TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE “EMPREGO” TRABALHO E RENDA Vanessa Dias de Oliveira Universidade Federal de Sergipe [email protected] Resumo As mudanças recentes no funcionamento do capitalismo em crise estrutural são reveladoras da diversificação da divisão social/territorial do trabalho. As saídas para a crise originaram um processo de organização do capitalismo, que acarretou diversas medidas como a intervenção do Estado no mundo do trabalho. Este é o caso do Brasil, em que o fomento de políticas públicas de geração de “emprego”, trabalho e renda estão articuladas ao Sistema Público de Emprego. Tais políticas se constituem um conjunto bastante heterogêneo de ações dos governos no mercado de trabalho como forma de minorar os índices de desemprego e ocupações precárias e têm profundos rebatimentos no reordenamento do espaço geográfico, nas suas diferentes escalas. Estas políticas públicas revelam uma inserção de trabalhadores, notadamente via cooperativa, informalidade e diversas outras formas de trabalho de forma precária. Palavras-chave: Políticas públicas; precarização; mundo do trabalho e desemprego. Introdução Esta pesquisa analisa as políticas públicas de emprego, trabalho e renda vinculadas ao PROGER (Programa da Geração de Emprego e Renda) Urbano, na cidade de Aracaju/SE. A fundamentação teórico-prática é de base marxiana/marxista que permite compreender como o empreendimento do capital na sociedade capitalista tem se apropriado necessariamente da totalidade do trabalho como forma de atenuar o processo de crise estrutural e provoca profundas mudanças no espaço geográfico em suas diferentes escalas. Esta crise se expressa a partir da reestruturação produtiva do final do século XX, com a transição do padrão de acumulação taylorista/fordista para o toyotista, aliada a política neoliberal, ao fortalecimento da esfera financeira como forma de expansão do capital via mundialização e com a desregulamentação e flexibilização das relações de produção e trabalho somadas a privatização das funções sociais do Estado. No centro da busca de saída da crise aparece um ataque intenso à classe trabalhadora e assim transformações sem precedentes para os sujeitos que trabalham e o mundo do trabalho. Para reverter a explosão do desemprego estrutural proveniente da crise ocorre a emergência de políticas públicas de geração de “emprego”, trabalho e renda, articuladas ao Sistema Público de Emprego no Brasil caso do PROGER-Urbano. Assim, captar as mudanças no mundo do trabalho, especialmente no que tange aos rebatimentos dessas políticas, só foi possível utilizando o materialismo histórico e dialético, subsidiado pela pesquisa empírica, pelo contato direto com os trabalhadores e trabalhadoras. Desta forma, descortinam-se as formas concretas em que se apresentam o processo de produção e realização do capital, em seu movimento real na unidade da aparência e essência, na forma e no conteúdo do mundo do trabalho. As pesquisas realizadas até o momento mostram que o grande ponto de convergência dessas políticas está nas formas alternativas de geração de trabalho e renda que surgem à margem do trabalho regulamentado, do emprego, uma vez que procuram fomentar iniciativas individuais ou coletivas por meio do autonegócio, de cooperativas populares, da livre iniciativa. Os rebatimentos da crise estrutural do capital no mundo do trabalho As profundas mudanças que o mundo do trabalho tem apresentado nas últimas décadas têm colocado, pela sua complexidade, um grande desafio para diversos estudiosos da temática. O trabalho é categoria fundante do mundo dos homens ao atender simultaneamente as necessidades de toda sociabilidade: produção e reprodução da subsistência sem a qual nenhum ser humano sobreviveria, e na medida em que os homens, ao transformarem esse mundo natural, transformam a sua natureza social, esta transformação se processa objetivamente e subjetivamente. Entende-se o capital como uma relação social que subordina estruturalmente o trabalho e o subjuga de forma radical no modo de produção capitalista. Compreende-se o trabalho em sua condição ontológica, na unidade valor de uso e valor de troca, mediador universal da relação homem-natureza e que no modo de produção capitalista assume a forma plena de mercadoria. Nessa relação capital x trabalho estabelecida no modo de produção capitalista tem-se o processo de produção e organização do espaço geográfico em suas diferentes escalas como respostas às necessidades de acumulação do capital. Assim, a interpretação do espaço geográfico não pode prescindir da clareza conceitual da