et al., 1990). Toda IgM na circulação de neonatos é considerada de origem fetal, pois ele não atravessa a barreira placentária. Utilizando-se a técnica ELFA para a dosagem de IgM observou-se que índices superiores a 0,65 são indicativos de infecção recente (sensibilidade de 80%) (Remington et al., 2005). Os anticorpos IgA aumentam precocemente na toxoplasmose, são detectados no final da primeira semana, atingem um pico máximo em dois meses e declinam rapidamente logo em seguida. A IgA tem sua utilidade como complementação no diagnóstico da toxoplasmose em gestantes com IgM positiva, pois permanecem circulantes por um período inferior aos anticorpos IgM, auxiliando na diferenciação entre infecção recente e passada (Camargo, 1989). A IgA não atravessa a placenta e é mais sensível no diagnóstico da toxoplasmose no feto e recém-nascido do que a dosagem de IgM. Nem todo recém-nascido infectado apresenta anticorpo da classe IgM, desta forma na suspeita de infecção congênita com IgM negativo deve-se repetir esse exame um a dois meses após o nascimento e se possível, dosar IgA (Ashburn et al., 1998b). 36 A IgE também é detectada precocemente na infecção, parecem ser os primeiros anticorpos produzidos, no entanto, estarão presentes por um período inferior a quatro meses (Ashburn et al., 1998b). 2.10 Diagnóstico pré-natal Tradicionalmente, a triagem pré-natal para a toxoplasmose tem sido realizada na França (Jeannel et al., 1988a; Jeannel et al., 1988b) e na Áustria (Aspock & Pollak, 1992), mas já existem projetos semelhantes na Finlândia (Lappalainen et al., 1992), Noruega (Stray-Pedersen & Lorentzen-Styr, 1979), algumas partes da Suécia (Ahlfors et al., 1989) e Alemanha (Krausse et al., 1993). No Brasil, a triagem pré-natal para a toxoplasmose é sugerida como política pública não obrigatória. Seu objetivo é detectar a infecção aguda na gestante e selecionar as mulheres suscetíveis para assim, reforçar as orientações profiláticas. Além disso, o tratamento pré-natal, quando realizado precocemente, pode reduzir a incidência de seqüelas graves, ao nascimento, e prevenir o desenvolvimento de seqüelas futuras (Foulon et al., 1999; Foulon et al., 2000). Pode também, reduzir a transmissão materno-fetal da infecção (Thiebaut et al., 2007). A infecção materna é sub-clínica, na grande maioria dos casos e os métodos sorológicos formam a base para o seu diagnóstico. A soroconversão de IgM/IgG negativos para positivos na gestação é o sinal mais importante de que a gestante adquiriu a infecção. Na França, a recomendação é de que a gestante nãoimune faça a sorologia para a toxoplasmose em todos os meses da gestação (Thulliez, 1992). Na Áustria, o controle sorológico é trimestral (Aspock & Pollak, 1992). 37 Contudo, o encontro de anticorpos específicos, IgM positivos, no primeiro trimestre da gravidez, pode se tornar um problema diagnóstico já que níveis baixos de anticorpos IgM podem ser detectados no sangue, por exames de alta sensibilidade, anos depois de uma infecção aguda (Petersen, 2007). Esse resultado deixa dúvidas com relação à época em que a gestante adquiriu a infecção, se antes ou após a concepção. O problema pode ser parcialmente resolvido obtendo-se amostras sanguíneas seriadas para verificação do desenvolvimento da resposta imune pela paciente. É sabido que anticorpos IgG específicos são produzidos nas primeiras oito semanas após a aquisição da infecção e depois desse período, são mantidos em níveis altos, com ou sem o declínio do IgM (Liesenfeld et al., 1997; Liesenfeld et al., 2001). A dosagem de IgA também poderia ser utilizada. Gestantes positivas para o IgM e negativas para a IgA, provavelmente, apresentaram infecção por toxoplasmose há mais de três meses. Alguns indivíduos podem nunca produzir IgA ou estes anticorpos podem permanecer elevado por tempo indeterminado prejudicando a interpretação dos exames. O aparecimento de IgA já foi descrito após transplante de órgãos (Pinon et al., 1995) e em grávida imunocompetentes previamente positivas para a IgG, sem sinais de reinfecção (Fortier et al., 1991; Gavinet et al., 1997). Para Petersen (2007), a melhor estratégia para o diagnóstico da infecção aguda ou recente é a combinação da análise seqüencial do sangue por um exame de alta sensibilidade para o IgM associada ao teste de avidez de IgG. Entretanto, existem problemas com o teste de avidez. A maturação dos anticorpos IgG e portanto sua avidez varia de maneira considerável entre os indivíduos (Jenum et al., 1997). O sistema de análise utilizado e possivelmente o uso de tratamento são fatores que também interferem na maturação da avidez (Lefevre-Pettazzoni et al., 38 2006). Vários estudos mostram a persistência prolongada de anticorpos IgG com baixa avidez (atraso na maturação dos anticorpos IgG) por mais de 6 meses após a infecção, principalmente nas gestantes em tratamento, e isso cria um problema diagnóstico (Hedman et al., 1989; Lappalainen et al., 1993; Petersen et al., 2005). O uso de antígenos recombinantes poderá melhorar o teste de avidez de IgG (Petersen et al., 2005). Interpretação dos exames na gestante (Lopes et al., 2007); • Anticorpos IgM negativo e IgG positivo (primeiro trimestre): provável infecção antiga (gestante imune); • Anticorpos orientações IgM e IgG profiláticas negativos: e repetir gestante suscetível. exames Reforçar mensalmente ou trimestralmente (no mínimo). Antecipar repetição da sorologia em caso de gestante com linfadenomegalia, mal-estar e febre. • Anticorpos IgM positivo e IgG negativo: infecção inicial ou falso positivo. Repetir sorologia após duas 2-4 semanas para confirmar a presença de IgG. A persistência de IgM, na ausência de IgG nessa segunda amostra, exclui o diagnóstico (IgM falso positivo). • Anticorpos IgM e IgG positivo: IgM residual ou infecção aguda. Realizar o teste de avidez e pesquisa de IgA. Verificar aumento nos títulos em amostras obtidas com intervalo de três semanas, analisadas em paralelo. Uma vez detectada a infecção materna, as pacientes e seus médicos terão que tomar decisões com relação à utilização de métodos invasivos para a detecção da infecção fetal. Técnicas de diagnóstico molecular, como o PCR no líquido amniótico, são consideradas como padrão ouro para o diagnóstico da infecção intra-útero. Ela foi primeiramente sugerida para o diagnóstico fetal da toxoplasmose 39 congênita em 1990 (Grover et al., 1990). Na gestante, a pesquisa por PCR no líquido amniótico pode ser realizada a partir da décima oitava semana de gestação com poucas complicações (Hall et al., 1993; Johnson et al., 1993; Hohlfeld et al., 1994). Atualmente, dá-se preferência a este tipo de exame ao invés da cordocentese por apresentar menores riscos para o feto e por ser mais específico. Os resultados podem ser obtidos em 24hs e a sensibilidade pode chegar a 100% (Beazley & Egerman, 1998) embora, estudos subseqüentes indiquem que essa sensibilidade é variável e depende da idade gestacional (Sensini et al., 1996; Montoya et al., 2002). A sensibilidade desse exame é maior entre a 17-21 semanas de gestação (93%) (Romand et al., 2001). O exame de ultra-som também é importante para o diagnóstico fetal da infecção congênita, pois facilita a detecção de hidrocefalia e calcificações cerebrais. Ele deverá ser repetido, mensalmente, até o parto (Montenegro & Rezende Filho, 2000), mas na maioria das vezes, não mostrará alterações (18,136,4%) (Couto et al., 2003). 2.11 Diagnóstico neonatal A triagem neonatal através da identificação de anticorpos IgM específicos para o toxoplasma foi primeiramente oferecida pelo programa de triagem neonatal de New England, Massachusetts, em 1988. Nesse estudo, o sangue de 650.000 recém-nascidos foi obtido pela triagem neonatal e um, em cada 6.000 estavam infectados, sendo a maioria, com infecção sub-clínica (Guerina et al., 1994). A partir desse ano, programas de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita foram adotados na Dinamarca em 1992 (Schmidt et al., 2006), Polônia em 1994 40 (Paul et al., 2000), Porto Alegre-Brasil em 1995 (Neto et al., 2000) e Campos dos Goytacazes-Brasil em 1999 (Bahia-Oliveira et al., 2001; Petersen et al., 2001). O “teste do pezinho”, nome popular para triagem neonatal, é um teste obrigatório por lei utilizado para a detecção de doenças metabólicas tais como a fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito e pode ser realizado a partir do quinto dia de vida. Além de ser um método fácil e acessível de exame, apresenta baixa incidência de falso-positivos e falso-negativos e por isso, pode ser utilizado em larga escala para a triagem neonatal da toxoplasmose congênita. A sensibilidade varia conforme a idade gestacional da infecção materna, quanto mais precoce menos freqüente são os resultados positivos. Um estudo piloto realizado na Dinamarca, entre 1992-1996, mostrou que o programa de triagem neonatal, baseado somente na detecção de anticorpos IgM específicos para a toxoplasmose, foi capaz de identificar mais de 75% das crianças infectadas cujas mães não foram tratadas na gravidez (Lebech et al., 1999). Anticorpos IgM e IgA não atravessam a barreira placentária e por isso, formam a base para a confirmação sorológica da infecção congênita. As melhores técnicas para detecção de IgM são os testes de ELISA convencional e principalmente os de captura: ELISA, ELFA e ISAGA, que detectam o anticorpo específico em cerca de 80% dos casos. O teste de imunofluorescência para o diagnóstico da toxoplasmose congênita somente detecta IgM em 25% dos casos (Remington et al., 2005). Em um estudo, os autores compararam a sensibilidade e especificidade dos testes de IgA e IgM, realizados no sangue do cordão umbilical e sangue periférico, de recém-nascidos infectados e controles negativos. Ambos os testes foram considerados mais específicos no sangue periférico (IgM: 98%, IgA: 100%) do que 41 no sangue do cordão (IgM: 85%, IgA: 88%). A sensibilidade dos testes não foi estatisticamente diferente no sangue periférico (IgM: 61%, IgA: 60%) e no sangue do cordão (IgM: 67%, IgA: 54%). Combinando os testes de IgM e IgA a sensibilidade aumentou para 73% sem alteração importante da especificidade (98%). Ele conclui que a pesquisa de IgM e IgA permanece como a principal forma de diagnóstico neonatal da toxoplasmose congênita, mas o acompanhamento de casos suspeitos é essencial já que 25% das crianças infectadas não serão diagnosticadas por esses exames logo após o nascimento (Wallon et al., 1999a). Além disso, um número pequeno de crianças, infectadas antes da vigésima semana da gestação, poderá ficar sem diagnostico devido ao declínio ou desaparecimento desses anticorpos ao nascimento (principalmente anticorpos IgM). Na França, Bessieres et al (2001) desenvolveram estudo prospectivo entre 165 recém- nascidos de mães com infecção aguda, confirmadas após oito semanas de gestação e tratadas de acordo com os protocolos usuais. A detecção de IgM e IgA realizada em 42 soros de crianças infectadas permitiu o diagnóstico em 34 casos (81%). Os anticorpos IgM foram mais freqüentemente detectados quando a mãe soroconverteu no terceiro trimestre da gravidez, enquanto os da classe IgA foram mais freqüentemente detectados quando a soroconversão materna ocorreu no primeiro ou segundo trimestre. Os anticorpos IgM são produzidos antes dos anticorpos IgG e IgA, portanto a IgM produzida, intra-útero, nas infecções ocorridas durante a gestação precoce pode ter desaparecido ao nascimento, enquanto a IgA produzida mais tardiamente ainda estava presente. 