COMARCA DE PORTO ALEGRE 6ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DO FORO CENTRAL Rua Manoelito de Ornellas, 50 _________________________________________________________________________ Processo nº: Natureza: Autor: Réu: Juiz Prolator: Data: 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) Ordinária - Outros Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul - AJURIS Estado do Rio Grande do Sul Juíza de Direito - Dra. Maria Elisa Schilling Cunha 04/02/2015 Vistos e examinados os autos. ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES DO RIO GRANDE DO SUL ajuizou a presente ação ordinária em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, narrando, em síntese, que houve desconto indevidamente a maior, relativo ao imposto de renda sobre rendimento recebido acumuladamente decorrente do pagamento das URVs, pois admitida a incidência do imposto sobre a quantia global paga em atraso, sem fazer a apropriação de cada parcela devida mês a mês. Sustentou que, no caso de valores pagos acumuladamente, a incidência do imposto deve ocorrer no mês de recebimento, devendo ser considerada a alíquota da época em que se referirem os rendimentos. Postulou, por fim, a procedência da ação, para determinar que a incidência do imposto de renda observe o regime de competência, bem como a restituição do valor pago a maior, observada a prescrição quinquenal. Instruiu a inicial com documentos. Citado, o réu apresentou contestação, arguindo, preliminarmente: a) a incompetência absoluta da Justiça Estadual; b) a falta de pressuposto processual subjetivo, referente à capacidade de estar em juízo. Alegou, ainda, a prescrição quinquenal. No mérito propriamente dito, sustentou a inexistência de comprovação de prejuízo, já que a parte autora não juntou, com a inicial, documentos comprovando que o regime que lhe foi aplicado realmente foi prejudicial (regime de caixa). Requereu a extinção do feito sem julgamento do mérito, ou, alternativamente, a improcedência da demanda. Juntou documentos. 1 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) Houve réplica. Questionadas sobre o interesse na produção de outras provas, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado do feito. O Ministério Público, em parecer final, opinou pela procedência da ação, observada a prescrição quinquenal. Nesses termos, vieram os autos conclusos para sentença. RELATEI. DECIDO. I – Das preliminares: Não prospera a preliminar de incompetência arguida pelo réu, tendo em vista a repartição das receitas tributárias e o fato de a retenção do IRPF ser feita pelos próprios Estados com relação a seus servidores. Neste sentido, foi no mesmo sentido a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, neste feito, que reconheceu a competência da Justiça Estadual: “O Superior Tribunal de Justiça, em 30 de agosto de 2012, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral do Recurso Extraordinário 684.169/RS; e, no mérito, por maioria, reafirmou a jurisprudência dominante sobre a ilegitimidade passiva da União para figurar no polo passivo das ações de restituição de imposto de renda propostas pelos servidores do Estado do Rio Grande do Sul e servidores públicos municipais, fato esse que impede a análise e decisão do presente caso. (...) Reafirmada, assim, a jurisprudência do STF, definindo a competência, em razão da matéria, da Justiça Estadual, para julgamento de causas que envolvam a discussão sobre o imposto de renda retido na fonte, quando o valor é repassado ao Estado, porque ausente o interesse da União. Na mesma esteira, a competência da Justiça Estadual para apreciar as demandas em que se discute a incidência de imposto de renda retido na fonte sobre a remuneração de servidores públicos municipais, sob o fundamento de que tais parcelas de imposto retidas na fonte pertencem 2 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) aos Municípios, por força do artigo 158, I, da Constituição Federal. Nesse passo, impõe-se a declaração da incompetência da Justiça Federal em razão da matéria, com a remessa do feito à Justiça competente” (fls. 77/78). Exemplificativamente: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. URV. IMPOSTO DE RENDA SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. CÁLCULO MÊS A MÊS. TABELAS E ALÍQUOTAS VIGENTES AO TEMPO EM QUE DEVERIA TER SIDO RETIDO. Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de demanda versando sobre imposto de renda retido na fonte quando se trata de pagamento devido a servidor público estadual, pois aos Estados compete sua retenção e em virtude da repartição das receitas tributárias, conforme o art. 157, I, da CF. O imposto de renda a ser descontado em função dos valores pagos em virtude de condenação judicial deve ser calculado mês a mês, conforme as tabelas em vigor ao tempo em que deveria ter sido retido, e não sobre o total quando do efetivo pagamento com as tabelas e alíquotas vigentes ao tempo do cumprimento da condenação. Inteligência do art. 46 da Lei nº 8.541/92 e do art. 620 do Regulamento do Imposto de Renda - RIR/99 (Decreto nº 3.000/99). Precedentes do TJRGS e STJ. VERBA HONORÁRIA. REDUÇÃO. Vencida a Fazenda Pública em ação singela e sem instrução probatória, autoriza-se a minoração da verba honorária estipulada. Fixação de acordo com o art. 20, § 4º, do CPC. DECAIMENTO MÍNIMO DA PARTE AUTORA. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. Configurada a sucumbência mínima da parte autora, nos termos do art. 21, parágrafo único, do CPC, responde a parte contrária por inteiro pelos ônus sucumbenciais. Apelação provida em parte liminarmente. (Apelação Cível nº 70053493748, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Eduardo Zietlow Duro, Julgado em 08/03/2013) – grifei. No mais, não há que se falar em competência do Supremo Tribunal Federal. Ocorre que a presente ação versa sobre interesse de parte dos associados, e não de todos os membros da magistratura, nos termos em que dispõe o art. 102, I, n', da CF1. No caso dos autos, a inicial delimita o pedido apenas aos associados que foram beneficiados com o pagamento da URV. 1 Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: (...) n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados; 3 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) Igualmente, não prospera a preliminar de ausência de pressuposto processual, referente à capacidade de estar em juízo. O art. 5º, XXI, da Constituição Federal estabelece que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente”. Nesse contexto, ressalto que a AJURIS possui legitimação para representar seus associados judicialmente, seja individual como coletivamente, na forma de seus estatutos, dispensada autorização especial. Nesse sentido: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. ASSOCIAÇÃO. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. DESNECESSIDADE 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal, no julgamento do EREsp 766.637/RS, de relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJe 01/07/2013), assentou entendimento segundo o qual as associações de classe e os sindicatos detêm legitimidade ativa ad causam para atuarem como substitutos processuais em ações coletivas, nas fases de conhecimento, na liquidação e na execução, sendo prescindível autorização expressa dos substituídos. 2. (...) (AgRg no AREsp 368285/DF, Relator: Ministro Sérgio Kukina, DJU de 16/05/2014) - grifei. PROCESSUAL CIVIL. AÇÕES COLETIVAS. ASSOCIAÇÕES DE CLASSE E SINDICATOS. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. EXECUÇÃO. DISPENSA DE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS FILIADOS. 1. Trata-se de Agravo Regimental no qual a União sustenta que, por falta de autorização individual expressa, a associação de classe não pode agir na condição de substituto processual em Execução de sentença coletiva. 2. A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que as associações de classe e os sindicatos possuem legitimidade ativa ad causam para atuarem como substitutos processuais em Ações Coletivas, nas fases de conhecimento, na liquidação e na execução, independentemente de autorização expressa dos substituídos e de juntada da relação nominal dos filiados. 3. (...) 4 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 385226/DF, Relator: Ministro Herman Benjamin, DJU de 05/12/2013) - grifei. Restam, portanto, afastadas as preliminares. II – Da prescrição: Com relação à prescrição, a parte autora, de fato, incluiu no pedido parcelas que se encontram atingidas pelo prazo prescricional de cinco anos, contados a partir do ajuizamento da presente ação. Tem-se, pois, que estão prescritos os valores anteriores a 08/03/2008. III – Do mérito propriamente dito: Inicialmente, consigno que não verifico a insuficiência de provas alegada pelo réu. Os documentos juntados ao processo são suficientes para a análise do pedido e da alegação da demandante, sendo que outros documentos, para a verificação de eventual quantia que tenha de ser restituída, serão solicitados por ocasião da liquidação da sentença, cuja necessidade foi reconhecida pelo próprio