temática do trabalho, especialmente como o modo de produção capitalista se comporta a partir do final do século XX e XXI, no contexto da reestruturação produtiva. A reestruturação produtiva, mesmo sendo uma característica própria do modo de produção capitalista em sua história e necessária para a retomada de novos ciclos de acumulação, apresentará contornos marcantes com uma redefinição em nível mundial dos processos produtivos, pautados nas novas formas de produção que ganham força a partir da década de 1970. Desde esta década o sistema do capital passa pela mais intensa crise da sua história, de abrangência estrutural e totalizadora e nesse sentido e na mesma proporção os rebatimentos sobre a classe trabalhadora se apresentarão pari passu na totalidade do trabalho via desemprego, precarização, terceirização e informalidade também em níveis estruturais. A concepção de uma crise estrutural parte do princípio que as contradições do capital atingem níveis absolutos e assim irreversíveis. Nesse sentido, Mészáros (2002) defende que a crise que vivenciamos é estrutural por ser universal, não se restringir a um ramo particular, mas abranger a totalidade das relações de produção. Seu alcance é global, ocorre em todos os países e sua escala de tempo não é mais cíclica como em momentos anteriores, mas é continuada, permanente. A característica totalizadora da crise não permite o deslocamento das contradições, pois isso só é possível quando a crise é parcial, manejada pelo sistema e permite mudanças, como foi o caso da de 1929. Ainda que o sistema do capital esteja em crise estrutural, ele continua se realizando, persistindo em medidas paliativas e na apropriação e intensificação da exploração da diversidade do trabalho. Como a principal tendência observada na crise estrutural são as quedas nas taxas de lucro que correspondem ao sismógrafo da acumulação do capital, para driblar a tendência declinante da queda nas taxas de lucro, e retardar seu processo de crise, o capital busca extrair a mais-valia sintonizando o trabalho produtivo e improdutivo, material e imaterial, vivo e morto, formal e informal dando novas faces ao mundo do trabalho. Cogiolla e Martins (2006), sustentados na análise marxiana destacam que uma série de fatores contribui para contrabalancear a queda tendencial na taxa de lucro, principal evidência da crise: o aumento do grau de exploração do trabalho; a redução do salário abaixo do seu valor; a busca do barateamento dos elementos do capital constante; a superpopulação relativa (que propicia abrir novos ramos produtivos com baixa composição orgânica) e o comércio exterior que permite o barateamento tanto das matérias primas como de força de trabalho na relação desigual entre países centrais e periféricos. Destarte, os autores destacam que a crise do final do século XX é uma crise de realização da mais-valia e implica na queda tendencial da taxa de lucro em seu conjunto, “a globalização” nesse contexto aparece como tergiversação ideológica da crise. Esta crise engendrou uma intensa mudança nas formas de produzir, pela passagem do regime de acumulação fordista-taylorista para o toyotista-flexível. Esta passagem foi viabilizada por meio de uma grande inovação tecnológica (as tecnologias em microeletrônica, em computação - software e hadware -, em telecomunicação/radiodifusão, a optoeletrônica e a engenharia genética), na busca da qualidade total da produção (OLIVEIRA, 2007). As novas tecnologias objetivaram atacar a queda na produtividade do trabalho e da taxa de lucro mediante a redução do tempo de trabalho necessário, produzir com estoque reduzido, capacitar o aparelho para a flexibilidade, organizar o trabalho e a produção para maior controle do processo produtivo e reduzir o tempo necessário para se produzir (COGIOLLA e MARTINS, 2006). A partir da leitura dos Grundrisse de Marx, Mészáros (2002) destaca que o desenvolvimento das forças produtivas pela incorporação da ciência e da tecnologia na produção provocaria uma redução do tempo de trabalho socialmente necessário na produção de valores. Com o desenvolvimento da maquinaria chegaria um tempo em que o valor se tornaria socialmente inadequado como medida de riqueza, todavia, se o modo de produção fosse o capitalista, continua sendo o trabalho vivo o único criador de valor, dependente do tempo de trabalho. É uma tendência contraditória do capital, submeter ao máximo o trabalho vivo ao trabalho morto até um ponto que a riqueza não poderia ser medida adequadamente pelo tempo de trabalho. Marx apontava que, com o desenvolvimento da indústria em grande escala, o trabalhador