Digitalizado pela Biblioteca Digital Curt Nimuendajú Disponível em http://www.etnolinguistica.org/index:edelweiss FREDERICO G. EDELWEISS I! ..{.~ : •., '-? . I ! 1I • I Í, ~STUDOS TUPIS E TUPI-GUARANIV CONFRONTOS ·vE REVISÕES I.. LIVRARIA BRASILIANA EDITORA RIO DE JANEIRO ,,.j Biblioteca Digital Curt Nimuendajú http://biblio.etnolinguistica.org OS LUSISMOS NOS VOCABULÁRIOS BRASfLICOS Não é muito fácil obter uma visão clara do desenvolvimento dos lusismos usados pelos índ~os tupis. Nota-se, entretanto, pelo dicionário jesuíta, o Vlb, que no in~ cio predominava a tendência de aplicarem· nomes de concepção indígena aos elementos culturaiS introduzidos pelos europeus. tradução literal português itá itá-tuba itá-ponupãsa.ba - pedra, ·metal -ouro __:;_ martelo mbyaoba ygar-usú piranha ~sapato ~;navio ~ - -tesoura predr~>ferro>metai; metal amarelo; instrumento de ferro para bater ·com a mão; vestimenta do pé; canoa grande; piranha = peixe de dentes muito afiados~ anga 6 ~pyá-b~bé karaí-bebé nhemboêsa"Qa tekó-poranga serokepyra 172 alma, espírito anjo " -doutrina, catecismo ..;..... virtude I ::. i i -batizado tradução literal (co usa) torpe; desonestidade felicidade, bemaventurança alegria, festa; Nem sempre a vernacti.lização dos têrmos portuguêses foi fácil ou mesmo praticável. Para o cão, o boi e o porco: o jaguar, o tapir e o taiaçu das nossas florestas podiam sacrificar a exclusividade do seu nome; cabra e o bode disfarçar-se-iam em veado que jaz "mé", mas o garboso cavalo nada achou em nossa fauna, que, de longe sequer, permitisse uma comparação; fi. caria cavalo mesm:o, apenas amanhado em kabarú na bôca dos indígenas tupis. O mesmo se deu com os têrmos religiosos. Batizar traduziuse por mozasuka- passar água, lavar; jBjuar, uma prática tupi, continuaria com a sua denominação indígena de zekuakuba, enquanto a quaresma, um.período de jejum, seria zekua.kupab-usú - a IX tupi português tupi mbaé poxy torypruba - sombra, fantasma; homem voador; homem santo voador; ! ~'aprendizagem; :; ~ condição aprazível; de pureza; de nome escolhido; o te1npo· do jejum 'grande. Para Deus adaptar-se-ia Tupã; para diabo- anhanga (no . Norte, iuruparí) e para padre serviria o têrmo reverencial pai ou pai a.baré. Por outro lado, graça (div.ina), igreja (católica), reirw (do céu), Espírito Santo, missa, ~acramento.foram incorpor~dos pelo - índio sem maiores inconvenientes a não serem a eventual--cmu-=--C_,_ dança de l e v, inexistente no tupi, para r e b e o recurso à suarabácti para facilitar a pronúncia de certos grupos consonanbais, que lhe eram desconhecidos. K abarú -- cavalo e karapina - carpinteiro são exemplos dêsse processo. Para os dias da semana os jesUítas empregavam os nomes portuguêses, porém, como se vê no Vpb. no Estado do Màrànhão corriam nomes tupis, pelo menos nas missões franciscanas, entre os tupinambás. (1) . ~ A proporção que os índios foram tomando maior conta to com os colonos e a sua cultura, começaram 'naturalmente· a ·substituir por hisis1nos, não apenas uns tantos dêsses neologismos tupis dos primeiros tempos, registrados no Vlb . pelos j esuítas,. mas ainda velhas palavras tupis, sem vantagem aparente. Entretanto, a julgar pelo Vpb. os lusismos não obtiveram. guarida franca entre os tupinanibás aldeados do Maranhão· e Amazonas, pois não eram ainda numerosos no iní.cio do século dezoito, a despeito da ocasional requisição de í~dios pelos ~colonos esparsos. ~estado (1) -Veja o verbete Dias da semana no Vpb. 173 Eis, a seguir, o confronto dos que respigamos no ·citado léXico. São poucos, mas .ainda as.Sim nos dão uma idéia das razões, que pr-ovocaram o seu perfilhamento. Portug'UJês Vocábulos do Vlb. tunungaiuba alfinete uubaeê'-ypyoka takúareé-ypyoka - açúcar banquete karú-gúasú barriga campo!,. campina canavial tygé nhu ~ - ~eia Vocábulos do