Danuza de Oliveira Machado Azevedo
TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE
CONGÊNITA NO ESTADO DE MINAS GERAIS:
RESULTADOS DO PRIMEIRO EXAME OFTALMOLÓGICO.
Belo Horizonte
Minas Gerais – Brasil
2008
Danuza de Oliveira Machado Azevedo
TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE
CONGÊNITA NO ESTADO DE MINAS GERAIS:
RESULTADOS DO PRIMEIRO EXAME OFTALMOLÓGICO.
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais, com requisito parcial para a
obtenção do título de Doutor.
Área de Concentração: Oftalmologia
Orientador: Prof. Dr. Fernando Oréfice
Co - Orientador: Prof. Dr. Wesley Ribeiro Campos
Faculdade de Medicina da UFMG
Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil
2008
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Magnífico Reitor
Prof. Ronaldo Tadêu Pena
Pró-Reitor de Pós-Graduação
Prof. Jaime Arturo Ramirez
Pró-Reitor de Pesquisa
Prof. Carlos Alberto Pereira Tavares
Diretor da Faculdade de Medicina
Prof. Francisco José Penna
Diretora do Hospital das Clínicas
Profª. Tânia Mara Assis Lima
Coordenador do Centro de Pós-Graduação da Faculdade de Medicina
Prof. Carlos Faria Santos Amaral
Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Oftalmologia
Prof. Joel Edmur Boteon
iii
Chefe do Departamento de Oftalmologia, Otorrinolaringologia e fonoaudiologia
Profª. Ana Rosa Pimentel de Figueiredo
Membros do Colegiado do Curso de Pós-Graduação em Oftalmologia
Prof. Joel Edmur Boteon
Prof. Márcio Bittar Nehemy
Prof. Marco Aurélio Lana Peixoto
Prof. Sebastião Cronemberger Sobrinho
Prof. Evaldo Nascimento
Prof. Fernando Oréfice
Prof. Henderson Celestino de Almeida
Prof. Homero Gusmão de Almeida
Representante discente: Leonardo Rodrigues Pereira
iv
A Comissão Examinadora que assina abaixo__________________________ a
tese intitulada “TRIAGEM NEONATAL PARA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA NO
ESTADO
DE
MINAS
GERAIS:
RESULTADOS
DO
PRIMEIRO
EXAME
OFTALMOLÓGICO”, apresentada e defendida em sessão pública, por Danuza de
Oliveira Machado Azevedo, para a obtenção do grau de Doutor em Medicina, pelo
curso de pós-graduação em Medicina, área de Oftalmologia, Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais.
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Oréfice
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Wesley Ribeiro Campos
_________________________________________________________________
Prof. Dr. André Luiz Land Curi
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Max Damico
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Rogério Alves Costa
_________________________________________________________________
Dra Edilaine Márcia Fernandes Camargo
Suplentes:
_________________________________________________________________
Dr. Daniel Vítor de Vasconcelos Santos
_________________________________________________________________
Dr. Rafael Ernani Almeida Andrade
Belo Horizonte, 27 de março de 2008.
v
DEDICATÓRIA
Eu dedico esta tese a pessoas muito especiais e que sempre estiveram ao meu
lado:
Ao meu pai Gilberto, pela educação e dedicação ilimitada durante toda a vida.
À minha mãe Shirley, pelo amor e apoio incondicional.
As minhas irmãs Alessandra e Daniela, que são minhas melhores amigas e tornam
minha vida mais alegre.
Ao Daniel, meu marido, pela ajuda, paciência e carinho. Sempre com idéias
inteligentes e palavras tranqüilizadoras.
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Fernando Oréfice, Titular do Departamento de Oftalmologia
da Faculdade de Medicina de Minas Gerais que, além de orientar, mostrou o
caminho a ser seguido, sempre seguro, preciso e determinado. Exemplo de
profissional dedicado ao estudo e ensino das uveítes. Um mestre.
Ao Professor Dr. Wesley Ribeiro Campos, Chefe do Serviço de Uveítes do
Hospital São Geraldo, pela disponibilidade e dedicação dispensadas a execução
deste trabalho. Exemplo de profissional dedicado e que esteve ao meu lado em
todos os momentos sempre com boas idéias e, principalmente com uma palavra
amiga.
Ao Dr. Daniel Vítor pela ajuda fundamental na execução e revisão deste
trabalho, e pela oportunidade de convivência e aprendizado durante todos esses
meses. Além de amigo, exemplo de pesquisador e médico.
À
Dra.
Gláucia
M.
Queiroz
de
Andrade
pelo
carinho,
atenção
e
esclarecimentos em todos os momentos que precisei além da oportunidade de
participar deste projeto.
Ao Dr. José Nélio (NUPAD) pela oportunidade de participar deste projeto tão
importante.
À Dra. Éricka Carelos pela convivência, alegria, disposição e por dividir seus
conhecimentos em pediatria conosco.
Ao Dr. André Curi, grande amigo e grande incentivador.
Aos médicos do Serviço de Uveítes do Hospital São Geraldo, pelo apoio e
incentivo: Dra. Célia A. A. Araújo, Dra. Juliana Oréfice, Dra. Flávia Sardemberg, Dra.
Edilaine M.F. Camargo, Dra. Alda Lúcia, Dra. Fernanda B.O. Porto, Dra. Adriana, Dra.
vii
Alba Regina Stheling, Dra. Cynthia A. Cordeiro, Dr. Roberto Gonçalves, Dr. Sidney R.
Lemos, Dr. Gustavo Heringer, Dr. Rafael Stheling, Dr. Mário e especialmente a Dra.
Anna Cristina Higino e Dra. Thais F. Bessa pela amizade e ajuda enquanto estive
afastada das minhas atividades.
À Bernadete, pela dedicação, amizade e profissionalismo durante todos esses
anos. Sempre com uma palavra de apoio e incentivo, principalmente nas horas
difíceis.
As meninas do NUPAD pelo auxílio durante o exame dos recém-nascidos.
Aos recém-nascidos e suas mães pela disponibilidade em ajudar na melhor
compreensão da toxoplasmose congênita, participando deste trabalho.
viii
“Fui mudando minha angústia numa força heróica de asa.
Para construir cada músculo houve universos de lágrimas.
Devo-te o modelo justo: sonho, dor, vitória e graça.”
Cecília Meireles
ix
RESUMO
Introdução: A infecção pelo Toxoplasma gondii quando adquirida durante a gravidez,
pode atravessar a placenta e resultar na infecção congênita do feto. A retinocoroidite é
considerada a principal manifestação clínica e seqüela dessa doença. Estudos de
prevalência da toxoplasmose congênita no Brasil são raros. É importante
conhecermos a verdadeira dimensão da infecção em Minas Gerais para a elaboração
de medidas preventivas e assim tentar diminuir a sua ocorrência.
Objetivos: determinar a prevalência dos recém-nascidos com toxoplasmose
congênita no Estado de Minas Gerais. Descrever as características clínicas das lesões
oculares observadas no primeiro exame oftalmológico dos recém-nascidos triados
pelo programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado.
Metodologia: 146.237 recém-nascidos foram triados pelo programa de triagem
neonatal para a toxoplasmose congênita, realizado no Estado de Minas Gerais, no
período de novembro de 2006 a maio de 2007. A triagem neonatal, através da
pesquisa de IgM anti-toxoplasma, identificou 221 recém-nascidos positivos que
foram encaminhados para sorologia confirmatória pareada da mãe e do recémnascido, exame pediátrico, auditivo, neurológico e avaliação oftalmológica
(oftalmoscopia binocular indireta). Desses, 183 foram confirmados para a
toxoplasmose congênita através de critérios clínicos e laboratoriais. As lesões de
retinocoroidite observadas foram classificadas como presentes e ausentes. Quando
presentes analisaram-se os seguintes itens: lateralidade, distribuição topográfica, e
atividade da lesão. Outros achados oculares tais como estrabismo, embainhamento
vascular, opacidades vítreas e microftalmia, também foram descritos. Os dados
x
coletados foram analisados, associados e correlacionados entre si e com as
alterações neurológicas observadas.
Resultados: a prevalência estimada da toxoplasmose congênita no estado de Minas
Gerais, no momento do primeiro exame oftalmológico, foi de: 1/799 nascidos vivos.
A prevalência de lesão ocular observada no primeiro exame de fundo de olho destes
recém-nascidos foi de 78,1% (143/183). O quadro ocular foi bilateral em 79,7%
(114/143) e a mácula afetada em 79% (113/143) dos casos. A cicatriz de
retinocoroidite foi a principal lesão ocular observada em 77,7% (111/143) dos RN. O
estrabismo foi a principal alteração ocular associada à retinocoroidite e ocorreu em
19,6% (28/143) dos casos. Dos 41 pacientes com alteração neurológica detectadas
pelos exames de imagem, 92,7% (38/41) apresentou lesão de retinocoroidite e
82,5% (33/40), envolvimento macular.
Conclusões: O presente trabalho confirmou que a toxoplasmose congênita
apresenta alta prevalência no Estado de Minas Gerais e identificou recém-nascidos
infectados aparentemente normais ao exame de rotina neonatal, mas com alta
prevalência de doença retiniana e neurológica ao exame específico. Portanto, esta
doença merece especial atenção das autoridades de saúde e sua inclusão em
programas de triagem deveria ser levada em consideração.
Palavras-chave:
toxoplasmose
congênita,
calcificações intracranianas.
xi
triagem
neonatal,
retinocoroidite,
ABSTRACT
Introduction: Acquired toxoplasmosis during pregnancy can cause a congenital
infection of the fetus. Retinochoroiditis is the most common ocular finding and the most
frequent sequel of congenital toxoplasmosis. Prevalence studies of disease in Brazil
are scarce. It is important to know the real dimension of infection in the state of Minas
Gerais to elaborate strategies for preventing and controlling congenital toxoplasmosis.
Objectives: The purpose of this study is to determine the prevalence of congenital
toxoplasmosis in the state of Minas Gerais. Another aim is to describe clinical
characteristics of ocular lesions noticed at the first ophthalmologic exam in infected
newborns from the neonatal screening program for congenital toxoplasmosis in Minas
Gerais.
Methods: 146,237 newborns were identified by the neonatal screening program of
congenital toxoplasmosis in Minas Gerais from November 2006 until May 2007. This
program identified 221 newborns suspected of congenital toxoplasmosis. All of them
were submitted to confirmatory assays, pediatric, auditive, neurological and
ophthalmological exam. 183 newborns were confirmed for the congenital
toxoplasmosis. Retinochoroiditis lesions were described and classified according to
their laterality, topographic distribution and inflammatory activity. Other ocular
findings such as strabismus, vitreous haze, retinal hemorrhage, and punctata lesion
were described. The data were analyzed and correlated with maternal and newborns
assays and with neurological findings.
Results: The estimated prevalence of congenital toxoplasmosis in the state of Minas
Gerais was 1 per 799 live births. The prevalence of ocular lesion in the first
ophthalmological exam was 78.1% (143/183). Retinochoroiditis was bilateral in
xii
79.7% (114/143) and macula was affected in 79% (113/143). The retinochoroiditis
scars were the most common ocular lesion in 77.7% (111/143). Strabismus was
detectable in 18,9% of the newborns (27/143). Among 41 patients with neurological
alterations 92.7% (38/41) had retinochoroiditis and 82.5% (33/40) macular
involvement.
Conclusions: This study confirmed a high prevalence of the disease in the Minas
Gerais state and identified asymptomatic newborns on the neonatal routine exams
but with a high prevalence of neurological and retina’s disease. Congenital
toxoplasmosis deserves especial attention from health authorities and should be
considered for future inclusion in screenings programs.
Key Words: congenital toxoplasmosis, neonatal screening, retinochoroiditis, cerebral
calcifications.
xiii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura1 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite em zona 1 do olho
direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em
decúbito lateral esquerdo............................................................................................
71
Figura 2 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite na zona 1 do olho
esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em
decúbito lateral esquerdo............................................................................................
72
Figura 3 – Retinografia mostrando cicatriz de retinocoroidite na Zona 1 do olho
esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em
decúbito lateral esquerdo............................................................................................
72
Figura 4 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na zona 1 do
olho esquerdo do lado de uma lesão cicatrizada já iniciando pigmentação. Registro
feito com o RN em decúbito lateral esquerdo............................................................... 73
Figura 5 – Retinografia mostrando presença de dois focos de retinocoroidite
necrosante e hemorragia, localizadas no olho esquerdo de um RN com
toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo......
74
Figura 6 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na região da
mácula do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o
RN decúbito lateral esquerdo...................................................................................
74
Figura 7 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas, no
setor temporal da retina do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita
e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral
direito...........................................................................................................................
75
Figura 8 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas na
retina nasal do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita e
embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito lateral
direito...........................................................................................................................
xiv
76
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1–Trimestre da gestação em que foi realizada a sorologia para a
toxoplasmose................................................................................................................ 66
Gráfico 2 – Lateralidade da lesão ocular.....................................................................
70
Gráfico 3 – Envolvimento da mácula nos RN com toxoplasmose congênita..............
77
Gráfico 4 – Envolvimento macular unilateral e bilateral...............................................
78
Gráfico 5 - Freqüência de alterações neurológicas (calcificações intracranianas
e/ou dilatação ventricular) nos RN confirmados para a toxoplasmose congênita........
xv
80
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Resultados da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita.............. 61
Tabela 2 – Resultado da triagem neonatal nos casos confirmados ou não
confirmados para a toxoplasmose congênita...............................................................
62
Tabela 3 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 183
RNs confirmados (ELFA)..............................................................................................
63
Tabela 4 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 38
RNs não confirmados (ELFA).......................................................................................
Tabela 5 – IgM x IgG materno durante a gestação......................................................
64
65
Tabela 6 - Freqüência de mães tratadas na gestação X RN confirmados ou não
para a toxoplasmose congênita....................................................................................
67
Tabela 7 – IgM anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA).................................... 67
Tabela 8 - IgM anti-toxoplasma materno durante a gestação e após o parto..............
68
Tabela 9 – IgG anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA).................................... 69
Tabela 10 – Atividade inflamatória da lesão ocular observada na oftalmoscopia
binocular indireta..........................................................................................................
71
Tabela 11 – Distribuição geográfica das lesões oculares na retina.............................
77
Tabela 12 – Estrabismo associado à lesão de retinocoroidite macular......................
79
Tabela 13 - Associação entre retinocoroidite e calcificação craniana nos RN com
toxoplasmose congênita...............................................................................................
Tabela 14 – Associação entre alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite
nos pacientes que foram submetidos à avaliação neurológica.................................
xvi
81
82
Tabela 15 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite bilateral....... 82
Tabela 16– Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite macular.......
xvii
83
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais
HC - Hospital das Clínicas
HSG - Hospital São Geraldo
COEP - Comitê de Ética em Pesquisa
SAME - Serviço de Arquivo Médico e Estatística
SUS - Sistema Único de Saúde
T. gondii - Toxoplasma gondii
OD - Olho direito
OE - Olho esquerdo
IgM - Imunoglobulina M
IgG - Imunoglobulina G
IgA - Imunoglobulina A
IgE - Imunoglobulina E
EUA - Estados Unidos da América
MG - Minas Gerais
NK - Natural Killer
IL - Interleucinas
INFγ - Interferon gama
TNGα - Fator de necrose tumoral alfa
TGFβ - Fator de crescimento tumoral beta
Th1 - T helper 1
LT - Linfócitos T
PCR - Reação de Cadeia da Polimerase
xviii
ELISA - Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay
ELFA - Enzyme Linked Fluorescent Assay
ISAGA - Imunosorbent Agglutination Assay
RIF - Reação de Imunofluorescência Indireta
CSF - Corante de Sabin-Feldmann
RFC - Reação de Fixação de Complemento
RHA - Reação de Hemaglutinação Indireta
Ag S - Antígeno S
n - Número de participantes da amostra
p- Nível de significância estatística
IC - Intervalo de Confiança
OR - Odds Ratio
OCT - Tomografia de Coerência Óptica
TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TAA - Teste de Avidez de Anticorpos
DD - Diâmetro de disco
< - Menor que
RN – Recém-nascido
xix
SUMÁRIO
RESUMO.....................................................................................................x
ABSTRACT................................................................................................xii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES...........................................................................xiv
LISTA DE GRÁFICOS.................................................................................xv
LISTA DE TABELAS..................................................................................xvi
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS........................................................xvii
1- INTRODUÇÃO..........................................................................................1
2- REVISÃO DE LITERATURA.......................................................................4
2.1 HISTÓRICO............................................................................................4
2.2 AGENTE ETIOLÓGICO.............................................................................6
2.3 GENÓTIPOS E PATOGÊNESE..................................................................8
2.4 FONTES DE INFECÇÃO.........................................................................10
2.5 PREVALÊNCIA......................................................................................12
2.6 MANIFESTAÇÕES OCULARES................................................................15
2.7 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA...............18
2.8 A RESPOSTA IMUNE AO TOXOPLASMA GONDII......................................25
2.8.1 Imunidade inespecífica..............................................................25
2.8.2 Imunidade específica.................................................................26
2.8.2.1 Imunidade celular...................................................................26
2.8.2.2 Imunidade humoral.................................................................30
2.9 DIAGNÓSTICO......................................................................................31
2.9.1 Detecção Direta........................................................................31
2.9.2 Detecção indireta......................................................................32
2.10 DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL..................................................................36
xx
2.11 DIAGNÓSTICO NEONATAL...................................................................39
2.12 TRATAMENTO DA TOXOPLASMOSE OCULAR.......................................45
2.13 TRATAMENTO PRÉ E PÓS NATAL........................................................47
3- OBJETIVOS...........................................................................................52
4- MATERIAL E MÉTODOS..........................................................................53
4.1 SELEÇÃO DOS PACIENTES...................................................................53
4.2 AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR DA MÃE E RECÉM-NASCIDO....................54
4.3 EXAME OFTALMOLÓGICO DOS RECÉM-NASCIDOS TRIADOS.................57
4.4 ANÁLISE ESTATÍSTICA.........................................................................59
4.5 ASPECTOS ÉTICOS..............................................................................60
5- RESULTADOS........................................................................................61
5.1 POPULAÇÃO ESTUDADA.......................................................................61
5.2 TRIAGEM NEONATAL E SOROLOGIA CONFIRMATÓRIA PAREADA (MÃE E
RN)...........................................................................................................62
5.3 ACHADOS OFTALMOLÓGICOS NO PRIEMEIRO EXAME DO RN................69
5.4 ACHADOS NEUROLÓGICOS NO PRIEMEIRO EXAME DO RN....................80
6- DISCUSSÃO...........................................................................................84
7- CONCLUSÕES.......................................................................................99
8- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................100
9- ANEXOS..............................................................................................121
xxi
1
1- INTRODUÇÃO
A infecção pelo Toxoplasma gondii é uma zoonose de distribuição mundial
que afeta homens e animais. Essa infecção, se adquirida durante a gravidez, pode
atravessar a placenta e resultar na infecção congênita do feto. A taxa de
transmissão materno-fetal varia de menos de 2% na quarta semana de gestação
para mais de 80% se a infecção ocorrer na trigésima sexta semana (Dunn et al.,
1999). Quanto mais precoce for a idade gestacional no momento da infecção mais
graves serão as manifestações clínicas da doença ao nascimento (Dunn et al.,
1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Contudo, crianças com
toxoplasmose congênita, quando nascem, são assintomáticas em 70 a 90% dos
casos (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998;
Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Safadi et al., 2003; Remington et al., 2005;
Many & Koren, 2006; Rorman et al., 2006) e só poderiam ser identificadas através
de programas de triagem.
As manifestações clínicas da toxoplasmose congênita, quando presentes,
incluem a retinocoroidite, calcificações intracranianas e em casos graves,
hidrocefalia (Remington et al., 2005). Ao longo do tempo, a infecção ocular pode
sofrer reativação causando retinocoroidite, embaçamento visual ou mesmo
cegueira em indivíduos que inicialmente não possuíam qualquer sinal clínico da
doença. A reativação pode ocorrer na infância, adolescência e vida adulta (Wilson
et al., 1980; Koppe et al., 1986; O'Neill, 1998). A retinocoroidite é considerada a
principal manifestação clínica e seqüela da toxoplasmose congênita.
As principais rotas de infecção pós-natal são a ingestão de carnes cruas ou
mal passadas contendo cistos do parasita e a ingestão de oocistos, presentes nas
2
fezes de gato, espalhados no meio ambiente (Cook et al., 2000; Holland, 2003).
Observações recentes mostram que a água contaminada também pode ser uma
importante fonte de infecção (Bahia-Oliveira et al., 2003; de Moura et al., 2006).
Na teoria, é possível prevenir a toxoplasmose através de medidas de saúde
educacional, mas na prática, muito ainda precisa ser feito (Foulon et al., 2000).
O diagnóstico precoce da toxoplasmose congênita, através dos programas
de triagem pré-natal e neonatal (triagem do recém-nascido), seguido de
tratamento adequado parece reduzir a incidência de manifestações clínicas da
doença ao nascimento além de prevenir complicações secundárias e recorrências
tardias. Essa é a razão para a adoção dos programas de triagem pré-natal na
França (Jeannel et al., 1988b) e Áustria (Aspock & Pollak, 1992) e programas de
triagem neonatal nos EUA (Guerina et al., 1994) e Dinamarca (Schmidt et al.,
2006).
Existe uma incerteza do melhor programa de triagem a ser instituído em
cada país ou região: se pré-natal ou neonatal. Os programas de triagem pré-natal
são dispendiosos e se baseiam na repetição de testes sorológicos ao longo da
gestação. A triagem neonatal tem a vantagem de ser mais facilmente realizada e
ter um custo menor. Um programa de triagem neonatal é oferecido em
Massachusetts, EUA, desde 1988 e tem se mostrado muito eficiente (Guerina et
al., 1994).