passa a fazer parte do processo de produção em vez de ser o seu ator principal, assim não é o trabalho humano direto que ele próprio realiza nem o tempo durante o qual ele trabalha, mas antes a apropriação de seu próprio poder produtivo social, é o desenvolvimento do indivíduo social que surge como a grande pedra fundamental da produção da riqueza (ibidem). Assim, o capital carrega uma contradição, ao mesmo tempo em que tenta reduzir o trabalho necessário a um mínimo, tem como única fonte de riqueza o tempo de trabalho não-pago, a mais-valia, pela exploração do trabalhador. Ele emprega a ciência e a tecnologia aumentando a sua composição orgânica tentando se livrar do trabalho vivo, e ao mesmo só mede a riqueza dentro dos limites de conservação e tempo dos valores criados pelo trabalho. Nessa perspectiva, vale destacar que tais mudanças alterarem profundamente a organização sóciotécnica da produção por via da desterritorialização ou reterritorialização, redefinindo a divisão internacional do trabalho. Onde mais precárias e desprotegidas se apresentarem as condições de realização do trabalho mais férteis tornam-se as possibilidades de lucros. Mészáros (2006) ao fazer uma leitura sobre o desemprego e a precarização como desafios para a esquerda, afirma que atualmente nenhum setor do trabalho está imune a miséria do desemprego e do trabalho temporário, entendido também como a própria precarização e trabalho flexível. A globalização do desemprego e do trabalho assalariado sustentadas na flexibilização, representam a equalização descendente da taxa de exploração diferencial. Para o autor o mito da flexibilidade esconde as reais estatísticas de desemprego que aumentam também nos países de “capitalismo avançado”. A necessidade de produzir desemprego, como diminuição de custos, surge na raiz das próprias condições de acumulação do capital. A selvageria do atual sistema ao mesmo tempo em que expele trabalhadores, prolonga o tempo de trabalho aonde quer que o capital possa ir. Para Antunes (2007) esta força de trabalho precarizada estruturalmente se apresenta como um terço da força de trabalho disponível no mundo, exercendo trabalhos temporários, precários, terceirizados, informais que aumentam em virtude do desemprego estrutural. Ocorre uma redução dos trabalhadores industriais que são mais intensamente explorados, em virtude da incorporação de tecnologia. No outro lado do mesmo processo uma gama de sujeitos não encontra trabalho estável, formando um grande contingente de desempregados. O mundo do trabalho apresenta assim uma nova forma, com várias faces na qual a precaridade é a mais relevante. A redução do uso da força de trabalho em todos os países se apresenta pela desregulamentação e flexibilização dos direitos trabalhistas, aumento da fragmentação e complexificação da classe trabalhadora; precarização e terceirização dos contratos de trabalho, desregulamentação e privatização das funções do Estado, tudo isso envolvido no discurso e prática neoliberais incorporadas pelos Estados-Nações e impostas pelas instituições financeiras (FMI e Banco Mundial) nos ajustes enconômicos hodiernos. É interessante compreender como tem se processado a flexibilização, considerada uma das armas contra do desemprego. A flexibilização é para Vasapollo (2006) como a liberdade da empresa para: despedir seus empregados, sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem; reduzir e aumentar o horário de trabalho, repentinamente e sem aviso prévio, quando a produção necessite; pagar salários reais mais baixos do que a paridade de trabalho, seja para solucionar negociações salariais, seja para poder participar de uma concorrência internacional; possibilidade da empresa subdividir a jornada de trabalho em dia da semana conforme a sua conveniência; liberdade para destinar parte de suas atividades para empresas externas bem como a possibilidade de contratar a força de trabalho em regime temporário. Todas estas feições do caráter complexo do mundo do trabalho apresentam uma precarização estrutural. Precarizar a força de trabalho é não atender a legislação vigente, é encobrir a relação entre empresa principal/empresa terceirizada/ e força de trabalho ofertada, é condicionar os trabalhores às jornadas de trabalhos exaustivas ignorando o tempo de trabalho disponível, é impor os trabalhadores ao perigo do desenvolvimento do trabalho sem as condições mínimas de proteção via equipamentos de segurança, é se submeter a chuva e ao sol, é rebaixar salários abaixo do seu valor. Precarizar é ir contra o que é legal, é sustentar-se no ilegal, nesse sentido a informalidade