42 É provável que os programas de triagem neonatal baseados na detecção somente de anticorpos IgM identifiquem infecções da segunda metade da gestação (Schmidt et al., 2006; Petersen, 2007). O tratamento prolongado, da mãe com toxoplasmose, também pode encurtar ou diminuir a resposta do recém-nascido quanto a produção de IgM (Lebech et al., 1999). Como nem todos os neonatos infectados produzem níveis detectáveis de anticorpos IgA e IgM, a abordagem recomendável consiste na combinação da dosagem dos dois anticorpos que pode identificar mais de 75% dos casos (Lappalainen & Hedman, 2004; Montoya & Liesenfeld, 2004). O diagnóstico da toxoplasmose congênita ao nascimento torna-se difícil se os anticorpos IgM e IgA não estiverem presentes pois os exames disponíveis não são capazes de diferenciar se o anticorpo IgG presente no recém-nascido é materno ou fetal. Nesses casos a opção é o acompanhamento dos níveis de anticorpos IgG ao longo do primeiro ano de vida. A produção de IgG pela criança é demonstrada a partir do segundo mês de vida, embora o tratamento possa retardar essa resposta, para os seis meses (Stray-Pedersen, 1993). O lactente com a infecção congênita apresenta inicialmente um declínio da IgG e subseqüente um aumento progressivo antes do primeiro ano de vida (Camargo, 1989). O achado de títulos de IgG quatro vezes maiores que os maternos são fortemente sugestivos de infecção congênita (Remington et al., 2005). A persistência de anticorpos IgG após os primeiros 12 a 18 meses de vida é indicativa de infecção congênita já que a aquisição da toxoplasmose ao longo desse primeiro ano é rara (Stray-Pedersen, 1993). 43 Já foi descrito que a criança infectada produz anticorpos IgG2 e IgG3 enquanto a transferência de anticorpos maternos é do tipo de IgG1. A análise das subclasses de IgGs contra antígenos recombinantes do toxoplasma poderia ajudar no diagnóstico desses casos (Petersen, 2007). A reação Western Blot é um teste que identifica anticorpos IgG de origem fetal diferenciando-os dos maternos e está em avaliação (Remington et al., 2005) . Em resumo, confirma-se a infecção congênita: Se a IgM e/ou IgA estiverem positivas nos seis primeiros meses de vida (excluindo a primeira semana de vida); Ocorrer elevação dos títulos de IgG nos primeiros 12 meses de vida, com ou sem presença de sinais clínicos; A IgG mantiver-se persistentemente positiva durante os 12 primeiros meses de vida, com ou sem sinais clínicos. Exclui-se a infecção congênita: Se a criança apresentar sorologia negativa nos primeiros 12 meses de vida, sem tratamento; Se a criança apresentar sorologia negativa no período de um a seis meses após a interrupção do tratamento. Uma vez confirmada à infecção congênita, através da sorologia, ou nos casos suspeitos, o recém-nascido deverá ser submetido a exame físico pelo pediatra, exame oftalmológico, auditivo e avaliação neurológica, incluindo punção liquórica e exames de imagem tais como radiografia de crânio, ultra-som transfontanela e tomografia computadorizada crânio-encefálica. 44 O líquor apresenta alterações em uma freqüência de três a 60% dependendo do estudo. As principais alterações encontradas são a pleocitose mononuclear e a hiperproteinorraquia. Até o momento não foi observada associação entre a presença de alterações liquórica e a gravidade da infecção no recém-nascido, nem a alteração liquórica se mostrou preditora de seqüelas neurológicas (Wallon et al., 1998). A radiografia de crânio mostra calcificações cerebrais geralmente generalizadas em 51-87% das crianças infectadas. Podem estar presentes ao nascimento ou serem evidenciadas posteriormente, dentro do primeiro ano de vida. A localização das calcificações nas meninges e no núcleo caudado tem sido associada à pior prognóstico. A intensidade das calcificações intracranianas não tem necessariamente relação direta com o prognóstico (Remington et al., 2005). A ultra-sonografia pode mostrar calcificações e dilatação ventricular e é útil para o acompanhamento da dilatação ventricular intra e extra-útero (Lago et al., 2007). A tomografia computadorizada foi considerada como o exame de maior sensibilidade para detectar as alterações neuro-radiológicas na toxoplasmose congênita (especialmente calcificações intracranianas e atrofia cortical com dilatação ventricular). Ela pode demonstrar a presença de calcificações não vistas na radiografia de crânio e na ultra-sonografia transfontanela e também é útil no acompanhamento da atrofia cortical e da dilatação ventricular (McAuley et al., 1994). A triagem neonatal é uma opção atrativa na prevenção de seqüelas da toxoplasmose congênita. É mais barata que a triagem pré-natal, evita a repetição inconveniente de exames durante a gravidez, o risco da realização de métodos 45 invasivos de exames para o diagnóstico da infecção fetal, o uso prolongado de antiparasitários e seus efeitos colaterais, assim como a interrupção desnecessária da gestação. É mais vantajosa naqueles países onde a soroprevalência da doença é baixa e, portanto, com baixo risco de transmissão materno-fetal (Lebech et al., 1999). Além disso, a triagem neonatal é considerada importante já que o tratamento específico e prolongado para a toxoplasmose nos recém-nascidos infectados parece reduzir seqüelas oculares e neurológicas quando comparados com controles históricos (McAuley et al., 1994; Mets et al., 1997). Aproximadamente 21 países na Europa (dentre eles a Inglaterra), não recomendam qualquer tipo de triagem para a toxoplasmose congênita (Bernard & Salmi, 2006). Suas justificativas para tal comportamento são: custo-benefício desfavorável, ausência de tratamento satisfatório, programas de screening caros e baixa incidência da toxoplasmose no país. 2.12 Tratamento da Toxoplasmose ocular O tratamento da toxoplasmose ocular tem como principais objetivos eliminar a multiplicação dos parasitas e limitar o processo inflamatório intra-ocular evitando ou, pelo menos, diminuindo os danos na função visual. A fase ativa da toxoplasmose ocular é autolimitada. A indicação de tratamento depende das características da lesão: tamanho, localização e reação inflamatória associada. A sociedade Brasileira de Uveíte recomenda o tratamento nos seguintes casos: lesões acompanhadas de grande reação inflamatória ou que ameaçam áreas nobres da retina (polo posterior), lesões crônicas extensas, perda visual maior que 3/10 da acuidade anterior (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Entretanto, no Serviço 46 de Uveíte do Hospital São Geraldo (Hospital das Clinicas – UFMG) a conduta é diferente: todas as lesões ativas são tratadas. O tratamento da toxoplasmose pode durar de 4 a 8 semanas e combina drogas antiparasitárias com o uso do corticóide oral. Nos últimos anos, foram utilizadas outras drogas para o tratamento da doença (atovaquone, clindamicina, azitromicina, claritromicina, tetracilclina), porém nenhuma delas mostrou maior eficácia que a terapêutica tradicional: uso de pirimetamina, sulfas e corticóide. O emprego clínico dessa combinação de drogas é considerado como primeira escolha até os dias atuais (Holland & Lewis, 2002). A pirimetamina e a sulfadiazina inibem o metabolismo do acido fólico necessário para que o toxoplasma sobreviva. O uso concomitante de ácido folínico ajuda a minimizar a toxicidade sobre a medula óssea provocada pela pirimetamina (Rothova, 2003). A pirimetamina é contra-indicada nos primeiros quatro meses de gestação, tendo em vista possíveis efeitos teratogênicos e, também, durante o aleitamento materno (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). A sulfadiazina é contraindicada no terceiro trimestre da gravidez, pois desloca a bilirrubina fetal do seu sítio da albumina, levando ao Kernicterus. Reações adversas podem ocorrer em 3% dos pacientes (gastro-intestinais, cristalúria, hematúria e reações alérgicas). A espiramicina é outra droga utilizada no tratamento da toxoplasmose. Tem atividade menor que a sulfadiazina e a pirimetamina, mas é pouco tóxica. É o medicamento de escolha para gestantes, dada sua concentração elevada na placenta e ausência de teratogênicidade. Apesar do empenho dos pesquisadores, nenhuma droga foi capaz de destruir os parasitas dentro dos cistos e evitar as recidivas. 47 Alguns autores demonstraram em seu trabalho que o uso de sulfametoxazol e trimetropim pode constituir um método efetivo na redução de recidivas da lesão ocular quando usadas por longo período de tempo, mas o mecanismo dessa redução é desconhecido (Silveira et al., 2002). O uso sistêmico do corticóide já faz parte da conduta no tratamento da toxoplasmose ocular com o objetivo de reduzir os efeitos inflamatórios e necróticos provocados pelo parasita (Rothova et al., 1989). A prednisona tornou-se o corticóide de escolha por ter baixo custo, curta ação, além de apresentar menor retenção de sódio quando comparada a outros corticóides. Por tudo isso, o esquema clássico para o tratamento da toxoplasmose ocular é a associação de pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico. 2.13 Tratamento Pré e Pós-natal Muitos autores concordam que o diagnóstico e tratamento imediatos da infecção por toxoplasmose na gestante poderiam prevenir a transmissão maternofetal do parasita. Até o momento duas revisões sistemáticas avaliaram o efeito do tratamento pré-natal na transmissão materno-fetal (Wallon et al., 1999b; Peyron et al., 2000). Em uma delas, foram encontrados nove artigos que preenchiam os critérios de inclusão. A infecção congênita foi comum nos grupos tratados. Cinco estudos mostraram que o tratamento pré-natal foi efetivo e quatro não, mas em nenhum deles, o estudo era randomizado ou possuía um grupo controle diretamente comparado com um grupo de tratamento (Wallon et al., 1999b). Na outra revisão sistemática, de 2591 artigos identificados, nenhum preenchia os critérios de inclusão e os autores não puderam chegar a uma conclusão de que o tratamento pré-natal poderia reduzir a transmissão congênita da toxoplasmose 48 (Peyron et al., 2000). A realização de meta-análise sobre o efeito do tratamento pré-natal não foi possível nestas revisões, pois usaram diferentes métodos analíticos e meios de agregação de dados. Um grande estudo de coorte multicêntrico prospectivo realizado na Europa incluiu 1260 mulheres grávidas infectadas e seus recém-nascidos e não encontrou evidências de que o tratamento precoce com espiramicina ou associação de sulfadiazina e pirimetamina tenha algum efeito sobre a transmissão materno-fetal do parasita. Os autores especulam que a transmissão materno-fetal