Vpb. tl1ngaiuba, tunga-okaba, alfinete; (la) uybae~rypyoka e ou- tros; as.ukirí ( Z) ; mbaêú-asú, jantara-usú( 3 ); tygé, marika; nhÚ, kapina; kandyba ( 4) ; siara, siarama ( 5 ) mãe . melancia pai pano - Vocábulos ·do Vpb. itàíuba e outros itàiuba; dinheiro(6) moxaví(7); funil(7a); ? nhangaba .mimbaba-marakaiá sy anhumatiroba tuba aoba nhae; nhaébeba sá}?ado gúarará - bixana ( 7b) sy, maia( 8 ); berancia(9); tuba, paia(B); pano, pana(lO); - nhae, pratú(ll); saberú; guarará., e vulgar tambor; ; -Deveras elucidativo é o têrmo tunga-okaba do Vpb. que se traduz literalmente por instrumento de extrair bicho-de-pé. Usos · ohtros provocariam a adoção âe alfinete, que na bôca do índio _devia soar arapinete. Portanto, o Cl. é conseqüente, registando arapz.neta. (2) - Por mais exata $eja a definlção descritiva dos têrmos tupis: "o precipitado da cana-de-açúcar", não há negar que são todos muito compridos para resistir à competição com açúcar, depois de convenientemente tupinizado em asukirí. Compare a nota relativa a ca(la) navial. (3) o vocábulo .m.baêú--- é rejeição em geral,. pois a sua tradução literal é o comer cousas. No Vlb. mbaêú t€m por sinônimo karú. O adjetivo gilasú, usú, asú, acrescentando à rejeiçáoa idéia de grande·, lauta,. c.ontinua . em .função mesmo com o lusismo jantara. Jantar lauto. circunscreve banquete pela fixação do tempo. Ç_QJn a convivência o índio notou, que a hora dos banqueties coincidia, entre os civilizados, com a do jantar: daí jantara-usú. .. ( 4) - Por certa semelhança com a cana-brava - uuba, ou com a taquara - .takilara, os tupis deram à cana-de-açúcar o nome de uubaeê - cana-doce ou takilareé _:_ taquara doce. No brasiliano adotaram a palavra · portuguesa mais cômoda. Para designar o canavial· acrescentaram a todos êsses têrmos o sufixo abundanclal tyba, que se abranda em (n) dyba por efeito dos sons nasais e an em eê (-doce) e cana. (5) Como dissemos na nota a ban(,Juete, mbaêú pode traduzir rejeição, mas não é propriamente ceia~ embora figure néssa acepção e 174 Vocábulos do Vlb. dinheiro fechar com chave funil gato doméstico, bichano prato sábado tambor uubaeedyba e ou.tros mbaêú Português na História da Paixão de Cristo (Araújo - Catecismo, pL 71). Siara, do port. cear, ou siarama (form!l do futuro) preenchem, assim, por um lusismo, uma lacuna do l~xico_primitivo. ====-~~ (6) Veja o que a respeito dos correspondentes tupis para di-nheiro dissemos na nota 108 do capítulo "Estudos Comparativos do Vlb. como o Vpb. e o Dpb." - A" palavra portuguêsa acabou por preencher no brasiliano a lacuna de um genético, que falta no tupi. (7) ~Em tupi há vários têrmos pata fechar. O brasíliano criou ainda um hibridismo para tôda aç~o de fechar ·com chave, que era um elemento cultural novo para os· tupis. (7a) - Não achamos em tupi o têrmo funil, mas, existindo ·o verb9 envasar · ( entrouxar em pipa etc. ). - nhanga, não resta dúvida· que o instrumento de invasar seja nhangaba, que, além disso, vem consignado em Montoya e Restivo, pois o mesmo verbo existe no guarani. Quanto ao têrmo funil, a pronúncia do índio d,eve ter sido algo ajeitada. Veja abaixo, na lista da Pm. a nota referente .a tunira (n.o 36). (7b) - O nóme familiar português acabou substituindo maraka'iá, que no tupi designa o gato do mato e que ·exige o restritivo mimbaba - criação, doméstico para designar o gato caseiro. (8) Os têrmos muito usados, ·como pái, mãe etc. incorporaram-$e ao tupi sem outro motivo aparente. (9) ___, Figura no Vlb. no verbete balancia. (lO) - Significando aoba mais propriamente roupa, vestido, o lusismo do Vpb,. diversifica lêxicamente o conceito de tecido. (11) Nhaebeba ---- vasilha rasa já deve ser neolog'ismo para designar o prato, vocábulo que acabou por fixar-se na· língua-geral do Norte. .]75 Vocábulos do Vpb. Vocábulos do Vlb. Portugu·ês há vários têrmos específicos torto ~ entre var10s têrmos específicos · também toroto( 12 ) • Desenvolvimento bem maior tomam os lusismos no Dpb. e no seu correspondente Dbp. da Poranduba Maranhense. :msses dois léxicos formam um par inseparáJvel. A sua composição não se distancia, porém, cronolôgicamente tanto do Vp,b. quanto pela contextura· mórfica em geral e pelos lusismos em particular seríamos Ieva~dos a juigar. · Nenhum dê]es sendo anterior a 1687, nem posterior a 1751, não pode errar muito quem afirmár que os três datàm das primeiras décadas do. século dezoito. De onde vêm então as suas grandes diferenças aludidas dentro de uma área relativamente uniforme? A explicação mais plausível· é que. o Vpb, como decorre de vários verbetes, foi composto por um franciscano, missionário de tupinambás, ao que parece, insulados; ainda que de contatos relativamente freqüentes com .índios aculturados, com mestiços e portuguêses, enquanto o Dpb. e o seu reverso da Pm. fixam o léxico de mestiços e de índios em estado de aculturação mais adiantado. Eis, a título de ilustração os principais lusismos e formas híbridas do Dpb. que ainda não figuram, nem no Vlb, nem no Vpb. (1 2'a). p. 2 - benção mombore - de.itar a benção, abençoar; - cabaça( 13 )·; 21- cabaçu ,_ lençol; 21 -cama jacuiçaba 11 - camarara 21 -cama rendaba 48 - . canea;..rerú 63- canto -camarada; -- cama, ·(a armação) ; - lanterna(14); - canto (in teri~r) ; (12) - · Os correspondentes tupis ao nosso. adjetivo torto são rigorosamente específicos por composição. O índio que se ia aculturando, sentiu falta de um têrmo simples, de aplicação mais geral e remediou a deficiência por meio do Iusismo toroto. No manuscrito do .Vpb. não vem acento no último o. Deve ser êrro de transcrição. (12a) - As páginas indicadas são as da edição de 1795, ( u1) O português do Brasil depois de pássar aos tupis do · Norte o têrmo cabaça, colhido em outras terras, tomou-lhes em troca a palavra· cuia. , (14) - Literalmente o recipiente da candeia. 176 p. 71 ,...;-'- catimbáo. cepetú curuçá " enganane pp. 29 e 74 - engananeçara p. 24- jacaruá 11 - j emocamarara 37 27 :..,;__ 74 .:.__ · - cach~mbo(15); -espeto; - cruz(16); - tentar, seduzir, enganar; - tentador, etc. -charco; - acamaradar-se(17); '---. ( 1 5) Catimbáo e catumbáo só aparecem no Dpb. ~erso de frei Onofre através do verbete composto sarro e no seu rede cachimbo. ~ u~ à os têrmos em que melhor se vêem as ·surpreendentes modiflcaçoes que sofreram certas palavras; principalmente quando se foi obliterando o sentido primitivo. . Os tupis pré-cabralinos só conheciam cachimbos tubulares, que -eram chamados petymbuaba - apetrecho de soprar fumo, designação que passou também aos n~qssos cachimbos de fornilho.~- (Marcgrave, p. 274 e Montoya, Tesoro, fl, 270) . . . No brasiliano o térmo já sofreu modificações. - No Cl. temos petimbáo, cuja trajetória é fácil reconstruir: petymbuaba>petimbaba>petjmbab>petímbau. Mais estranha é a forma catimbáo {catumbáo) ~ em que temos a fusão pleonástica~ de cachimbo· = .catimbo com (pu- soprar), puaba - instrumento de soprar de onde: ·ca.timb?ta~a>catirnbab(a) >catimbau, que se traduz literalmente por: cachzmbo apetrecho de soprar, em que_- temos ·dois ··aparelho& __m.a.s . nenhum tabaco ·para produzir fumaça! · · -"-"---- --'~ Esperamos., que não haja quem ainda queira atrLbuir êsse aleijão ao pe. Figueíra. · . " Traduzimos pu por soprar, embora não·. ocótra propriamente eom···êsse .sentido no.s vocabulários. Ambu, pu é ruído, ou na acepção- adjetivai; soant.e, ressoa.nte~ que correspondem _a fazer Hpu", soprar com estalido. Etimologicamente, petymbuaba se compõe de: pu -- res.soànte,, fazendo "pu", soprar (com estalido); aba - sufixo que indica o instrumento com que se age; daí: · · · ·. puaba, mbuaba- instrumento com que se sopra; petyma · - tabaco, fumaça de tabaco, fumo; de onde: · petymbuaba -- aparelho de soprar fumo. N. B. Não confundir, com instrumento com que se engole fumo·, que, se existisse o têrnio,_ seria · petyguaba. ( 1 ~~ :rnforma D. ~avra simples como nas Maria de Paula Martins, que,otanto na pacompostas do manuscritó vem cruçá,. forma Igualmente usada na parte brasiliana-portuguêsa. (17) - A tradução literal é tazer..