A copa de 2014 e o poema de Gonçalves Dias Perseu Gentil Negrão – Julho de 2014 Pouco me interesso por futebol. Quanto aos campeonatos de clubes, procuro me informar somente quando vou pescar, o que ocorre duas vezes ao ano. É que se eu nada souber ficarei mal visto e falado (mais não posso escrever, pois não é politicamente correto). Assim, uma semana antes das pescarias compro o jornal “O Lance” (muito chato, que noticia até as cólicas menstruais das tias dos jogadores), para ficar “inteirado”. Mas, em época de Copa do Mundo me transformo. Passo a ser expectador assíduo, pois gosto de torcer pelo Brasil. Exageros à parte, pois não concordo em chamar jogador de futebol de herói, torço muito. Afinal é o meu país. Infelizmente, como o governo, o futebol é mal administrado; e ambos têm “outras coisinhas mais”. Nesta Copa não foi diferente. Assisti quase todos os jogos, comprei jornais, ouvi comentários. Enfim, tornei-me mais um “alienado” pelo futebol. No início, aparentemente, tudo ía bem até o dia em que o Brasil enfrentou o “poderoso” Chile (país com muita tradição no futebol). Empatada a partida, foram as equipes decidir nas penalidades máximas. Neste momento percebi que iríamos perder a Copa. Nosso “glorioso” Capitão (um garoto que deve ter hemorróidas, pois nunca sorri, salvo quando atua em comerciais), isolou-se e foi chorar, sentado sobre uma bola. Apesar disso (graças ao goleiro, também chorão), conseguimos passar para a fase seguinte. No outro jogo, contra a tradicionalíssima Colômbia, também mais um festival de choro. A coisa estava “mal parada”... E chegou o jogo contra a Alemanha. Não vou nem me alongar. Nesse dia, lembrei, então, de um de nossos maiores poetas, Gonçalves Dias e do seu poema “I Juca Pirama”, que na língua Tupi significa "aquele que vai morrer" ou "aquele que é digno de ser morto". “O poema descreve o drama vivido por um índio tupi, sobrevivente de sua tribo, que é capturado pelos timbiras e deve ser 1 Perseu Gentil Negrão morto em um ritual. Porém, deve antes relatar suas façanhas, para provar que é digno de ser sacrificado. O tupi revela que deixou sozinho o pai velho e cego, pedindo para ser libertado a fim de cuidar dele, que não deve tardar a morrer. Promete voltar a ser prisioneiro depois que o pai morrer. O cacique timbira consente em libertá-lo, mas sem a promessa de voltar por não querer “com carne vil enfraquecer os fortes”. Liberto, o guerreiro tupi volta ao local onde deixara o pai. Pelo cheiro das tintas no corpo do filho, o pai percebe que ele fora preso e libertado, o que contraria a ética indígena. Com indignação, o pai exige que voltem ambos à tribo dos timbiras. Chegando lá, o filho é amaldiçoado pelo pai, pois teria chorado em presença dos inimigos, desonrando os tupis. Para provar sua coragem, o filho se lança em combate contra toda a tribo timbira. O barulho da disputa faz o pai perceber que o filho lutava bravamente. O chefe timbira, então, pede-lhe que pare, pois já tinha provado seu valor. Pai e filho se abraçam, reconciliados, pois a honra tupi fora restaurada” (extraído de “http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/i-jucapirama.html”). Começa o poema: No meio das tabas de amenos verdores, Cercadas de troncos, cobertos de flores, Alteiam-se os tetos de altiva nação, São todos Timbiras, guerreiros valente! Seu nome lá voa na boca das gentes, Condão de prodígios, de glória terror! A semelhança com um jogo de futebol da seleção Brasileira é surpreendente. Mas não é só. Prossegue assim: O jovem prisioneiro tupi (que vai ser morto e, em seguida, devorado), pede clemência: Meu canto de morte Guerreiros ouvi: Sou filho das selvas, nas selvas cresci; Guerreiro, descendo, da tribo tupi Da tribo pujante, que agora anda errante 2 Perseu Gentil Negrão Por fado inconstante, guerreiros nasci: Sou bravo, sou forte, Sou filho do Norte: Meu canto de morte, Guerreiros, ouvi. “O índio tupi no seu canto de morte lembra o velho pai, cego e débil, vagando sozinho, sem amparo pela floresta, e pede para viver” (extraído de “http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/i-jucapirama.html”): Deixai-me viver! (...) Não vil, não ignavo, Mas forte, mas bravo, Serei vosso escravo: Aqui virei ter. Do pranto que choro; Se a vida deploro, Também sei morrer. “O chefe timbira manda soltá-lo. Não quer "com carne vil enfraquecer os fortes" (extraído de “http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-delivros/i-juca-pirama.html”). O índio covarde volta para casa, mas seu velho pai percebe a desonra e o obriga a retornar à aldeia Timbira, para término do ritual. “Mas o chefe timbira recusa-se, acusando o guerreiro tupi de ter chorado covardemente diante de toda a aldeia. Neste momento, o velho cego amaldiçoa o seu descendente” (extraído de “http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/i-juca- pirama.html”): Tu choraste em presença da morte? Na presença de estranhos choraste? Não descende o cobarde do forte; Pois choraste, meu filho não és! 3 Perseu Gentil Negrão Possas tu, descendente maldito De uma tribo de nobres guerreiros, Implorando cruéis forasteiros, Seres presa de vis Aimorés. (...) Sê maldito, e sozinho na terra; Pois que a tanta vileza chegaste, Que em presença da morte choraste, Tu, cobarde, meu filho não és. “Mal termina a maldição, o velho escuta o grito de guerra do filho. Ouvindo o rumor da batalha, os sons de golpes, o pai percebe que o filho está lutando para manter a honra tupi, até que o chefe timbira manda seus guerreiros pararem, pois o jovem inimigo se batia com tamanha coragem que se mostrava digno do ritual antropofágico. Com lágrimas de alegria o velho tupi exclama: "Este, sim, que é meu filho muito amado!" (extraído de “http://educacao.globo.com/literatura/assunto/resumos-de-livros/i-jucapirama.html”). A Copa de 2014 poderia ter terminado com o final glorioso do índio Tupi. Mas não. Nossos “guerreiros”, após a derrota para a Alemanha somente choraram e justificaram-se dizendo que houve um “apagão”. O velho “Chefe Tupi”, ao invés de abdicar de seu trono, implorou para ficar. Não foi o “velho chefe” que obrigou os jogadores voltarem a campo, mas o regulamento. E lá foram os guerreiros covardes jogar contra a Holanda. Sem nenhuma dignidade, deixaram o campo de batalha antes da premiação, sem ao menos reconhecer a glória dos adversários. Em 2018, nos campos da distante Rússia, espero que tenhamos um técnico com a dignidade do “Velho Tupi” e que nossos jovens guerreiros sigam o exemplo do “Jovem Tupi” e, com altivez, voltem ao campo de batalha. Que não chorem durantes os embates. Que não tremam diante dos fortes. Pois não descendem de covardes... 4 Perseu Gentil Negrão