ocorre rapidamente após a infecção e por isso, a oportunidade de tratamento é muito pequena, provavelmente nos primeiro 15 dias (a transformação de taquizoítos em cistos se torna completa nos primeiros 15 dias após a infecção e os cistos são impermeáveis aos antiparasitários). Como a triagem pré-natal para gestantes soronegativas é realizada mensal ou trimestralmente a maioria das infecções não é diagnosticada a tempo de se iniciar o tratamento para prevenir a transmissão da infecção para o feto e encistamento dos parasitas (Gilbert & Gras, 2003; Gilbert & Dezateux, 2006). Uma revisão sistemática usando dados individuais de pacientes para se realizar uma meta-análise mostrou que dentre 550 crianças infectadas identificadas pelos programas de triagem pré e pós-natal realizados na Europa, não há evidências de que o tratamento pré-natal reduza de maneira significativa o risco de manifestações clínicas (OR:1,11; 95% IC:0,61-2,02). A soroconversão em uma idade gestacional avançada apresentou uma forte associação com o risco de transmissão materno-fetal da infecção (OR:1,15; 95% IC:1,12-1,17) e com menor risco de lesão intracranianas (OR:0,91; 95% IC: 0,87-0,95) mas limitado com lesões oculares (OR:0,97; 95% IC: 0,93-1,00) (Thiebaut et al., 2007). Esse trabalho 49 mostra também que o tratamento da mulher grávida dentro das primeiras três semanas de infecção pode reduzir a transmissão da infecção para o feto, mas o tratamento tardio não possui efeito. No Brasil, a recomendação é de que após o diagnóstico da infecção aguda materna, independentemente da idade gestacional, deve-se iniciar a espiramicina que será mantida até a pesquisa da infecção fetal. A espiramicina é um macrolídeo cuja função é bloquear o parasita na placenta, impedindo ou retardando a infecção congênita. Porém, se o feto já estiver contaminado, sua ação parece não ser adequada. Se após a propedêutica, for confirmada a infecção fetal, deve-se iniciar o tratamento tríplice com a pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico, da décima oitava semana de gestação até o termo. No caso de soroconversão após a vigésima quarta semana de gestação, mesmo sem infecção fetal comprovada, o esquema tríplice também deverá ser iniciado (Montoya & Liesenfeld, 2004; Remington et al., 2005; Zugaib, 2007). Nas gestantes em tratamento com pirimetamina, é importante solicitar hemograma mensal para avaliação de complicações hematológicas. Também é importante avaliar risco/benefício do uso do esquema tríplice no último mês de gestação, devido ao risco de hiperbilirrubinemia neonatal provocado pela sulfadiazina (Queiroz-Andrade et al., 2004). Caso seja afastada a infecção fetal, após propedêutica invasiva, deve-se manter o uso da espiramicina até o termo e controle ultrasonográfico mensal. Com relação ao tratamento pós-natal, uma vez diagnosticada a toxoplasmose congênita no recém-nascido, seja ele sintomático ou não, o tratamento deverá ser iniciado por um período variável de tempo: três meses na Dinamarca (Guerina et al., 1994; Schmidt et al., 2006) , dois anos na França (Villena et al., 1998a) e por um ano no Brasil. A maioria dos estudos recomendam 50 o tratamento durante todo o primeiro ano de vida (McLeod et al., 2006; Petersen & Liesenfeld, 2007; Phan et al., 2007) . O uso de Pirimetamina e Sulfadiazina constitui a base do tratamento da toxoplasmose congênita no recém-nascido e seu uso foi adotado a partir de estudos realizados em modelos animais no ano de 1950, mas foi recentemente revisto (Petersen & Schmidt, 2003). O objetivo do tratamento é o de eliminar as formas proliferativas do parasita e, propiciar tempo para que o recém-nascido desenvolva resposta imune competente para manter o parasita na forma de cisto. As drogas agem de forma sinérgica contra as formas proliferativas do parasita presente durante o processo infeccioso agudo. Não penetram nos cistos parasitários, por isso não são recomendadas na fase crônica. Na evidência de inflamação grave: lesão ocular em atividade na macula ou proteína do líqüor ≥ 1 g/dL, recomenda-se associar prednisona (Queiroz-Andrade et al., 2004; Remington et al., 2005). Crianças com toxoplasmose congênita que nascem sintomáticas devem ser tratadas, mas o real benefício do tratamento nas crianças assintomáticas permanece sob intensa discussão (Rothova, 2003; Petersen, 2007). Além disso, o tratamento pode apresentar sérios efeitos colaterais (principalmente neutropenia) em 14-50% das crianças (Guerina et al., 1994; Kieffer et al., 2002). Um estudo realizado na Holanda comparou crianças com toxoplasmose congênita, sem tratamento, com uma coorte de crianças, identificadas pelo programa de triagem pré-natal francês, tratadas durante o primeiro ano de vida. Não houve diferença estatisticamente significativa na proporção de crianças com doença ocular nos dois grupos (Gilbert et al., 2001a). 51 O seguimento de uma coorte de 120 crianças com toxoplasmose congênita grave mostrou melhora significativa naquelas crianças que receberam sulfadiazina e pirimetamina durante o primeiro ano de vida quando comparadas com controles históricos (McLeod et al., 2006). Entretanto, esse estudo apresenta alguns problemas: ausência de informações sobre a história natural da infecção, viés de seleção (casos graves) e ausência de grupo controle. Outros estudos, sobre a evolução clínica das lesões oculares, reportaram um melhor prognóstico ocular quando a infecção congênita foi identificada e tratada precocemente (Koppe & Rothova, 1989; Guerina et al., 1994; McAuley et al., 1994; Mets et al., 1997; Neto et al., 2004; Wallon et al., 2004; Kodjikian et al., 2006; Phan et al., 2007). O consenso é de que, com base nos conhecimentos atuais, o mais razoável, é aceitar que o tratamento pós-natal é melhor do que a ausência de tratamento (Gomez-Marin & dela Torre, 2007). 52 3-OBJETIVOS 1- Estimar a prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais e com isso, avaliar a necessidade da implantação de um programa de triagem para a doença visando o diagnóstico e tratamento precoce das crianças infectadas. 2- Determinar a prevalência das lesões retinocoroideanas, sugestivas de toxoplasmose, observadas no primeiro exame de fundo de olho dos recémnascidos triados para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais; 3- Descrever as lesões retinocoroideanas quanto à lateralidade, distribuição topográfica e existência de atividade; 4- Descrever a presença de outras alterações oculares tais como, estrabismo, microftalmia, embainhamento vascular e opacidades vítreas; 5- Correlacionar os dados da avaliação oftalmológica com as alterações crânioencefálicas observadas no primeiro exame de neuroimagem, verificando a existência de algum tipo de associação entre eles. 53 4-MATERIAL E MÉTODOS Este estudo transversal descritivo faz parte de um estudo maior, multidisciplinar, prospectivo, sobre a triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais e que ainda está em andamento. 4.1 Seleção dos pacientes Através de uma ação conjunta entre a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Programa Estadual de Triagem Neonatal (PETN-MG), implantado em setembro de 1993, atende gratuitamente a população dos 853 municípios no Estado de Minas Gerais. Atualmente 98% dos recém-nascidos (RN) no Estado fazem a triagem neonatal, pelo PETN-MG e o NUPAD/FMUFMG (Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnostico - Faculdade de Medicina da UFMG) foi credenciado pelo Ministério da Saúde como o serviço de referência em triagem neonatal no Estado. A triagem neonatal foi realizada por meio do “teste do pezinho” que é um teste gratuito, obrigatório por lei, utilizado para a detecção de doenças metabólicas tais como fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito e pode ser realizado a partir do quinto dia de vida. Gotas de sangue são colhidas através do calcanhar do RN em uma única punção, rápida e quase indolor. No teste, o sangue da criança é coletado em papel filtro especial. As amostras de sangue obtidas são secas e posteriormente enviadas ao laboratório para o processamento dos exames. No período de novembro de 2006 a maio de 2007, foi então realizado um inquérito sorológico para a toxoplasmose congênita através da triagem neonatal de 146.237 recém-nascidos de todos os 853 municípios mineiros. 54 O sangue foi coletado pela rede de atendimento do NUPAD que conta com 1840 postos de coleta espalhados por todo o Estado. O sangue coletado em papel filtro (sangue seco) foi encaminhado a sede do NUPAD, em Belo Horizonte, para a realização dos exames de rotina (detecção de fenilalanina, hormônios tireoidianos, hemoglobinopatias e fibrose cística) e para a detecção de IgM anti-T. gondii. Foi utilizado o kit anti Q-PREVEN TOXO IgM (Symbiosis Diagnóstica Ltda, Leme, Brasil), que é um enzimaimunoensaio (ELISA) por captura, para a determinação dos anticorpos IgM nas amostras de sangue seco coletadas em papel filtro. O Kit trabalha com controles positivos e negativos que ajustam o resultado de cada placa. Esse teste foi comparado com um teste conhecido (FEIA Fluorometric enzyme immunoassay - Labsystems, Helsinki, Finlândia) e a concordância foi boa (Kappa-0,73). As mães dessas crianças receberam informação escrita sobre a triagem neonatal para as triagens tradicionais, nas clínicas de pré-natal e maternidades e nesse caso, foi incluída, antes do início do estudo, informação escrita sobre a triagem neonatal para toxoplasmose congênita e o inquérito sorológico a ser realizado. Todas as crianças, nas regiões estabelecidas, que procuraram o posto de saúde para realizar a triagem neonatal foram elegíveis para participar do estudo. Exclusões foram limitadas à recusa dos pais em participar. 4.2 Avaliação complementar da mãe e do recém-nascido (RN) No caso de amostra positiva ou duvidosa, os pais foram solicitados a comparecer ao posto de saúde, onde foi realizada a primeira coleta, para teste confirmatório no sangue da mãe e do RN. Os testes confirmatórios (ELISA para IgA e ELFA para IgM e IgG) foram efetuados em laboratório terceirizado pelo NUPAD. 