apresenta um elevado grau de precarização visto que representa além das questões acima citadas, a ausência da possibilidade da estabilidade, a incerteza e debilidade dos trabalhadores. As políticas públicas de emprego, trabalho e renda no Brasil A política pública é o resultado de um problema social que precisa ser resolvido, combatido, amenizado. Funciona como uma medida e está em sintonia com o funcionamento do mercado de trabalho nacional. Mesmo que a tendência a mundialização redefina as condições de funcionamento de contratação da força de trabalho em nível mundial, a regulação mais intensa é exercida pelo Estado-Nação. O Estado na afirmação de Harvey (2005) desempenha um papel importante na regulação da exploração do trabalho, além de conduzir o provimento de bens públicos e infra-estruturas sociais e físicas. Logo, afirma-se que em todos os aspectos sua intervenção é necessária inclusive nas políticas públicas de geração de emprego, trabalho e renda. Na história brasileira o primeiro momento de mudanças no mundo do trabalho ocorre com o fim da escravidão, com a transição para o trabalho assalariado. Nesse contexto a população vivia ainda concentrada nos espaços rurais, sendo constituída, sobretudo, por negros e mestiços sem formação adequada às exigências da transição, a imigração foi assim a forma de garantir a compensação na formação do mercado de trabalho. O segundo momento vai desde a Revolução de 1930 até 1988 com o processo de redemocratização do país após fim da ditadura militar, quando o mercado de trabalho tornou-se nacional e o assalariamento passou a ser predominante no país. Nesse recorte vale ressaltar que a formação do mercado nacional de trabalho teve conseqüência direta do êxodo rural para as cidades (POCHMANN, 2008). As primeiras políticas de proteção ao trabalhador aparecem justamente no momento de consolidação da industrialização brasileira, por volta da década de 1960. O forte crescimento populacional, a forte migração e conseqüentemente o crescimento dos grandes centros urbanos provocaram uma expansão e concentração da força de trabalho nas cidades, que foi inserida no mercado formal de trabalho industrial e nos aparelhos do Estado. Permanecendo nas análises de Pochmann (2008) o terceiro momento vai ocorrer após o esgotamento do projeto de industrialização nacional após 1981, intensificando após 1990, situação em que ocorre um processo de desestruturação do mercado de trabalho aliada a política neoliberal adotada no país, em virtude da ampliação das importações e da desnacionalização do parque produtivo e o setor privado passou a adotar novas práticas de gestão da força de trabalho por meio da terceirização, redução de hierarquias ocupacionais, gestão participativa, dentre outros, além de um processo de concentração da renda no país. Na perspectiva de periodização da regulamentação do trabalho no país Serra (2009) destaca que a legislação pública na área de trabalho no Brasil apresenta recortes temporais importantes: a criação do Ministério do Trabalho em 1930, a Consolidação das Leis Trabalhistas em 1943, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) o Sistema Nacional de Emprego (SINE) em 1976, e o Seguro Desemprego em 1986. As profundas mudanças nas condições de trabalho e emprego após década de 1990, com a explosão do desemprego, caracteriza-se no momento em que este se tornou umas das principais focos de intervenções estatais regulamentada com o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Através do FAT todo sistema público de emprego é financiado, toda esta política é estruturada pelo Sistema Público de Emprego Trabalho e Renda criado em 1995 distribuído em três áreas: 1 – as políticas de caráter compensatório de apoio ao desempregado como (Abono Salarial e Seguro-Desemprego) para transferência temporária de renda; 2 – as políticas ativas que buscam Qualificação Profissional e estimular a inserção do desempregado no mercado de trabalho; 3 – e as políticas de concessão de crédito dirigida aos diversos setores produtivos capazes de gerar emprego e renda (RAMOS, 2003). Na compreensão de Ramos (2003) quando se fala em políticas de emprego devemos entender só aquelas medidas que atuam sobre a oferta de trabalho, reduzindo-a ou alterando seu bem-estar, ou sobre o nível de emprego alterando a demanda de forma direta (criação de empregos públicos, por exemplo) ou indireta (formação profissional). As Políticas Públicas de Emprego e dentro delas o Sistema Público de Emprego têm o respaldo na própria Constituição Federal, com sustentáculo nos recursos do Programa de Integração Social (PIS) e Programa de formação do patrimônio do Servidor Público (PASEP), que constituem o Fundo de Amparo do Trabalhador (FAT). Tais recursos objetivam garantir assistência aos desempregados, garantir renda suplementar através do Abono Salarial aos trabalhadores de baixa renda, além de financiar programas de desenvolvimento econômico, com vistas na geração de emprego e limitar a rotatividade da força de trabalho. Todas as ações de Políticas Públicas de Emprego devem ser articuladas no Sistema Público de Emprego com intermediação de mão-de-obra, por meio do Sistema Nacional de Empregos (SINE). Existem dois tipos de políticas, as ativas e as passivas que são de responsabilidade do governo federal. Identificam-se como políticas de emprego o Programa Nacional de Formação Profissional (PANFLOR) que vigorou de 1996 a 2002, e que tem atualmente suas atribuições reforçadas pelo PNQ (Plano Nacional de Qualificação) criado em 2003; o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER) em 1994, e as iniciativas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDS). E as políticas passivas as quais se destacam seguro-desemprego e a intermediação da mão-de-obra (POCHMANN, 2008). A bolsa família também se inclui nas políticas passivas. Na análise de Carmo (2011) a política de geração de emprego e renda atua por meio: a) do incentivo ao associativismo e ao cooperativismo com foco no empreendedorismo e/ou na economia solidária; b) da qualificação e requalificação profissional da trabalhador para ingressar no mercado de trabalho como empregado ou como gestor do seu próprio negócio; c) em linhas de créditos para financiamento dos empreendimentos) de parcerias entre todas as instâncias governamentais (federal, estadual e municipal), Sindicato de Trabalhadores, Federações, Empresas, por meio da Responsabilidade Social Empresarial e de Organizações não Governamentais – ONGs . Nas últimas décadas a ausência do crescimento econômico sustentado aliado a adoção do ideário neoliberal nas políticas públicas têm conduzido o país a mais grave crise do desemprego da sua história. As políticas públicas de emprego mais recentemente adotadas foram inócuas para reverter a situação, e o movimento de desestruturação do mercado de trabalho revela a presença do desemprego em todos os segmentos sociais e não somente nos segmentos mais vulneráveis como mulheres, jovens, negros e trabalhadores com baixa ou sem formação profissional. Ao mesmo tempo observa-se uma regressão nos postos formais de trabalho (um desassalariamento), além da significativa redução de postos de trabalho de melhor qualidade (POCHMANN, 2007) Desta maneira a identificação do trabalho, no âmbito das políticas públicas de geração de emprego, trabalho e renda não pode estar dissociada do seu pertencimento e condição de classe, mas desenraizada das explicações e nomenclaturas que aparecem nos dados e programas do governo, bem como ser observada na ação dos empreendimentos privados. Assim, pode-se extrair o conteúdo da complexa divisão social e territorial do trabalho e situar as funcionalidades das políticas públicas na condição de paliativo ao agravamento das contradições sociais das últimas décadas. Conforme Araújo e Lima (2006) a Política de emprego no Brasil após a década de 1990 coloca o emprego desassociado da estratégia de crescimento econômico, com crescentes diferenças regionais, maior heterogeneidade do mercado de trabalho e dependente das políticas isoladas de emprego, educação profissional, redução e flexibilização do custo do trabalho, débil intermediação da mão-de-obra, segurodesemprego parcial e medidas de popularização do crédito para micro-empresas e autônomos). A flexibilização do mercado de trabalho conduz a falta de estabilidade no mercado de trabalho, sendo um obstáculo às políticas de geração de emprego. A geração de emprego e renda inclui programas de requalificação da mão-deobra e de crédito ao pequeno produtor urbano e rural – nos quais o Governo vem investindo somas expressivas de recursos. É realista a hipótese de que, em tal ambiente sócio-econômico, o setor informal deverá continuar desempenhando papel fundamental na geração de alternativas de obtenção de renda. No entanto, a solução social representada pela ocupação informal termina, na grande maioria dos casos, por consolidar situações de pobreza e de desigualdade, em vez de representar uma saída socialmente desejável (ibidem). Estes autores defendem que a formação profissional pode aumentar as chances de ingressar no mercado de trabalho e fortalecer a permanência nele. O gerenciamento de um banco de informações sobre