-.se camarada •' OC_Q!'re . no verbete amigar-se~ . ( 1 8) Literahnente: fazer-se a cruz, o reverso da .Pm. tem cruçá e jepwcruçá. \ 1 .177 p. " " " " " " 61 ---. jemocuruçá 66- kendara 21- macaca 1O - maytinga 27 - m.ocuruçá_ 70 - moyra. . curuçá 53- muratú 48 ~. papera 40- pererú 41 -pitá 43 -'- pixana 16 e 73 - sorara 59- taipaba - persigiiar-se( 1S); -quintal; -bugio, macaco(19); - senhora, ama(20) ; -- cruzar,( 21 ); - rosário ( 22 ) ; - mUlato(2s); -papel; - ferreiro(Z4,); ~ Jita( 24 ); - gato, bichano(25); -'- so~dado( 26 ) ; - parede, muro(27) ; (19) -- Naturalmente os índios receberam o têrmo macaca por intermédio do português; mas isso não quer dizer que seja palavra de -origem lusa. Divérsas procedências têm sido aventadas e dentro .elas pa.rece prevalecer alguma das do Velho Mundo. T. Sampaio, fiado em Martius, dá-lhe origem cariba; mas o vocabulário, e:tn que se baseiam, está eriçado de alienigenismbs. - Nem o velho Biet, nem Goeje nos seus modernos estudos comparativos dos dialetos caribas, trazem designação~ que se assemelha a macaco. Também não é. tupi, embora apareça no· Dpb. O primitivo léxico tupi dos jesuítas, o Vlb, diz expressamente que bugio não tem. genérico em tupi. Dentre as ·espécies, que cita, não há, por sua vez, nenhum nome que, de longe siquer, se pareça com a palavra macaco. (2'0) Literalmente mãe branca, expressão que lembra mãe preta. que lhe serviu de ·modêlo. · (21) - Propriamente fazer. cruz. Compare jemocuruçá. f22) No tupi antigo do Vlb. vem mboy-karaiba - contas bentas, em lugar de cruz de contas, que tem o Dpb. . (2'3) A tradução do verbete mulato foi trocada com a de ?nultidão, como fàcilmente. se .pode verificar no Dbp. da Poranduba Maranhense. A edição de São Paulo corrigiu o lapso. (24) Não existindo o fonema 1 no tupi,. os índios o substituíam por p. A diástole é comum nos lusismos. (2'5) Também se escontra no Vpb. na fol'lriâ original de bichana. Eckart, ao registrar o têrmo pixana para gatos caseiros, observa que os brasileiros (naturalmente se refe-re aos índios)- não são muito amigos dos 'gatos (p. 543). (2'6) No Dpb. em lugar de sorara, vem por engano moecyca, qu,te é .soldar. A edição paulista manteve o êrro. - Notem-se os estranh~ m:etaplasmo;S de sarara. (2'7) Preenchendo uma falha do tupi, onde origi:riàriamente n.ão havia correspondente para muro, parede, os índios do Norte ampliaram o sentido da palavra oka - casa, tom~ndo o -todo pela parte: itá-oka - casa ou parede (muro) de pedra; yby-oka - casa ou parede (muro} de terra Também adotaram a palavra portuguêsa Jaipa ajeitada em taipaba, ou taipara, como está na Pm. p. " " " " 75- tinta 9 - traçara 27 -- vidro-centypu- ca eté oaé xabí, xafti xabí-rerecoara xauí-monhangara 79 - ·xeringa 2 - yra maya 24 24 72 - - tinta( 28 ); - alfanje, terçado(29); - cristal; (propriamente: vidro que reluz muito) ; - chave(SO); - chaveiro; -serralheiro; (=que fabrica chaves); - xeringa, seringa(31) ; - abelha(3 2 ) • Na comparação procedida entre, o Dpb. e o manuscrito original, D. Paula Martins verificou uma série de falhas mais ou menos graves( 38 ) • Dos lusismos, por exemplo, foram excluídos do Dpb, por frei Veloso: almoçar; aramoçara camisa; camixá gabar-se; jegavar reconciliar-se; jemocamarar jebir martelo; martera navalha; navaia nunca; nunca -'sábado;., sabarú saia; saia ,;_ ,servir, prestar; servir tambor; tambor a oxalá, tomara; tomáramo varànda; varanda chumbo, munição; xumbo Ocorre no verbete tingir. Estranhamente, n:em o Dpb, riem a Pm. ,registram a palavra terçado, que deu origem ao lusismo no brasiliano. (30) ~ Também o tem o Vpb. na forma de chavi. (31) - Veja o capitulo dedicado a Xeringa. (32) ""--- Enquanto no tupi temos. eiruba - pai do mel, que o CZ. mantém na forma híbrida de irapaya, o Dpb. e a Pm. trazem yra maya e yra maia - mãe do mel. Para essa troca deve ter influído o gênero feminino de abelha. ~-~ (28) - (2'9) - (313) Notas referentes ao Dicionário Português-Brasiliano e Brasiliano-Pórtuguês: Boletim Bibliográfico, N.o 12; São Paulo, 1949; pp. 122 - 149. 