55 Todas as mães e RN realizaram IgM e IgG, mas apenas alguns RN realizaram o exame de IgA. Foram considerados como reagentes para a toxoplasmose, pacientes com ELISA para o IgA superior a 5,0 UI/mL. Considerando o ELFA para IgM: índices inferiores a 0,55 Ul/ml foram considerados como não reagentes, entre 0,55 UI/ml e 0,65 UI/ml, como indeterminados e índices iguais ou superiores a 0,65 UI/mL, como reagentes. Já o ELFA para IgG: resultados inferiores a 4,0 UI/ml foram considerados não reagentes, entre 4,0 UI/ml e 8,0 UI/ml, como indeterminados e reagentes quando superiores a 8,0 UI/mL. Os RN também foram encaminhados ao ambulatório de infectologia Orestes Diniz (Hospital das Clínicas – UFMG) e Serviço de Uveíte do Hospital São Geraldo (Hospital das Clínicas - UFMG), em Belo Horizonte, para realização de exames: pediátrico, oftalmológico, avaliação auditiva, radiografia de crânio e ultra-som transfontanela. Em caso de manifestações neurológicas, os RN foram encaminhados para a avaliação do neurologista. Outros grupos de estudo, estão avaliando o perfil imunológico da mãe/bebê além do isolamento, tipificação e análise de virulência das amostras de toxoplasma obtidas. Foram considerados casos confirmados de toxoplasmose congênita: • RN com anticorpos anti-toxoplasma IgM, IgG e IgA positivos; • RN com anticorpos anti-toxoplasma IgM e IgG positivos; • RN com anticorpos anti-toxoplasma IgA e IgG positivos; • RN com anticorpos anti-toxoplasma IgG positivos e com títulos quatro vezes maiores do que o IgG materno (Remington et al., 2005); 56 • RN com anticorpos anti-toxoplasma IgG positivos + retinocoroidite e/ou outra manifestação clínica sugestiva de toxoplasmose congênita (alterações neurológicas) + mãe com anticorpos anti-toxoplasma IgG e IgM positivos. Logo após a confirmação diagnóstica da infecção congênita, foi iniciado o tratamento da criança, de acordo com o esquema classicamente aceito para tratamento desses casos (Remington et al., 2005). Na toxoplasmose congênita clínica ou subclínica: • Pirimetamina na dose de 1mg/kg/dia, por via oral, uma vez ao dia, durante seis meses, seguido da mesma dosagem, três vezes por semana, até completar um ano; • Sulfadiazina na dose de 100 mg/kg/dia, dividida em duas doses, durante um ano; • Ácido Folínico na dose de 5 a 10 mg, três vezes por semana, durante um ano; • Em caso de retinocoroidite em atividade na mácula, corticosteróide por via oral (prednisolona) foi indicado iniciando-se com 1mg/kg/dia, por via oral, dividido em duas doses, seguindo-se de redução progressiva da dose até a suspensão, em três a cinco semanas, mantendo-se a medicação específica. O tratamento será encerrado aos 12 meses de vida exceto se houver sinal de lesões oculares ativas. Seus efeitos colaterais serão constantemente monitorados. Os pais das crianças infectadas foram convidados a trazer seus filhos regularmente para controle pediátrico e oftalmológico durante cinco anos. 57 Neste estudo, será calculada a prevalência estimada da toxoplasmose congênita, no momento do primeiro exame oftalmológico dos RN. A prevalência final da doença só será conhecida após o primeiro ano de observação dos RN triados. 4.3 Exame oftalmológico dos RN triados Todos os RN triados como positivos ou duvidosos para a toxoplasmose congênita, no período de novembro de 2006 a maio de 2007, foram encaminhados para o exame oftalmológico após o nascimento. Esse exame foi realizado nas dependências do Serviço de Uveíte do Hospital São Geraldo (Hospital das Clínicas - UFMG) por três oftalmologistas especializados em Uveíte e Retina e acompanhado por uma pediatra especialista em infectologia pediátrica. Para o exame oftalmoscópico foi utilizado um oftalmoscópio binocular indireto da marca Eye Tec de modelo OHD-42 (Eye Tec, São Carlos) com uma placa de captura de vídeo acoplada e uma lente condensadora de 20 dioptrias. O exame foi realizado sob vigília e midríase ampla, obtida pela instilação de colírios de tropicamida a 0,5% (uma gota em cada olho, três vezes, com intervalo de 10 minutos) intercalada com fenilefrina a 2,5% (uma gota em cada olho, duas vezes, com intervalo de 10 minutos). O uso de blefarostato, em tamanho apropriadamente confeccionado para o RN, foi necessário para facilitar o exame. Antes de sua colocação, era previamente instilada uma gota de colírio anestésico (cloridrato de proximetacaína). Iniciava-se o exame pelo polo posterior e, depois, era avaliada a periferia retiniana de ambos os olhos. Todos os achados oftalmológicos foram cuidadosamente anotados, desenhados em um formulário específico (Anexo A) e 58 fotografados (quando possível) com um retinógrafo TOPCON (Topcon Corporation, Tokyo). Para essa fotografia, os RN eram contidos com lençol e posicionados em ortostatismo ou em decúbito lateral direito e esquerdo. O desenho dos achados do fundo de olho, previamente realizado, foi utilizado para orientar o posterior reposicionamento das fotos. O exame de oftalmoscopia era também filmado, sempre que possível. As lesões de retinocoroidite sugestivas de toxoplasmose, quando presentes, foram descritas quanto a: 1- Lateralidade As lesões foram consideradas bilaterais quando observadas nos dois olhos, independente do seu grau de atividade e localização. Pacientes com lesão em somente um dos olhos foram considerados como unilaterais. 2- Distribuição topográfica A localização da lesão era definida da seguinte forma (Holland et al., 1989) (Anexo B): Zona 1: abrange a área compreendida pelas arcadas vasculares temporais, numa extensão de aproximadamente 3000 µm (2 DD) a partir da fóvea ou de cerca de 1500 µm das margens do disco óptico; Zona 2: anterior à zona 1 até o equador do bulbo ocular, que é identificado pela margem anterior das ampolas das veias vorticosas; Zona 3: estende-se anterior à zona 2 até a ora serrata. A zona 1 corresponde ao polo posterior da retina. A periferia da retina foi agrupada como zonas 2 e 3 na classificação de Holland et al (1989). As lesões observadas em zonas limites foram classificadas dentro da área onde havia maior superfície de lesão. 59 3- Atividade da lesão As lesões foram classificadas como ativas na presença de retinocoroidite focal necrosante ou de lesões puntiformes exsudativas, com menos de ¼ de diâmetro de disco, amareladas ou branco-acinzentadas, associadas ou não a edema retiniano (semelhantes a lesões punctatas). Já as lesões cicatrizadas apresentavam limites precisos, nenhuma exsudação, além de pigmentação variada no local. Outros achados oculares foram classificados como presentes ou ausentes tais como embainhamento vascular, catarata, estrabismo, hemorragia retiniana, descolamento de retina, microftalmia e turvação vítrea. A turvação vítrea foi classificada, pela oftalmoscopia, de acordo com Nussenblatt (Nussenblatt et al., 1985): Grau 0: sem turvação evidente; Traços: leve borramento da margem do disco óptico e reflexos retinianos ausentes devido à turvação vítrea; 1+/4+: leve borramento do disco óptico e dos vasos; 2+/4+: borramento moderado do disco óptico e dos vasos; 3+/4+: grande borramento da margem do disco óptico; 4+/4+: obscurecimento do disco óptico. O estrabismo foi avaliado através do teste de Hirschberg, com a luz do oftalmoscópio binocular indireto. 4.4 Análise Estatística Na análise descritiva dos dados, foram construídas tabelas de freqüência para variáveis qualitativas: triagem neonatal, sorologia da mãe e do RN, 60 retinocoroidite, lateralidade da lesão, distribuição topográfica da lesão, atividade da lesão, estrabismo e alterações neurológicas. Também foi avaliada a possível associação entre algumas variáveis tais como retinocoroidite, sexo, estrabismo e calcificações intracranianas. Para tanto, utilizou-se o teste de Qui-quadrado de Pearson. Nos casos de freqüência esperada menor do que cinco, aplicou-se o teste exato de Fisher. A razão de chances (odds ratio) foi calculada para verificar a força de associação entre algumas variáveis. Foi considerado estatisticamente significativo o p<0,05. Todas as análises foram realizadas através do software estatístico SPSS, versão 12.0 (Statiscal Package for the Social Sciences) (SPSS inc, Chicago). 4.5 Aspectos Éticos O projeto foi aprovado pelo Departamento de Oftalmologia- Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia e também foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (COEP) sob o parecer número ETIC 0298/06 (Anexo C). Os participantes da pesquisa (pais e/ou responsáveis) foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo, a importância de sua colaboração, os possíveis benefícios e riscos. Exigiu-se, ainda, a assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), segundo as diretrizes do COEP-UFMG, fundamentada na Declaração de Helsinque de 1975, referendadas em 2000. 61 5-RESULTADOS 5.1 População estudada No período de novembro de 2006 a maio de 2007 foi realizada a triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais. Foram triados 146.237 RN e um total de 221 neonatos, encaminhados para confirmação sorológica pareada (mãe e neonato), exame pediátrico, neurológico, auditivo e oftalmológico. Eram do sexo masculino 118 RN (53,4%) e do sexo feminino, 103 (46,6%). A média de idade das mães dos RN foi de 24 anos (IC 95% de 23,6 - 25,2), mediana de 23 anos e desvio padrão de 5,87. A idade variou de 13 - 43 anos. Dos 221 RN encaminhados para exames, 204 possuíam a triagem neonatal positiva para o IgM anti-toxoplasma, 10 apresentavam exame inconclusivo e sete, exame negativo (Tabela 1). Os sete RN com a triagem neonatal negativa foram encaminhados para exames porque suas mães apresentaram sorologia positiva para toxoplasmose (IgM e IgG) durante a gestação. Tabela 1 – Resultados da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita Triagem neonatal Freqüência Porcentagem Positiva 204 92,3% Negativa 7 3,2% Inconclusiva* 10 4,5% Total 221 100,0% Nota: *exame inconclusivo: valor de exame obtido pelo teste Q-preven Toxo IgM que não pôde ser ajustado com os controles positivos ou negativos. 62 5.2 Resultados da triagem neonatal e sorologia confirmatória pareada (mãe e RN) Após a realização da sorologia confirmatória para a toxoplasmose na mãe e no RN (ELFA para o IgM/IgG e ELISA para o IgA) e de acordo com os critérios propostos na metodologia para se definir casos confirmados, 183 RN foram confirmados para a toxoplasmose congênita. Desses, 181 RN (98,9%) apresentaram a triagem neonatal positiva, um RN, triagem neonatal negativa (falso-negativa) e o outro RN, inconclusiva (Tabela 2). Dos 183 RN confirmados, 53,6% (98) eram do sexo masculino e 46,4% (85), do feminino. Tabela 2 – Resultado da triagem neonatal nos casos confirmados e não confirmados para a toxoplasmose congênita RN triados para toxoplasmose congênita Resultado da triagem neonatal Total Positivo Negativo Inconclusivo* Casos confirmados 181 1 1 183 Casos não confirmados 23 6 9 38 Total 204 7 10 221 Nota: *exame inconclusivo: valor de exame obtido pelo teste Q-preven Toxo IgM que não pôde ser ajustado de acordo com os controles positivos ou negativos. Legenda: RN: recém-nascido. Considerando os casos confirmados, a prevalência estimada da toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais, no momento do primeiro exame oftalmológico dos RN, foi de: 1/799 nascidos vivos. 63 Os 183 RN confirmados apresentaram o seguinte comportamento sorológico na triagem neonatal e após a realização dos exames confirmatórios: (Anexo D – fluxograma): em 181 RN com triagem neonatal positiva, 145 (80,2%) apresentaram IgM confirmatório positivo e 36 (19,8%), IgM confirmatório negativo. Dos 36 casos negativos, nove realizaram a dosagem de IgA e em cinco, o resultado foi positivo. Nos outros 31 RN com IgM confirmatório negativo, o IgA foi negativo ou não foi realizado, mas foram considerados casos confirmados porque todos possuíam lesão de retinocoroidite sugestiva de toxoplasmose e mães com sorologia positiva para a doença (IgG e IgM). No RN com triagem neonatal negativa, o IgM confirmatório foi positivo assim como o IgA. O RN com triagem neonatal inconclusiva apresentou sorologia confirmatória negativa, mas a sorologia de sua mãe foi positiva e em seu exame, constatou-se retinocoroidite sugestiva de toxoplasmose, em atividade, na mácula do olho esquerdo (Tabela 3). Tabela 3 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 183 RN confirmados (ELFA) IgM confirmatório RN (ELFA) Triagem neonatal Total Total Positivo Negativo Positiva 145 36 181 Negativa 1 0 1 Inconclusiva 0 1 1 146 37 183 Legenda: RN: recém-nascido; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay; IgM: Imunoglobulina M para o toxoplasma. 