a força de trabalho idade, formação, sexo, bem como a disponibilidade de vagas existentes, a unidade oferta-demanda são dados que o governo pode utilizar para reduzir o desemprego. O apoio aos micro-emprendimentos por meio do crédito, apoio tecnológico, também são importantes. O discurso é de que estas pequenas empresas são as que mais geram empregos, porém geram empregos precarizados, muitos sustentados na informalidade. Subsídios à contratação de uma população específica, como os jovens com dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, traz ao governo a possibilidade de reduzir os encargos sociais, ou mesmo permitir o pagamento de um salário menor do que o exigido. Então, um grande ponto de convergência das iniciativas das políticas públicas está no trabalho, nas formas alternativas de geração de trabalho e renda que podem emergir a margem do trabalho versus emprego versus garantias trabalhistas. Isso porque as políticas de trabalho e renda procuram fomentar iniciativas individuais ou coletivas por meio do autonegócio, de cooperativas populares, da livre iniciativa. Para a ideologia neoliberal, a questão do emprego não está associada às questões estruturais do capitalismo, mas à formação profissional dos indivíduos, fazendo-os acreditar que o fato de estarem desempregados ou não saberem engendrar formas alternativas de obtenção de renda diz respeito à falta de competência, habilidade ou formação. Esse entendimento despolitiza a questão das mudanças no mundo do trabalho transformandoa em questão pessoal, individual. O país adotou certas singularidades das modernas políticas sociais (descentralização, parceria com a sociedade civil, avaliação, etc.) que hoje representam uma tendência mundial, inclusive no caso do mercado de trabalho. (CARMO, 2001) Para Araújo e Lima (2006), diante do crescimento insatisfatório da economia e o problema do considerável número de desempregados e do conseqüente aumento do contingente de pobres uma resposta possível, mas não suficiente, seria a melhora de programas de geração de emprego e renda (o que inclui programas de requalificação da mão-de-obra e de crédito ao pequeno produtor urbano e rural) – nos quais o governo vem investindo somas expressivas de recursos. Ao contrário da reformalização do mercado de trabalho nacional defendida pelo MTE os autores partem do princípio que, em tal ambiente sócio-econômico, o setor informal deverá continuar desempenhando papel fundamental na geração de alternativas de obtenção de renda. No entanto, a solução social representada pela ocupação informal termina, na grande maioria dos casos, por consolidar situações de pobreza e de desigualdade, em vez de representar uma saída socialmente desejável. Conforme Theodoro (1995) nas economias subdesenvolvidas o Estado lança mão de iniciativas nem sempre com o intuito de gerar emprego, mas de programas de apoio ao setor informal nas escalas, federal, municipal e estadual. Os projetos em linhas gerais podem ser de dois tipos: os de criação ou fortalecimento de grupos de produção, e os das centrais de prestação de serviços. Os de produção envolvem, por exemplo, confecção, pesca, artesanato, produtos de limpeza, alimentos, serralheria, entre outros. Por seu turno, as centrais de prestação de serviços abrigam profissionais de diferentes especialidades, tais como encanadores, eletricistas, babás, cozinheiras, pintores, pedreiros, etc. Nesse viés afirma o autor, As chamadas formas alternativas de emprego constituem novos tipos de inserção no mercado de trabalho cuja característica básica é a ausência, em maior ou menor grau, das garantias sociais existentes nos contratos de trabalho por tempo indeterminado, à guisa de redução dos custos de contratação de mão-de-obra (THEODORO, 1995, p.149). A percepção é que o setor informal seria dotado de potencialidades visto como uma alternativa de geração de renda e emprego. No Nordeste o setor informal chega a absorver mais da metade da população economicamente ativa (PEA) não-agrícola. De outro lado, é importante notar que o setor informal nesta região compõe-se principalmente de atividades ligadas à prestação de serviços mais simples e ao artesanato, caso da cidade de Aracaju via PROGER-Urbano. Considerações finais O PROGER Urbano foi instituído pela Resolução CODEFAT n.