Estudos de prevalência da toxoplasmose congênita no Brasil são raros. É
importante conhecermos a verdadeira dimensão da infecção em Minas Gerais
para a elaboração de propostas profiláticas adequadas e assim, diminuir sua
ocorrência. No período de setembro de 2003 a outubro de 2004 foram triadas
30.808 crianças, em Belo Horizonte, pelo Programa de Triagem Neonatal de
3
Minas Gerais – “Teste do Pezinho”. Essas crianças foram testadas para
toxoplasmose, além das outras doenças (como fenilcetonúria e hipotireoidismo
congênito) já incluídas no programa. O objetivo da realização do teste para a
toxoplasmose foi o de avaliar as possibilidades desse teste, identificar
precocemente a infecção congênita permitindo o tratamento adequado das
crianças infectadas. Das 30.808 crianças triadas, 20 foram diagnosticadas com
toxoplasmose congênita, resultando numa proporção de 1/1590 infectados por
nascidos vivos. Somente quatro das vinte crianças apresentavam sintomas ao
nascimento. Esses dados mostram a elevada prevalência da toxoplasmose
congênita em Belo Horizonte e, provavelmente, em todo o Estado de Minas Gerais
(dados ainda não publicados).
Pretendeu-se neste estudo: descrever as características clínicas das lesões
oculares, observadas no primeiro exame oftalmológico dos recém-nascidos triados
pelo programa de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado de
Minas Gerais; estimar a prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose
congênita no estado e com isso, avaliar a necessidade da implantação definitiva de
um programa de triagem para a doença visando o diagnóstico e tratamento precoce
das crianças infectadas. A iniciativa é considerada inovadora em termos de serviço
público no Brasil, principalmente pela abrangência do estudo.
4
2-REVISÃO DE LITERATURA
2.1 Histórico
A primeira descrição do Toxoplasma gondii foi realizada em 1908, por
Alfonso Splendore (Brasil) que, após observar a morte de coelhos por paralisia,
necropsiou vários animais e encontrou corpúsculos parasitários císticos. Esses,
inoculados em cães, reproduziram a mesma doença. Na mesma época, os
franceses Nicolle e Manceaux identificaram parasitas idênticos em um roedor
norte-africano Gondii, identificando-o como Leishmania gondii. Entretanto, no ano
seguinte, após a captura de outros roedores Gondiis na mesma área, verificaram
que se tratava de um novo protozoário: o toxoplasma.
A primeira descrição da toxoplasmose em humanos foi feita pelo
oftalmologista Janku, em 1923, na cidade de Praga, e tratava-se de um caso de
toxoplasmose congênita. Ao realizar a necropsia de uma criança de 11 meses de
idade que foi ao óbito em decorrência de uma doença grave e disseminada
(hidrocefalia, microftalmia e coloboma na mácula), notou que o organismo presente
no bulbo ocular constituindo um cisto parasitário era, provavelmente, o Toxoplasma
gondii. No Brasil, o primeiro caso de toxoplasmose foi diagnosticado por Margarino
Torres em 1926, em um recém-nascido com meningoencefalite congênita (Oréfice
& Bahia-Oliveira, 2005).
Porém, somente após 1937, com os estudos de Wolf e Cowen (1939), a
toxoplasmose passou a ser reconhecida por sua importância médica. Esses
autores descreveram um caso grave e fatal de encefalite granulomatosa em uma
criança (Wolf & Cowen, 1937). Já a forma adquirida desta parasitose foi
5
primeiramente descrita em 1940, em um adulto jovem com doença generalizada
que o levou ao óbito (Pinkerton & Weinman, 1940).
Em 1942, Sabin descreveu a tétrade de sinais clínicos da doença congênita,
caracterizada por hidrocefalia ou microcefalia, retardo psicomotor, calcificações
intracranianas e retinocoroidite, podendo ocorrer também microftalmia. Essa é a
descrição clássica da doença ficando até hoje consagrada com o seu nome (Sabin,
1942).
Em 1948, os estudos sobre a toxoplasmose receberam a relevante
contribuição de Sabin e Feldman com o desenvolvimento de um teste sorológico
específico: a reação de Sabin-Feldman ou ‘‘dye-test’’. Com isso, iniciaram-se os
primeiros estudos epidemiológicos da toxoplasmose (Sabin & Feldman, 1948).
Em 1952, Helenor Campbell Wilder demonstrou, pela primeira vez, a
presença do parasita no olho confirmando esse agente como causa de uveíte
(Wilder, 1952b).
No Brasil, Bussaca e Nóbrega (1950) relataram que 23% dos casos de
uveíte posterior tinham como agente etiológico o T.gondii (Bussaca & Nobrega,
1950). Posteriormente, Abreu Fialho (1953), Pereira et al (1965) e Martins et al
(1969) verificaram que 38, 30 e 68%, respectivamente, das uveítes no Brasil
configuravam toxoplasmose (Orefice & Bonfioli, 2000).
Em 1957, Goldman desenvolveu o teste de imunofluorecência para o
T.gondii (Goldman, 1957) e a partir de 1960, a toxoplasmose passou a ser
considerada a maior causa de uveíte no mundo.
A toxoplasmose congênita, como causa de doença ocular, se tornou mais
conhecida a partir de trabalhos de alguns autores (Wilder, 1952a; Perkins, 1973).
6
Em 1988, foi apresentada no Simpósio Mundial de Uveítes em São Paulo,
Brasil, uma alta prevalência de uveíte por toxoplasmose adquirida no estado do Rio
Grande do Sul e esse tem sido o exemplo clássico de toxoplasmose ocular
adquirida citado em todo o mundo (Glasner et al., 1992).
2.2 Agente etiológico
Reino: Protista; Sub-reino: Protozoa; Filo: Apicomplexa; Classe: Sporozoa; Subclasse:
Coccidia;
Ordem:
Eucoccidia;
Sub-ordem:
Eumeriidae;
Família:
Sarcocystidae; Gênero: Toxoplasma; Espécie: Toxoplasma gondii.
A espécie Toxoplasma gondii é membro da família Sarcocystidae, que tem
como hospedeiro definitivo membros da família Felidae, sendo o gato doméstico
(Felis catus) o de maior importância epidemiológica (Kawazoe, 1995). Tem como
hospedeiros intermediários animais homeotérmicos incluindo o homem. Por ser um
parasita intracelular obrigatório, o T.gondii pode ser encontrado em vários tecidos
tais como a placenta, músculos estriados, esqueléticos e cardíacos, cérebro, retina
e leucócitos. Líquidos orgânicos como peritoneal, a saliva, o leite materno, o
esperma e a urina também podem exibir o parasita (Frenkel, 1971). As formas
livres são encontradas circulando por um curto período de tempo. Apresenta
morfologias múltiplas dependendo do seu habitat e do estado evolutivo (Oréfice
and Bahia-Oliveira, 2005).
As principais formas de apresentação do parasita são:
Taquizoíto: também denominada forma livre, trofozoíta ou forma proliferativa.
Trata-se de uma forma obrigatoriamente intracelular, que se prolifera na fase
aguda da doença. É um estágio de rápida multiplicação do parasita, com
7
capacidade de invadir ativamente uma célula e se multiplicar em vacúolos
citoplasmáticos, denominados vacúolos parasitófagos. A proliferação exacerbada
conduz ao rompimento da célula hospedeira liberando os múltiplos taquizoítos que,
livres, penetram em células adjacentes ou caem na circulação. Provocam uma
resposta inflamatória importante e destruição tecidual. São responsáveis pelas
manifestações clínicas da doença. Sua forma em arco (toxon = arco) deu o nome
ao gênero toxoplasma.
Bradizoíto e cisto: forma encistada decorrente da resposta imune ante a presença
do taquizoíto (Frenkel, 1997). Os bradizoítos apresentam multiplicação lenta e
iniciam a sua formação seis a oito dias após a infecção (Oréfice & Bahia-Oliveira,
2005). Os cistos formados apresentam tamanho variável com milhares de
bradizoítos no seu interior, alcançando 3000 parasitas. Podem ser destruídos por
digestão péptica e ao serem ingeridos, liberam os bradizoítos que permanecem
viáveis, os quais, por sua vez, circularão provocando a formação de grupos
teciduais de cistos e se transformarão em taquizoítos. As localizações mais
prevalentes da forma cística do toxoplasma são os tecidos musculares, nervoso e
retina. Encontrar cistos em órgãos viscerais como pulmões, fígado e rins é mais
raro. Os cistos teciduais intactos geralmente não causam danos ao hospedeiro e
podem persistir por toda a vida do infectado (Lynfield & Guerina, 1997). Os cistos
são muito resistentes às condições ambientais e permanecem viáveis em
temperatura ambiente e em refrigerador (Dubey & Beattie, 1988). É a principal
forma encontrada na fase crônica da doença.
Oocisto: os oocistos apresentam forma ovalada e, quando esporulados,
caracterizam-se por conter dois esporocistos, cada um deles contendo no seu
interior quatro esporozoítos. São encontrados nas fezes de felídeos, em
8
conseqüência do processo sexuado que ocorre nas células epiteliais de sua
mucosa intestinal. Podem sobreviver fora do corpo por pelo menos um ano, em
solo quente e úmido (Frenkel et al., 1975; Lynfield & Guerina, 1997) e assim, se
tornarem infectantes.
2.3 Genótipos e Patogênese
O Toxoplasma gondii pode ser dividido em três principais genótipos (Sibley
& Boothroyd, 1992). A diferença nos genótipos pode ser parcialmente responsável
pela diferença de patogênese observada na infecção. Na Europa, há um
predomínio do genótipo II (Grigg et al., 2001), mas no Brasil, o genótipo
predominante é do tipo I que apresenta alta virulência (Khan et al., 2005; Vallochi
et al., 2005; Peyron et al., 2006). Em um estudo recente realizado no Brasil, a
análise de lesão ocular provocada pelo T. gondii demonstrou apenas espécies do
tipo I e III e nenhuma do tipo II (Ferreira et al., 2006). Essa observação tem
implicações importantes na epidemiologia, gravidade da doença, manifestações
clínicas e eficácia ao tratamento (Boothroyd & Grigg, 2002).
A multiplicação do parasita é o fator primário na patogênese da doença,
tanto na forma sistêmica quanto na ocular. Durante o estágio agudo da doença, o
parasita atravessa a parede intestinal e cai na circulação sanguínea provocando
uma parasitemia. O T.gondii atinge o olho através do sangue como parasitas livres
ou dentro de leucócitos circulantes. A identificação de parasitas em vasos das
camadas internas da retina dá suporte à rota hematogênica (Roberts et al., 2001).
Com o desenvolvimento da imunidade ao parasita, a fase de multiplicação rápida
dos taquizoítos cessa e ocorre a formação de cistos tissulares contendo os
bradizoítos (Dubey & Beattie, 1988). Esses poderão permanecer latentes por
9
vários anos no tecido do hospedeiro. Os ataques recorrentes são secundários a
multiplicação dos parasitas após sua liberação dos cistos retinianos (Roberts &
McLeod,1999).
Alguns autores estudaram a possibilidade de que os danos retinianos na
toxoplasmose poderiam ser causados por mecanismos auto-imunes. Trinta e seis
pacientes foram estudados, sendo 18 com a primeira recorrência e 18 com
múltiplas recorrências. Concluíram que a extensão da reatividade anti-retina na
retinocoroidite toxoplásmica não é causada apenas por anticorpos anti-antígeno S,
mas a alta prevalência de anticorpos antifotorreceptor na retinocoroidite
toxoplásmica, em comparação aos controles saudáveis, sugere que esses
anticorpos podem ser copatogênicos na retinocoroidite (Whittle et al., 1998).
Não se sabe ao certos os fatores que levam à recorrência da lesão, uma
série de situações foram propostas: trauma, alterações hormonais, cirurgias,
exposição aos raios ultravioletas, baixa da imunidade, mas nenhum deles tem sido
amplamente aceito (Rothova, 2003). A taxa de recorrência da lesão varia de
acordo com o tempo: o risco é maior no primeiro ano após o episódio de atividade
e menor nos anos subseqüentes (Bosch-Driessen et al., 2002; Holland, 2003).
Este declínio pode estar relacionado com fatores do hospedeiro, seqüestro de
cistos, ou melhora do controle imunológico da doença. Outra possibilidade, seria a
vida do cisto ser finita e com isso o hospedeiro poderia não ter cistos viáveis após
determinado tempo. Taxas de recorrências na forma adquirida ou congênita da
doença parecem ser similares (8 -40%) (Koppe & Rothova, 1989; Guerina, 1994;
Couvreur, 1999; Bosch-Driessen et al., 2002).
10
Reinfecção com outras cepas do parasita podem ocorrer, mas a
importância clínica desse fato ainda não foi bem estabelecida (Aspinall et al.,
2003).
2.4 Fontes de infecção
A transmissão transplacentária ou congênita foi a primeira forma a ser
reconhecida como causa de toxoplasmose no homem. Depois da aquisição do
T.gondii, pela primeira vez, durante a gestação, ele atinge a circulação fetal pela
infecção da placenta. Após terem atravessado a placenta, os taquizoítos se
transformam em bradizoítos em poucos dias (Luder et al., 1999). A taxa de
transmissão vertical é variável e para alguns autores, parece não ser influenciada
pelo tratamento durante a gestação (Dunn et al., 1999; Gilbert et al., 2001b). A
gravidade da infecção congênita também depende do período da gestação no qual
a mãe se tornou infectada. O risco de transmissão materno-fetal da toxoplasmose
congênita é menor se a infecção ocorrer durante o primeiro trimestre da gestação
(10 a 25%) em comparação com o último trimestre (60 a 90%), mas a gravidade
clínica da doença é substancialmente maior quando adquirida no primeiro (Dunn et
al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007).
Após o desenvolvimento da imunidade materna à infecção, acredita-se que
as outras gestações estarão protegidas; entretanto, existem relatos de mães
soropositivas para a toxoplasmose que transmitiram a infecção para seus filhos
durante a gravidez (Hennequin et al., 1997; Dollfus et al., 1998; Many & Koren,
2006). Em um relato de caso, os autores descreveram uma criança com
toxoplasmose congênita cuja mãe imunocompetente apresentava cicatriz de
retinocoroidite diagnosticada 20 anos antes da gestação. A criança apresentou
11
sorologia positiva para a toxoplasmose logo após o nascimento e foi tratada ao
longo de todo o primeiro ano de vida. Aos noves meses de idade, o exame
oftalmológico revelou uma cicatriz macular no olho direito (Silveira et al., 2003).
Outro caso similar foi descrito, no qual o terceiro filho de uma mãe
imunocompetente e previamente infectada apresentou toxoplasmose congênita
diagnosticada logo após o nascimento. Com três semanas de vida pós-natal, o
exame oftalmológico constatou cicatriz macular bilateral (Kodjikian et al., 2004).
Esses dois casos podem ser explicados pela re-infecção por espécies do parasita
diferentes da infecção original ou reativação de uma infecção latente induzida por
imunidade celular associada a gravidez.
Mulheres imunodeficientes, cronicamente infectadas, podem transmitir a
infecção para o feto, mas a probabilidade de que isso ocorra é baixa (Lebech et
al., 1996; Rorman e tal., 2006).
Até 1950, as fontes de infecção pós-natal pelo T.gondii ainda não eram
conhecidas. Em 1951, Hogan especulou que alguns vetores poderiam transmitir a
doença (Hogan, 1951), mas em 1958 ele cita evidências de que a transmissão
oral teria importância (Hogan, 1958). Desde aquele tempo, a infecção pós-natal
tem sido atribuída à ingestão de cistos em carnes cruas e mal passadas ou a
ingestão de oocistos presentes no solo, contaminando verduras e frutas (Cook et
al., 2000). Observações recentes mostram que a água contaminada também pode
ser uma importante fonte de infecção. Em 1979, uma epidemia de toxoplasmose
entre soldados das forças armadas dos EUA, no Panamá, foi atribuída à ingestão
de água contaminada com oocistos (Benenson et al., 1982). Em 1995, uma
epidemia de toxoplasmose em Vitória, no Canadá, foi atribuída à contaminação de
um reservatório aberto de água por fezes de gato (Bowie et al., 1997; Burnett et
12
al., 1998). Em 2001, uma epidemia semelhante ocorreu em Santa Isabel do Ivaí
no sul do Brasil e foi também atribuída a um reservatório de água não filtrada
contaminada com oocistos (de Moura et al., 2006). A água tem sido considerada
um veículo de disseminação da toxoplasmose não só em epidemias, mas também
em áreas endêmicas no Brasil (Bahia-Oliveira et al., 2003; Dodds, 2006).
Outras vias de infecção foram descritas tais como o leite e saliva
contaminada, perdigotos ou lambedura, acidentes de laboratório e após
transplante (Oréfice&Bahia-Oliveira,2005).
2.5 Prevalência
A toxoplasmose é uma das zoonoses mais difundidas no mundo e
apresenta-se com alta prevalência nas diversas regiões, de acordo com fatores
climáticos, geográficos, profissionais, etários, alimentares e outros (Rothova, 2003).
Sua incidência é maior nas áreas tropicais e vai diminuindo com o aumento da
latitude. Estima-se que o parasita infecte aproximadamente 13 a 50% da população
mundial (Jones et al., 2001a).
A toxoplasmose é uma infecção comum na América do Sul. No Brasil, a
prevalência sorológica do T. gondii varia de 50-80% na população adulta sadia,
com valores mais altos encontrados em algumas regiões do norte e do sul (Orefice
& Bonfioli, 2000) e em pessoas de classe sócio-econômicas mais baixas (BahiaOliveira et al., 2003). A soropositividade para a toxoplasmose aumenta com a
idade, obtendo-se valores máximos após os sessenta anos (Melamed, 1991). Em
um estudo realizado no sul do Brasil, a prevalência de sorologia positiva para a
toxoplasmose entre crianças de 10 a 15 anos foi muito alta, chegando a atingir
98% dessa população estudada (Silveira et al., 1988).
13
A prevalência estimada da toxoplasmose congênita no mundo varia de 110/10.000 nascidos vivos. No Brasil, a prevalência é maior: 3-8/10.000 nascidos
vivos. (Neto et al., 2000; Evengard et al., 2001; Jones et al., 2001b; McLeod et al.,
2006).
Alguns autores, no Rio Grande do Sul, reportaram 47 casos de
toxoplasmose congênita dentre 140.914 amostras de sangue periférico obtidas de
recém-nascidos originados de várias cidades brasileiras, no período entre
setembro de 1995 e dezembro de 1998. Este trabalho mostrou uma prevalência da
toxoplasmose congênita de 1/3000 nascidos vivos e essa foi a maior prevalência
da doença registrada na literatura até o ano 2000 (Neto et al., 2000).
Em Passo Fundo, também no Rio Grande do Sul, foi realizado um estudo
para se determinar a prevalência da infecção congênita pelo Toxoplasma gondii em
recém-nascidos atendidos no Hospital Universitário de Passo Fundo. Foram
analisadas amostras de sangue do cordão umbilical de 1250 recém-nascidos vivos.
O diagnóstico laboratorial foi realizado através da detecção de IgM pelo método
ELFA (Enzyme Linked Fluorescent Assay). A incidência da toxoplasmose
congênita ao nascimento foi de 8/10.000 (Mozzatto & Procianoy, 2003).
Na cidade de Uberlândia, Minas Gerais, um estudo avaliou 805 amostras de
soro obtidas do sangue do cordão umbilical de recém-nascidos. Dessas, 305 foram
coletadas em um hospital privado e 500 em um hospital público, entre janeiro e
agosto de 2002. Todas as amostras foram analisadas utilizando-se o ELISA
(Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay) para a detecção de anticorpos IgG. As
amostras positivas foram testadas para os anticorpos IgM e IgA. A prevalência de
anticorpos IgG positivos nas amostras foi de 51,6% e da toxoplasmose congênita
de 0,5% no hospital privado e 0,8% no público (Segundo et al., 2004).
14
Em outro trabalho realizado no Brasil (áreas não especificadas), os autores
estimaram a prevalência da toxoplasmose congênita, doença de chagas,
citomegalovírus e rubéola através da triagem neonatal pelo “teste do pezinho”. A
prevalência estimada para a toxoplasmose congênita foi de 1/1.867 nascidos vivos
(Neto et al., 2004).
Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo também foi conduzido um estudo
para se determinar a prevalência da infecção congênita na região. Amostras de
sangue foram obtidas de 15.162 neonatos e testadas para o IgM anti-toxoplasma
em papel filtro. Quinze amostras foram positivas. O diagnóstico definitivo foi
confirmado em cinco das 13 crianças que completaram o seguimento e a
prevalência da doença foi estimada em 3,3/10.000 nascidos vivos (Carvalheiro et
al., 2005).
Estima-se que a infecção seja ainda mais freqüente em algumas regiões
brasileiras. Em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, um inquérito sorológico
com 2500 recém-nascidos mostrou uma proporção de um recém-nascido infectado
para 500 nascidos vivos (20/10.000) (Bahia-Oliveira et al., 2001).
Nos EUA, 85% das mulheres são soronegativas e suscetíveis a adquirir a
infecção primária durante a gravidez (Jones et al., 2001b). No Brasil, em um estudo
realizado no Paraná, 66% das mulheres testadas mostraram-se reagentes à
toxoplasmose IgG, com 70% de soropositividade entre aquelas em idade fértil
(Garcia et al., 1999). Outro estudo, realizado em Recife, constatou uma prevalência
de 51,6% de anticorpos IgG entre mulheres com 18 a 40 anos (Coelho et al.,
2003). A soropositividade para toxoplasmose em gestantes foi de 14% em
Estocolmo (Petersson et al., 2000), 20,3% na Finlândia (Lappalainen et al., 1995b)
e de 67,3% em Paris (Jeannel et al., 1988a). No Brasil, a soroprevalência entre
15
grávidas foi de 67% no Paraná (Reiche et al., 2000), 51,6% em Minas Gerais
(Segundo et al., 2004), 77,1% no Rio de Janeiro (Meireles, 1985), 32,7% em São
Paulo (Vaz et al., 1990), 74,5% no noroeste do Rio Grande do Sul (Spalding et al.,
2003) e 59,8% na cidade de Porto Alegre (Varella et al., 2003).