179 178 ,j) Todos êstes verbetes, com exceç.ão de: nunca, servir, varanda, ·xumbo, certamente excluídos por serem pala·vrag- portuguê- sa:s, figuJ·am no vocabulário de frei Onofre da Pm. Há, e~~retanto, neste último muitos outros lusismos, que não •constam do Dpb. apenas. por caprichos dos seus organizadores. · Daremos a seguir a sua lista completa. Ela daná com as do Vpb. e do Dpb. uma idéia do quanto o brasiliano, léxica e mõrficamente, já. se ~avia distanciado do tupi, a julgar apenas pelo cap·ítulo restrito dos lusismos: almoçar; aramoçara altar; ar atara alfavaca(M); arfabaca éamarada(35); · camarara camisa; camixá castanha; · catanha cunhado; conhara funil(36); f unira jantar; jandara janela (37) ; janera (34) - o grupo consonantal rj é· sem dúvida algo surpreendente, mesmo no brasiliano. (35) - O Dpb. e Dbp. têm cuapara - o que conhece, familiar, conhecido. (63) - A forma junira, deve estar mais próxima da pronwcia do índio do que fUnil, que se encontra no Vpb. Compare o que ali dissemos. Mesmo assim, permanece a dúvida quanto ao j, que os tupis pronunciavam como p. , Ê deveras interessante encontrar no Cl. um correspondente indígena para funil: sururúsaba, derivado do iterativo do verbo surú - deslisar, extravasar: s;w·urú - ir des:lisando, saba - lugar, aparelho por onde. Temos assim: sururusaba - o aparelho por onde deslisa. Não é um têrmo tipicamente . concreto, . mas de ·qualquer ·forma surpreendente num vocabulário brasiliano. · .· · · O verbo , surú existe no guarani (note-se isto! ! ) ao lado de syry, cujocorrespondente tupi é syry.ka. Do iterativo dêste, syryryka, se forma o verbal syryrykaba, equivalente ao sururusaba do Cl. ~ste têrmo re·força· pois, duas afirmativas nossas: Não se· deve· confundir o brasiliano com o tupi antigo, e, o Cl. não é mero extrato .do ppb. .(87) As casas tupis não tinham janelas e assim é natural quê não existisse designação correspondente~ 180 jegavar jemocamarar-jebyr librú librú-rendaba manteca martera merendara niixica-rana mond.é motoá navaía nunca paí-abitú paner a pucurú rei a rimá o sabary saca saia gabar-se(3S); reconciliar-se(39); livro; - biblioteca, livraria( 40) ; manteiga, banha, toucinho; martelo ( 41 ) ; merendar; sarampão (42) ; ~ abotoar(43); navalha; --nunca; ~ hábito d.e frade, batina(44); . panela ( 45) ; púcaro; rei; limão; 'Sábado (46) ; alforge; saia; (38) - Em tupLo pronome re-flexo é impessoal: ie, nhe e. sempre se prepõe. Nessa peculiaridade querem alguns ver a origem dá anteposição popular do 'pronome reflexo 'BO · português doc=Brasih (39) Compare a nota anterior. A tradução literal do têrmo é tornar a jazer-se camarada. Em tupi corresponde-lhe monhyrõ. (40) - Literalmente: o lugar ode estarem os livros. O Cl. ~xpri me o plural de librú por meio de etá-... muitos: librúetá fendabà-- lugar de estarerrn (muitos) livros. (41) - Ain~a aqui o Cl. tem 'um têrmo tupi: m·otucaba -:-- instrumento de bater, em lugar do qual o Vlb. r e g i s t r a : itàponupãsaba - instrumento de ferro de bater com a mão. (42) - Mixica é a palavra portuguêsa bexiga, rana é falso, semelhante a: falsa bexiga. No Dpb. vem mixua. em lugar de mixica, (43) __,. Eis, um falso lusismo, que aqui vai regist:rado apenas como advertência acautelatória. Motoá, a despeito de lembrar a palavra