64 Nem todos os RN confirmados realizaram o exame de IgA. Dos 67 RN que realizaram o exame, 62 apresentaram resultado positivo e cinco, negativo. Nos 62 RN com IgA positivo, 57 possuíam o IgM também positivo. Nos cinco RN com IgA negativo, um apresentou IgM positivo e quatro, IgM negativo, mas foram considerados casos confirmados por possuírem lesão de retinocoroidite sugestiva de toxoplasmose e mães com sorologia positiva para a doença (IgG e IgM). Todos os 183 RN confirmados eram IgG positivo. Dos 221 RN triados, 38 neonatos não foram confirmados para a toxoplasmose congênita (casos duvidosos) e serão acompanhados ao longo de todo o primeiro ano de vida, para melhor definição do diagnóstico (será avaliado o comportamento sorológico do IgG). Desses, 60,5% (23/38) foram positivos na triagem neonatal (Tabela 4). Tabela 4 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 38 RN não confirmados (ELFA) IgM confirmatório RN (ELFA) Total Negativo Triagem neonatal Total Positiva 23 23 Negativa 6 6 Inconclusiva 9 9 38 38 Legenda: RN: recém-nascido; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay; IgM: Imunoglobulina M para o toxoplasma. Todos os 38 casos duvidosos possuíam o IgM confirmatório negativo. Sete RN realizaram o exame de IgA que também foi negativo. O IgG foi positivo em 36 casos e negativo em dois. Nenhum dos casos duvidosos apresentou qualquer envolvimento ocular, no primeiro exame, ou alteração neurológica. 65 Durante a gestação, 56,1% das mães (124/221) foram submetidas a exames sorológicos para a detecção da toxoplasmose. Em 57,2% das mães (71/124), tanto o IgM quanto o IgG foram negativos no momento do exame (gestante suscetível); em 17,8% (22/124), tanto o IgM quanto o IgG foram positivos; em 2,4% (3/124), o IgM foi positivo e IgG negativo e em 21% (26/124), o IgM foi negativo e o IgG positivo (gestante imune). Uma mãe não fez o exame de IgG na gestação, mas realizou um teste rápido qualitativo para o IgM (segundo anotações na sua ficha) com resultado negativo (Tabela 5). Tabela 5 – IgM x IgG da mãe durante a gestação IgM na gestação IgG na gestação Total Total Não realizado Positivo Negativo Não realizado 97 0 1 98 Positivo 0 22 26 48 Negativo 0 3 71 74 Indeterminado 0 0 1 1 97 25 99 221 Legenda: IgM: imunoglobulina M para o toxoplasma; IgG: imunoglobulina G para o toxoplasma. 66 De 124 mães que realizaram a sorologia para toxoplasmose na gestação, 23 realizaram no primeiro trimestre, 60 no segundo e 41 no terceiro (Gráfico 1). 18,55% n=41 43,89% n=97 Não realizada Primeiro trimestre Segundo trimestre Terceiro trimestre 27,15% n=60 10,41% n=23 Gráfico 1 – Trimestre da gestação em que foi realizada a sorologia para a toxoplasmose. Um total de 77,4% mães (96/124) fizeram somente um exame sorológico para a detecção da toxoplasmose na gestação. A média de exames solicitados, para as 28 mães que se submeteram a mais de um exame, foi de 2,32, mediana de 2,0 e desvio padrão de 0, 612. Quatro, foi o número máximo de exames solicitados (em apenas duas mães). Apesar de 25 mães apresentarem IgM positivo, na gestação (Tabela 5), apenas 17 receberam tratamento. 67 Em 11 das 17 mães tratadas, os RN foram confirmados para a toxoplasmose congênita e em seis, não (casos duvidosos) (Tabela 6). Tabela 6 – Freqüência de mães tratadas na gestação X RN confirmados ou não para a toxoplasmose congênita RN Tratamento da mãe na gestação Total Confirmados Não confirmados Não 172 32 204 Sim 11 6 17 183 38 221 Total Legenda: RN: recém-nascido. Após o parto, a sorologia confirmatória para a toxoplasmose congênita nas mães dos RN (IgM anti-toxoplasma) foi positiva em 86,9% (192/221) dos casos (Tabela 7). Das 192 mães com sorologia positiva 170, são mães de casos confirmados para a doença. Dos 183 RN confirmados, 92,9% (170/183) tinham mães com o IgM positivo após o parto. Tabela 7 – IgM anti-toxoplasma da mãe após o parto (ELFA) IgM da mãe após o parto Freqüência Porcentagem 4 1,8% Positivo 192 86,9% Negativo 25 11,3% Total 221 100,0% Não realizado Legenda: IgM: imunoglobulina M; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay. 68 O valor de IgM materno (ELFA) para os casos confirmados variou de 0,65 até 11,04 com média de 4,05 e mediana de 3,64 (o valor de referência considerado positivo para o exame é maior ou igual a 0,65). O desvio padrão foi de 2,52. Em 97 mães que não realizaram a sorologia para a toxoplasmose na gestação, o IgM foi positivo, após o parto, em 85 (87,6% dos casos). Em 25 mães com IgM positivo na gestação, 23 (92% dos casos) continuaram com IgM positivo após o parto e uma, negativo. Em 99 mães com IgM negativo na gestação, 84 (84,8% dos casos) tornaram-se positivas após o parto (Tabela 8). Em 25 mães com o exame negativo após o parto, 13 são mães de RN confirmados para a toxoplasmose congênita (todos eles IgM positivos). Tabela 8 - IgM anti-toxoplasma da mãe durante a gestação e após o parto IgM materno após o parto (ELFA) Não realizado Positivo Negativo 3 85 9 97 Positivo 1 23 1 25 Negativo 0 84 15 99 4 192 25 221 IgM materno gestação Não realizado Total Total Legenda: IgM: imunoglobulina M; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay. 69 O IgG anti-toxoplasma foi positivo em 96,8% das mães (214/221) e negativo em apenas 1,4% (3/221) (Tabela 9). Tabela 9 – IgG anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA) IgG da mãe após o parto Freqüência Porcentagem 4 1,8% Positivo 214 96,8% Negativo 3 1,4% 221 100,0% Não realizado Total Legenda: IgG: imunoglobulina G; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay. Dos 183 RN confirmados, 97,8% (179/183) tinham mães com IgG positivo após o parto. Três mães de RN confirmados não fizeram esse exame. Na outra mãe, o IgG foi negativo, mas o IgM foi positivo e seu RN foi considerado caso confirmado por apresentar IgM positivo e lesão ocular sugestiva de toxoplasmose. 5.3 Achados oftalmológicos no primeiro exame do RN Todos os 183 RN confirmados para a toxoplasmose congênita foram submetidos ao exame de oftalmoscopia binocular indireta. Esse exame foi realizado em média com 55,3 dias de vida pós-natal (IC 95% de 54,3 – 59,4); mediana de 55 dias e desvio padrão de 15,58. Com no mínimo 17 e máximo de 105 dias. Lesão ocular foi observada em 78,1% dos RN (143/183). Dos 143 neonatos com lesão ocular, 78,3% (112/143) apresentavam o IgM positivo e 21,7% (31/143), negativo. 70 O quadro foi bilateral em 79,7% (114 dos 143 casos) (Gráfico 2). 12,59% n=18 7,69% n=11 Olho direito Olho esquerdo Bilateral 79,72% n=114 Gráfico 2 – Lateralidade da lesão ocular A lesão ocular ocorreu no sexo masculino em 57,3% dos casos (82/143) e, no sexo feminino em 42,7% (61/143) (p= 0, 052). O tipo de lesão ocular mais observada ao exame de fundo de olho foi a cicatriz de retinocoroidite em 77,7% dos casos (111/143) (Figuras 1, 2 e 3). Tal cicatriz ocorreu isoladamente ou associada com lesão puntiforme e/ou foco de retinocoroidite necrosante. Lesão ativa e associação de lesão ativa mais cicatrizes foram constatadas em 60,9% (87/143) dos RN. Lesão ocular com atividade bilateral simultânea ocorreu em 67,8% (59/87) dos casos. Vinte e seis RN (18,2%) possuíam apenas lesões ativas (sem cicatrizes) e 50 (35,0%), apenas cicatrizes (sem lesão ativa) (Tabela 10). 71 Tabela 10 – Atividade da lesão ocular observada na oftalmoscopia binocular indireta Atividade da lesão ocular Freqüência Porcentagem Somente lesão (ões) ativas 26 18,2% Somente lesão (ões) cicatrizadas 50 35,0% Associação de lesão (ões) ativa e cicatrizada 61 42,7% Atrofia localizada do EPR* 4 2,7% Avaliação não foi possível ** 2 1,4% 143 100% Total Nota: *atrofia localizada do EPR: pequenas lesões atróficas observadas no polo posterior de alguns RN infectados consideradas como possíveis, mas improváveis, lesões (estão sendo acompanhadas para melhor definição). **avaliação não foi possível em razão de extenso descolamento de retina ou opacidade vítrea importante. Legenda: EPR: epitélio pigmentar da retina; Figura 1 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite em zona 1 do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo. 72 Figura 2– Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite na zona 1 do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo. Figura 3 – Retinografia mostrando cicatriz de retinocoroidite na Zona 1 do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo. 73 Foram consideradas como lesão ativa, a lesão puntiforme e o foco de retinocoroidite necrosante. O foco de retinocoroidite necrosante foi observado em 20/143 RN (13,9%) (Figura 5 e 6). Em dois casos, ele ocorreu de maneira isolada e em 18, ocorreu associado à lesão puntiforme e/ou à cicatriz de retinocoroidite (Figura 4). Figura 4 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na zona 1 do olho esquerdo ao lado de uma lesão cicatrizada já iniciando pigmentação. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo. 74 Figura 5 – Retinografia mostrando presença de dois focos de retinocoroidite necrosante e hemorragia vítrea, localizados no olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo. Figura 6 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na região da mácula do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito em decúbito lateral esquerdo. 75 Lesão puntiforme foi constatada em 55,2% dos RN (79/143) (Figura 7 e 8), sendo bilateral em 49/79 casos (62,0%). A periferia da retina foi o principal local de sua ocorrência. Ocorreu de maneira isolada em 18/79 RN (22,8%) ou em associação à cicatriz e/ou foco de retinocoroidite necrosante em 61/79 (77,2%). Figura 7– Retinografia mostrando lesões puntiformes branco-acinzentadas, no setor temporal da retina do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral direito. 76 Figura 8 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas na retina nasal do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral direito. A principal localização das lesões oculares foi na zona 1 da retina em 87,4% dos RN (125/143). Essas lesões ocorreram apenas na zona 1 em 27,3% dos casos (39/143) e ocorreram de maneira concomitante com lesões na zona 2 e/ou 3 em 60,1% (86/143) (Tabela 11). 