A toxoplasmose ocular é a causa mais comum de uveíte posterior em várias
partes do mundo, incluindo a América do norte, América do Sul e Europa (Holland,
2003). Entretanto, pouco se sabe sobre o número total de indivíduos com doença
ocular inativa (muitos podem ser assintomáticos). O envolvimento é mais grave nos
pacientes
com
sistema
imune
deficiente,
ou
seja,
neonatos
e
adultos
imunocomprometidos (Bosch-Driessen et al., 2002; Hovakimyan & Cunningham,
2002; Smith & Cunningham, 2002).
A toxoplasmose ocular pode ser dividida em congênita (pré-natal) ou
adquirida (pós-natal). A exata contribuição de cada uma dessas formas na
prevalência da doença não é bem esclarecida (Wilson & Remington, 1980; Koppe
& Rothova, 1989; Burnett et al., 1998). Ela é comumente atribuída à infecção
congênita. Entretanto, recentemente, vários estudos têm discutido que a infecção
adquirida possa ser uma importante causa de toxoplasmose ocular (Bowie et al.,
1997; Burnett et al., 1998; Silveira et al., 2001; Bahia-Oliveira et al., 2003) e que
essa, seja mais freqüente do que se pensava. Em um artigo de revisão, os autores
concluem que pelo menos 2/3 dos pacientes com toxoplasmose ocular na
Inglaterra, adquiriram a infecção no período pós-natal e não pré-natal (Gilbert &
Stanford, 2000).
2.6 Manifestações oculares
16
A manifestação ocular característica da toxoplasmose consiste em uma
retinocoroidite focal necrosante, frequentemente associada a uma lesão satélite já
cicatrizada indicativa de recorrência. Em uma série de 154 pacientes, as lesões
satélites ocorreram em 80% dos casos (Bosch-Driessen et al., 2002). A lesão
satélite é considerada padrão ouro para diagnóstico da toxoplasmose ocular. O
exame do olho contralateral também pode mostrar antigas cicatrizes de
retinocoroidite.
O tamanho da lesão varia de 1/10 de diâmetro de disco (DD) até dois
quadrantes. Alguns estudos observaram uma relação positiva entre o tamanho da
lesão, o risco aumentado de complicações e um maior tempo de duração da
doença ativa (Holland, 2004). É nítida a predileção do parasita pela região máculodiscal. Já em outros locais da retina, a distribuição é homogênea. Diferenças
anatômicas e da microvasculatura entre a macula e a retina periférica, podem criar
um ambiente que influencie a localização da lesão, além disso, macrófagos estão
em menor quantidade na região macular (Yang et al., 2000).
O acometimento do corpo vítreo é constante na toxoplasmose ocular e
responsável por seqüelas importantes da doença. A opacificação vítrea tem
resolução lenta podendo, nos casos graves, demorar, às vezes, mais de um ano
após total cicatrização da lesão ou ser necessário tratamento cirúrgico. Pode
haver contração e descolamento do corpo vítreo posterior (Oréfice & BahiaOliveira, 2005).
Vasculite retiniana venosa é comum em pacientes com toxoplasmose
ocular e pode ocorrer na vizinhança ou distante do foco ativo da retinocoroidite
(Theodossiadis et al., 1995).
17
A redução da acuidade visual na toxoplasmose ocular ativa pode resultar da
turvação ou opacificação dos meios e do acometimento foveal diretamente
causado pela lesão. Pode, ainda, ocorrer em conseqüência de formação de
edema retiniano, secundário às lesões retinianas localizadas fora da região
macular (Orefice et al., 2006; Orefice et al., 2007).
O processo evolutivo da lesão na toxoplasmose ocular revela que a
cicatrização ocorre da periferia para o centro, ou seja, de maneira centrípeta.
Nesses casos, observa-se que, progressivamente, as margens da lesão vão
ficando mais nítidas, o exsudato e a vitreíte diminuem, até que resta uma zona
central amorfa, elevada, de cor cinza ou marrom. Depois de um período variável
de tempo, ocorre a pigmentação, sobretudo nas margens da lesão. A intensidade
da pigmentação dentro ou ao redor da lesão pode refletir a extensão do dano ao
estrato pigmentoso da retina (EPR) durante a fase ativa da doença (Smith &
Cunningham, 2002; Holland, 2004). A área de cicatriz frequentemente é menor do
que a área de retina inflamada durante o estágio agudo da doença (Holland,
2004).
Manifestações
atípicas
compreendem
lesões
largas,
eventualmente
múltiplas e ou bilaterais simulando necrose retiniana aguda. Essa forma de
apresentação é mais comum em pacientes idosos ou imunocomprometidos
(Holland et al., 1988). Outras apresentações atípicas incluem: forma punctata
externa; neurorretinite; neurite; forma pseudomúltipla; esclerite; reação vítrea
intensa sem lesão focal em atividade; uveíte anterior isolada (Bosch-Driessen et
al., 2002; Hovakimyan & Cunningham, 2002; Labalette et al., 2002; Smith &
Cunningham, 2002; Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Na infecção adquirida, uma
inflamação intra-ocular transitória sem sinais de retinite na fase aguda foi relatada
18
e pode representar a infecção intra-ocular inicial do parasita que pode ser
acompanhada, posteriormente, de acometimento da retina (Holland, 1999).
As diferentes manifestações da doença, provavelmente, se devem a
combinação de fatores do hospedeiro, parasita e meio ambiente. Pacientes
imunocomprometidos têm risco maior de doença mais grave. A idade influencia,
pois tanto a prevalência quanto a gravidade da doença aumentam com a idade. O
genótipo do parasita também pode ser um fator determinante, particularmente, nos
pacientes imunocomprometidos.
Complicações como irite granulomatosa, pressão intra-ocular elevada,
oclusões vasculares, descolamento de retina seroso ou regmatogênico, entre
outras, podem dificultar o diagnóstico correto da toxoplasmose ocular (Rothova,
2003).
2.7 Manifestações clínicas da Toxoplasmose congênita
A toxoplasmose congênita pode apresentar-se como uma entre quatro
formas clínico-evolutivas: infecção subclínica (assintomática), doença sistêmica ou
neurológica ao nascimento, doença grave ou leve nos primeiros meses de vida e
seqüelas ou recidivas de infecção prévia não diagnosticada. As manifestações
clínicas
são
variadas,
hepatoesplenomegalia,
podendo
icterícia,
surdez,
ocorrer
hidrocefalia,
microcefalia,
exantema petequial, calcificações
intracranianas, microftalmia, retinocoroidite, estrabismo, nistagmo, catarata e
glaucoma (Remington et al., 2005)
A tétrade de Sabin é caracterizada por hidrocefalia ou microcefalia, retardo
psicomotor, calcificações intracranianas e retinocoroidite. Como o retardo
psicomotor é uma manifestação mais tardia da doença, alguns autores chamam a
19
tétrade de Sabin de tríade de Sabin que é caracterizada por hidrocefalia,
calcificações intracranianas e retinocoroidite (Remington et al., 2005). Ela ocorre
em apenas 10 a 15% dos casos. Nas formas mais graves é habitual o
envolvimento de outros órgãos podendo ocorrer pneumonia, miocardite, colestase,
anemia, trombocitopenia, meningoencefalite e anormalidades liquóricas (Lynfield
& Guerina, 1997).
A maioria das crianças com toxoplasmose congênita é assintomática ao
nascimento (70 a 90%) e a maior parte delas (65 a 85%), vai desenvolver
seqüelas durante a infância, adolescência e início da vida adulta (Wilson et al.,
1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al., 1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999;
Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003; Safadi et al., 2003; Many & Koren, 2006).
A retinocoroidite é a manifestação mais comum da doença e sua principal
seqüela. Estima-se que em países da Europa, a lesão de retinocoroidite é
observada logo após o nascimento em 10% das crianças infectadas e novas
lesões poderão aparecer em qualquer idade (Gilbert et al., 2007; Tan et al., 2007).
Mesmo crianças tratadas adequadamente com medicação específica durante todo
o primeiro ano de vida poderão desenvolver lesão ocular tardia (McAuley et al.,
1994; Gras et al., 2001). Na América do Sul as lesões de retinocoroidite são mais
comuns e mais graves devido à maior virulência dos parasitas (Gilbert &
Dezateux, 2006; Gomez-Marin & dela Torre, 2007).
Estudos com modelos experimentais para a toxoplasmose ocular têm
demonstrado a presença de cistos intra-retinianos de T.gondii com potencial para
lesão ocular tardia e recorrência (Gazzinelli et al., 1994; Pavesio et al., 1995). Os
cistos de T. gondii podem estar presentes até mesmo em retinas aparentemente
normais ao exame do fundo de olho (Brezin et al., 2003).
20
Koppe et al (1986) seguiram de maneira prospectiva 11 recém-nascidos
com toxoplasmose congênita. Desses, quatro (36,6%) apresentavam doença
retiniana ao nascimento. Depois de 20 anos de seguimento, 82% dos infectados
tinham evidência de retinocoroidite (Koppe et al., 1986). Achados similares foram,
anteriormente, observados por Wilson et al (1980) que seguiram 13 crianças com
infecção sub-clínica ao nascimento e no período de seguimento ao longo dos
anos, 11 (84,6%) apresentaram retinocoroidite (Wilson et al., 1980).
Apesar dos autores acima ressaltarem o aparecimento de lesão ocular
tardia nas crianças com toxoplasmose congênita, evidências obtidas á partir de
alguns estudos mostram, de maneira consistente, que o aparecimento da lesão
ocular após os dois anos de idade, em crianças sem lesão prévia descrita, é
incomum e pode representar uma falha na detecção dessas lesões nos exames
anteriores: 1/20 crianças após dois anos de idade em alguns estudos de coorte
(Guerina 1994; Lappalainen et al. 1995a; Lebech et al. 1999); 3/9 crianças após
seis anos de idade por Koppe et al (1986); 2/54 pacientes seguidos por 1-5 anos
por Mets et al (1997); 2/49 crianças depois de dois anos de idade e seguidas por
2-11 anos por Couvreur et al (1984) e 2/37 crianças depois dos 10 anos de idade
por Peyron et al (1996).
Recentemente, um estudo experimental para a toxoplasmose congênita
realizado em fêmeas grávidas de camundongos C57BL/6 mostrou que os
embriões infectados pelo T.gondii desenvolveram retinocoroidite antes mesmo do
nascimento. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da
toxoplasmose congênita não é uma manifestação tão tardia da doença e que o
olho é afetado logo nas fases iniciais da infecção (Tedesco et al., 2007).
21
Na retina, a infecção congênita pode levar a formação de áreas brancas de
retinocoroidite focal necrótica, uni ou bilaterais, localizadas principalmente na
mácula (Bosch-Driessen et al., 2002). A predileção do parasita pelo polo posterior
na toxoplasmose congênita está associada ao fato de que essa região se torna
vascularizada muito cedo no processo de desenvolvimento ocular e apesar da
mácula ser avascular, ela obtém seu suprimento sanguíneo de arteríolas terminais
que formam um grande plexo capilar em torno dela. Como o T. gondii atinge o
olho, provavelmente, pela rota hematogênica, a presença do parasita nos
capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento da infecção nessa delicada
região do olho (Fiona et al., 2001).
As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes, simples
ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de retinocoroidite
adjacentes. Altas taxas de acometimento bilateral são descritas na toxoplasmose
congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Wallon et al., 2004; Kodjikian et
al., 2006) e o envolvimento ocular é mais freqüente em associação à doença
neurológica (95%) do que à doença disseminada (66%) (Remington et al., 2005).
Outras alterações oculares podem estar presentes tais como o estrabismo,
catarata, glaucoma e nistagmo, geralmente associados à retinocoroidite macular
bilateral.
Devido à imaturidade do sistema imunológico do recém-nascido, a vitreíte e
a presença de sinais inflamatórios no segmento anterior do olho podem ser
discretas ou até mesmo estar ausentes (Velilla et al., 2006; Levy, 2007; Petrova &
Mehta, 2007)
Guerina et al (1994) identificaram pela triagem neonatal em Massachusetts
(janeiro de 1986 - junho de 1992) e New Hampshire (julho de 1988 - junho de
22
1992), 50 crianças com toxoplasmose congênita. O exame oftalmológico foi
realizado no período neonatal em 48 delas. Lesão ocular ativa foi constatada em
2/48 (4%) e cicatriz de retinocoroidite em 7/48 (15%). Das nove crianças com
retinocoroidite, sete apresentavam lesão macular. O seguimento ocular de 39
crianças, tratadas no primeiro ano de vida, até seis anos de idade mostrou o
aparecimento de nova lesão ocular, em quatro (10%) (lesão macular em uma e
cicatrizes retinianas pequenas em três).
Um
estudo
toxoplasmose
prospectivo
congênita
longitudinal
tratados
com
de
76
pirimetamina
recém-nascidos
e
sulfadiazina
com
por
aproximadamente um ano e, 18 indivíduos não tratados durante o primeiro ano de
vida mostrou que a cicatriz de retinocoroidite foi o achado mais comum, com
predomínio de lesões na mácula. A cicatriz macular estava presente em 54% dos
pacientes tratados (41% bilaterais) e em 76% dos pacientes não tratados (23%
bilaterais). Estrabismo ocorreu em 34% dos casos, microftalmia em 13%, catarata
em 9% e nistagmo em 26% (Mets et al., 1997).
Sáfadi et al (2003), acompanharam por um período de cinco anos, 43
crianças com toxoplasmose congênita, no Hospital da Santa Casa de São Paulo.
Eles observaram uma prevalência de infecção subclínica ao nascimento de 88%.
Das 43 crianças, 22 (51%) desenvolveram manifestações neurológicas e 41 (95%)
apresentaram retinocoroidite. Das alterações oculares associadas, o estrabismo
foi a mais freqüente (49%). Microftalmia ocorreu em apenas 9,3% dos casos
(Safadi et al., 2003).
Wallon et al (2004) seguiram por um período de 14 anos, em um hospital
de Lyon na França, 327 crianças diagnosticadas com toxoplasmose congênita. A
lesão de retinocoroidite foi identificada em 79 delas (24%). Apenas nove crianças
23
(3%) apresentavam lesão ocular no primeiro mês de vida e 38 (12%)
desenvolveram pelo menos uma lesão durante o primeiro ano. Metade das lesões
oculares iniciais foi diagnosticada ao longo do primeiro ano de vida. A
retinocoroidite foi a principal seqüela da toxoplasmose congênita nessas crianças.
Schmidt et al (2006) avaliaram os resultados dos primeiros quatro anos do
programa nacional de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita realizado
na Dinamarca. Foram identificadas 55 crianças com a doença e 47 foram
submetidas ao exame oftalmológico. Aproximadamente 14,9% (7/47) possuíam
lesões retinianas ao nascimento (todas na região macular); 23,5% (8/34) com um
ano de idade e 25% (4/16) com três anos de idade. Calcificação intracraniana foi o
principal achado neurológico (10/47) e em metade dos casos, ela estava
associada à lesão de retinocoroidite.
Em outro estudo prospectivo longitudinal, 430 crianças com sorologia
positiva
para
a
toxoplasmose
congênita
foram
acompanhadas
por
aproximadamente 12 anos. A lesão de retinocoroidite foi detectada em 130
crianças (30,2%), sendo 22 focos de retinocoroidite diagnosticados ao nascimento
(18 crianças) e 264 durante o seguimento. As lesões detectadas ao nascimento
estavam localizadas principalmente na região macular e a alteração ocular mais
frequentemente associada à retinocoroidite, nesses casos, foi o estrabismo.
Manifestações neurológicas foram observadas em 16 crianças sem lesão ocular e
em 25 com lesão ocular (Kodjikian et al., 2006).
Outros estudos, também evidenciaram a retinocoroidite como principal
manifestação da toxoplasmose congênita e o estrabismo com principal alteração
ocular associada (Bahia, 1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Villena
et al., 1998b; Vutova et al., 2002).
24
Na toxoplasmose congênita, o espectro das manifestações neurológicas é
variado, e como já foi dito, é mais freqüente nas crianças com lesão ocular. Na
doença com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de
retinocoroidite é de 94,4%, quando as lesões neurológicas são discretas ou
ausentes, a incidência de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005).
Os sinais neurológicos freqüentemente aparecem entre três e 12 meses de vida e
os sintomas neurológicos raramente se desenvolvem após o primeiro ano.
As lesões cerebrais causadas pelo toxoplasma são: inflamação de
meninges e áreas de necrose cerebral e meníngea. Os locais geralmente mais
acometidos pela necrose são: o parênquima cerebral, os gânglios da base e a
região do aqueduto de Sylvius (Diebler et al., 1985). Ao nascimento, é possível a
detecção de calcificações das áreas de necrose e isso ocorre, provavelmente,
pelo número insuficiente de fagócitos capazes de remover os debris inflamatórios
(Mussbichler, 1968; Patel et al., 1996).
A forma e a localização das calcificações intracranianas podem variar de
acordo com o tempo da infecção materna: massas grandes e densas no gânglio
basal se a infecção ocorrer antes da vigésima semana de gestação, pequenas e
redondas em torno dos ventrículos laterais se a infecção ocorrer entre a vigésima
e trigésima semana e calcificações pequenas e disseminadas no parênquima
cerebral (mais freqüentes) se a infecção ocorrer em qualquer época da gestação,
mas principalmente a partir da trigésima semana (Diebler et al., 1985).
A
presença
de
calcificações
intracranianas
não
tem
mostrado
associação com deficiência de aprendizagem (Figueiredo et al., 1989) e a
presença de calcificações nodulares disseminadas não sugere, necessariamente,
25
um pior prognóstico e podem melhorar ou até mesmo desaparecer com o
tratamento específico para a toxoplasmose (Patel et al., 1996).
Entre as mais comuns manifestações do sistema nervoso central está a
hidrocefalia que pode aparecer ao nascimento ou logo após. Geralmente é
progressiva, por isso a importância do monitoramento do crescimento cefálico.
A microcefalia reflete dano cerebral grave e pode resultar em retardo
mental, mas crianças com microcefalia também podem se desenvolver
normalmente (Remington et al., 2001; Remington et al., 2005)
Em um estudo, foi avaliada a freqüência e o tipo de alterações tomográficas
cerebrais em pacientes com diagnóstico de toxoplasmose congênita, que
apresentavam alterações oftalmológicas. As lesões cerebrais radiologicamente
mais freqüentes foram as calcificações intracranianas, presentes em 16 pacientes
(72,7%). Dentre esses, nove (56,2%) possuíam apenas calcificações e sete
(43,75%) apresentavam-nas em conjunto com outro tipo de alteração neurológica.
A dilatação ventricular foi a segunda alteração mais freqüentemente encontrada
(11,7%) (Melamed et al., 2001).
2.8 A resposta imune ao Toxoplasma gondii
2.8.1 Imunidade inespecífica
As respostas imunes de um hospedeiro ao T. gondii são complexas e
envolvem precocemente a ativação de mecanismos de imunidade inespecífica.
Estudos em camundongos sugerem que o controle da infecção aguda causada
pelo toxoplasma, deflagra inicialmente uma resposta inata, seguida por uma
resposta adquirida antígeno-específica, que é particularmente crítica para a
26
resolução da infecção por taquizoítos (Johnson & Sayles, 1997; Alexander &
Hunter, 1998).
Os taquizoítos ativam células como macrófagos e “natural killer” (NK). Os
macrófagos humanos são fagócitos com função, não só de apresentação de
antígenos, através do HLA classe II, mas também de secretar mediadores como o
interferon-gama (IFN-y), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa, “Tumor Necrosis
Factor- alfa”), o fator estimulador de colônia de granulócitos-macrófagos (GM-CSF,
“grnulocyte-monocyte colony-stimulating factor”), a interleucina-12 (IL-12) e a
interleucina-15 (IL-15). Já as células “natural killer” (NK) representam um
subconjunto de células derivadas da linhagem linfocitária com função citotóxica e
que secretam citocinas, principalmente o IFN-Y, sendo de grande importância na
defesa contra vírus e outros patógenos intracelulares.
A ativação inicial das células NK e dos macrófagos pelo T. gondii é
importante para o estabelecimento da resistência inespecífica que atuará
rapidamente no sentido de reduzir o número de taquizoítos, mesmo antes do
desenvolvimento da resposta imune específica. Ao mesmo tempo, a ativação das
células NK une a atividade dos mecanismos imunes inatos com mecanismos
antígeno- específicos (Bliss et al., 1999), pelo estabelecimento de uma rede de
citocinas necessárias para responder à infecção pelo T. gondii associada à ação de
apresentação de antígenos, a ser realizada por macrófagos, células dendríticas (as
células dendríticas, derivadas da medula óssea, são as células apresentadoras de
antígenos mais eficientes e para isso, expressam moléculas dos antígenos
leucocitários humanos –HLA tanto da classe I quanto da II) e células hospedeiras
infectadas (Wilson & Lewis, 1990).
27
2.8.2 Imunidade específica
2.8.2.1 Imunidade celular
A imunidade mediada por células ou imunidade específica é desenvolvida
por linfócitos T originados no timo, responsáveis principalmente pela defesa contra
patógenos intracelulares obrigatórios, com a função de promover a sua destruição
ou a lise das células infectadas (Haynes & Heinly, 1995). Essas ações são
realizadas tanto da forma direta quanto da forma indireta, por secreção de
citocinas. Os linfócitos T se subdividem em linfócitos T alfa-beta e linfócitos T
gama-delta (Robey & Fowlkes, 1998).
Apenas 5% do total dos linfócitos T no organismo são representados pelos
linfócitos T gama-delta que são encontrados em maior concentração em regiões
específicas, como a mucosa intestinal e placenta (Scalise et al., 1992). Uma
hipótese bem fundamentada para a ação desses linfócitos T propõe que eles
poderiam reconhecer antígenos encontrados nos limites epiteliais, entre o
hospedeiro e o ambiente externo. Neste caso, eles iniciariam uma primeira linha de
defesa contra patógenos invasores, antes mesmo do recrutamento dos linfócitos T
alfa-beta mais específicos. A resposta das células T gama-delta, observadas em
certas infecções, inclusive contra patógenos intracelulares, como T. gondii, em
humanos e em camundongos poderiam acontecer independentemente do
reconhecimento dos patógenos (Wilson & Lewis, 1990).