abotoar, deve ser êrró grave de transcrição por motaia botão (em tupi antigo, potãia) . Isso é . tanto mais plausív'el, quanto no Cl. temos motaca mondé, outro êrro mais transparente por motaia m~dé enfiar botão, abotoar. Em tupi antigo potãia é· fecho, trtnco, e aoba-potãta - fecho de. roupa isto é botão colchete. Os comentários interpretativos apostOs ao· Cl. são 'pura fantasia do editor. · . . ( 44) Pai é tupi de lei, têrmo de reverência, com que também desig'navam os padres. ,A . tradução de paí-abitú ~ hábito de frade mostra, por sua vez, que a definição não procede de missão· jesuíta, mas de frades, provàvelmente franciscanos. · ( 4 5) Há uma série de compostos com panera • · ( 4 6) Nos compêndios jesuítas sempre vem grafado à portuguêsa. O Vpb. traz saberú. 181 taipara tambora tinta-rerú tomáramo . varaia vidro parede(47); tambor ( 48 ) ; tin teiro ( 49 ) ; tomara, oxalá ( 50 ) balaio; vidro( 51 ); Eis alguns dos mais eXPressivos: 1. ; Resta dizermos algumas palavras dos lusismos contidos no Caderno ·da. Língua, que pertence à fase brasiliana. Muito mais resUmido do que o Dpb. com o seu reverso da Pm, o número dos lusismos é nêle compreensivelmente menor. Parece mesmo, a julgar por verbetes como: cunhado, hábito, marpanela, saco, tinta etc, traduzidos por lusismos nos pri-= meiros, mas representados no Cl. por correspondentes tupis, que o seu autor procurou dar preferência a indigenismos, .sempre que dêles houvesse lembrança. Essa verificação dispensa, no particular, referência mais detida a respeito do Cl, tanto mais,. quanto nas notas apontamos algumas das divergências. telo~ Além dos lusismos léxicos começam a surgir e multiplicar-se no brasiliano também os sintáticos e os ideológicos. Referimo-nos alhures(52) às construções por meio de ikó e re.kó de função relaciona! estranha ao tupi e que tanto lhe alteraram a feição no brasiliano. Falta citarmos alguns exemplos de lusismos ideológicos-, que também só podem ter tomado raízes pela convivência com os portuguêses ou seus descendentes. (47) - Taipata ou taipaba como está no Dpb, é tupinização do português taipa, pa~a · a qual o tupi tem dois :particípios. ~:mito descritivos: yby-sosokepyra ..;.__ barro pilado, tatpa de p'tlao., e yb-gapetekepyra - ta?.pa (jogada) de mão. Não há dúvida que ambos são um tanto compridos para conseguirem firmar-s~-· _ (48) -No Vpb. vem a forma portuguêsa tambõf. . (49) No C'l. tem cotiaçaba retú ---: recipiente de cousa com que . se escreve. '(50) Acrescentaram aqui à palavra portuguêsa a partíc?la mo, de ramo, que no tupi indica o desejo, reforçando desta maneira o sentido de tomara. (51) - Aparece no Dpb. e na Pm. na designação para cristal. o az. tem oaruá. No tupi, aruguá, ou guaruguá. significa esp~lho. Não é impossível que no têrmo tenhamos a remodulação do vocábulo francês miroir,, como já se lembrou. (52) Em O Caráter da Segunda Conjugação Tupi; pp. 105 e 112. 182 .gilaimi'-üyràpara - traduç.ão literal de arco-da-velha. Os tupis tinham um antigo têrmo próprio para arco-íris jy-yba, que, literalmente, significa cabo de cunha, cabo de machado(53). A segunda parte .do têrmo brasiliano merece ainda outro comentário. . . Em tupi quinhentista o arco era designado por ybyràpara, .contração de ybyrá apara - pau curvo, vara recurvada. Ehtre.tanto, segundo os jesuítas em seu Vlb, já era então usual a con...; tração urapara também referida por Léry. Temos aí a manifestação compreensível da lei do nienor esfôrço, que no guarani deu o estranho gilyràpara, correspondente ao brasiliano uyràpara, ambos 'tendo substituído o primeiro componente lógico ybyrá · - pau, vara por , um parônimo, designando a principal vítima do arco: guyrá, uyrá '----ave, mas com o qual o adjetivo apara-:- curvo, torto, não faz sentido. A linguagem tem dessas razões, que a razão desconhece. 