77 Tabela 11 – Distribuição topográfica das lesões oculares na retina. Distribuição topográfica das lesões oculares na retina Freqüência Porcentagem Lesão apenas em zona 1 da retina 39 27,3% Lesão em zona 2 e/ou zona 3 da retina, sem lesão na zona 1 17 11,9% Lesão em zona 1 e 2 e/ou 3 da retina* 86 60,1% Exame inviável em ambos os olhos 1 0,7% 143 100% Total Nota: Lesão em zona 1 e 2 e/ou 3 da retina significa que o olho apresentava mais de uma lesão (ex: 2 lesões sendo uma em zona 1 e outra em zona 2) ou então, um dos olhos apresentava lesão em zona 1 e o outro em zona 2 e/ou 3. A região da mácula foi comprometida em 79,0% dos RN (113/143) (Gráfico 3). 0,70% n=1 20,28% n=29 Macula comprometida Macula não comprometida Avaliação não foi possível 79,02% n=113 Gráfico 3 – Envolvimento da mácula nos RN com toxoplasmose congênita 78 O comprometimento macular foi unilateral em 52,2% (59/113) dos casos e, bilateral em 47,8% (54/113) (Gráfico 4). 47,79% n=54 Unilateral Bilateral 52,21% n=59 Gráfico 4 – Envolvimento macular unilateral e bilateral Embainhamento vascular venoso foi observado em 21% dos RN (30/143), sendo bilateral em 40% dos casos (12/30). A periferia da retina foi o principal local de sua ocorrência. Outros achados oculares no primeiro exame oftalmológico: • Catarata unilateral em 0,6% dos RN (1/143); • Descolamento de retina tracional em 3,5% dos RN (5/143), bilateral em três casos; • Hemorragia retiniana e/ou vítrea associada à lesões em 4,2% dos RN (6/143), bilateral em três casos; • Microftalmia em 4,2% dos RN (6/143), bilateral em cinco casos. Todos os pacientes com microftalmia apresentavam retinocoroidite, estrabismo e calcificações intracranianas. 79 • Opacidades vítreas em 10,5% dos casos (15/143), bilaterais em 10 casos. Na maioria dos casos as opacidades vítreas eram leves (1+/4+) e não prejudicavam o exame de fundo de olho; • Estrabismo em 18,9% dos RN (27/143). Estava associado à presença de lesão macular em 81,5% dos casos (22/27) (p=0, 024) (Tabela 12). Tabela 12 – Estrabismo associado à lesão de retinocoroidite macular Retinocoroidite macular Estrabismo Total Total Sim Não Sim 22 5* 27 Não 91 64 155 113 69 182 Nota: p= 0, 024; Fisher p= 0, 03. Para o cálculo do p foi excluído um paciente com estrabismo, mas com exame de fundo de olho inviável (opacidades dos meios prejudicando o exame e a observação da mácula). *Desses cinco pacientes, quatro apresentavam lesão de retinocoroidite sem envolvimento macular (um deles possuía calcificações intracranianas) e um não possuía lesão ocular ou alteração neurológica. Dos 28 RN com estrabismo, 21 apresentavam retinocoroidite macular bilateral (p= 0, 005) (OR=3,45 com IC 95% = 1,31 - 10,14) (para o cálculo do p foi excluído o paciente com estrabismo, mas com exame de fundo de olho inviável (opacidades dos meios prejudicando o exame e a observação da mácula). Nos sete RN com estrabismo sem retinocoroidite macular bilateral: um possuía retinocoroidite macular unilateral, quatro, retinocoroidite sem envolvimento macular, um sem lesão ocular e o outro possuía o fundo de olho inviável. 80 5.4 Achados neurológicos no primeiro exame do RN Dos 183 casos confirmados, 176 foram submetidos à avaliação neurológica através de exames complementares (radiografia de crânio e/ou ultra-som transfontanela e/ou tomografia computadorizada do encéfalo). Desses, 23,3% (41/176) apresentaram alterações neurológicas tais como: calcificações intracranianas e dilatação ventricular, em algum dos exames (Gráfico 5). 23,30% n=41 Com alteração neurológica Sem alteração neurológica 76,70% n=135 Gráfico 5 - Freqüência de alterações neurológicas (calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular) nos RN confirmados para a toxoplasmose congênita. A principal alteração neurológica encontrada, em todos os exames de imagem, foram as calcificações intracranianas em 21,1% dos casos (37/176). Em 18,9% dos casos (7/37), elas estavam associadas à dilatação ventricular. Dos 41 RN com alteração neurológica, 90,2% (37/41) apresentavam calcificações. 81 Em 37 RN com calcificações intracranianas, 35 apresentavam retinocoroidite (p=0, 006) (OR=6,46 com IC 95% = 1,51 - 57,70) (Tabela 13). Tabela 13 – Associação entre retinocoroidite e calcificação craniana nos RN com toxoplasmose congênita. Retinocoroidite Calcificação intracraniana Total Sim Não Sim 35 2 37 Não 102 37 139 137 39 176 Total Nota: p= 0, 006; Fisher p= 0, 004 Em 37 RN com calcificações intracranianas, 12 apresentavam estrabismo (p= 0, 001) (OR=3,84 com IC 95% = 1,44 - 9,94). Apenas 2,2% (4/183) dos RN apresentaram hidrocefalia. Associação entre hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite ocorreu em 1,6% (3/183) (Tríade clássica de Sabin). Associação entre microftalmia, calcificações intracranianas e retinocoroidite ocorreu em apenas seis RN dos 143 com lesão de retinocoroidite (4,19%). Do total de 41 RN com alteração neurológica, 92,7% (38/41) apresentaram lesão de retinocoroidite (p= 0, 009) (Tabela 14). 82 Tabela 14 – Associação entre alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite nos pacientes que foram submetidos à avaliação neurológica. Lesão de retinocoroidite Alterações neurológicas* Total Sim Não Sim 38 3 41 Não 99 36 135 137 39 176 Total Nota: p= 0, 009; Fisher p= 0, 009 *Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular. Dos 38 RN com alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite, o quadro ocular foi bilateral em 81,6% dos casos (31/38) e unilateral em 18,4% (7/38) (p=0, 717) (Tabela 15). Tabela 15 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite bilateral Lesão de retinocoroidite Alterações neurológicas* Total Total Bilateral Unilateral Sim 31 7 38 Não 78 21 99 109 28 137 Nota: p= 0, 717 *Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular. Dos 40 RN com alteração neurológica, 82,5% (33/40) apresentavam retinocoroidite com envolvimento macular (p=0, 002) (Tabela 16). 83 Tabela 16 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite macular Retinocoroidite Macular Alterações neurológicas* Total Total Sim Não Sim 33 7 40 Não 74 61 135 107 68 175 Nota: p= 0, 002. Para o cálculo do p foi excluído um paciente com alteração neurológica, mas com exame de fundo de olho inviável (opacidades dos meios prejudicando o exame e a observação da mácula). *Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular. 84 6-DISCUSSÃO Este estudo transversal descreve os achados oftalmológicos e também neurológicos do primeiro exame dos recém-nascidos triados e confirmados como positivos para a toxoplasmose congênita e faz parte de um estudo maior, prospectivo longitudinal, ainda em andamento. Existem casos duvidosos (38) que estão sendo acompanhados para a confirmação ou exclusão diagnóstica, após um ano de vida. Então, é provável, que as taxas de prevalências descritas venham a aumentar com o seguimento dessas crianças. A cobertura da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita neste trabalho foi de 98% dos nascidos vivos abrangendo todos os 853 municípios mineiros e a iniciativa foi considerada inovadora em termos de serviço público no Brasil. Os 2% não cobertos foram RN que realizaram a triagem neonatal pela rede laboratorial particular e aqueles que por razões diversas não realizaram o exame. A metodologia foi elaborada e a execução deste trabalho contou com o envolvimento da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, NUPAD e de uma equipe de profissionais de várias áreas: pediatras, oftalmologistas, enfermeiros, técnicos de laboratórios, dentre outros. O estudo mostrou alta prevalênica de recém-nascidos com toxoplasmose congênita, no Estado de Minas Gerais. A prevalência estimada foi de 1/799 nascidos vivos, considerada alta em relação às descritas na literatura. Estudos anteriores de prevalência para a toxoplasmose congênita no Brasil mostram os seguintes resultados: 1/3.000 nascidos vivos no Rio Grande do Sul (Neto et al., 2000); 1/500 nascidos vivo em Campos de Goytacazes (Bahia-Oliveira et al., 2001); 8/10.000 nascidos vivos em Passo Fundo (Mozzatto & Procianoy, 85 2003); 1/1.867 nascidos vivos em áreas não especificadas (Neto et al., 2004); 1/1.590 nascidos vivos em Belo Horizonte (Queiroz-Andrade 20/03/2004 – ainda não publicado); 0,5% em um hospital privado de Uberlândia e 0,8% em um hospital público (Segundo et al., 2004) e 3,3/10.000 nascidos vivos em Ribeirão Preto (Carvalheiro et al., 2005). No resto do mundo, a prevalência da toxoplasmose congênita é a seguinte: nos Estados Unidos da América varia de 0,5 a 1/10.000 nascidos vivos, enquanto que em Paris é de 3/10.000. A prevalência encontrada para dez mil nascidos vivos foi de 4,4 na Finlândia, de 5,0 na Austrália, de 7,5 na Alemanha e de 14,3 na Bélgica (Remington et al., 2005). Em muitos países, incluindo o Brasil, ainda não existe um consenso sobre a melhor forma de triagem para a toxoplasmose congênita, se pré-natal ou neonatal. Na Europa, alguns países adotaram abordagens para a prevenção da doença. Assim, na França, a mulher suscetível realiza a sorologia para a toxoplasmose durante todos os meses da gestação (Daffos et al., 1988; Jeannel et al., 1988a) e a Dinamarca, apesar de não realizar triagem pré-natal, possui um dos melhores programas de triagem neonatal para toxoplasmose congênita em todo o mundo (Bernard & Salmi, 2006). A justificativa para a adoção dos programas de triagem é de que o diagnóstico e tratamento precoce dessa infecção possam reduzir a incidência de seqüelas graves, ao nascimento, nas crianças infectadas e prevenir o desenvolvimento de seqüelas futuras (Guerina et al., 1994; McAuley et al., 1994; Mets et al., 1997; Foulon et al., 1999; Foulon et al., 2000; McLeod et al., 2006). Trabalhos anteriores mostram que a triagem neonatal para a toxoplasmose congênita através da pesquisa do IgM anti-T.gondii no sangue seco (“teste do pezinho”) é viável e apresenta baixo custo (Guerina et al., 1994; Lebech et al., 1999; Neto et al., 2004; Schmidt et al., 2006). Esse método de triagem, baseado 86 somente na detecção de anticorpos IgM específicos para a toxoplasmose, é capaz de identificar mais de 75% das crianças infectadas (Guerina et al., 1994; Lebech et al., 1999). No presente trabalho, dos 183 casos confirmados, 181 apresentavam a triagem neonatal positiva (98,9% dos RN infectados). Quase todos os RN com toxoplasmose congênita deste trabalho só foram detectados porque foram submetidos à triagem neonatal. Todos os RN realizaram exame sorológico confirmatório (ELFA) para IgM e IgG e alguns para IgA. Dos 183 casos confirmados, 37 (20,2%) apresentaram IgM negativo. A ausência do anticorpo IgM em um recém-nascido não exclui a possibilidade da infecção congênita. Outros critérios são utilizados para o diagnóstico da doença tais como, a presença de IgA positivo, lesão ocular ou neurológica sugestiva de toxoplasmose e sorologia materna positiva. Dos 143 RN com lesão ocular sugestiva de toxoplasmose, o IgM foi negativo em 31. Dos 31, 4 apresentavam IgA positivo. Em todos eles, a sorologia confirmatória da mãe (IgM e IgG) foi positiva para a doença. O achado de IgM negativo pode estar relacionado à sensibilidade do exame (ELFA) que é de aproximadamente 80% (Remington et al., 2005). Outra possibilidade, seria a triagem neonatal ter sido realizada no quinto dia de vida