Os
linfócitos
T
alfa-beta
são
mais
numerosos,
representando
aproximadamente 95% do total de linfócitos e seus receptores estão envolvidos no
reconhecimento de antígenos (Tanchot et al., 1997). Para a sua ativação, outros
sinais são requeridos, envolvendo moléculas acessórias que facilitam as interações
com as células apresentadoras de antígenos (APCs) ou com células alvos. Duas
28
dessas moléculas são denominadas de co-receptoras, CD4 e o CD8, que
subdividem, respectivamente, os linfócitos T em dois conjuntos: as células T CD4+,
que representam 65% dos linfócitos T alfa-beta e as células T CD8+, que
representam 35% dos linfócitos T alfa-beta (Tanchot et al., 1997).
Ambos os linfócitos T alfa-beta CD4+ e CD8+ participam de forma
associativa e complementar na imunidade celular específica contra os patógenos
intracelulares incluindo o T. gondii e outros (De Paoli et al., 1992). Células T CD8+
efetoras citotóxicas (CTL) são capazes de lisar células alvos infectadas, mas para
a geração das células T CD8+ efetoras é requerida a participação de células T
CD4+ auxiliares ou “helper” (Gazzinelli et al., 1991). Dessa reação específica,
formam-se células de memória, tanto para as células T CD4+, quanto para as
células T CD8+.
De acordo com o ambiente propiciado por citocinas produzidas logo após o
contato com o antígeno, os linfócitos T CD4+ ainda não estimulados são
influenciados por essas citocinas diferenciando-se em células Th1 (T “helper”1) ou
em células Th2 (T “helper”2), com cada subconjunto passando a produzir um perfil
diferente de citocinas (Mosmann et al., 1986). Os linfócitos T CD4+ Th1 induzem a
imunidade celular protetora contra patógenos intracelulares e produzem citocinas
IL-12 e IFN-gama, importantes para a diferenciação e proliferação de macrófagos e
células NK, mas também para estimular o aumento de produção de
imunoglobulinas IgG2a/IgG em camundongos. Os linfócitos T CD4+ Th2 são mais
eficientes em induzir a imunidade humoral (Mosmann, 1991) e produzem
principalmente as citocinas IL-4, IL-5, IL-6 e IL-10, que irão coordenar funções
como a regulação da produção de IgE, da eosinofilia e da mastocitose (Toellner et
al., 1998).
29
A IL-12 estimula a diferenciação de linfócitos T CD4+ em linfócitos T CD4+
Th1 (Trinchieri, 1993). Além disso, foi observado que o IFN-gama é um potente
inibidor da diferenciação de linfócitos T CD4+ em linfócitos T CD4+ Th2 (Gajewskl
& Fitch, 1988). Dessa forma, patógenos como o T. gondii, que estimulam
macrófagos e células NK a produzirem IFN-gama, induzem respostas dominadas
por
linfócitos
T
CD4+
Th1
tendendo,
portanto,
para
uma
imunidade
predominantemente do tipo celular (Mosmann, 1991; Roberts & McLeod, 1999).
Cada subconjunto de linfócitos T CD4+ Th1 ou T CD4+ Th2, através da
produção de citocinas é capaz de inibir reciprocamente a diferenciação e o
crescimento de células e da produção de citocinas específicas do outro
subconjunto. Essa regulação cruzada provê a base para o entendimento das interrelações entre resposta imune celular e humoral (Gazzinelli et al., 1993; Trinchieri,
1993).
Diante de tudo isso, tem sido demonstrado que os mecanismos específicos
imunes mediados por células desempenham um papel de destaque na resistência
à infecção pelo T. gondii (Reyes & Frenkel, 1987) e são fundamentais no controle
dessa infecção (Gazzinelli et al., 1993).
Sob a ação da imunidade celular, os T. gondii, que na fase aguda da
toxoplasmose se encontram principalmente na forma de taquizoítos, são
destruídos, enquanto outros na forma de bradizoítos formam cistos teciduais.
Nesses cistos, localizados dentro das células hospedeiras, ficam protegidos da
ação do sistema imune durante a fase crônica da doença e quando deixam esses
locais, os parasitas são prontamente eliminados pela imunidade já estabelecida
(Gazzinelli et al., 1993).
30
Em um estudo, os autores analisaram a resposta imune entre pacientes com
toxoplasmose adquirida e toxoplasmose congênita. Pacientes com toxoplasmose
ocular adquirida secretam maiores quantidades de interleucina 1 e fator de necrose
tumoral alfa. Os dados mostraram também, que a resistência à infecção pode estar
ligada à habilidade de secretar altos índices de IL12 (interleucina 12). Foi muito
significativo, o resultado dos pacientes com toxoplasmose congênita que
apresentaram uma menor resposta proliferativa de linfócitos. Eles secretavam
menos interleucina 2 e IFN gama do que os pacientes com diagnóstico de
toxoplasmose ocular adquirida. A diminuição da resposta ao toxoplasma na
toxoplasmose congênita sugere que as células T específicas para T. gondii podem
ter sido anergizadas ou destruídas através da exposição aos antígenos do
toxoplasma no período pré-natal. Os achados foram importantes porque mostram
testes de laboratório que podem diferenciar a toxoplasmose adquirida da congênita
e sugerem que o mecanismo que envolve o desenvolvimento da lesão ocular
possa ser diferente nas duas formas da doença, apesar da aparência semelhante
no aspecto patológico (Yamamoto et al., 2000).
2.8.2.2 Imunidade humoral
Os anticorpos são a primeira linha de defesa contra o T.gondii e atuam
sobre os taquizoítos liberados após a lise de uma célula infectada. Ativam a via do
complemento, promovem a opsonização dos parasitas e aumentam a atividade
fagocitária dos macrófagos (Roberts & McLeod, 1999). Dentro de duas semanas
após o início da infecção, já são detectados anticorpos IgM, IgA e IgE contra o
T.gondii. Produção de anticorpos IgA nas superfícies mucosa parece oferecer
proteção contra uma reinfecção (Montoya, 2002; Montoya & Rosso, 2005).
31
2.9 Diagnóstico
O diagnóstico da toxoplasmose ocular é normalmente realizado pelo exame
oftalmológico e se baseia no encontro de apresentações clínicas variadas
compatíveis com a infecção da retina pelo toxoplasma (diagnóstico presumível)
(Assis et al., 1997), mas a infecção pelo T.gondii pode ser diagnosticada de
maneira direta (diagnóstico de certeza), através da técnica de PCR para
identificação de antígenos do parasita, isolamento do parasita em tecidos,
histologia e, de maneira indireta, através da sorologia.
2.9.1 Detecção Direta
A identificação do parasita pode ser obtida a partir da inoculação do material
infectado a ser estudado, por via intraperitoneal, em camundongos, com posterior
observação de soroconversão nesses animais e de cistos em seus cérebros. Outra
forma direta de investigação diagnóstica é a cultura do material a ser examinado
em fibroblastos humanos ou outras linhagens de células.
A detecção do parasita ou de seu DNA nos fluídos intra-oculares e a
evidência da produção de anticorpos específicos contra o toxoplasma dentro do
olho (coeficiente de Witmer-Desmonts) estão sendo utilizados com grande sucesso
para confirmar o diagnóstico da toxoplasmose ocular (Montoya et al., 1999;
Garweg et al., 2000). Recentemente, um grupo de investigadores da Índia avaliou a
eficácia do PCR e do uso do coeficiente de Witmer-Desmonts em fluídos intraoculares, para o diagnóstico da toxoplasmose ocular e encontraram uma
especificidade de 100% para ambos os exames e uma sensibilidade de 72,7% e
59,1%, respectivamente (Mahalakshmi et al., 2006). Os pacientes com doença
ocular na toxoplasmose adquirida são mais velhos e mais frequentemente positivos
32
quando se pesquisa a presença de DNA do T.gondii nos fluídos intra-oculares
(Ongkosuwito et al., 1999)
Além dos fluídos intra-oculares, os antígenos parasitários podem ser
identificados pela técnica de reação em cadeia de polimerase (PCR) no sangue,
líquido amniótico, líquor, tecido cerebral e placenta.
2.9.2 Detecção indireta
Na avaliação sorológica são utilizados os anticorpos das classes IgM, IgG,
IgA e IgE. Os principais exames utilizados são: reação de Sabin Feldman (IgG),
imunofluorescência para o IgG e IgM, os teste imunoenzimáticos ELISA e ELFA
para o IgG, IgM, IgA e IgE, os testes de captura para o IgM, reação de
hemaglutinação e fixação de complemento, os testes de avidez de IgG.
•
A reação de Sabin Feldman é considerada, ainda hoje, como padrão ouro
para os demais testes devido a sua alta especificidade e sensibilidade. Esse
teste mede os anticorpos IgG cujos títulos são detectáveis uma a duas
semanas após a aquisição da infecção e atingem um pico máximo em seis a
oito semanas para depois ir declinando gradualmente ao longo de meses ou
anos. Títulos baixos de anticorpos IgG podem ser detectados pelo resto da
vida do infectado (Wong & Remington, 1994). Recomenda-se que esse teste
seja realizado em um laboratório de referência utilizando-se um soro padrão
determinado pela OMS (Camargo, 1989; Beazley & Egerman, 1998)
•
O teste de imunofluorescência indireta detecta anticorpos IgM e IgG. A
principal desvantagem desse teste é a freqüência de reações falso-positivas
e falso-negativas. A presença de fator reumatóide positivo no sangue, que
ocorre em pacientes com artrite reumatóide e, eventualmente, em grávidas
33
pode ser responsável por resultados falso-positivos de IgM (Beazley &
Egerman, 1998).
•
O ELISA tem como base uma reação em que a enzima é ligada ao seu
substrato hidrolisado mais uma anti-imunoglobulina humana. O produto é
capaz de desenvolver cor ou fluorescência, cuja intensidade é lida com um
espectrofotômetro (fluorômetro). A quantidade de anticorpos é diretamente
proporcional à intensidade da cor (ELISA) ou da fluorescência (ELFA). Tanto
o ELFA como o ELISA podem detectar anticorpos IgG, IgM, IgA e IgE
(Beazley & Egerman, 1998). O ELISA-IgM é mais sensível e específico que
a imunofluorescência IgM. Em virtude de sua alta sensibilidade, detecta
anticorpos IgM por muitos meses após a fase aguda, tirando-lhe o valor de
marcador de infecção recente (Lynfield & Guerina, 1997).
•
Testes de captura de IgM eliminam resultados falsos, pois utilizam o soro
com anticorpos contendo anti-globulinas que se deseja capturar. O produto
final destas reações pode ser mensurado pela cor (ELISA), pela
fluorescência (ELFA) e pela aglutinação (ISAGA).
•
O ISAGA (Imunosorbent agglutination assay) permite a detecção simultânea
de anticorpos IgM e IgA anti-toxoplasma. Tem alta sensibilidade e
especificidade. Permite o diagnóstico precoce da toxoplasmose congênita e
contribui para o diagnóstico da infecção recente em mulheres grávidas.
•
A reação de hemaglutinação testa tanto IgG quanto IgM e é considerada de
baixo custo em relação as demais, mas não é um bom teste para ser
aplicado em infecções congênitas (Jacobs & Lunde, 1957; Camargo et al.,
1989).
34
•
A reação de fixação de complemento se torna positiva três a seis semanas
após o início da infecção, mas não permanece positiva por muito tempo.
Não é um bom teste para detectar infecção recente (Camargo, 1989).
•
O teste de avidez de IgG: a avidez corresponde a força de ligação entre um
antígeno e um anticorpo a qual aumenta progressivamente com o passar do
tempo ou seja, anticorpos de baixa avidez (<30%) são produzidos nos
estágios iniciais da infecção (três meses ou menos), enquanto que aqueles
com alta avidez (>60% ou mais) são mais característicos de infecção em
fase crônica (mais de quatro meses) (Lappalainen et al., 1995a; Lappalainen
et al., 1995b).
A pesquisa de anticorpos na toxoplasmose tem como objetivo definir o
diagnóstico, mas principalmente, determinar a época em que ocorreu a infecção
(Camargo, 1989). A presença de anticorpos IgG demonstra apenas que houve
infecção e, portanto, informa sobre a imunidade. Títulos abaixo de 1/1024 indicam
fase crônica ou podem representar infecção muito recente, caso os níveis de
anticorpos estejam em ascendência. Sendo assim, deve-se repetir o exame após
15 dias e verificar se houve ascendência do título ou se ele se manteve estável.
Títulos acima de 1/1024, geralmente acompanhados de IgM positiva, indicam
infecção aguda.
A IgG presente no primeiro mês de vida pode ser de transferência materna,
sua meia-vida é de 28 dias e seus níveis caem rapidamente no lactente não
infectado.
O teste de avidez de IgG pode ajudar na definição da época em que ocorreu
a
infecção.
A
baixa
avidez
nem
sempre
indica
infecção
recente
35
(imunocomprometidos podem ter anticorpos com baixa avidez), mas a alta exclui
infecção primária nos últimos cinco meses (Ashburn et al., 1998a; Ashburn et al.,
1998b).
Os anticorpos IgM são indicativos de infecção recente e não sinal de
reinfecção e são produzidos antes dos anticorpos IgG e IgA. Normalmente se
desenvolvem precocemente, dentro de uma a duas semanas após a infecção, com
pico máximo em um a dois meses e queda após o oitavo mês, embora haja
descrição de persistência por até 31 meses (Janitschke et al., 1989). A persistência
ou a recorrência de IgM na infecção congênita, também já foram descritas (Sibalic
et al., 1990). Toda IgM na circulação de neonatos é considerada de origem fetal,
pois ele não atravessa a barreira placentária. Utilizando-se a técnica ELFA para a
dosagem de IgM observou-se que índices superiores a 0,65 são indicativos de
infecção recente (sensibilidade de 80%) (Remington et al., 2005).
Os anticorpos IgA aumentam precocemente na toxoplasmose, são
detectados no final da primeira semana, atingem um pico máximo em dois meses e
declinam rapidamente logo em seguida. A IgA tem sua utilidade como
complementação no diagnóstico da toxoplasmose em gestantes com IgM positiva,
pois permanecem circulantes por um período inferior aos anticorpos IgM,
auxiliando na diferenciação entre infecção recente e passada (Camargo, 1989). A
IgA não atravessa a placenta e é mais sensível no diagnóstico da toxoplasmose no
feto e recém-nascido do que a dosagem de IgM. Nem todo recém-nascido
infectado apresenta anticorpo da classe IgM, desta forma na suspeita de infecção
congênita com IgM negativo deve-se repetir esse exame um a dois meses após o
nascimento e se possível, dosar IgA (Ashburn et al., 1998b).
36
A IgE também é detectada precocemente na infecção, parecem ser os
primeiros anticorpos produzidos, no entanto, estarão presentes por um período
inferior a quatro meses (Ashburn et al., 1998b).
2.10 Diagnóstico pré-natal
Tradicionalmente, a triagem pré-natal para a toxoplasmose tem sido
realizada na França (Jeannel et al., 1988a; Jeannel et al., 1988b) e na Áustria
(Aspock & Pollak, 1992), mas já existem projetos semelhantes na Finlândia
(Lappalainen et al., 1992), Noruega (Stray-Pedersen & Lorentzen-Styr, 1979),
algumas partes da Suécia (Ahlfors et al., 1989) e Alemanha (Krausse et al., 1993).
No Brasil, a triagem pré-natal para a toxoplasmose é sugerida como política pública
não obrigatória.
Seu objetivo é detectar a infecção aguda na gestante e selecionar as
mulheres suscetíveis para assim, reforçar as orientações profiláticas. Além disso, o
tratamento pré-natal, quando realizado precocemente, pode reduzir a incidência de
seqüelas graves, ao nascimento, e prevenir o desenvolvimento de seqüelas futuras
(Foulon et al., 1999; Foulon et al., 2000). Pode também, reduzir a transmissão
materno-fetal da infecção (Thiebaut et al., 2007).
A infecção materna é sub-clínica, na grande maioria dos casos e os
métodos sorológicos formam a base para o seu diagnóstico. A soroconversão de
IgM/IgG negativos para positivos na gestação é o sinal mais importante de que a
gestante adquiriu a infecção. Na França, a recomendação é de que a gestante nãoimune faça a sorologia para a toxoplasmose em todos os meses da gestação
(Thulliez, 1992). Na Áustria, o controle sorológico é trimestral (Aspock & Pollak,
1992).
37
Contudo, o encontro de anticorpos específicos, IgM positivos, no primeiro
trimestre da gravidez, pode se tornar um problema diagnóstico já que níveis baixos
de anticorpos IgM podem ser detectados no sangue, por exames de alta
sensibilidade, anos depois de uma infecção aguda (Petersen, 2007). Esse
resultado deixa dúvidas com relação à época em que a gestante adquiriu a
infecção, se antes ou após a concepção. O problema pode ser parcialmente
resolvido
obtendo-se
amostras
sanguíneas
seriadas
para
verificação
do
desenvolvimento da resposta imune pela paciente. É sabido que anticorpos IgG
específicos são produzidos nas primeiras oito semanas após a aquisição da
infecção e depois desse período, são mantidos em níveis altos, com ou sem o
declínio do IgM (Liesenfeld et al., 1997; Liesenfeld et al., 2001). A dosagem de IgA
também poderia ser utilizada. Gestantes positivas para o IgM e negativas para a
IgA, provavelmente, apresentaram infecção por toxoplasmose há mais de três
meses. Alguns indivíduos podem nunca produzir IgA ou estes anticorpos podem
permanecer elevado por tempo indeterminado prejudicando a interpretação dos
exames. O aparecimento de IgA já foi descrito após transplante de órgãos (Pinon
et al., 1995) e em grávida imunocompetentes previamente positivas para a IgG,
sem sinais de reinfecção (Fortier et al., 1991; Gavinet et al., 1997).
Para Petersen (2007), a melhor estratégia para o diagnóstico da infecção
aguda ou recente é a combinação da análise seqüencial do sangue por um exame
de alta sensibilidade para o IgM associada ao teste de avidez de IgG. Entretanto,
existem problemas com o teste de avidez. A maturação dos anticorpos IgG e
portanto sua avidez varia de maneira considerável entre os indivíduos (Jenum et
al., 1997). O sistema de análise utilizado e possivelmente o uso de tratamento são
fatores que também interferem na maturação da avidez (Lefevre-Pettazzoni et al.,
38
2006). Vários estudos mostram a persistência prolongada de anticorpos IgG com
baixa avidez (atraso na maturação dos anticorpos IgG) por mais de 6 meses após
a infecção, principalmente nas gestantes em tratamento, e isso cria um problema
diagnóstico (Hedman et al., 1989; Lappalainen et al., 1993; Petersen et al., 2005).
O uso de antígenos recombinantes poderá melhorar o teste de avidez de IgG
(Petersen et al., 2005).
Interpretação dos exames na gestante (Lopes et al., 2007);
•
Anticorpos IgM negativo e IgG positivo (primeiro trimestre): provável
infecção antiga (gestante imune);
•
Anticorpos
orientações
IgM
e
IgG
profiláticas
negativos:
e
repetir
gestante
suscetível.
exames
Reforçar
mensalmente
ou
trimestralmente (no mínimo). Antecipar repetição da sorologia em caso
de gestante com linfadenomegalia, mal-estar e febre.
•
Anticorpos IgM positivo e IgG negativo: infecção inicial ou falso positivo.
Repetir sorologia após duas 2-4 semanas para confirmar a presença de
IgG. A persistência de IgM, na ausência de IgG nessa segunda amostra,
exclui o diagnóstico (IgM falso positivo).
•
Anticorpos IgM e IgG positivo: IgM residual ou infecção aguda. Realizar o
teste de avidez e pesquisa de IgA. Verificar aumento nos títulos em
amostras obtidas com intervalo de três semanas, analisadas em paralelo.
Uma vez detectada a infecção materna, as pacientes e seus médicos terão
que tomar decisões com relação à utilização de métodos invasivos para a detecção
da infecção fetal. Técnicas de diagnóstico molecular, como o PCR no líquido
amniótico, são consideradas como padrão ouro para o diagnóstico da infecção
intra-útero. Ela foi primeiramente sugerida para o diagnóstico fetal da toxoplasmose
39
congênita em 1990 (Grover et al., 1990). Na gestante, a pesquisa por PCR no
líquido amniótico pode ser realizada a partir da décima oitava semana de gestação
com poucas complicações (Hall et al., 1993; Johnson et al., 1993; Hohlfeld et al.,
1994). Atualmente, dá-se preferência a este tipo de exame ao invés da
cordocentese por apresentar menores riscos para o feto e por ser mais específico.
Os resultados podem ser obtidos em 24hs e a sensibilidade pode chegar a 100%
(Beazley & Egerman, 1998) embora, estudos subseqüentes indiquem que essa
sensibilidade é variável e depende da idade gestacional (Sensini et al., 1996;
Montoya et al., 2002). A sensibilidade desse exame é maior entre a 17-21 semanas
de gestação (93%) (Romand et al., 2001).
O exame de ultra-som também é importante para o diagnóstico fetal da
infecção congênita, pois facilita a detecção de hidrocefalia e calcificações
cerebrais. Ele deverá ser repetido, mensalmente, até o parto (Montenegro &
Rezende Filho, 2000), mas na maioria das vezes, não mostrará alterações (18,136,4%) (Couto et al., 2003).
