Ministério da Justiça Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08000.016489/1997-21 Representante: Antônio Carlos de Moura Campos. Representada: Ficsatur Agência de Turismo Ltda, Kamel Turismo e Chamonix Operadora de Turismo Ltda. Advogado(s): Não consta nos autos. Relator: Conselheiro Luiz Alberto Esteves Scaloppe EMENTA: Processo Administrativo. Denúncia de prática de ação concertada e venda casada da inscrição para a Maratona de Nova Iorque em conjunto com pacote de viagem por parte da Ficsatur Agência de Turismo Ltda, Kamel Turismo e Chamonix Operadora de Turismo Ltda. Ausência de danos à concorrência. Não configuração das condutas tipificadas no art. 20, I e IV, e art. 21, I e XXIII, da Lei nº 8.884/94. Convergência dos pareceres da SDE e do MPF. Decisão pelo arquivamento. VOTO Conforme descrito no relatório, o presente feito, submetido a apreciação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), trata de Processo Administrativo, instaurado pelo Sr. Secretário de Direito Econômico, mediante representação protocolizada no ano de 1997 pelo Sr. Antônio Carlos de Moura Campos, interessado em participar da Maratona de Nova Iorque em novembro daquele ano. Segundo denunciado, as empresas Ficsatur – Agência de Turismo Ltda (“Ficsatur”), coligada da Kamel Turismo (“Kamel”), e a Chamonix Operadora de Turismo Ltda (“Chamonix”), únicas credenciadas para receber inscrições de maratonistas para a Maratona de Nova Iorque, teriam realizado acordo, condicionando a prestação do serviço à aquisição de pacote turístico. Foram acostados aos autos, juntamente com a representação, documentos de fls. 09/12, publicações das empresas Kamel e Chamonix que PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08000.016489/1997-21 demonstrariam a vinculação denunciada. Em julho de 2000, baseado em tais documentos, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) entendeu haverem indícios suficientes a justificar o prosseguimento do feito em sede de Processo Administrativo de averiguação de conduta infracional com o fim de apurar a existência de condutas infringentes à ordem econômica, passíveis de enquadramento no art. 21, incisos I e XXIII, da Lei nº 8.884/94 consistente em realizar acordo com concorrente e subordinar a prestação de um serviço à aquisição de outro, condutas essas que tipificam as infrações definidas no art. 20, incisos I e IV do mesmo diploma legal. Devo esclarecer, inicialmente, sobre o teor da Representação, que deu origem ao presente processo administrativo. Segundo o representante: “Em recente reunião de corredores de São Paulo interessados em participar da Maratona de Nova York em novembro do ano em curso com um representante da Ficsatur – Agência de Turismo Ltda, empresa coligada da kamel Turismo, do Rio de Janeiro, fomos informados de que a condição essencial para a inscrição no referido evento seria a aquisição de um pacote de viagem em que a parte terrestre, compreendendo 5 (cinco) noites de hospedagem no “Flatotel International”, está sendo oferecida a US$ 1.992 por casal, valor correspondente a uma diária de US$ 398,40”. (grifei) O que se denunciava, em 1997, era a sujeição da inscrição na maratona à compra de um pacote de viagem completo, incluindo parte aérea e terrestre. Nesse sentido, o representante salientava, em sua manifestação, que no ano anterior as empresas credenciadas no Brasil para receber as inscrições tiveram “o bom senso” de aceitar, como alternativa, a inscrição condicionada apenas à aquisição da passagem aérea, ficando o cliente liberado para contratar a parte terrestre junto a outra agência de viagem. Naquela ocasião, alega ter conseguido um hotel confortável e bem localizado por US$ 150 a diária do casal. As representadas, em suas defesas, sustentaram que a aludida vinculação da inscrição à compra de um pacote de viagem, não significava que se tratasse de um pacote completo. Para a inscrição seria essencial apenas a compra de um pacote de viagem que incluísse passagem de ida e volta, que poderia ser o pacote simples (somente aéreo), ou o completo, incluindo além das inscrições e das passagens, traslados, acompanhantes, kit completo para maratonistas, hotéis de diversas categorias e preços, etc. Percebo que a vinculação da inscrição à compra de passagens aéreas ocorria por exigência da organização norte-americana “The New York Road Runner´s Club” (NYRRC), organizadora da maratona de Nova York, conforme alegado pelas representadas e constante dos contratos firmados entre estas e a NYRRC. No documento intitulado “Regulamento de Grupos de Turismo da Maratona de Nova York de 1997”, traduzido para o vernáculo às fls. 43/52, consta no item 4: “Você fornecerá formulários de inscrição somente como parte de um pacote completo que deve