º 59 de 1994, com a finalidade de incrementar a política pública de combate ao desemprego, mediante financiamentos a micro e pequenos empreendedores privados, nos setores formais e informais da economia (MTE, 2007). Com o este novo Sistema de Políticas Públicas, em tese, a formação de cooperativas de trabalho, a terceirização e a economia informal passam a ganhar maior importância na criação e/ou manutenção de ocupações e de alternativas de sobrevivência – via trabalho organizado de forma autônoma ou em unidades microempresariais – tornando-se um segmento fundamental de combate ao desemprego. Assim o PROGER- Urbano, notadamente nos programas de linhas e pequenos empreendimentos, articula novas formas de trabalho fragmentado, em cooperativas, atividades informais, tem ligação com as empresas de terceirização, em áreas pouco incrementadas e se constitui um marco da reestruturação produtiva. Na cidade de Aracaju a prefeitura tem fomentado programas para os pequenos empreendimentos, dentre eles o Projeto Freguesia, orientado para a produção artesanal das Feiras de Arte/Artesanato das Praças Olímpio Campos e Tobias Barreto; o Projeto Cooperar que visa fomentar a geração de emprego e renda através da implantação das unidades produtivas, que deverão ser transformadas em cooperativas. Para as atividades informais a prefeitura desenvolve o Projeto Trabalho Cidadão para a organização, capacitação, padronização e financiamento, com base no tipo de mercadoria comercializada pelo vendedor ambulante e com a perspectiva de contemplar o maior número possível de trabalhadores autônomos, e também a Cooperativa dos Agentes Autônomos de Reciclagem em Aracaju. Em todos estes programas aparecem novas modalidades de trabalho precarizadas, terceirizadas e informais. Assiste-se hoje a uma transformação no próprio padrão de regulação estatal que afeta os objetivos e o conteúdo da política pública direcionada ao trabalho. Tal transformação se expressa na substituição do objetivo de promover o pleno emprego em economias nacionais, relativamente fechadas, a partir de mecanismos centrados na demanda, pelo de elevar a competitividade de economias abertas por meios de intervenção econômica que enfatizam o lado da oferta. Com isso os imperativos da flexibilidade do mercado e da competitividade estrutural passam a dar tom à política social e do novo padrão de gestão estatal da força de trabalho (GILHON & LIMA, 2008, p. 164) Destaca Barbosa (2008) que a atuação do Estado e seus programas de geração de emprego estão associados a partir da indução da flexibilização do mercado de trabalho e na focalização da atenção pública, que em conjunto produzirá uma ressignificação do emprego não como direito. Nesse conjunto de transformações Thomaz Júnior (2003) coloca como necessária a possibilidade de entendimento das combinações entre as diferentes faces e aspectos do trabalho (urbano-rural, materialimaterial, produtivo-improdutivo, formal-informal etc.), como forma de superarmos as fragmentações colocadas e reproduzidas pela ciência de maneira geral e pela Geografia, uma vez que existe uma complexa trama de relações que imprimem certa plasticidade à nova sociabilidade do trabalho expressa na dinâmica da sociedade. Tais políticas têm uma forte negatividade, pela ausência de regulamentação, estímulo à informalidade. Nos desdobramentos do PROGER Urbano, a cooperativa de trabalho, o fomento as atividades terceirizadas e informais, ganham destaque para atender ao mesmo tempo as necessidades de redução de custo, políticas de atração de investimento industrial comercial e, sobretudo, geração de renda. É isso que tem se observado no espaço urbano da cidade de Aracaju A leitura de tais políticas ocorre por via do empreendedorismo, do estímulo a qualificação profissional, pela vocação local dos sujeitos trabalhadores como responsáveis pela sua inserção no mercado de trabalho. As pesquisas mostram até o momento que estas modalidades de trabalho possibilitam a redução do custo de produção da força de trabalho por meio da ausência dos encargos trabalhistas para o capital, torna mais barato o uso da força de trabalho, cria a falsa ilusão de autonomia, precariza o trabalho, ao sustentar-se no oceano de incertezas. Ao mesmo tempo em que passa a ser vista em sua negatividade, pela ausência de regulamentação,no sei de tais políticas aparecem os discursos do empreendedorismo, como modelo de gestão e alternativa mais vantajosa ao trabalhador. A relação capital trabalho é “invertida” em sua essência, o trabalhador ganha autonomia e ocultam-se as formas de alimentação/alienação e controle do capital. A forma de realização do capital nega a condição empregatícia/regulamentada do trabalho, mas não o próprio trabalho, assim não há desarticulação do trabalho informal dos imperativos da produção e reprodução do capital. Referências ANTUNES, Ricardo. 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