2.11 Diagnóstico neonatal
A triagem neonatal através da identificação de anticorpos IgM específicos
para o toxoplasma foi primeiramente oferecida pelo programa de triagem neonatal
de New England, Massachusetts, em 1988. Nesse estudo, o sangue de 650.000
recém-nascidos foi obtido pela triagem neonatal e um, em cada 6.000 estavam
infectados, sendo a maioria, com infecção sub-clínica (Guerina et al., 1994). A
partir desse ano, programas de triagem neonatal para a toxoplasmose congênita
foram adotados na Dinamarca em 1992 (Schmidt et al., 2006), Polônia em 1994
40
(Paul et al., 2000), Porto Alegre-Brasil em 1995 (Neto et al., 2000) e Campos dos
Goytacazes-Brasil em 1999 (Bahia-Oliveira et al., 2001; Petersen et al., 2001).
O “teste do pezinho”, nome popular para triagem neonatal, é um teste
obrigatório por lei utilizado para a detecção de doenças metabólicas tais como a
fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito e pode ser realizado a partir do quinto dia
de vida. Além de ser um método fácil e acessível de exame, apresenta baixa
incidência de falso-positivos e falso-negativos e por isso, pode ser utilizado em
larga escala para a triagem neonatal da toxoplasmose congênita. A sensibilidade
varia conforme a idade gestacional da infecção materna, quanto mais precoce
menos freqüente são os resultados positivos.
Um estudo piloto realizado na Dinamarca, entre 1992-1996, mostrou que o
programa de triagem neonatal, baseado somente na detecção de anticorpos IgM
específicos para a toxoplasmose, foi capaz de identificar mais de 75% das crianças
infectadas cujas mães não foram tratadas na gravidez (Lebech et al., 1999).
Anticorpos IgM e IgA não atravessam a barreira placentária e por isso,
formam a base para a confirmação sorológica da infecção congênita. As melhores
técnicas para detecção de IgM são os testes de ELISA convencional e
principalmente os de captura: ELISA, ELFA e ISAGA, que detectam o anticorpo
específico em cerca de 80% dos casos. O teste de imunofluorescência para o
diagnóstico da toxoplasmose congênita somente detecta IgM em 25% dos casos
(Remington et al., 2005).
Em um estudo, os autores compararam a sensibilidade e especificidade dos
testes de IgA e IgM, realizados no sangue do cordão umbilical e sangue periférico,
de recém-nascidos infectados e controles negativos. Ambos os testes foram
considerados mais específicos no sangue periférico (IgM: 98%, IgA: 100%) do que
41
no sangue do cordão (IgM: 85%, IgA: 88%). A sensibilidade dos testes não foi
estatisticamente diferente no sangue periférico (IgM: 61%, IgA: 60%) e no sangue
do cordão (IgM: 67%, IgA: 54%). Combinando os testes de IgM e IgA a
sensibilidade aumentou para 73% sem alteração importante da especificidade
(98%). Ele conclui que a pesquisa de IgM e IgA permanece como a principal forma
de diagnóstico neonatal da toxoplasmose congênita, mas o acompanhamento de
casos suspeitos é essencial já que 25% das crianças infectadas não serão
diagnosticadas por esses exames logo após o nascimento (Wallon et al., 1999a).
Além disso, um número pequeno de crianças, infectadas antes da vigésima
semana da gestação, poderá ficar sem diagnostico devido ao declínio ou
desaparecimento desses anticorpos ao nascimento (principalmente anticorpos
IgM).
Na França, Bessieres et al (2001) desenvolveram estudo prospectivo entre
165 recém- nascidos de mães com infecção aguda, confirmadas após oito
semanas de gestação e tratadas de acordo com os protocolos usuais. A detecção
de IgM e IgA realizada em 42 soros de crianças infectadas permitiu o diagnóstico
em 34 casos (81%). Os anticorpos IgM foram mais freqüentemente detectados
quando a mãe soroconverteu no terceiro trimestre da gravidez, enquanto os da
classe IgA foram mais freqüentemente detectados quando a soroconversão
materna ocorreu no primeiro ou segundo trimestre. Os anticorpos IgM são
produzidos antes dos anticorpos IgG e IgA, portanto a IgM produzida, intra-útero,
nas infecções ocorridas durante a gestação precoce pode ter desaparecido ao
nascimento, enquanto a IgA produzida mais tardiamente ainda estava presente.
42
É provável que os programas de triagem neonatal baseados na detecção
somente de anticorpos IgM identifiquem infecções da segunda metade da gestação
(Schmidt et al., 2006; Petersen, 2007).
O tratamento prolongado, da mãe com toxoplasmose, também pode
encurtar ou diminuir a resposta do recém-nascido quanto a produção de IgM
(Lebech et al., 1999).
Como nem todos os neonatos infectados produzem níveis detectáveis de
anticorpos IgA e IgM, a abordagem recomendável consiste na combinação da
dosagem dos dois anticorpos que pode identificar mais de 75% dos casos
(Lappalainen & Hedman, 2004; Montoya & Liesenfeld, 2004).
O diagnóstico da toxoplasmose congênita ao nascimento torna-se difícil se
os anticorpos IgM e IgA não estiverem presentes pois os exames disponíveis não
são capazes de diferenciar se o anticorpo IgG presente no recém-nascido é
materno ou fetal. Nesses casos a opção é o acompanhamento dos níveis de
anticorpos IgG ao longo do primeiro ano de vida. A produção de IgG pela criança é
demonstrada a partir do segundo mês de vida, embora o tratamento possa retardar
essa resposta, para os seis meses (Stray-Pedersen, 1993). O lactente com a
infecção congênita apresenta inicialmente um declínio da IgG e subseqüente um
aumento progressivo antes do primeiro ano de vida (Camargo, 1989). O achado de
títulos de IgG quatro vezes maiores que os maternos são fortemente sugestivos de
infecção congênita (Remington et al., 2005).
A persistência de anticorpos IgG após os primeiros 12 a 18 meses de vida é
indicativa de infecção congênita já que a aquisição da toxoplasmose ao longo
desse primeiro ano é rara (Stray-Pedersen, 1993).
43
Já foi descrito que a criança infectada produz anticorpos IgG2 e IgG3
enquanto a transferência de anticorpos maternos é do tipo de IgG1. A análise das
subclasses de IgGs contra antígenos recombinantes do toxoplasma poderia ajudar
no diagnóstico desses casos (Petersen, 2007). A reação Western Blot é um teste
que identifica anticorpos IgG de origem fetal diferenciando-os dos maternos e está
em avaliação (Remington et al., 2005) .
Em resumo, confirma-se a infecção congênita:
ƒ
Se a IgM e/ou IgA estiverem positivas nos seis primeiros meses de vida
(excluindo a primeira semana de vida);
ƒ
Ocorrer elevação dos títulos de IgG nos primeiros 12 meses de vida, com ou
sem presença de sinais clínicos;
ƒ
A IgG mantiver-se persistentemente positiva durante os 12 primeiros meses
de vida, com ou sem sinais clínicos.
Exclui-se a infecção congênita:
ƒ
Se a criança apresentar sorologia negativa nos primeiros 12 meses de vida,
sem tratamento;
ƒ
Se a criança apresentar sorologia negativa no período de um a seis meses
após a interrupção do tratamento.
Uma vez confirmada à infecção congênita, através da sorologia, ou nos
casos suspeitos, o recém-nascido deverá ser submetido a exame físico pelo
pediatra, exame oftalmológico, auditivo e avaliação neurológica, incluindo punção
liquórica e exames de imagem tais como radiografia de crânio, ultra-som
transfontanela e tomografia computadorizada crânio-encefálica.
44
O líquor apresenta alterações em uma freqüência de três a 60%
dependendo do estudo. As principais alterações encontradas são a pleocitose
mononuclear e a hiperproteinorraquia. Até o momento não foi observada
associação entre a presença de alterações liquórica e a gravidade da infecção no
recém-nascido, nem a alteração liquórica se mostrou preditora de seqüelas
neurológicas (Wallon et al., 1998).
A
radiografia
de
crânio
mostra
calcificações
cerebrais
geralmente
generalizadas em 51-87% das crianças infectadas. Podem estar presentes ao
nascimento ou serem evidenciadas posteriormente, dentro do primeiro ano de vida.
A localização das calcificações nas meninges e no núcleo caudado tem sido
associada à pior prognóstico. A intensidade das calcificações intracranianas não
tem necessariamente relação direta com o prognóstico (Remington et al., 2005).
A ultra-sonografia pode mostrar calcificações e dilatação ventricular e é útil
para o acompanhamento da dilatação ventricular intra e extra-útero (Lago et al.,
2007).
A tomografia computadorizada foi considerada como o exame de maior
sensibilidade para detectar as alterações neuro-radiológicas na toxoplasmose
congênita (especialmente calcificações intracranianas e atrofia cortical com
dilatação ventricular). Ela pode demonstrar a presença de calcificações não vistas
na radiografia de crânio e na ultra-sonografia transfontanela e também é útil no
acompanhamento da atrofia cortical e da dilatação ventricular (McAuley et al.,
1994).
A triagem neonatal é uma opção atrativa na prevenção de seqüelas da
toxoplasmose congênita. É mais barata que a triagem pré-natal, evita a repetição
inconveniente de exames durante a gravidez, o risco da realização de métodos
45
invasivos de exames para o diagnóstico da infecção fetal, o uso prolongado de
antiparasitários e seus efeitos colaterais, assim como a interrupção desnecessária
da gestação. É mais vantajosa naqueles países onde a soroprevalência da doença
é baixa e, portanto, com baixo risco de transmissão materno-fetal (Lebech et al.,
1999). Além disso, a triagem neonatal é considerada importante já que o
tratamento específico e prolongado para a toxoplasmose nos recém-nascidos
infectados parece reduzir seqüelas oculares e neurológicas quando comparados
com controles históricos (McAuley et al., 1994; Mets et al., 1997).
Aproximadamente 21 países na Europa (dentre eles a Inglaterra), não
recomendam qualquer tipo de triagem para a toxoplasmose congênita (Bernard &
Salmi, 2006). Suas justificativas para tal comportamento são: custo-benefício
desfavorável, ausência de tratamento satisfatório, programas de screening caros e
baixa incidência da toxoplasmose no país.
2.12 Tratamento da Toxoplasmose ocular
O tratamento da toxoplasmose ocular tem como principais objetivos eliminar
a multiplicação dos parasitas e limitar o processo inflamatório intra-ocular evitando
ou, pelo menos, diminuindo os danos na função visual. A fase ativa da
toxoplasmose ocular é autolimitada. A indicação de tratamento depende das
características da lesão: tamanho, localização e reação inflamatória associada. A
sociedade Brasileira de Uveíte recomenda o tratamento nos seguintes casos:
lesões acompanhadas de grande reação inflamatória ou que ameaçam áreas
nobres da retina (polo posterior), lesões crônicas extensas, perda visual maior que
3/10 da acuidade anterior (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). Entretanto, no Serviço
46
de Uveíte do Hospital São Geraldo (Hospital das Clinicas – UFMG) a conduta é
diferente: todas as lesões ativas são tratadas.
O tratamento da toxoplasmose pode durar de 4 a 8 semanas e combina
drogas antiparasitárias com o uso do corticóide oral. Nos últimos anos, foram
utilizadas outras drogas para o tratamento da doença (atovaquone, clindamicina,
azitromicina, claritromicina, tetracilclina), porém nenhuma delas mostrou maior
eficácia que a terapêutica tradicional: uso de pirimetamina, sulfas e corticóide. O
emprego clínico dessa combinação de drogas é considerado como primeira
escolha até os dias atuais (Holland & Lewis, 2002).
A pirimetamina e a sulfadiazina inibem o metabolismo do acido fólico
necessário para que o toxoplasma sobreviva. O uso concomitante de ácido folínico
ajuda a minimizar a toxicidade sobre a medula óssea provocada pela pirimetamina
(Rothova, 2003). A pirimetamina é contra-indicada nos primeiros quatro meses de
gestação, tendo em vista possíveis efeitos teratogênicos e, também, durante o
aleitamento materno (Oréfice & Bahia-Oliveira, 2005). A sulfadiazina é contraindicada no terceiro trimestre da gravidez, pois desloca a bilirrubina fetal do seu
sítio da albumina, levando ao Kernicterus. Reações adversas podem ocorrer em
3% dos pacientes (gastro-intestinais, cristalúria, hematúria e reações alérgicas).
A espiramicina é outra droga utilizada no tratamento da toxoplasmose. Tem
atividade menor que a sulfadiazina e a pirimetamina, mas é pouco tóxica. É o
medicamento de escolha para gestantes, dada sua concentração elevada na
placenta e ausência de teratogênicidade.
Apesar do empenho dos pesquisadores, nenhuma droga foi capaz de
destruir os parasitas dentro dos cistos e evitar as recidivas.
47
Alguns autores demonstraram em seu trabalho que o uso de sulfametoxazol
e trimetropim pode constituir um método efetivo na redução de recidivas da lesão
ocular quando usadas por longo período de tempo, mas o mecanismo dessa
redução é desconhecido (Silveira et al., 2002).
O uso sistêmico do corticóide já faz parte da conduta no tratamento da
toxoplasmose ocular com o objetivo de reduzir os efeitos inflamatórios e necróticos
provocados pelo parasita (Rothova et al., 1989). A prednisona tornou-se o
corticóide de escolha por ter baixo custo, curta ação, além de apresentar menor
retenção de sódio quando comparada a outros corticóides.
Por tudo isso, o esquema clássico para o tratamento da toxoplasmose
ocular é a associação de pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico.
2.13 Tratamento Pré e Pós-natal
Muitos autores concordam que o diagnóstico e tratamento imediatos da
infecção por toxoplasmose na gestante poderiam prevenir a transmissão maternofetal do parasita. Até o momento duas revisões sistemáticas avaliaram o efeito do
tratamento pré-natal na transmissão materno-fetal (Wallon et al., 1999b; Peyron et
al., 2000). Em uma delas, foram encontrados nove artigos que preenchiam os
critérios de inclusão. A infecção congênita foi comum nos grupos tratados. Cinco
estudos mostraram que o tratamento pré-natal foi efetivo e quatro não, mas em
nenhum deles, o estudo era randomizado ou possuía um grupo controle
diretamente comparado com um grupo de tratamento (Wallon et al., 1999b). Na
outra revisão sistemática, de 2591 artigos identificados, nenhum preenchia os
critérios de inclusão e os autores não puderam chegar a uma conclusão de que o
tratamento pré-natal poderia reduzir a transmissão congênita da toxoplasmose
48
(Peyron et al., 2000). A realização de meta-análise sobre o efeito do tratamento
pré-natal não foi possível nestas revisões, pois usaram diferentes métodos
analíticos e meios de agregação de dados.
Um grande estudo de coorte multicêntrico prospectivo realizado na Europa
incluiu 1260 mulheres grávidas infectadas e seus recém-nascidos e não encontrou
evidências de que o tratamento precoce com espiramicina ou associação de
sulfadiazina e pirimetamina tenha algum efeito sobre a transmissão materno-fetal
do parasita. Os autores especulam que a transmissão materno-fetal ocorre
rapidamente após a infecção e por isso, a oportunidade de tratamento é muito
pequena, provavelmente nos primeiro 15 dias (a transformação de taquizoítos em
cistos se torna completa nos primeiros 15 dias após a infecção e os cistos são
impermeáveis aos antiparasitários). Como a triagem pré-natal para gestantes
soronegativas é realizada mensal ou trimestralmente a maioria das infecções não é
diagnosticada a tempo de se iniciar o tratamento para prevenir a transmissão da
infecção para o feto e encistamento dos parasitas (Gilbert & Gras, 2003; Gilbert &
Dezateux, 2006).
Uma revisão sistemática usando dados individuais de pacientes para se
realizar uma meta-análise mostrou que dentre 550 crianças infectadas identificadas
pelos programas de triagem pré e pós-natal realizados na Europa, não há
evidências de que o tratamento pré-natal reduza de maneira significativa o risco de
manifestações clínicas (OR:1,11; 95% IC:0,61-2,02). A soroconversão em uma
idade gestacional avançada apresentou uma forte associação com o risco de
transmissão materno-fetal da infecção (OR:1,15; 95% IC:1,12-1,17) e com menor
risco de lesão intracranianas (OR:0,91; 95% IC: 0,87-0,95) mas limitado com
lesões oculares (OR:0,97; 95% IC: 0,93-1,00) (Thiebaut et al., 2007). Esse trabalho
49
mostra também que o tratamento da mulher grávida dentro das primeiras três
semanas de infecção pode reduzir a transmissão da infecção para o feto, mas o
tratamento tardio não possui efeito.
No Brasil, a recomendação é de que após o diagnóstico da infecção aguda
materna, independentemente da idade gestacional, deve-se iniciar a espiramicina
que será mantida até a pesquisa da infecção fetal. A espiramicina é um macrolídeo
cuja função é bloquear o parasita na placenta, impedindo ou retardando a infecção
congênita. Porém, se o feto já estiver contaminado, sua ação parece não ser
adequada. Se após a propedêutica, for confirmada a infecção fetal, deve-se iniciar
o tratamento tríplice com a pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico, da décima
oitava semana de gestação até o termo. No caso de soroconversão após a
vigésima quarta semana de gestação, mesmo sem infecção fetal comprovada, o
esquema tríplice também deverá ser iniciado (Montoya & Liesenfeld, 2004;
Remington et al., 2005; Zugaib, 2007). Nas gestantes em tratamento com
pirimetamina, é importante solicitar hemograma mensal para avaliação de
complicações hematológicas. Também é importante avaliar risco/benefício do uso
do esquema tríplice no último mês de gestação, devido ao risco de
hiperbilirrubinemia neonatal provocado pela sulfadiazina (Queiroz-Andrade et al.,
2004). Caso seja afastada a infecção fetal, após propedêutica invasiva, deve-se
manter o uso da espiramicina até o termo e controle ultrasonográfico mensal.
Com
relação
ao
tratamento
pós-natal,
uma
vez
diagnosticada
a
toxoplasmose congênita no recém-nascido, seja ele sintomático ou não, o
tratamento deverá ser iniciado por um período variável de tempo: três meses na
Dinamarca (Guerina et al., 1994; Schmidt et al., 2006) , dois anos na França
(Villena et al., 1998a) e por um ano no Brasil. A maioria dos estudos recomendam
50
o tratamento durante todo o primeiro ano de vida (McLeod et al., 2006; Petersen &
Liesenfeld, 2007; Phan et al., 2007) .
O uso de Pirimetamina e Sulfadiazina constitui a base do tratamento da
toxoplasmose congênita no recém-nascido e seu uso foi adotado a partir de
estudos realizados em modelos animais no ano de 1950, mas foi recentemente
revisto (Petersen & Schmidt, 2003). O objetivo do tratamento é o de eliminar as
formas proliferativas do parasita e, propiciar tempo para que o recém-nascido
desenvolva resposta imune competente para manter o parasita na forma de cisto.
As drogas agem de forma sinérgica contra as formas proliferativas do parasita
presente durante o processo infeccioso agudo. Não penetram nos cistos
parasitários, por isso não são recomendadas na fase crônica. Na evidência de
inflamação grave: lesão ocular em atividade na macula ou proteína do líqüor ≥ 1
g/dL, recomenda-se associar prednisona (Queiroz-Andrade et al., 2004; Remington
et al., 2005).
Crianças com toxoplasmose congênita que nascem sintomáticas devem ser
tratadas, mas o real benefício do tratamento nas crianças assintomáticas
permanece sob intensa discussão (Rothova, 2003; Petersen, 2007). Além disso, o
tratamento pode apresentar sérios efeitos colaterais (principalmente neutropenia)
em 14-50% das crianças (Guerina et al., 1994; Kieffer et al., 2002).
Um estudo realizado na Holanda comparou crianças com toxoplasmose
congênita, sem tratamento, com uma coorte de crianças, identificadas pelo
programa de triagem pré-natal francês, tratadas durante o primeiro ano de vida.
Não houve diferença estatisticamente significativa na proporção de crianças com
doença ocular nos dois grupos (Gilbert et al., 2001a).
51
O seguimento de uma coorte de 120 crianças com toxoplasmose congênita
grave mostrou melhora significativa naquelas crianças que receberam sulfadiazina
e pirimetamina durante o primeiro ano de vida quando comparadas com controles
históricos (McLeod et al., 2006). Entretanto, esse estudo apresenta alguns
problemas: ausência de informações sobre a história natural da infecção, viés de
seleção (casos graves) e ausência de grupo controle.
Outros estudos, sobre a evolução clínica das lesões oculares, reportaram
um melhor prognóstico ocular quando a infecção congênita foi identificada e tratada
precocemente (Koppe & Rothova, 1989; Guerina et al., 1994; McAuley et al., 1994;
Mets et al., 1997; Neto et al., 2004; Wallon et al., 2004; Kodjikian et al., 2006; Phan
et al., 2007).
O consenso é de que, com base nos conhecimentos atuais, o mais razoável,
é aceitar que o tratamento pós-natal é melhor do que a ausência de tratamento
(Gomez-Marin & dela Torre, 2007).
52
3-OBJETIVOS
1- Estimar a prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose congênita no
Estado de Minas Gerais e com isso, avaliar a necessidade da implantação
de um programa de triagem para a doença visando o diagnóstico e
tratamento precoce das crianças infectadas.
2- Determinar a prevalência das lesões retinocoroideanas, sugestivas de
toxoplasmose, observadas no primeiro exame de fundo de olho dos recémnascidos triados para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais;
3- Descrever as lesões retinocoroideanas quanto à lateralidade, distribuição
topográfica e existência de atividade;
4- Descrever a presença de outras alterações oculares tais como, estrabismo,
microftalmia, embainhamento vascular e opacidades vítreas;
5- Correlacionar os dados da avaliação oftalmológica com as alterações crânioencefálicas observadas no primeiro exame de neuroimagem, verificando a
existência de algum tipo de associação entre eles.
53
4-MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo transversal descritivo faz parte de um estudo maior,
multidisciplinar, prospectivo, sobre a triagem neonatal para a toxoplasmose
congênita no Estado de Minas Gerais e que ainda está em andamento.