do RN e a sorologia confirmatória só após um mês aumentando as chances do IgM ter se tornado negativo ao longo do tempo. Além disso, o momento da gestação no qual o feto tornou-se infectado pode influenciar na síntese de anticorpos IgM tanto no útero quanto depois do parto. Se o RN tiver sido infectado imediatamente antes do termo e durante o parto, o anticorpo IgM poderá estar ausente ao nascimento e talvez por alguns dias e semanas após (Remington et al., 2005). No outro extremo, um número pequeno de crianças infectadas logo nos primeiros meses da gestação 87 poderá ficar sem diagnostico devido ao declínio ou desaparecimento do IgM ao nascimento (Schmidt et al., 2006; Petersen, 2007). O tratamento prolongado das mães com toxoplasmose durante a gestação também poderá encurtar ou diminuir a resposta do RN quanto à produção de IgM (Lebech et al., 1999). Apenas 124 de 221 mães foram submetidas à triagem sorológica para a toxoplasmose durante a gestação. Dessas, 101 mães realizaram o exame no segundo ou terceiro trimestre com resultado positivo em somente 25 delas. Das 183 mães com RN confirmados para a toxoplasmose congênita, 170 (92,9%) apresentaram o IgM positivo após o parto comprovando a infecção materna durante a gravidez (soroconversão). Provavelmente, a soroconversão ocorreu no final do segundo e principalmente no terceiro trimestre da gestação, na maioria das mães. A taxa de transmissão materno-fetal aumenta progressivamente ao longo da gestação atingindo mais de 80% se a infecção ocorrer na trigésima sexta semana (Dunn et al., 1999) e quanto mais tardia for a idade gestacional no momento da infecção menos graves serão as manifestações clínicas da doença ao nascimento (Dunn et al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Quase todos os RN infectados examinados eram aparentemente normais ao exame de rotina neonatal (não apresentavam qualquer sintoma da infecção) e só foram identificados através da triagem. Nas mães com IgM negativo após o parto é provável que a soroconversão tenha ocorrido nos primeiros meses da gestação e que o IgM tenha se negativado ao longo do tempo. 88 As manifestações oculares da toxoplasmose podem variar amplamente entre os indivíduos, sendo que o diagnóstico de certeza só poderia ser realizado pelo isolamento do T. gondii nos tecidos oculares ou através da técnica de PCR para identificação de antígenos do parasita. Portanto, o diagnóstico da toxoplasmose ocular é presumível (Assis et al., 1997). A retinocoroidite é a principal manifestação clínica e a principal seqüela da toxoplasmose congênita (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003; Safadi et al., 2003; Remington et al., 2005; Many & Koren, 2006; Rorman et al., 2006). Ao exame de fundo de olho, a lesão ocular pode estar cicatrizada ou em atividade. As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes, simples ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de retinocoroidite adjacentes (Remington et al., 2005). Esse tipo de lesão associada à sorologia positiva para a toxoplasmose no RN e/ou sua mãe e à presença de outras manifestações clínicas da doença (alterações neurológicas) foram os critérios utilizados para o diagnóstico da toxoplasmose ocular. Em três casos foi necessária a solicitação de exames laboratoriais para excluir outras infecções congênitas (casos com sorologia confirmatória negativa para a toxoplasmose na mãe e/ou RN associadas a manifestações clínicas sugestivas de outras infecções tais como rubéola, sífilis, hepatite, citomegalovírus e herpes). As mães dos RN realizaram exames para excluir infecções durante o pré-natal: exames para sífilis em quase todas, para AIDS com freqüência e para hepatite B e rubéola em algumas. A prevalência da hepatite B é baixa no estado de Minas Gerais (1068 casos confirmados em 2006 segundo dados da Secretaria 89 de Estado de Saúde de Minas Gerais) e a rubéola tem sido frequentemente abordada com campanhas de vacinação direcionadas, principalmente, para mulheres jovens e em idade fértil. A sorologia para o CMV raramente foi solicitada, mas uma sorologia francamente positiva para a toxoplasmose, associada a sinais e sintomas sugestivos da doença, torna improvável a infecção pelo CMV, embora possa ocorrer co-infecção. Dentre as infecções congênitas e perinatais a toxoplasmose é a que ocorre com maior freqüência. A coexistência da toxoplasmose com outras infecções congênitas, embora possa ocorrer, é rara (Remington et al., 2005). A prevalência de lesão ocular observada na retina, no primeiro exame de fundo de olho dos RN infectados, foi de 78,1%. Essa prevalência foi muito elevada se comparada com outros trabalhos nos quais 80-90% dos neonatos não apresentaram qualquer lesão ocular quando examinados alguns dias após o nascimento. A literatura cita as seguintes prevalências de lesão ocular ao nascimento: 22% por Couvreur et al (1984); 19% por Guerina et al (1994); 5,8% por Villena et al (1998); 13,3% por Paul.M et al (2001); 11% por Wallon et al (2004); 12,7% por Neto et al (2004); 14,9% por Schmidt et al (2006); 13,8% por Kodjikian et al (2006); 10% por Gilbert et al (2007) e por Tan et al (2007). Essa discrepância pode ser justificada pelo fato da assistência pré-natal, da forma como foi realizada, ter sido insuficiente para a detecção da toxoplasmose congênita, neste trabalho. Das 183 mães com RN confirmados para a doença, quase a metade (81 mães) não fez sorologia para toxoplasmose durante a gestação. Quando a sorologia foi solicitada, ela foi realizada apenas uma vez. Tal abordagem é considerada insuficiente para detectar a soroconversão materna e permitir a instituição de um tratamento precoce. 90 Apenas 17 mães foram tratadas durante a gestação. Ainda, não existe um consenso se o tratamento da mãe infectada durante a gravidez teria alguma eficácia na prevenção do aparecimento de manifestações clínicas da doença no RN, mas se o tratamento for instituído dentro das três primeiras semanas de infecção ele poderia reduzir a transmissão da infecção para o feto (Wallon et al., 1999b; Peyron et al., 2000; Gilbert & Gras, 2003; Gilbert & Dezateux, 2006; Thiebaut et al., 2007). Estudos randomizados e com grupo controle são necessários para esclarecer esse tema tão controverso, enquanto isso, a conduta atual ainda é aceitar que o tratamento pré-natal é melhor do que a ausência de tratamento. A virulência do T.gondii, forma de transmissão e a quantidade do seu inoculum também podem justificar a elevada prevalência de lesão ocular observada no presente trabalho. Na América do Sul, as lesões de retinocoroidite são mais comuns e mais graves e isto tem sido atribuído, possivelmente, à maior virulência dos parasitas (Gilbert & Dezateux, 2006; Gomez-Marin & delaTorre, 2007). No Brasil, o genótipo do toxoplasma que predomina é do tipo I que apresenta alta virulência (Khan et al., 2005; Vallochi et al., 2005; Peyron et al., 2006). Na Europa, o genótipo predominante é do tipo II considerado menos virulento (Grigg et al., 2001; Peyron et al., 2006). A ingestão de uma grande quantidade de oocistos, contaminando o solo e a água, também poderia ser um importante fator de risco para o desenvolvimento de lesão ocular. Em algumas regiões do Brasil (principalmente nas regiões mais pobres), essa é uma forma freqüente de transmissão da doença (Bahia-Oliveira et al., 2003). Outras justificativas seriam: a maior suscetibilidade individual, a observação de um número limitado de casos em alguns dos trabalhos e a dificuldade relativa 91 de execução do exame oftalmoscópio em recém-nascidos, deixando muitas vezes de se diagnosticar algumas lesões, principalmente aquelas localizadas fora do polo posterior da retina. Alguns autores chamam a atenção para essa dificuldade relativa (Couvreur et al., 1984). O ideal para o exame do fundo de olho de um RN é a presença de um oftalmologista experiente em Uveíte e Retina, uma boa midríase, a utilização de um oftalmoscópio binocular indireto e se possível, sedação. Vários trabalhos utilizaram o oftalmoscópio binocular indireto para o exame (Guerina et al., 1994; Bahia-Oliveira et al., 2001; Paul et al., 2001; Safadi et al., 2003; Wallon et al., 2004), mas algumas crianças desses trabalhos foram examinadas somente com o oftalmoscópio monocular direto (Paul et al., 2001; Wallon et al., 2004). Em apenas um dos trabalhos e com um número pequeno de infectados (quatro RN), a sedação foi realizada (Bahia-Oliveira et al., 2001). Por se tratar a sedação de um procedimento que não é isento de riscos, implicando questões éticas, no presente trabalho optou-se pela realização do exame sob vigília. Além disso, o grande número de RN participantes do estudo e a necessidade da avaliação dos mesmos, regularmente, ao longo de todo o primeiro ano de vida tornariam a sedação um procedimento inviável. O uso do blefarostato, a contenção do RN com lençol e a presença de uma equipe de enfermagem treinada contribuiu para facilitar a realização dos exames. A alta prevalência de lesão ocular ao nascimento está em concordância com um trabalho experimental em que embriões de camundongos C57BL/6 infectados pelo T.gondii e não tratados desenvolveram retinocoroidite antes mesmo de nascer. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da 92 toxoplasmose congênita é precoce e que o olho é afetado logo nas fases iniciais da infecção (Tedesco et al., 2007). Apesar da alta prevalência de lesão ocular, detectada no primeiro exame de fundo de olho dos RN infectados, o status final do comprometimento ocular na toxoplasmose congênita só poderá ser determinado após anos de observação, pois novas lesões poderão aparecer ao longo do tempo (Brezin et al., 2003). Não houve diferença estatisticamente significativa entre o sexo dos RN e a presença de lesão ocular. O quadro ocular foi bilateral 79,7% dos casos e isso está de acordo com a literatura que mostra altas taxas de comprometimento bilateral da retina, na toxoplasmose congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Wallon et al., 2004; Remington et al., 2005; Kodjikian et al., 2006). Embora o comprometimento bilateral seja comum, na toxoplasmose congênita, esse critério não é suficiente para a distinção entre a forma congênita e adquirida da doença, em pessoas com lesão tardia (Gilbert & Stanford, 2000). A predileção do parasita pelo polo posterior, também foi demonstrada neste trabalho. A zona 1 da retina foi comprometida em 87,4% dos RN (125/143) desses, 60,1% (86/143) apresentavam lesões concomitantes na zona 2 e/ou 3. A mácula foi afetada em 79% dos casos. Determinados trabalhos descrevem que as lesões detectadas ao nascimento estão mais freqüentemente localizadas na região macular do que aquelas lesões diagnosticadas mais tardiamente, dentre eles: 7/9 por Guerina et al (1994); 14/22 por Kodjikian et al (2006); 7/7 por Schmidt et al (2004). Particularidades anatômicas e no desenvolvimento da região macular facilitam o estabelecimento da toxoplasmose nesse local tão delicado. A mácula é uma região que se torna vascularizada muito cedo