incluir, pelo menos, passagem aérea, e 2 PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08000.016489/1997-21 poderá também incluir reservas de hotel e outras providências turísticas (‘Pacotes da Maratona’)...” (grifei) Tal exigência é feita pela organização, segundo a Kamel, devido aos problemas de imigração existentes naquele país. Uma outra questão relevante diz respeito às possíveis formas de inscrição na referida maratona. Segundo apurado pela SDE, existem três maneiras de participar da Maratona de Nova Iorque. A primeira é participar do sorteio da loteria, opção que, por tratar-se de sorteio não dá garantia que o inscrito participe da prova. A segunda forma é o maratonista obter índices de tempo pré-determinados pelo NYRRC. E a terceira maneira é se inscrever através das agências autorizadas para esse fim, comprando os pacotes oferecidos pelas empresas. A imposição de condições para disciplinar a participação de atletas estrangeiros na maratona é feita pela organização estrangeira indiscriminadamente a todos os atletas estrangeiros. No caso em tela, a imposição da vinculação da inscrição à compra de passagem de ida e volta era condição para oferta no país da terceira modalidade de inscrição. Caso contrário, os atletas que não fossem detentores de índices de tempo, só teriam a modalidade de sorteio para se inscrever, o que não lhes garantiria a participação na prova. Neste ponto devo mencionar a conclusão do parecer da ProCADE (fls 147/158), que entendeu haverem fortes indícios da venda casada dos serviços de inscrições e passagem aérea e finaliza, recomendando a oitiva da SEAE, nos termos estabelecidos no artigo 38 da Lei nº 8.884/94, em face da insuficiência de instrução, para realização da análise de definição de mercado relevante. Em primeiro lugar, não vejo necessária a oitiva da SEAE, tendo em vista ter sido a Secretaria oficiada a respeito da instauração do presente processo administrativo (fls. 29), nos termos do artigo 38 da Lei nº 8.884/94, e não ter apresentado parecer, conforme lhe faculta o mencionado texto de lei. Depois, não compartilho do mesmo entendimento a respeito da instrução do feito, pois através dos contratos firmados entre as representadas e a empresa organizadora da maratona, a NYRRC, ficou comprovada a exigência por parte da organizadora da maratona da venda das passagens juntamente com a inscrição. Como ressaltei no início deste voto, o teor da manifestação que deu origem à instauração do feito, fazia referência à vinculação da inscrição à compra de um pacote completo de viagem, o que o representante não concordava, tendo em vista ter se inscrito no ano anterior, na mesma maratona, mediante compra apenas do pacote aéreo e se hospedando, de forma independente, em hotel mais acessível que os disponibilizados pelas representadas no ano de 1997. Da análise dos documentos constantes dos autos, restou suficientemente claro que, na verdade, no ano de 1997 não estava sendo exigida a compra de pacote completo de viagem, mas de pacote simples, que incluía 3 PROCESSO ADMINISTRATIVO nº 08000.016489/1997-21 apenas a parte aérea. Nesse sentindo, uma das representadas alegou, em sua defesa, que muitos foram os passageiros, inclusive o reclamante, que utilizaram a opção de se inscrever, adquirindo apenas as passagens aéreas no próprio ano de 1997. De fato, ocorria a vinculação da inscrição na maratona à venda da passagem aérea, mas como essa era uma exigência da empresa organizadora da maratona nos EUA e uma condição para oferta daquela modalidade de inscrição no território nacional, não entendo configurada a prática de venda casada, e mesmo que fosse, não vejo comprovada infração à ordem econômica. Vale dizer, que países que não possuem agências credenciadas pelo NYRRC para venda de pacotes, têm seus atletas prejudicados por não poderem dispor dessa modalidade de inscrição. Dessa forma, não vejo como imputar às representadas a prática de ilícito concorrencial pela vinculação da inscrição à venda de passagens aéreas. Por último, devo registrar o longo período de tempo despendido na tramitação deste processo. A manifestação do Sr. Antônio Carlos de Moura Campos é datada de 22 de maio de 1997. Já o Processo Administrativo de averiguação de conduta infracional foi instaurado em 07 de julho de 2000 e remetido ao CADE somente em 08 de dezembro 2004; tendo sido a mim distribuído em 15 de dezembro de 2004 (fls. 143). Em face do exposto, com respaldo nos documentos e com apoio nas opiniões convergentes da SDE/MJ e MPF, voto pelo arquivamento do presente feito, dada a inexistência de comprovação de condutas tipificadas no art. 20, I e IV, e art. 21, I e XXIII, da Lei Antitruste. É o voto Brasília (DF), 11 de maio de 2005. LUIZ ALBERTO ESTEVES SCALOPPE Conselheiro-Relator 4