4.1 Seleção dos pacientes
Através de uma ação conjunta entre a Secretaria de Estado de Saúde de
Minas Gerais e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Programa
Estadual de Triagem Neonatal (PETN-MG), implantado em setembro de 1993,
atende gratuitamente a população dos 853 municípios no Estado de Minas Gerais.
Atualmente 98% dos recém-nascidos (RN) no Estado fazem a triagem neonatal,
pelo PETN-MG e o NUPAD/FMUFMG (Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio
Diagnostico - Faculdade de Medicina da UFMG) foi credenciado pelo Ministério da
Saúde como o serviço de referência em triagem neonatal no Estado.
A triagem neonatal foi realizada por meio do “teste do pezinho” que é um
teste gratuito, obrigatório por lei, utilizado para a detecção de doenças metabólicas
tais como fenilcetonúria e hipotireoidismo congênito e pode ser realizado a partir do
quinto dia de vida. Gotas de sangue são colhidas através do calcanhar do RN em
uma única punção, rápida e quase indolor. No teste, o sangue da criança é
coletado em papel filtro especial. As amostras de sangue obtidas são secas e
posteriormente enviadas ao laboratório para o processamento dos exames.
No período de novembro de 2006 a maio de 2007, foi então realizado um
inquérito sorológico para a toxoplasmose congênita através da triagem neonatal de
146.237 recém-nascidos de todos os 853 municípios mineiros.
54
O sangue foi coletado pela rede de atendimento do NUPAD que conta com
1840 postos de coleta espalhados por todo o Estado. O sangue coletado em papel
filtro (sangue seco) foi encaminhado a sede do NUPAD, em Belo Horizonte, para a
realização dos exames de rotina (detecção de fenilalanina, hormônios tireoidianos,
hemoglobinopatias e fibrose cística) e para a detecção de IgM anti-T. gondii.
Foi utilizado o kit anti Q-PREVEN TOXO IgM (Symbiosis Diagnóstica Ltda,
Leme, Brasil), que é um enzimaimunoensaio (ELISA) por captura, para a
determinação dos anticorpos IgM nas amostras de sangue seco coletadas em
papel filtro. O Kit trabalha com controles positivos e negativos que ajustam o
resultado de cada placa. Esse teste foi comparado com um teste conhecido (FEIA Fluorometric enzyme immunoassay - Labsystems, Helsinki, Finlândia) e a
concordância foi boa (Kappa-0,73).
As mães dessas crianças receberam informação escrita sobre a triagem
neonatal para as triagens tradicionais, nas clínicas de pré-natal e maternidades e
nesse caso, foi incluída, antes do início do estudo, informação escrita sobre a
triagem neonatal para toxoplasmose congênita e o inquérito sorológico a ser
realizado. Todas as crianças, nas regiões estabelecidas, que procuraram o posto
de saúde para realizar a triagem neonatal foram elegíveis para participar do
estudo. Exclusões foram limitadas à recusa dos pais em participar.
4.2 Avaliação complementar da mãe e do recém-nascido (RN)
No caso de amostra positiva ou duvidosa, os pais foram solicitados a
comparecer ao posto de saúde, onde foi realizada a primeira coleta, para teste
confirmatório no sangue da mãe e do RN. Os testes confirmatórios (ELISA para IgA
e ELFA para IgM e IgG) foram efetuados em laboratório terceirizado pelo NUPAD.
55
Todas as mães e RN realizaram IgM e IgG, mas apenas alguns RN realizaram o
exame de IgA.
Foram considerados como reagentes para a toxoplasmose, pacientes com
ELISA para o IgA superior a 5,0 UI/mL. Considerando o ELFA para IgM: índices
inferiores a 0,55 Ul/ml foram considerados como não reagentes, entre 0,55 UI/ml e
0,65 UI/ml, como indeterminados e índices iguais ou superiores a 0,65 UI/mL,
como reagentes. Já o ELFA para IgG: resultados inferiores a 4,0 UI/ml foram
considerados não reagentes, entre 4,0 UI/ml e 8,0 UI/ml, como indeterminados e
reagentes quando superiores a 8,0 UI/mL.
Os RN também foram encaminhados ao ambulatório de infectologia Orestes
Diniz (Hospital das Clínicas – UFMG) e Serviço de Uveíte do Hospital São Geraldo
(Hospital das Clínicas - UFMG), em Belo Horizonte, para realização de exames:
pediátrico, oftalmológico, avaliação auditiva, radiografia de crânio e ultra-som
transfontanela.
Em
caso
de
manifestações
neurológicas,
os
RN
foram
encaminhados para a avaliação do neurologista.
Outros grupos de estudo, estão avaliando o perfil imunológico da mãe/bebê
além do isolamento, tipificação e análise de virulência das amostras de toxoplasma
obtidas.
Foram considerados casos confirmados de toxoplasmose congênita:
•
RN com anticorpos anti-toxoplasma IgM, IgG e IgA positivos;
•
RN com anticorpos anti-toxoplasma IgM e IgG positivos;
•
RN com anticorpos anti-toxoplasma IgA e IgG positivos;
•
RN com anticorpos anti-toxoplasma IgG positivos e com títulos quatro
vezes maiores do que o IgG materno (Remington et al., 2005);
56
•
RN com anticorpos anti-toxoplasma IgG positivos + retinocoroidite
e/ou outra manifestação clínica sugestiva de toxoplasmose congênita
(alterações neurológicas) + mãe com anticorpos anti-toxoplasma IgG
e IgM positivos.
Logo após a confirmação diagnóstica da infecção congênita, foi iniciado o
tratamento da criança, de acordo com o esquema classicamente aceito para
tratamento desses casos (Remington et al., 2005). Na toxoplasmose congênita
clínica ou subclínica:
•
Pirimetamina na dose de 1mg/kg/dia, por via oral, uma vez ao dia,
durante seis meses, seguido da mesma dosagem, três vezes por
semana, até completar um ano;
•
Sulfadiazina na dose de 100 mg/kg/dia, dividida em duas doses,
durante um ano;
•
Ácido Folínico na dose de 5 a 10 mg, três vezes por semana, durante
um ano;
•
Em caso de retinocoroidite em atividade na mácula, corticosteróide
por via oral (prednisolona) foi indicado iniciando-se com 1mg/kg/dia,
por via oral, dividido em duas doses, seguindo-se de redução
progressiva da dose até a suspensão, em três a cinco semanas,
mantendo-se a medicação específica.
O tratamento será encerrado aos 12 meses de vida exceto se houver sinal
de lesões oculares ativas. Seus efeitos colaterais serão constantemente
monitorados.
Os pais das crianças infectadas foram convidados a trazer seus filhos
regularmente para controle pediátrico e oftalmológico durante cinco anos.
57
Neste estudo, será calculada a prevalência estimada da toxoplasmose
congênita, no momento do primeiro exame oftalmológico dos RN. A prevalência
final da doença só será conhecida após o primeiro ano de observação dos RN
triados.
4.3 Exame oftalmológico dos RN triados
Todos os RN triados como positivos ou duvidosos para a toxoplasmose
congênita, no período de novembro de 2006 a maio de 2007, foram encaminhados
para o exame oftalmológico após o nascimento.
Esse exame foi realizado nas dependências do Serviço de Uveíte do
Hospital São Geraldo (Hospital das Clínicas - UFMG) por três oftalmologistas
especializados em Uveíte e Retina e acompanhado por uma pediatra especialista
em infectologia pediátrica.
Para o exame oftalmoscópico foi utilizado um oftalmoscópio binocular
indireto da marca Eye Tec de modelo OHD-42 (Eye Tec, São Carlos) com uma
placa de captura de vídeo acoplada e uma lente condensadora de 20 dioptrias. O
exame foi realizado sob vigília e midríase ampla, obtida pela instilação de colírios
de tropicamida a 0,5% (uma gota em cada olho, três vezes, com intervalo de 10
minutos) intercalada com fenilefrina a 2,5% (uma gota em cada olho, duas vezes,
com intervalo de 10 minutos). O uso de blefarostato, em tamanho apropriadamente
confeccionado para o RN, foi necessário para facilitar o exame. Antes de sua
colocação, era previamente instilada uma gota de colírio anestésico (cloridrato de
proximetacaína). Iniciava-se o exame pelo polo posterior e, depois, era avaliada a
periferia retiniana de ambos os olhos. Todos os achados oftalmológicos foram
cuidadosamente anotados, desenhados em um formulário específico (Anexo A) e
58
fotografados (quando possível) com um retinógrafo TOPCON (Topcon Corporation,
Tokyo). Para essa fotografia, os RN eram contidos com lençol e posicionados em
ortostatismo ou em decúbito lateral direito e esquerdo. O desenho dos achados do
fundo de olho, previamente realizado, foi utilizado para orientar o posterior
reposicionamento das fotos. O exame de oftalmoscopia era também filmado,
sempre que possível.
As lesões de retinocoroidite sugestivas de toxoplasmose, quando presentes,
foram descritas quanto a:
1- Lateralidade
As lesões foram consideradas bilaterais quando observadas nos dois olhos,
independente do seu grau de atividade e localização. Pacientes com lesão em
somente um dos olhos foram considerados como unilaterais.
2- Distribuição topográfica
A localização da lesão era definida da seguinte forma (Holland et al., 1989)
(Anexo B):
Zona 1: abrange a área compreendida pelas arcadas vasculares temporais, numa
extensão de aproximadamente 3000 µm (2 DD) a partir da fóvea ou de cerca de
1500 µm das margens do disco óptico;
Zona 2: anterior à zona 1 até o equador do bulbo ocular, que é identificado pela
margem anterior das ampolas das veias vorticosas;
Zona 3: estende-se anterior à zona 2 até a ora serrata.
A zona 1 corresponde ao polo posterior da retina. A periferia da retina foi
agrupada como zonas 2 e 3 na classificação de Holland et al (1989).
As lesões observadas em zonas limites foram classificadas dentro da área
onde havia maior superfície de lesão.
59
3- Atividade da lesão
As lesões foram classificadas como ativas na presença de retinocoroidite
focal necrosante ou de lesões puntiformes exsudativas, com menos de ¼ de
diâmetro de disco, amareladas ou branco-acinzentadas, associadas ou não a
edema retiniano (semelhantes a lesões punctatas).
Já as lesões cicatrizadas apresentavam limites precisos, nenhuma
exsudação, além de pigmentação variada no local.
Outros achados oculares foram classificados como presentes ou ausentes
tais como embainhamento vascular, catarata, estrabismo, hemorragia retiniana,
descolamento de retina, microftalmia e turvação vítrea.
A turvação vítrea foi classificada, pela oftalmoscopia, de acordo com
Nussenblatt (Nussenblatt et al., 1985):
Grau 0: sem turvação evidente;
Traços: leve borramento da margem do disco óptico e reflexos retinianos ausentes
devido à turvação vítrea;
1+/4+: leve borramento do disco óptico e dos vasos;
2+/4+: borramento moderado do disco óptico e dos vasos;
3+/4+: grande borramento da margem do disco óptico;
4+/4+: obscurecimento do disco óptico.
O estrabismo foi avaliado através do teste de Hirschberg, com a luz do
oftalmoscópio binocular indireto.
4.4 Análise Estatística
Na análise descritiva dos dados, foram construídas tabelas de freqüência
para variáveis qualitativas: triagem neonatal, sorologia da mãe e do RN,
60
retinocoroidite, lateralidade da lesão, distribuição topográfica da lesão, atividade da
lesão, estrabismo e alterações neurológicas. Também foi avaliada a possível
associação entre algumas variáveis tais como retinocoroidite, sexo, estrabismo e
calcificações intracranianas. Para tanto, utilizou-se o teste de Qui-quadrado de
Pearson. Nos casos de freqüência esperada menor do que cinco, aplicou-se o
teste exato de Fisher. A razão de chances (odds ratio) foi calculada para verificar a
força de associação entre algumas variáveis. Foi considerado estatisticamente
significativo o p<0,05. Todas as análises foram realizadas através do software
estatístico SPSS, versão 12.0 (Statiscal Package for the Social Sciences) (SPSS
inc, Chicago).
4.5 Aspectos Éticos
O
projeto
foi
aprovado
pelo
Departamento
de
Oftalmologia-
Otorrinolaringologia e Fonoaudiologia e também foi aprovado pelo Comitê de Ética
em Pesquisa da UFMG (COEP) sob o parecer número ETIC 0298/06 (Anexo C).
Os participantes da pesquisa (pais e/ou responsáveis) foram esclarecidos
sobre os objetivos do estudo, a importância de sua colaboração, os possíveis
benefícios e riscos. Exigiu-se, ainda, a assinatura de termo de consentimento livre
e esclarecido (TCLE), segundo as diretrizes do COEP-UFMG, fundamentada na
Declaração de Helsinque de 1975, referendadas em 2000.
61
5-RESULTADOS
5.1 População estudada
No período de novembro de 2006 a maio de 2007 foi realizada a triagem
neonatal para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais. Foram triados
146.237 RN e um total de 221 neonatos, encaminhados para confirmação
sorológica pareada (mãe e neonato), exame pediátrico, neurológico, auditivo e
oftalmológico.
Eram do sexo masculino 118 RN (53,4%) e do sexo feminino, 103 (46,6%).
A média de idade das mães dos RN foi de 24 anos (IC 95% de 23,6 - 25,2),
mediana de 23 anos e desvio padrão de 5,87. A idade variou de 13 - 43 anos.
Dos 221 RN encaminhados para exames, 204 possuíam a triagem neonatal
positiva para o IgM anti-toxoplasma, 10 apresentavam exame inconclusivo e sete,
exame negativo (Tabela 1). Os sete RN com a triagem neonatal negativa foram
encaminhados para exames porque suas mães apresentaram sorologia positiva
para toxoplasmose (IgM e IgG) durante a gestação.
Tabela 1 – Resultados da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita
Triagem neonatal
Freqüência
Porcentagem
Positiva
204
92,3%
Negativa
7
3,2%
Inconclusiva*
10
4,5%
Total
221
100,0%
Nota: *exame inconclusivo: valor de exame obtido pelo teste Q-preven Toxo IgM
que não pôde ser ajustado com os controles positivos ou negativos.
62
5.2 Resultados da triagem neonatal e sorologia confirmatória
pareada (mãe e RN)
Após a realização da sorologia confirmatória para a toxoplasmose na mãe e
no RN (ELFA para o IgM/IgG e ELISA para o IgA) e de acordo com os critérios
propostos na metodologia para se definir casos confirmados, 183 RN foram
confirmados para a toxoplasmose congênita.
Desses, 181 RN (98,9%) apresentaram a triagem neonatal positiva, um RN,
triagem neonatal negativa (falso-negativa) e o outro RN, inconclusiva (Tabela 2).
Dos 183 RN confirmados, 53,6% (98) eram do sexo masculino e 46,4% (85),
do feminino.
Tabela 2 – Resultado da triagem neonatal nos casos confirmados e não
confirmados para a toxoplasmose congênita
RN triados para toxoplasmose congênita
Resultado da triagem neonatal
Total
Positivo
Negativo
Inconclusivo*
Casos confirmados
181
1
1
183
Casos não confirmados
23
6
9
38
Total
204
7
10
221
Nota: *exame inconclusivo: valor de exame obtido pelo teste Q-preven Toxo IgM
que não pôde ser ajustado de acordo com os controles positivos ou negativos.
Legenda: RN: recém-nascido.
Considerando
os
casos
confirmados,
a
prevalência
estimada
da
toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais, no momento do primeiro
exame oftalmológico dos RN, foi de: 1/799 nascidos vivos.
63
Os 183 RN confirmados apresentaram o seguinte comportamento sorológico
na triagem neonatal e após a realização dos exames confirmatórios: (Anexo D –
fluxograma): em 181 RN com triagem neonatal positiva, 145 (80,2%) apresentaram
IgM confirmatório positivo e 36 (19,8%), IgM confirmatório negativo. Dos 36 casos
negativos, nove realizaram a dosagem de IgA e em cinco, o resultado foi positivo.
Nos outros 31 RN com IgM confirmatório negativo, o IgA foi negativo ou não foi
realizado, mas foram considerados casos confirmados porque todos possuíam
lesão de retinocoroidite sugestiva de toxoplasmose e mães com sorologia positiva
para a doença (IgG e IgM).
No RN com triagem neonatal negativa, o IgM confirmatório foi positivo assim
como o IgA.
O RN com triagem neonatal inconclusiva apresentou sorologia confirmatória
negativa, mas a sorologia de sua mãe foi positiva e em seu exame, constatou-se
retinocoroidite sugestiva de toxoplasmose, em atividade, na mácula do olho
esquerdo (Tabela 3).
Tabela 3 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 183
RN confirmados (ELFA)
IgM confirmatório RN (ELFA)
Triagem neonatal
Total
Total
Positivo
Negativo
Positiva
145
36
181
Negativa
1
0
1
Inconclusiva
0
1
1
146
37
183
Legenda: RN: recém-nascido; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay; IgM:
Imunoglobulina M para o toxoplasma.
64
Nem todos os RN confirmados realizaram o exame de IgA. Dos 67 RN que
realizaram o exame, 62 apresentaram resultado positivo e cinco, negativo. Nos 62
RN com IgA positivo, 57 possuíam o IgM também positivo. Nos cinco RN com IgA
negativo, um apresentou IgM positivo e quatro, IgM negativo, mas foram
considerados casos confirmados por possuírem lesão de retinocoroidite sugestiva
de toxoplasmose e mães com sorologia positiva para a doença (IgG e IgM).
Todos os 183 RN confirmados eram IgG positivo.
Dos 221 RN triados, 38 neonatos não foram confirmados para a
toxoplasmose congênita (casos duvidosos) e serão acompanhados ao longo de
todo o primeiro ano de vida, para melhor definição do diagnóstico (será avaliado o
comportamento sorológico do IgG). Desses, 60,5% (23/38) foram positivos na
triagem neonatal (Tabela 4).
Tabela 4 – IgM anti-toxoplasma da triagem neonatal X IgM confirmatório nos 38 RN
não confirmados (ELFA)
IgM confirmatório RN (ELFA)
Total
Negativo
Triagem neonatal
Total
Positiva
23
23
Negativa
6
6
Inconclusiva
9
9
38
38
Legenda: RN: recém-nascido; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay; IgM:
Imunoglobulina M para o toxoplasma.
Todos os 38 casos duvidosos possuíam o IgM confirmatório negativo. Sete
RN realizaram o exame de IgA que também foi negativo. O IgG foi positivo em 36
casos e negativo em dois. Nenhum dos casos duvidosos apresentou qualquer
envolvimento ocular, no primeiro exame, ou alteração neurológica.
65
Durante a gestação, 56,1% das mães (124/221) foram submetidas a exames
sorológicos para a detecção da toxoplasmose. Em 57,2% das mães (71/124), tanto
o IgM quanto o IgG foram negativos no momento do exame (gestante suscetível);
em 17,8% (22/124), tanto o IgM quanto o IgG foram positivos; em 2,4% (3/124), o
IgM foi positivo e IgG negativo e em 21% (26/124), o IgM foi negativo e o IgG
positivo (gestante imune). Uma mãe não fez o exame de IgG na gestação, mas
realizou um teste rápido qualitativo para o IgM (segundo anotações na sua ficha)
com resultado negativo (Tabela 5).
Tabela 5 – IgM x IgG da mãe durante a gestação
IgM na gestação
IgG na gestação
Total
Total
Não realizado
Positivo
Negativo
Não realizado
97
0
1
98
Positivo
0
22
26
48
Negativo
0
3
71
74
Indeterminado
0
0
1
1
97
25
99
221
Legenda: IgM: imunoglobulina M para o toxoplasma; IgG: imunoglobulina G para o
toxoplasma.
66
De 124 mães que realizaram a sorologia para toxoplasmose na gestação, 23
realizaram no primeiro trimestre, 60 no segundo e 41 no terceiro (Gráfico 1).
18,55%
n=41
43,89%
n=97
Não realizada
Primeiro trimestre
Segundo trimestre
Terceiro trimestre
27,15%
n=60
10,41%
n=23
Gráfico 1 – Trimestre da gestação em que foi realizada a sorologia para a
toxoplasmose.
Um total de 77,4% mães (96/124) fizeram somente um exame sorológico
para a detecção da toxoplasmose na gestação. A média de exames solicitados,
para as 28 mães que se submeteram a mais de um exame, foi de 2,32, mediana de
2,0 e desvio padrão de 0, 612. Quatro, foi o número máximo de exames solicitados
(em apenas duas mães). Apesar de 25 mães apresentarem IgM positivo, na
gestação (Tabela 5), apenas 17 receberam tratamento.
67
Em 11 das 17 mães tratadas, os RN foram confirmados para a
toxoplasmose congênita e em seis, não (casos duvidosos) (Tabela 6).
Tabela 6 – Freqüência de mães tratadas na gestação X RN confirmados ou não
para a toxoplasmose congênita
RN
Tratamento da mãe na gestação
Total
Confirmados
Não confirmados
Não
172
32
204
Sim
11
6
17
183
38
221
Total
Legenda: RN: recém-nascido.
Após o parto, a sorologia confirmatória para a toxoplasmose congênita nas
mães dos RN (IgM anti-toxoplasma) foi positiva em 86,9% (192/221) dos casos
(Tabela 7). Das 192 mães com sorologia positiva 170, são mães de casos
confirmados para a doença. Dos 183 RN confirmados, 92,9% (170/183) tinham
mães com o IgM positivo após o parto.
Tabela 7 – IgM anti-toxoplasma da mãe após o parto (ELFA)
IgM da mãe após o parto
Freqüência
Porcentagem
4
1,8%
Positivo
192
86,9%
Negativo
25
11,3%
Total
221
100,0%
Não realizado
Legenda: IgM: imunoglobulina M; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay.
68
O valor de IgM materno (ELFA) para os casos confirmados variou de 0,65
até 11,04 com média de 4,05 e mediana de 3,64 (o valor de referência considerado
positivo para o exame é maior ou igual a 0,65). O desvio padrão foi de 2,52.