no processo de desenvolvimento ocular e apesar de ser avascular, obtém seu suprimento 93 sanguíneo de arteríolas terminais que formam um grande plexo capilar em torno dela. Já que o T. gondii atinge o olho, provavelmente, pela rota hematogênica a presença do parasita nestes capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento da infecção nessa região do olho (Yang et al., 2000; Fiona et al., 2001; Holland, 2004). Além disso, macrófagos estão em menor quantidade na região macular (Yang et al., 2000). A cicatriz de retinocoroidite foi o tipo de lesão ocular mais observada ao exame de fundo de olho (77,7% dos casos). Em 35,0% dos casos, o RN apresentava apenas a lesão cicatrizada e no restante, a cicatriz estava associada a lesões ainda em atividade ou em resolução. Segundo a literatura, na toxoplasmose congênita, as lesões de retinocoroidite geralmente já estão cicatrizadas no momento de sua detecção (Mets et al., 1997; Remington et al., 2005), mas muitas das crianças infectadas descritas só foram examinadas mais tardiamente (ás vezes anos depois) e não logo após o nascimento. No presente trabalho, 60,9% (87/143) dos RN apresentaram lesões ativas e associação de lesões ativas com lesões cicatrizadas, em pelo menos um dos olhos. Desses, 18,2% possuíam apenas lesões ativas (sem cicatrizes). A presença de lesão ocular ativa em RN infectados e examinados poucos dias após o nascimento não é um achado comumente descrito na literatura. Alguns trabalhos mostram os seguintes resultados: 23% de lesões ativas ao nascimento por Kodjikian et al (2006); 4% por Guerina et al (1994); nenhuma lesão ativa por Paul M. et al (2001) e nenhuma lesão ativa por Schmidt et al (2004). A alta prevalência de lesão ocular ativa pode ser explicada pela precocidade do exame e pela ausência de tratamento das mães durante o pré-natal. 94 Encontrou-se em 21% dos RN a presença de embainhamento vascular localizado. A sua principal localização foi na periferia da retina e, na maioria dos casos, estava associado a lesões puntiformes. Tedesco et al (2007) em trabalho experimental sobre a toxoplasmose congênita cita como principais alterações histológicas no tecido ocular dos embriões infectados, lesão de retinocoroidite e infiltrados inflamatórios perivascular e no vítreo. Gazzinelli et al (1994) também mostram, em seu trabalho experimental, que camundongos C57Bl/6 infectados pelo T.gondii e tratados com anti-CD4 a anti-CD8 (modelo imunossuprimido) apresentam um aumento da infiltração celular inflamatória na retina perivascular e neuroretina. Entretanto, não foi encontrada na literatura, descrição desse achado ocular em RN infectados e examinados mais precocemente. Embora a realização de angiografia fluoresceínica pudesse auxiliar no diagnóstico do embainhamento vascular, a observação da retina através da oftalmoscopia é considerada, por alguns autores, como suficiente para o seu diagnóstico (Huge & Dickie, 2003; Wallace et al., 2003) Outras alterações oculares podem ocorrer em associação com a retinocoroidite tais como o estrabismo, nistagmo, atrofia óptica, microftalmia, catarata, descolamento de retina, hemorragia retiniana e glaucoma. Neste trabalho, o estrabismo foi a principal alteração ocular associada à retinocoroidite e ocorreu em 18,9% dos RN infectados. Em 75% dos casos, ele estava associado à retinocoroidite macular bilateral e essa associação foi estatisticamente significativa (p=0, 005). Outros trabalhos, também relatam ser o estrabismo a principal alteração ocular associada à lesão de retinocoroidite na toxoplasmose congênita (Bahia, 1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Villena et al., 95 1998b; Vutova et al., 2002; Safadi et al., 2003; Kodjikian et al., 2006). Para esses autores, as alterações oculares associadas ocorrem mais frequentemente em olhos com envolvimento macular e servem como um indicador indireto da gravidade da doença. Entretanto, essas alterações podem aparecer ao longo do tempo. Assim, o acompanhamento das crianças será fundamental para se estabelecer o verdadeiro impacto ocular da toxoplasmose congênita, particularmente naquelas crianças com envolvimento macular. Como os RN deste trabalho serão acompanhados ao longo de no mínimo todo o primeiro ano de vida e a prevalência de lesão macular foi elevada já no primeiro exame, o número de crianças com estrabismo no final do estudo deverá ser ainda maior. Com relação aos achados neurológicos, 23,3% dos RN confirmados apresentaram alterações quando submetidos aos exames de neuroimagem (176/183 RN confirmados foram submetidos a esses exames). O exame mais realizado foi o ultra-som transfontanela. Apesar de o exame de tomografia computadorizada ser considerado o de maior sensibilidade para detectar as alterações neurológicas na toxoplasmose congênita (McAuley et al., 1994; Safadi et al., 2003), um estudo recente sugere que a ultrasonografia poderia apresentar sensibilidade comparável à tomografia na detecção de calcificações cerebrais, especialmente pela crescente melhora na resolução dos aparelhos de ultra-som (Lago et al., 2007). Outros trabalhos mostram a seguinte prevalência de achados neurológicos: 29% por Guerina et al (1994); 6,4% por Neto et al (2000) 11% por Wallon et al (2004); 10,8% por Neto et al (2004); 21,2% logo após o nascimento por Schmidt et al (2006). 96 As calcificações intracranianas foram o principal achado neurológico o que está de acordo com a literatura (Oréfice et al., 1989; Patel et al., 1996; Melamed et al., 2001). Considerando os RN com alteração neurológica, 90,2% (37/41) apresentavam calcificações ao nascimento. Associação estatisticamente significativa entre calcificações intracranianas, retinocoroidite e estrabismo foi observada no presente trabalho. Esse achado foi similar ao de outros estudos realizados previamente (Diebler et al., 1985; Melamed et al. 2001). Dos 41 RN com alterações neurológicas detectadas através dos exames de imagem, 92,7% (38/41) apresentaram lesão de retinocoroidite e essa associação foi estatisticamente significativa (p= 0, 009). A literatura confirma que na doença com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de retinocoroidite é de 94,4%, e quando as lesões neurológicas são discretas ou ausentes, a incidência de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005). Dos 40 RN com alteração neurológica e exame de fundo de olho viável, 82,5% (33/40) apresentavam retinocoroidite com envolvimento macular (p= 0, 002) demonstrando que existe uma associação entre a presença de achados neurológicos e retinocoroidite macular nos RN infectados (doença ocular de maior gravidade se achado neurológico). A clássica tríade descrita por Sabin (hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite) ocorreu em apenas 1,6% dos casos (3/183). Na literatura ela é descrita em 10-15% dos RN com toxoplasmose congênita (Remington et al., 2005; Rorman et al., 2006). Essa disparidade pode ser explicada em parte por viés de seleção. Embora este estudo tenha sido transversal, com descrição apenas dos resultados do primeiro exame dos RN, sua cobertura foi alta abrangendo 98% dos 97 nascidos vivos no Estado de Minas Gerais, apresentou amostra homogênia composta por mais de 140.000 RN triados em apenas sete meses e sua complexa execução envolveu a participação da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, NUPAD e de uma equipe multidisciplinar de profissionais. Apesar de o exame oftalmológico ter sido realizado sem sedação, a oftalmoscopia binocular indireta foi utilizada em todos os RN e todos os exames foram registrados através de desenhos, fotos e/ou filmagem. O uso do blefarostato, a contenção dos RN com lençol e o auxílio de uma equipe de enfermagem treinada foram diferenciais para a realização do exame. O presente trabalho identificou, pela triagem, RN com toxoplasmose congênita que aparentemente eram normais ao exame de rotina neonatal, mas que surpreendentemente apresentaram alta prevalência de doença retiniana ao exame específico. Além disso, mostrou alta prevalência de lesão ocular em atividade, o que não é comum, e a presença de embainhamento vascular na retina desses RN. Também confirmou que a toxoplasmose congênita apresenta alta prevalência no Estado de Minas Gerais, a exemplo de outros trabalhos no restante do país. Portanto, a toxoplasmose congênita merece especial atenção das autoridades de saúde e sua inclusão em programas de triagem deveria ser levada em consideração. No Brasil, um país com mais de 183 milhões de habitantes e aproximadamente 2.400.000 recém-nascidos/ ano, a prevalência de doenças infecciosas é consideravelmente maior do que a prevalência de fenilcetonúria (1/13000 nascidos vivos) e do hipotireoidismo congênito (1/3.500 nascidos vivos) (Neto et al., 2004). Essas são doenças que obrigatoriamente fazem parte do programa de triagem neonatal realizado através do “teste do pezinho”. 98 O custo de um programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita é relativamente barato, pois o programa utiliza o sistema de coleta e processamento de sangue seco já utilizado para a triagem neonatal convencional. Ele se mostrou acessível e eficiente e seria uma opção de programa de triagem para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais e no restante do país. Entretanto, já que a prevalência da doença no Estado foi muito elevada, assim como, a prevalência de lesão ocular detectada já no primeiro exame dos RN infectados, o ideal seria a adoção de medidas preventivas como orientação das mães quanto aos fatores de risco para a doença e a realização de triagem prénatal rigorosa (sorologia seriada) para identificar e tratar aquelas mães que se tornaram infectadas durante a gestação. 99 7-CONCLUSÕES 1- Foi verificada alta prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais: 1/799 nascidos vivos. A inclusão da toxoplasmose congênita em programas de triagem deveria ser levada em consideração pelas autoridades de saúde; 2- Foi também observada alta prevalência de lesão ocular detectada já no primeiro exame de fundo de olho dos RN infectados: 78,1%; 3- Com relação à descrição das lesões: o quadro ocular foi bilateral em 79,7% dos casos; a zona 1 da retina foi a região mais comprometida (87,4% dos RN), com envolvimento macular em 79% dos casos; as cicatrizes de retinocoroidite foram observadas em 77,7% dos RN, mas lesões em atividade ocorreram em 60,9%; 4- Estrabismo foi constatado em 19,6% dos RN, embainhamento vascular em 21%, microftalmia em 4,2% e opacidades vítreas em 10,5%; 5- Houve associação estatisticamente significativa entre: • Estrabismo e retinocoroidite macular bilateral (p=0, 005); • Calcificações intracranianas e retinocoroidite (p= 0, 006); • Calcificações intracranianas e estrabismo (p= 0, 001); • Alterações neurológicas e retinocoroidite (p=0, 009); • Alterações neurológicas e retinocoroidite macular (p=0, 002). 100 8-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ahlfors K, Borjeson M, Huldt G, Forsberg E. 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