2 - Itá ybytú-aiba- sui gilara- (pedra-de-) raio( 54 ), transfere para o brasiliano o testemunho de velhas cre:rrça;s~ -. populares de além-mar, totalmente alheias à mentalidade tupiguarani(55). Na Pm. vem itá tupã sui o s~mo oaé - ou seja: pedra que emana do raio; sentido iguar ~m 'palavras di.ferentes. 3 - Jasy pesasú, - lua nova( 56), ainda que pareça tradução servil do têrmo português, .temos justificado escrúpuló em classificar · iasy pesasú de lu,sis-mo, pois também aparece nos dicionários guaranis antigos( 57 ). o Vlb. só registra iasy sémamo - lua nascente, mas o Vpb, ao lado dêste, já traz jasy posasy(5B). (53) No guarani o vocábulo se apresenta na forma apoco...,. pada djyy. (54J - Propriamente: "pedra.. que provém de troyoada". (55) -Para pormenores sôbre apedr_a-:de-raio veja êste v~r~ete em Luf,s da Câmara Cascudo - Dicionano do Folclore Brasdetro. (56) -Em tupi seria iasy pysq,sú. (57) - Tanto Montoya como Restivo têm djasy pyahú~por lua nova. · (58) - A forma posasy para novo corresponde pusasú em outros verbetes do Vpb; em tupi pysasú. 183 4 - Kunhã guaimz(59) é a traduqão literál de mulhér .velha. Esse têrmo brasiliano só pode ter surgido por influência portuguêsa, depois da obliteração do verdadeiro sentido antigo de guaimÍ, que abrange os dois conceitos de fêmea, principalmente mulher, e de velha~ Kunhã gúaimz é, pois, um têrmo pleonástico,· a cuja feiturà presidiu a expressão portuguêsa mulher velha. É muito significativo o fato de vir êsse lusismo registrado exclusivamente em dois vocabülários brasilianos, testemunho evidente da. conVivência e fusão de duas raças. 5 ---- Sasau kuruté, na locuç_ão: mbaé kuruté o sasau uaé, . (60) constitui uma tentativa muito desajeitada de traduzir a expressão portuguêsa: cousa Pf!-SSageira. . . . O verbo tupi sasab'a., .que. no brasiliano tomou a forma sasau, significa: passar por, atravessá-lo, perpassá-lo; só tem o sentido de direç.ão ou de movimento, mas não o de duração, ,que o portüguês confere ao verbo passar em f~rases como: o tempo passa (isto é: transcorre)'· devagar. No tupi o sentido de passageiro, efêmero era traduzido por meio de:. paba acabar, findar, ikó-pukú durar, ·demorar, tekosuera (r-, s-) duradoiro, em construções como: 'o pabaerama o que ~cabará: o que é passagei-ro, o efêmero; o ikó::;pukú...;eymbae o que não dura: o que é passageiro, efêmero; ekosuer-eyma (r-, s-) não dura.doirb~. passageiro, efêmero. (59) ....,..- Os j·esuítas esc:reveram gúaibi' no tupi, .que corresponde ao- gúa_"i'bi do guarani, porque -uma vogal ·nasal contamina- a que lhe fica mais próxima. (60) --'- Literalmente: cousa que (o) atravessa; que pas.sa rápido por-. ·compare as formas. do indicativo, respectivamente.· o -sasab e o sasaú - 184 êZe o atravessa. 6 - Sera arpe guara - Sobrenome. Sobrenome, pelo menos no sentido em que é usado pelos ibéricos, não tinha correspondente ·no vocabulário tupi pré_cabralino. Os tupi-guaranis em geral mudavam de nome em certas ocasiões, mas não os acumulavam .. Portanto, as pala.vras que traduzem sobrenome em seus dialetos são. ·neologismos como tantas outras designações· de conceitos novos. Nelas reconhecemos observação aguda e fixação do que mais os impressionava. Vejamos um exemplo ao alcance de todos. Os. tupis não trabalhavam· metais. Quando foram tomando conhecimento dêles, deram ao mais comum, ao ferro, o nome do corpo mais duro do seu ambiente, o da pedra, o qual se tornou o tronco de' uma progênie das mais interessantes: . itá pedra; itá metal (gen.), ferro; . itá-eté ferro excelente = aço; itá-tinga metal branco= prata; itá-m'embeka metal mole = chumbo; itá-jyka metal flexível = estanho;· itá-nema metal malcheiroso~ c_g,b.re.;_____ . itá•i'uba mêtal ãmarelo =ouro;--~-itá-i'uba dinheiro ( d~ ouro) (61) itá-iub-eté dinheiro. po:_ excelência (de ouro); itá-iu-tinga , dinheiro de prata; itá-iub-una