Em 97 mães que não realizaram a sorologia para a toxoplasmose na
gestação, o IgM foi positivo, após o parto, em 85 (87,6% dos casos). Em 25 mães
com IgM positivo na gestação, 23 (92% dos casos) continuaram com IgM positivo
após o parto e uma, negativo. Em 99 mães com IgM negativo na gestação, 84
(84,8% dos casos) tornaram-se positivas após o parto (Tabela 8).
Em 25 mães com o exame negativo após o parto, 13 são mães de RN
confirmados para a toxoplasmose congênita (todos eles IgM positivos).
Tabela 8 - IgM anti-toxoplasma da mãe durante a gestação e após o parto
IgM materno após o parto (ELFA)
Não realizado
Positivo
Negativo
3
85
9
97
Positivo
1
23
1
25
Negativo
0
84
15
99
4
192
25
221
IgM materno gestação Não realizado
Total
Total
Legenda: IgM: imunoglobulina M; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay.
69
O IgG anti-toxoplasma foi positivo em 96,8% das mães (214/221) e negativo
em apenas 1,4% (3/221) (Tabela 9).
Tabela 9 – IgG anti-toxoplasma materno após o parto (ELFA)
IgG da mãe após o parto
Freqüência
Porcentagem
4
1,8%
Positivo
214
96,8%
Negativo
3
1,4%
221
100,0%
Não realizado
Total
Legenda: IgG: imunoglobulina G; ELFA: Enzyme Linked Fluorescent Assay.
Dos 183 RN confirmados, 97,8% (179/183) tinham mães com IgG positivo
após o parto. Três mães de RN confirmados não fizeram esse exame. Na outra
mãe, o IgG foi negativo, mas o IgM foi positivo e seu RN foi considerado caso
confirmado por apresentar IgM positivo e lesão ocular sugestiva de toxoplasmose.
5.3 Achados oftalmológicos no primeiro exame do RN
Todos os 183 RN confirmados para a toxoplasmose congênita foram
submetidos ao exame de oftalmoscopia binocular indireta. Esse exame foi
realizado em média com 55,3 dias de vida pós-natal (IC 95% de 54,3 – 59,4);
mediana de 55 dias e desvio padrão de 15,58. Com no mínimo 17 e máximo de
105 dias.
Lesão ocular foi observada em 78,1% dos RN (143/183). Dos 143 neonatos
com lesão ocular, 78,3% (112/143) apresentavam o IgM positivo e 21,7% (31/143),
negativo.
70
O quadro foi bilateral em 79,7% (114 dos 143 casos) (Gráfico 2).
12,59%
n=18
7,69%
n=11
Olho direito
Olho esquerdo
Bilateral
79,72%
n=114
Gráfico 2 – Lateralidade da lesão ocular
A lesão ocular ocorreu no sexo masculino em 57,3% dos casos (82/143) e,
no sexo feminino em 42,7% (61/143) (p= 0, 052).
O tipo de lesão ocular mais observada ao exame de fundo de olho foi a
cicatriz de retinocoroidite em 77,7% dos casos (111/143) (Figuras 1, 2 e 3). Tal
cicatriz ocorreu isoladamente ou associada com lesão puntiforme e/ou foco de
retinocoroidite necrosante.
Lesão ativa e associação de lesão ativa mais cicatrizes foram constatadas
em 60,9% (87/143) dos RN. Lesão ocular com atividade bilateral simultânea
ocorreu em 67,8% (59/87) dos casos.
Vinte e seis RN (18,2%) possuíam apenas lesões ativas (sem cicatrizes) e
50 (35,0%), apenas cicatrizes (sem lesão ativa) (Tabela 10).
71
Tabela 10 – Atividade da lesão ocular observada na oftalmoscopia binocular
indireta
Atividade da lesão ocular
Freqüência
Porcentagem
Somente lesão (ões) ativas
26
18,2%
Somente lesão (ões) cicatrizadas
50
35,0%
Associação de lesão (ões) ativa e cicatrizada
61
42,7%
Atrofia localizada do EPR*
4
2,7%
Avaliação não foi possível **
2
1,4%
143
100%
Total
Nota: *atrofia localizada do EPR: pequenas lesões atróficas observadas no polo
posterior de alguns RN infectados consideradas como possíveis, mas improváveis,
lesões (estão sendo acompanhadas para melhor definição).
**avaliação não foi possível em razão de extenso descolamento de retina ou
opacidade vítrea importante.
Legenda: EPR: epitélio pigmentar da retina;
Figura 1 – Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite em zona 1 do
olho direito de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN
em decúbito lateral esquerdo.
72
Figura 2– Retinografia mostrando cicatrizes de retinocoroidite na zona 1 do
olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o
RN em decúbito lateral esquerdo.
Figura 3 – Retinografia mostrando cicatriz de retinocoroidite na Zona 1 do
olho esquerdo de um RN com toxoplasmose congênita. Registro feito com o
RN em decúbito lateral esquerdo.
73
Foram consideradas como lesão ativa, a lesão puntiforme e o foco de
retinocoroidite necrosante. O foco de retinocoroidite necrosante foi observado em
20/143 RN (13,9%) (Figura 5 e 6). Em dois casos, ele ocorreu de maneira isolada e
em 18, ocorreu associado à lesão puntiforme e/ou à cicatriz de retinocoroidite
(Figura 4).
Figura 4 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na
zona 1 do olho esquerdo ao lado de uma lesão cicatrizada já iniciando
pigmentação. Registro feito com o RN em decúbito lateral esquerdo.
74
Figura 5 – Retinografia mostrando presença de dois focos de retinocoroidite
necrosante e hemorragia vítrea, localizados no olho esquerdo de um RN
com toxoplasmose congênita. Registro feito com o RN em decúbito lateral
esquerdo.
Figura 6 – Retinografia mostrando foco de retinocoroidite necrosante na
região da mácula do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita.
Registro feito em decúbito lateral esquerdo.
75
Lesão puntiforme foi constatada em 55,2% dos RN (79/143) (Figura 7 e 8),
sendo bilateral em 49/79 casos (62,0%). A periferia da retina foi o principal local de
sua ocorrência. Ocorreu de maneira isolada em 18/79 RN (22,8%) ou em
associação à cicatriz e/ou foco de retinocoroidite necrosante em 61/79 (77,2%).
Figura 7– Retinografia mostrando lesões puntiformes branco-acinzentadas,
no setor temporal da retina do olho esquerdo de um RN com toxoplasmose
congênita e embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em
decúbito lateral direito.
76
Figura 8 – Retinografia mostrando lesões puntiformes, branco-acinzentadas
na retina nasal do olho direito de um RN com toxoplasmose congênita e
embainhamento vascular no local. Registro feito com o RN em decúbito
lateral direito.
A principal localização das lesões oculares foi na zona 1 da retina em 87,4%
dos RN (125/143). Essas lesões ocorreram apenas na zona 1 em 27,3% dos casos
(39/143) e ocorreram de maneira concomitante com lesões na zona 2 e/ou 3 em
60,1% (86/143) (Tabela 11).
77
Tabela 11 – Distribuição topográfica das lesões oculares na retina.
Distribuição topográfica das lesões oculares na retina
Freqüência
Porcentagem
Lesão apenas em zona 1 da retina
39
27,3%
Lesão em zona 2 e/ou zona 3 da retina, sem lesão na zona 1
17
11,9%
Lesão em zona 1 e 2 e/ou 3 da retina*
86
60,1%
Exame inviável em ambos os olhos
1
0,7%
143
100%
Total
Nota: Lesão em zona 1 e 2 e/ou 3 da retina significa que o olho apresentava mais
de uma lesão (ex: 2 lesões sendo uma em zona 1 e outra em zona 2) ou então, um
dos olhos apresentava lesão em zona 1 e o outro em zona 2 e/ou 3.
A região da mácula foi comprometida em 79,0% dos RN (113/143) (Gráfico
3).
0,70%
n=1
20,28%
n=29
Macula comprometida
Macula não comprometida
Avaliação não foi possível
79,02%
n=113
Gráfico 3 – Envolvimento da mácula nos RN com toxoplasmose congênita
78
O comprometimento macular foi unilateral em 52,2% (59/113) dos casos e,
bilateral em 47,8% (54/113) (Gráfico 4).
47,79%
n=54
Unilateral
Bilateral
52,21%
n=59
Gráfico 4 – Envolvimento macular unilateral e bilateral
Embainhamento vascular venoso foi observado em 21% dos RN (30/143),
sendo bilateral em 40% dos casos (12/30). A periferia da retina foi o principal local
de sua ocorrência.
Outros achados oculares no primeiro exame oftalmológico:
•
Catarata unilateral em 0,6% dos RN (1/143);
•
Descolamento de retina tracional em 3,5% dos RN (5/143), bilateral em três
casos;
•
Hemorragia retiniana e/ou vítrea associada à lesões em 4,2% dos RN
(6/143), bilateral em três casos;
•
Microftalmia em 4,2% dos RN (6/143), bilateral em cinco casos. Todos os
pacientes com microftalmia apresentavam retinocoroidite, estrabismo e
calcificações intracranianas.
79
•
Opacidades vítreas em 10,5% dos casos (15/143), bilaterais em 10 casos.
Na maioria dos casos as opacidades vítreas eram leves (1+/4+) e não
prejudicavam o exame de fundo de olho;
•
Estrabismo em 18,9% dos RN (27/143). Estava associado à presença de
lesão macular em 81,5% dos casos (22/27) (p=0, 024) (Tabela 12).
Tabela 12 – Estrabismo associado à lesão de retinocoroidite macular
Retinocoroidite macular
Estrabismo
Total
Total
Sim
Não
Sim
22
5*
27
Não
91
64
155
113
69
182
Nota: p= 0, 024; Fisher p= 0, 03. Para o cálculo do p foi excluído um paciente com
estrabismo, mas com exame de fundo de olho inviável (opacidades dos meios
prejudicando o exame e a observação da mácula).
*Desses cinco pacientes, quatro apresentavam lesão de retinocoroidite sem
envolvimento macular (um deles possuía calcificações intracranianas) e um não
possuía lesão ocular ou alteração neurológica.
Dos 28 RN com estrabismo, 21 apresentavam retinocoroidite macular
bilateral (p= 0, 005) (OR=3,45 com IC 95% = 1,31 - 10,14) (para o cálculo do p foi
excluído o paciente com estrabismo, mas com exame de fundo de olho inviável
(opacidades dos meios prejudicando o exame e a observação da mácula). Nos
sete RN com estrabismo sem retinocoroidite macular bilateral: um possuía
retinocoroidite macular unilateral, quatro, retinocoroidite sem envolvimento macular,
um sem lesão ocular e o outro possuía o fundo de olho inviável.
80
5.4 Achados neurológicos no primeiro exame do RN
Dos 183 casos confirmados, 176 foram submetidos à avaliação neurológica
através de exames complementares (radiografia de crânio e/ou ultra-som
transfontanela e/ou tomografia computadorizada do encéfalo). Desses, 23,3%
(41/176)
apresentaram
alterações
neurológicas
tais
como:
calcificações
intracranianas e dilatação ventricular, em algum dos exames (Gráfico 5).
23,30%
n=41
Com alteração neurológica
Sem alteração neurológica
76,70%
n=135
Gráfico 5 - Freqüência de alterações neurológicas (calcificações
intracranianas e/ou dilatação ventricular) nos RN confirmados para a
toxoplasmose congênita.
A principal alteração neurológica encontrada, em todos os exames de
imagem, foram as calcificações intracranianas em 21,1% dos casos (37/176). Em
18,9% dos casos (7/37), elas estavam associadas à dilatação ventricular. Dos 41
RN com alteração neurológica, 90,2% (37/41) apresentavam calcificações.
81
Em 37 RN com calcificações intracranianas, 35 apresentavam retinocoroidite
(p=0, 006) (OR=6,46 com IC 95% = 1,51 - 57,70) (Tabela 13).
Tabela 13 – Associação entre retinocoroidite e calcificação craniana nos RN com
toxoplasmose congênita.
Retinocoroidite
Calcificação intracraniana
Total
Sim
Não
Sim
35
2
37
Não
102
37
139
137
39
176
Total
Nota: p= 0, 006; Fisher p= 0, 004
Em 37 RN com calcificações intracranianas, 12 apresentavam estrabismo
(p= 0, 001) (OR=3,84 com IC 95% = 1,44 - 9,94).
Apenas 2,2% (4/183) dos RN apresentaram hidrocefalia. Associação entre
hidrocefalia, calcificações intracranianas e retinocoroidite ocorreu em 1,6% (3/183)
(Tríade clássica de Sabin).
Associação entre microftalmia, calcificações intracranianas e retinocoroidite
ocorreu em apenas seis RN dos 143 com lesão de retinocoroidite (4,19%).
Do total de 41 RN com alteração neurológica, 92,7% (38/41) apresentaram
lesão de retinocoroidite (p= 0, 009) (Tabela 14).
82
Tabela 14 – Associação entre alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite
nos pacientes que foram submetidos à avaliação neurológica.
Lesão de retinocoroidite
Alterações neurológicas*
Total
Sim
Não
Sim
38
3
41
Não
99
36
135
137
39
176
Total
Nota: p= 0, 009; Fisher p= 0, 009
*Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular.
Dos 38 RN com alterações neurológicas e lesão de retinocoroidite, o quadro
ocular foi bilateral em 81,6% dos casos (31/38) e unilateral em 18,4% (7/38) (p=0,
717) (Tabela 15).
Tabela 15 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite bilateral
Lesão de retinocoroidite
Alterações neurológicas*
Total
Total
Bilateral
Unilateral
Sim
31
7
38
Não
78
21
99
109
28
137
Nota: p= 0, 717
*Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular.
Dos 40 RN com alteração neurológica, 82,5% (33/40) apresentavam
retinocoroidite com envolvimento macular (p=0, 002) (Tabela 16).
83
Tabela 16 – Associação entre alterações neurológicas e retinocoroidite macular
Retinocoroidite Macular
Alterações neurológicas*
Total
Total
Sim
Não
Sim
33
7
40
Não
74
61
135
107
68
175
Nota: p= 0, 002. Para o cálculo do p foi excluído um paciente com alteração
neurológica, mas com exame de fundo de olho inviável (opacidades dos meios
prejudicando o exame e a observação da mácula).
*Alteração neurológica: calcificações intracranianas e/ou dilatação ventricular.
84
6-DISCUSSÃO
Este estudo transversal descreve os achados oftalmológicos e também
neurológicos do primeiro exame dos recém-nascidos triados e confirmados como
positivos para a toxoplasmose congênita e faz parte de um estudo maior,
prospectivo longitudinal, ainda em andamento. Existem casos duvidosos (38) que
estão sendo acompanhados para a confirmação ou exclusão diagnóstica, após um
ano de vida. Então, é provável, que as taxas de prevalências descritas venham a
aumentar com o seguimento dessas crianças.
A cobertura da triagem neonatal para a toxoplasmose congênita neste
trabalho foi de 98% dos nascidos vivos abrangendo todos os 853 municípios
mineiros e a iniciativa foi considerada inovadora em termos de serviço público no
Brasil. Os 2% não cobertos foram RN que realizaram a triagem neonatal pela rede
laboratorial particular e aqueles que por razões diversas não realizaram o exame.
A metodologia foi elaborada e a execução deste trabalho contou com o
envolvimento da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, NUPAD e de
uma equipe de profissionais de várias áreas: pediatras, oftalmologistas,
enfermeiros, técnicos de laboratórios, dentre outros.
O estudo mostrou alta prevalênica de recém-nascidos com toxoplasmose
congênita, no Estado de Minas Gerais. A prevalência estimada foi de 1/799
nascidos vivos, considerada alta em relação às descritas na literatura.
Estudos anteriores de prevalência para a toxoplasmose congênita no Brasil
mostram os seguintes resultados: 1/3.000 nascidos vivos no Rio Grande do Sul
(Neto et al., 2000); 1/500 nascidos vivo em Campos de Goytacazes (Bahia-Oliveira
et al., 2001); 8/10.000 nascidos vivos em Passo Fundo (Mozzatto & Procianoy,
85
2003); 1/1.867 nascidos vivos em áreas não especificadas (Neto et al., 2004);
1/1.590 nascidos vivos em Belo Horizonte (Queiroz-Andrade 20/03/2004 – ainda
não publicado); 0,5% em um hospital privado de Uberlândia e 0,8% em um hospital
público (Segundo et al., 2004) e 3,3/10.000 nascidos vivos em Ribeirão Preto
(Carvalheiro et al., 2005). No resto do mundo, a prevalência da toxoplasmose
congênita é a seguinte: nos Estados Unidos da América varia de 0,5 a 1/10.000
nascidos vivos, enquanto que em Paris é de 3/10.000. A prevalência encontrada
para dez mil nascidos vivos foi de 4,4 na Finlândia, de 5,0 na Austrália, de 7,5 na
Alemanha e de 14,3 na Bélgica (Remington et al., 2005).
Em muitos países, incluindo o Brasil, ainda não existe um consenso sobre a
melhor forma de triagem para a toxoplasmose congênita, se pré-natal ou neonatal.
Na Europa, alguns países adotaram abordagens para a prevenção da doença.
Assim, na França, a mulher suscetível realiza a sorologia para a toxoplasmose
durante todos os meses da gestação (Daffos et al., 1988; Jeannel et al., 1988a) e a
Dinamarca, apesar de não realizar triagem pré-natal, possui um dos melhores
programas de triagem neonatal para toxoplasmose congênita em todo o mundo
(Bernard & Salmi, 2006). A justificativa para a adoção dos programas de triagem é
de que o diagnóstico e tratamento precoce dessa infecção possam reduzir a
incidência de seqüelas graves, ao nascimento, nas crianças infectadas e prevenir o
desenvolvimento de seqüelas futuras (Guerina et al., 1994; McAuley et al., 1994;
Mets et al., 1997; Foulon et al., 1999; Foulon et al., 2000; McLeod et al., 2006).
Trabalhos anteriores mostram que a triagem neonatal para a toxoplasmose
congênita através da pesquisa do IgM anti-T.gondii no sangue seco (“teste do
pezinho”) é viável e apresenta baixo custo (Guerina et al., 1994; Lebech et al.,
1999; Neto et al., 2004; Schmidt et al., 2006). Esse método de triagem, baseado
86
somente na detecção de anticorpos IgM específicos para a toxoplasmose, é capaz
de identificar mais de 75% das crianças infectadas (Guerina et al., 1994; Lebech et
al., 1999). No presente trabalho, dos 183 casos confirmados, 181 apresentavam a
triagem neonatal positiva (98,9% dos RN infectados). Quase todos os RN com
toxoplasmose congênita deste trabalho só foram detectados porque foram
submetidos à triagem neonatal.
Todos os RN realizaram exame sorológico confirmatório (ELFA) para IgM e
IgG e alguns para IgA. Dos 183 casos confirmados, 37 (20,2%) apresentaram IgM
negativo. A ausência do anticorpo IgM em um recém-nascido não exclui a
possibilidade da infecção congênita. Outros critérios são utilizados para o
diagnóstico da doença tais como, a presença de IgA positivo, lesão ocular ou
neurológica sugestiva de toxoplasmose e sorologia materna positiva. Dos 143 RN
com lesão ocular sugestiva de toxoplasmose, o IgM foi negativo em 31. Dos 31, 4
apresentavam IgA positivo. Em todos eles, a sorologia confirmatória da mãe (IgM e
IgG) foi positiva para a doença.
O achado de IgM negativo pode estar relacionado à sensibilidade do exame
(ELFA) que é de aproximadamente 80% (Remington et al., 2005). Outra
possibilidade, seria a triagem neonatal ter sido realizada no quinto dia de vida do
RN e a sorologia confirmatória só após um mês aumentando as chances do IgM ter
se tornado negativo ao longo do tempo. Além disso, o momento da gestação no
qual o feto tornou-se infectado pode influenciar na síntese de anticorpos IgM tanto
no útero quanto depois do parto. Se o RN tiver sido infectado imediatamente antes
do termo e durante o parto, o anticorpo IgM poderá estar ausente ao nascimento e
talvez por alguns dias e semanas após (Remington et al., 2005). No outro extremo,
um número pequeno de crianças infectadas logo nos primeiros meses da gestação
87
poderá ficar sem diagnostico devido ao declínio ou desaparecimento do IgM ao
nascimento (Schmidt et al., 2006; Petersen, 2007).
O tratamento prolongado das mães com toxoplasmose durante a gestação
também poderá encurtar ou diminuir a resposta do RN quanto à produção de IgM
(Lebech et al., 1999).
Apenas 124 de 221 mães foram submetidas à triagem sorológica para a
toxoplasmose durante a gestação. Dessas, 101 mães realizaram o exame no
segundo ou terceiro trimestre com resultado positivo em somente 25 delas. Das
183 mães com RN confirmados para a toxoplasmose congênita, 170 (92,9%)
apresentaram o IgM positivo após o parto comprovando a infecção materna
durante a gravidez (soroconversão). Provavelmente, a soroconversão ocorreu no
final do segundo e principalmente no terceiro trimestre da gestação, na maioria das
mães.
A taxa de transmissão materno-fetal aumenta progressivamente ao longo da
gestação atingindo mais de 80% se a infecção ocorrer na trigésima sexta semana
(Dunn et al., 1999) e quanto mais tardia for a idade gestacional no momento da
infecção menos graves serão as manifestações clínicas da doença ao nascimento
(Dunn et al., 1999; Many & Koren, 2006; Lopes et al., 2007). Quase todos os RN
infectados examinados eram aparentemente normais ao exame de rotina neonatal
(não apresentavam qualquer sintoma da infecção) e só foram identificados através
da triagem.
Nas mães com IgM negativo após o parto é provável que a soroconversão
tenha ocorrido nos primeiros meses da gestação e que o IgM tenha se negativado
ao longo do tempo.
88
As manifestações oculares da toxoplasmose podem variar amplamente
entre os indivíduos, sendo que o diagnóstico de certeza só poderia ser realizado
pelo isolamento do T. gondii nos tecidos oculares ou através da técnica de PCR
para identificação de antígenos do parasita. Portanto, o diagnóstico da
toxoplasmose ocular é presumível (Assis et al., 1997).