dinheiro preto =de cobre( 62'); .itá-iu-nema cobre, dinheiro de cobre(63) ;· :i tá-iub-aiba metal amarelo inferior = lat-ão. Esta digressão recorta estreita nesga apenas dos .variadís.simos recursos, de que o índio dispunha para ser exato a seu modo, na .criação de neologismos. Raras vêzes recorria a sim·Pies tradução, porque a sua mentalidade associava as impressões segundo os seus próprios ·Cânones, fixando-as sempre com surpreendente meticulosidade. (61) - Denominação dada inicialmente ao dinheiro,. quando predominavam as moedas de ouro·. Para dis;tinção melhor, das outras moedas,. acrescentaram depois o qualificativo - eté - por excelência, verdadeiro. ~- (62) - Moedas de cobre que ficavam escuras. com o tempo. (63) Moedas de cobre enquanto novas. Ez:am . amarelas como as de ouro, porém malcheirosas. · 185 ·Isto pôsto, voltemos ao nosso sobrenome. Sobrenomes são apelidos que se acrescentam aos de batismo e. geralmente se transmitem de pais a filhos. Essas duas características, que. distinguem o sobrenome: a de vir do passado e a de se pôr no fim, não escaparam aos tupi-guara!).is e . nelas basearam a sua tradução. Os tupis fixaram a posição que ocupa com relação aos outros nomes, obtendo assim temoíeapysaba, composto de: te por· apócope de ter a - nome de gente; fazer-se, pôr-se, põe-s.e; moi é por apócope de apyra - extreapy midade, fim. por-se no fim.; posposto; moieapyra saba moieapysaba Ora, arpe( 65 ) significa sôbre, por cima de alguma cousa, mas nunça depois, adicional, sentidos que também cabem à palavra portuguêsa sôbre. - Sera arpe guara é, pois, um lusismo incontestável, de imitação grosseira. sufixo que forma substantivos vários de verbos. - a maneira de se pôr no fim; posposição. ). TemDíeapysaba significa, pois, literalmente nome que se põe no fim, nome-.posposição, nome posposto. · Já os guaranis impressionaram-se mais com a procedência do sobrenome de gerações passadas e a sua manutenção pela descendência, como se deduz de: nome transmitido; t~(ra) djoapy nome antigo. tera ymã Nos poucos exemplos brasilianos, que acabamos de oferecer ao exame dos estudiosos e dos quais poderíamos colher muitos outros no Dpb. e no Dbp. da Poranduba Maranhense, não que·remos profligar o falar displicente do índio lambido pela civilização e do mestiço. Seria estultice o querer ser purista intransigente em meio dos dialetos tupis. O nosso escopo é outro; é mostrar principalmente que tais expressões vêm a ser teste.munhos da ionga convivência de índios tupis com portuguêses ou seus descendentes, pois ninguém verte qualquer palavra portuguêsa ao pé da letra sem conhecer-lhe o sentido e êsse os iletr8idos só assimilam no trato prolongado. Ainda por isso, o Dpb. com o seu reverso da Pm, que foram compostos no antigo Estado do Maranhão, não podem ser anteriores ao início do século dezoito, como já deixamos provado, com outros argumentos de ordem histórica. · ----~- Seguiram o mesmo critério os tupinambás do Maranhão em nome transm.itido, registrado pelo Vpb.( 64 ), e~ quanto outro sinônimo,. tera-apyra - fina.l do nome, se ap:oXlma da designação tupi, embora não aluda, como o paradigma ibérico e a sua tradução brasílica, a mais de uma alcunha. A despeito dêsses antecedentes, o brasUiano, como em tantos outros casos, não tardou a renegar a herança,avoenga, para servilmente arremedar o têrmo luso sobrenome, pela tradução inexpressiva de o que está sôbre o nome (dêle) sera arpe guara ou o qu~ .costuma estar sôbre o nose.ra arpe guera tera íoapyra - 1 1ne (dêle). (64) - Note-se a identidade com o primeiro nome guarani. Já tivemos ocasião de chamar a atenção para certos contatos es- peciais dos dialetos tupis do Maranhão com o guarani. 186 (65) :...__ De a;·a - parte superior e pe -,- em, na, pela. No tupi parte superim· e bo ,;_ por, em. lhe corresponde árebo, de ara - 187