A retinocoroidite é a principal manifestação clínica e a principal seqüela da
toxoplasmose congênita (Wilson et al., 1980; Koppe et al., 1986; Gratzl et al.,
1998; O'Neill, 1998; Foulon et al., 1999; Lebech et al., 1999; Brezin et al., 2003;
Safadi et al., 2003; Remington et al., 2005; Many & Koren, 2006; Rorman et al.,
2006).
Ao exame de fundo de olho, a lesão ocular pode estar cicatrizada ou em
atividade. As áreas de retinocoroidite ativas podem ser pequenas ou grandes,
simples ou múltiplas, associadas ao edema retiniano ou a cicatrizes de
retinocoroidite adjacentes (Remington et al., 2005). Esse tipo de lesão associada à
sorologia positiva para a toxoplasmose no RN e/ou sua mãe e à presença de
outras manifestações clínicas da doença (alterações neurológicas) foram os
critérios utilizados para o diagnóstico da toxoplasmose ocular.
Em três casos foi necessária a solicitação de exames laboratoriais para
excluir outras infecções congênitas (casos com sorologia confirmatória negativa
para a toxoplasmose na mãe e/ou RN associadas a manifestações clínicas
sugestivas de outras infecções tais como rubéola, sífilis, hepatite, citomegalovírus
e herpes). As mães dos RN realizaram exames para excluir infecções durante o
pré-natal: exames para sífilis em quase todas, para AIDS com freqüência e para
hepatite B e rubéola em algumas. A prevalência da hepatite B é baixa no estado
de Minas Gerais (1068 casos confirmados em 2006 segundo dados da Secretaria
89
de Estado de Saúde de Minas Gerais) e a rubéola tem sido frequentemente
abordada com campanhas de vacinação direcionadas, principalmente, para
mulheres jovens e em idade fértil. A sorologia para o CMV raramente foi solicitada,
mas uma sorologia francamente positiva para a toxoplasmose, associada a sinais
e sintomas sugestivos da doença, torna improvável a infecção pelo CMV, embora
possa ocorrer co-infecção. Dentre as infecções congênitas e perinatais a
toxoplasmose é a que ocorre com maior freqüência. A coexistência da
toxoplasmose com outras infecções congênitas, embora possa ocorrer, é rara
(Remington et al., 2005).
A prevalência de lesão ocular observada na retina, no primeiro exame de
fundo de olho dos RN infectados, foi de 78,1%. Essa prevalência foi muito elevada
se comparada com outros trabalhos nos quais 80-90% dos neonatos não
apresentaram qualquer lesão ocular quando examinados alguns dias após o
nascimento. A literatura cita as seguintes prevalências de lesão ocular ao
nascimento: 22% por Couvreur et al (1984); 19% por Guerina et al (1994); 5,8%
por Villena et al (1998); 13,3% por Paul.M et al (2001); 11% por Wallon et al
(2004); 12,7% por Neto et al (2004); 14,9% por Schmidt et al (2006); 13,8% por
Kodjikian et al (2006); 10% por Gilbert et al (2007) e por Tan et al (2007).
Essa discrepância pode ser justificada pelo fato da assistência pré-natal, da
forma como foi realizada, ter sido insuficiente para a detecção da toxoplasmose
congênita, neste trabalho. Das 183 mães com RN confirmados para a doença,
quase a metade (81 mães) não fez sorologia para toxoplasmose durante a
gestação. Quando a sorologia foi solicitada, ela foi realizada apenas uma vez. Tal
abordagem é considerada insuficiente para detectar a soroconversão materna e
permitir a instituição de um tratamento precoce.
90
Apenas 17 mães foram tratadas durante a gestação. Ainda, não existe um
consenso se o tratamento da mãe infectada durante a gravidez teria alguma
eficácia na prevenção do aparecimento de manifestações clínicas da doença no
RN, mas se o tratamento for instituído dentro das três primeiras semanas de
infecção ele poderia reduzir a transmissão da infecção para o feto (Wallon et al.,
1999b; Peyron et al., 2000; Gilbert & Gras, 2003; Gilbert & Dezateux, 2006;
Thiebaut et al., 2007). Estudos randomizados e com grupo controle são
necessários para esclarecer esse tema tão controverso, enquanto isso, a conduta
atual ainda é aceitar que o tratamento pré-natal é melhor do que a ausência de
tratamento.
A virulência do T.gondii, forma de transmissão e a quantidade do seu
inoculum também podem justificar a elevada prevalência de lesão ocular
observada no presente trabalho. Na América do Sul, as lesões de retinocoroidite
são mais comuns e mais graves e isto tem sido atribuído, possivelmente, à maior
virulência dos parasitas (Gilbert & Dezateux, 2006; Gomez-Marin & delaTorre,
2007). No Brasil, o genótipo do toxoplasma que predomina é do tipo I que
apresenta alta virulência (Khan et al., 2005; Vallochi et al., 2005; Peyron et al.,
2006). Na Europa, o genótipo predominante é do tipo II considerado menos
virulento (Grigg et al., 2001; Peyron et al., 2006). A ingestão de uma grande
quantidade de oocistos, contaminando o solo e a água, também poderia ser um
importante fator de risco para o desenvolvimento de lesão ocular. Em algumas
regiões do Brasil (principalmente nas regiões mais pobres), essa é uma forma
freqüente de transmissão da doença (Bahia-Oliveira et al., 2003).
Outras justificativas seriam: a maior suscetibilidade individual, a observação
de um número limitado de casos em alguns dos trabalhos e a dificuldade relativa
91
de execução do exame oftalmoscópio em recém-nascidos, deixando muitas vezes
de se diagnosticar algumas lesões, principalmente aquelas localizadas fora do
polo posterior da retina. Alguns autores chamam a atenção para essa dificuldade
relativa (Couvreur et al., 1984).
O ideal para o exame do fundo de olho de um RN é a presença de um
oftalmologista experiente em Uveíte e Retina, uma boa midríase, a utilização de
um oftalmoscópio binocular indireto e se possível, sedação. Vários trabalhos
utilizaram o oftalmoscópio binocular indireto para o exame (Guerina et al., 1994;
Bahia-Oliveira et al., 2001; Paul et al., 2001; Safadi et al., 2003; Wallon et al.,
2004), mas algumas crianças desses trabalhos foram examinadas somente com o
oftalmoscópio monocular direto (Paul et al., 2001; Wallon et al., 2004). Em apenas
um dos trabalhos e com um número pequeno de infectados (quatro RN), a
sedação foi realizada (Bahia-Oliveira et al., 2001). Por se tratar a sedação de um
procedimento que não é isento de riscos, implicando questões éticas, no presente
trabalho optou-se pela realização do exame sob vigília. Além disso, o grande
número de RN participantes do estudo e a necessidade da avaliação dos
mesmos, regularmente, ao longo de todo o primeiro ano de vida tornariam a
sedação um procedimento inviável. O uso do blefarostato, a contenção do RN
com lençol e a presença de uma equipe de enfermagem treinada contribuiu para
facilitar a realização dos exames.
A alta prevalência de lesão ocular ao nascimento está em concordância
com um trabalho experimental em que embriões de camundongos C57BL/6
infectados pelo T.gondii e não tratados desenvolveram retinocoroidite antes
mesmo de nascer. Os autores desse trabalho sugerem que a lesão ocular da
92
toxoplasmose congênita é precoce e que o olho é afetado logo nas fases iniciais
da infecção (Tedesco et al., 2007).
Apesar da alta prevalência de lesão ocular, detectada no primeiro exame
de fundo de olho dos RN infectados, o status final do comprometimento ocular na
toxoplasmose congênita só poderá ser determinado após anos de observação,
pois novas lesões poderão aparecer ao longo do tempo (Brezin et al., 2003).
Não houve diferença estatisticamente significativa entre o sexo dos RN e a
presença de lesão ocular. O quadro ocular foi bilateral 79,7% dos casos e isso
está de acordo com a literatura que mostra altas taxas de comprometimento
bilateral da retina, na toxoplasmose congênita (Peyron et al., 1996; Mets et al.,
1997; Wallon et al., 2004; Remington et al., 2005; Kodjikian et al., 2006). Embora o
comprometimento bilateral seja comum, na toxoplasmose congênita, esse critério
não é suficiente para a distinção entre a forma congênita e adquirida da doença,
em pessoas com lesão tardia (Gilbert & Stanford, 2000).
A predileção do parasita pelo polo posterior, também foi demonstrada neste
trabalho. A zona 1 da retina foi comprometida em 87,4% dos RN (125/143)
desses, 60,1% (86/143) apresentavam lesões concomitantes na zona 2 e/ou 3. A
mácula foi afetada em 79% dos casos. Determinados trabalhos descrevem que
as lesões detectadas ao nascimento estão mais freqüentemente localizadas na
região macular do que aquelas lesões diagnosticadas mais tardiamente, dentre
eles: 7/9 por Guerina et al (1994); 14/22 por Kodjikian et al (2006);
7/7 por
Schmidt et al (2004). Particularidades anatômicas e no desenvolvimento da região
macular facilitam o estabelecimento da toxoplasmose nesse local tão delicado. A
mácula é uma região que se torna vascularizada muito cedo no processo de
desenvolvimento ocular e apesar de ser avascular, obtém seu suprimento
93
sanguíneo de arteríolas terminais que formam um grande plexo capilar em torno
dela. Já que o T. gondii atinge o olho, provavelmente, pela rota hematogênica a
presença do parasita nestes capilares terminais poderia facilitar o estabelecimento
da infecção nessa região do olho (Yang et al., 2000; Fiona et al., 2001; Holland,
2004). Além disso, macrófagos estão em menor quantidade na região macular
(Yang et al., 2000).
A cicatriz de retinocoroidite foi o tipo de lesão ocular mais observada ao
exame de fundo de olho (77,7% dos casos). Em 35,0% dos casos, o RN
apresentava apenas a lesão cicatrizada e no restante, a cicatriz estava associada
a lesões ainda em atividade ou em resolução. Segundo a literatura, na
toxoplasmose congênita, as lesões de retinocoroidite geralmente já estão
cicatrizadas no momento de sua detecção (Mets et al., 1997; Remington et al.,
2005), mas muitas das crianças infectadas descritas só foram examinadas mais
tardiamente (ás vezes anos depois) e não logo após o nascimento.
No presente trabalho, 60,9% (87/143) dos RN apresentaram lesões ativas e
associação de lesões ativas com lesões cicatrizadas, em pelo menos um dos
olhos. Desses, 18,2% possuíam apenas lesões ativas (sem cicatrizes). A
presença de lesão ocular ativa em RN infectados e examinados poucos dias após
o nascimento não é um achado comumente descrito na literatura. Alguns
trabalhos mostram os seguintes resultados: 23% de lesões ativas ao nascimento
por Kodjikian et al (2006); 4% por Guerina et al (1994); nenhuma lesão ativa por
Paul M. et al (2001) e nenhuma lesão ativa por Schmidt et al (2004). A alta
prevalência de lesão ocular ativa pode ser explicada pela precocidade do exame e
pela ausência de tratamento das mães durante o pré-natal.
94
Encontrou-se em 21% dos RN a presença de embainhamento vascular
localizado. A sua principal localização foi na periferia da retina e, na maioria dos
casos, estava associado a lesões puntiformes. Tedesco et al (2007) em trabalho
experimental sobre a toxoplasmose congênita cita como principais alterações
histológicas no tecido ocular dos embriões infectados, lesão de retinocoroidite e
infiltrados inflamatórios perivascular e no vítreo. Gazzinelli et al (1994) também
mostram, em seu trabalho experimental, que camundongos C57Bl/6 infectados
pelo T.gondii e tratados com anti-CD4 a anti-CD8 (modelo imunossuprimido)
apresentam um aumento da infiltração celular inflamatória na retina perivascular e
neuroretina. Entretanto, não foi encontrada na literatura, descrição desse achado
ocular em RN infectados e examinados mais precocemente. Embora a realização
de angiografia fluoresceínica pudesse auxiliar no diagnóstico do embainhamento
vascular, a observação da retina através da oftalmoscopia é considerada, por
alguns autores, como suficiente para o seu diagnóstico (Huge & Dickie, 2003;
Wallace et al., 2003)
Outras alterações oculares podem ocorrer em associação com a
retinocoroidite tais como o estrabismo, nistagmo, atrofia óptica, microftalmia,
catarata, descolamento de retina, hemorragia retiniana e glaucoma. Neste trabalho,
o estrabismo foi a principal alteração ocular associada à retinocoroidite e ocorreu
em 18,9% dos RN infectados. Em 75% dos casos, ele estava associado à
retinocoroidite macular bilateral e essa associação foi estatisticamente significativa
(p=0, 005).
Outros trabalhos, também relatam ser o estrabismo a principal alteração
ocular associada à lesão de retinocoroidite na toxoplasmose congênita (Bahia,
1991; Meenken et al., 1995; Peyron et al., 1996; Mets et al., 1997; Villena et al.,
95
1998b; Vutova et al., 2002; Safadi et al., 2003; Kodjikian et al., 2006). Para esses
autores, as alterações oculares associadas ocorrem mais frequentemente em olhos
com envolvimento macular e servem como um indicador indireto da gravidade da
doença. Entretanto, essas alterações podem aparecer ao longo do tempo. Assim, o
acompanhamento das crianças será fundamental para se estabelecer o verdadeiro
impacto ocular da toxoplasmose congênita, particularmente naquelas crianças com
envolvimento macular. Como os RN deste trabalho serão acompanhados ao longo
de no mínimo todo o primeiro ano de vida e a prevalência de lesão macular foi
elevada já no primeiro exame, o número de crianças com estrabismo no final do
estudo deverá ser ainda maior.
Com relação aos achados neurológicos, 23,3% dos RN confirmados
apresentaram alterações quando submetidos aos exames de neuroimagem
(176/183 RN confirmados foram submetidos a esses exames). O exame mais
realizado foi o ultra-som transfontanela. Apesar de o exame de tomografia
computadorizada ser considerado o de maior sensibilidade para detectar as
alterações neurológicas na toxoplasmose congênita (McAuley et al., 1994; Safadi
et al., 2003), um estudo recente sugere que a ultrasonografia poderia apresentar
sensibilidade comparável à tomografia na detecção de calcificações cerebrais,
especialmente pela crescente melhora na resolução dos aparelhos de ultra-som
(Lago et al., 2007).
Outros trabalhos mostram a seguinte prevalência de achados neurológicos:
29% por Guerina et al (1994); 6,4% por Neto et al (2000) 11% por Wallon et al
(2004); 10,8% por Neto et al (2004); 21,2% logo após o nascimento por Schmidt et
al (2006).
96
As calcificações intracranianas foram o principal achado neurológico o que
está de acordo com a literatura (Oréfice et al., 1989; Patel et al., 1996; Melamed et
al., 2001). Considerando os RN com alteração neurológica, 90,2% (37/41)
apresentavam
calcificações
ao
nascimento.
Associação
estatisticamente
significativa entre calcificações intracranianas, retinocoroidite e estrabismo foi
observada no presente trabalho. Esse achado foi similar ao de outros estudos
realizados previamente (Diebler et al., 1985; Melamed et al. 2001).
Dos 41 RN com alterações neurológicas detectadas através dos exames de
imagem, 92,7% (38/41) apresentaram lesão de retinocoroidite e essa associação
foi estatisticamente significativa (p= 0, 009). A literatura confirma que na doença
com predomínio de manifestações neurológicas, a freqüência de retinocoroidite é
de 94,4%, e quando as lesões neurológicas são discretas ou ausentes, a incidência
de retinocoroidite cai para 65,9% (Remington et al., 2005). Dos 40 RN com
alteração neurológica e exame de fundo de olho viável, 82,5% (33/40)
apresentavam retinocoroidite com envolvimento macular (p= 0, 002) demonstrando
que existe uma associação entre a presença de achados neurológicos e
retinocoroidite macular nos RN infectados (doença ocular de maior gravidade se
achado neurológico).
A
clássica
tríade
descrita
por
Sabin
(hidrocefalia,
calcificações
intracranianas e retinocoroidite) ocorreu em apenas 1,6% dos casos (3/183). Na
literatura ela é descrita em 10-15% dos RN com toxoplasmose congênita
(Remington et al., 2005; Rorman et al., 2006). Essa disparidade pode ser explicada
em parte por viés de seleção.
Embora este estudo tenha sido transversal, com descrição apenas dos
resultados do primeiro exame dos RN, sua cobertura foi alta abrangendo 98% dos
97
nascidos vivos no Estado de Minas Gerais, apresentou amostra homogênia
composta por mais de 140.000 RN triados em apenas sete meses e sua complexa
execução envolveu a participação da Secretaria de Estado de Saúde de Minas
Gerais, NUPAD e de uma equipe multidisciplinar de profissionais. Apesar de o
exame oftalmológico ter sido realizado sem sedação, a oftalmoscopia binocular
indireta foi utilizada em todos os RN e todos os exames foram registrados através
de desenhos, fotos e/ou filmagem. O uso do blefarostato, a contenção dos RN com
lençol e o auxílio de uma equipe de enfermagem treinada foram diferenciais para a
realização do exame.
O presente trabalho identificou, pela triagem, RN com toxoplasmose
congênita que aparentemente eram normais ao exame de rotina neonatal, mas que
surpreendentemente apresentaram alta prevalência de doença retiniana ao exame
específico. Além disso, mostrou alta prevalência de lesão ocular em atividade, o
que não é comum, e a presença de embainhamento vascular na retina desses RN.
Também confirmou que a toxoplasmose congênita apresenta alta prevalência no
Estado de Minas Gerais, a exemplo de outros trabalhos no restante do país.
Portanto, a toxoplasmose congênita merece especial atenção das autoridades de
saúde e sua inclusão em programas de triagem deveria ser levada em
consideração.
No Brasil, um país com mais de 183 milhões de habitantes e
aproximadamente 2.400.000 recém-nascidos/ ano, a prevalência de doenças
infecciosas é consideravelmente maior do que a prevalência de fenilcetonúria
(1/13000 nascidos vivos) e do hipotireoidismo congênito (1/3.500 nascidos vivos)
(Neto et al., 2004). Essas são doenças que obrigatoriamente fazem parte do
programa de triagem neonatal realizado através do “teste do pezinho”.
98
O custo de um programa de triagem neonatal para a toxoplasmose
congênita é relativamente barato, pois o programa utiliza o sistema de coleta e
processamento de sangue seco já utilizado para a triagem neonatal convencional.
Ele se mostrou acessível e eficiente e seria uma opção de programa de triagem
para a toxoplasmose congênita no Estado de Minas Gerais e no restante do país.
Entretanto, já que a prevalência da doença no Estado foi muito elevada, assim
como, a prevalência de lesão ocular detectada já no primeiro exame dos RN
infectados, o ideal seria a adoção de medidas preventivas como orientação das
mães quanto aos fatores de risco para a doença e a realização de triagem prénatal rigorosa (sorologia seriada) para identificar e tratar aquelas mães que se
tornaram infectadas durante a gestação.
99
7-CONCLUSÕES
1- Foi verificada alta prevalência de recém-nascidos com toxoplasmose congênita
no Estado de Minas Gerais: 1/799 nascidos vivos. A inclusão da toxoplasmose
congênita em programas de triagem deveria ser levada em consideração pelas
autoridades de saúde;
2- Foi também observada alta prevalência de lesão ocular detectada já no primeiro
exame de fundo de olho dos RN infectados: 78,1%;
3- Com relação à descrição das lesões: o quadro ocular foi bilateral em 79,7% dos
casos; a zona 1 da retina foi a região mais comprometida (87,4% dos RN), com
envolvimento macular em 79% dos casos; as cicatrizes de retinocoroidite foram
observadas em 77,7% dos RN, mas lesões em atividade ocorreram em 60,9%;
4- Estrabismo foi constatado em 19,6% dos RN, embainhamento vascular em
21%, microftalmia em 4,2% e opacidades vítreas em 10,5%;
5- Houve associação estatisticamente significativa entre:
•
Estrabismo e retinocoroidite macular bilateral (p=0, 005);
•
Calcificações intracranianas e retinocoroidite (p= 0, 006);
•
Calcificações intracranianas e estrabismo (p= 0, 001);
•
Alterações neurológicas e retinocoroidite (p=0, 009);
•
Alterações neurológicas e retinocoroidite macular (p=0, 002).
100
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Atheneu, 2007. p.383-393.
121
9-ANEXOS
A - FORMULÁRIO ESPECÍFICO PARA A OFTALMOSCOPIA BINOCULAR
INDIRETA
122
B - LOCALIZAÇÃO TOPOGRÁFICA DAS LESÕES
HOLLAND, G.N. et al. A controlled retrospective study of ganciclovir treatment for
cytomegalovirus retinopathy.Use of a standardized system for the assessment of disease
outcome.UCLA CMV Retinopathy.Study Group.Arch Ophthalmol 1989; 107: 1759 -1766.
123
C - PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA
124
D – FLUXOGRAMA COM OS RESULTADOS DA TRIAGEM NEONATAL E IgM
CONFIRMATÓRIO DOS 183 RN CONFIRMADOS
183 RN confirmados para
toxoplasmose congênita
181 RN com a triagem
neonatal positiva
145 RN com IgM
confirmatório positivo
36 RN com IgM
confirmatório negativo
1 RN com a triagem
neonatal inconclusiva
1 RN com a triagem
neonatal negativa
1 RN com IgM
confirmatório negativo
1 RN com IgM e IgA
confirmatório positivo
56 RN com IgA positivo
5 RN com IgA positivo
1 RN com IgA negativo
4 RN com IgA negativo
88 RN com IgA não
realizado
Sorologia da mãe positiva
e retinocoroidite
IgA não realizada.
Sorologia da mãe positiva
e retinocoroidite
27 RN com IgA não
realizado
Sorologia da mãe positiva
e retinocoroidite
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Danuza de Oliveira Machado Azevedo