demandado na contestação. A questão vertida nos autos, cinge-se à análise de ilegalidade do desconto de imposto de renda sobre as URVs recebidas pelos autores, da forma como feita pelo Fisco (acumuladamente e sem observância às tabelas e alíquotas devidas). De fato, a incidência de imposto de renda pelo regime de caixa importa em um aumento de alíquota, decorrente da cumulação de rendimentos, que não ocorreria se aquilo que era devido fosse pago ao tempo correto; e este aumento de alíquota, consequentemente, traduz-se em indevido aumento do imposto – sem observância, portanto, ao princípio da legalidade. Deste modo, o imposto de renda retido na fonte, relativamente a valores pagos de maneira atrasada e cumulada, 5 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) deve ser calculado com base em tabelas e alíquotas que vigiam quando tais valores deveriam ter sido pagos e não o foram – utilizando-se, pois, o regime de competência, e não o regime de caixa. Ademais, só há retenção de imposto de renda na fonte quando, isoladamente, os rendimentos relativos a cumprimento de sentença judicial o autorizam, pois, assim não fosse, estariam sendo descontados valores que seriam abrigados pela faixa de isenção – ensejando locupletamento do Estado. Nesse sentido, colaciono: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. RETENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE VALOR DA CONDENAÇÃO. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO MÊS A MÊS, CONFORME LIMITES E ALÍQUOTAS VIGENTES À ÉPOCA EM QUE DEVERIA TER SIDO EFETUADO O PAGAMENTO DE CADA PARCELA. REGIME DE COMPETÊNCIA. Somente haverá retenção do imposto de renda na fonte de rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial quando cada parcela mensal ensejar o referido desconto e isso com base nas tabelas e alíquotas vigentes ao tempo em que o pagamento era devido. Interpretação do art. 46 da Lei nº 8.541/92. Precedentes do STJ e deste Tribunal de Justiça. (...) (Apelação Cível nº 70045849429, 3ª Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relatora: Laís Ethel Corrêa Pias, julgado em 08/05/2012) Sendo assim, entendo deva ser aplicado o regime de competência, e não o de caixa, quando do pagamento das URVs, calculando-se o imposto em conformidade à alíquota vigente ao tempo em que teria sido tributado cada montante mensal, dado que não seria justo exigir o recolhimento de imposto que não incidiria caso recebido o pagamento a seu devido tempo. Procede o pedido de restituição de valores recolhidos a maior, em razão de retenção indevida do imposto de renda, tal como acima decidido. A quantificação dos valores, a seu turno, será apurada por meio de liquidação de sentença, na forma do artigo 475-B do CPC, quando então deverão ser juntados aos autos os documentos referidos pelo réu em contestação. E, para o cálculo da repetição de indébito, deverão incidir os mesmos índices de correção utilizados pelo 6 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) Fisco para a cobrança de seus créditos, a contar do pagamento indevido, com juros moratórios na taxa legal, a partir do trânsito em julgado da sentença (conforme súmula 188 do STJ). Registro, ainda, que a quantia a ser restituída deve ser calculada apenas com relação aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da presente ação, dada a prescrição da pretensão quanto aos valores anteriores a este período, conforme já referido anteriormente. ISSO POSTO, julgo procedente o pedido deduzido na inicial para: a) determinar que, sobre os valores recebidos a título de URV, incida IRPF, devendo ser aplicado o regime de competência (e não o de caixa), calculando-se o imposto em conformidade à alíquota vigente ao tempo em que teria sido tributado cada montante mensal; b) condenar o réu à devolução dos valores indevidamente retidos a título de imposto de renda incidente sobre as parcelas de URV, nos termos acima decididos, os quais deverão ser apurados em liquidação de sentença na forma do artigo 475-B do CPC, atendidos os requisitos definidos na presente decisão, reconhecida a prescrição quinquenal, contada a partir do ajuizamento da presente ação. Em razão da sucumbência mínima da parte autora (apenas quanto a parcelas atingidas pela prescrição), nos termos do art. 21, § único, do CPC, condeno o réu ao pagamento da totalidade das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), considerando o trabalho desenvolvido e a natureza da causa (a ação tramita desde março de 2013, sem dilação probatória), em conformidade com o art. 20, § 4º, do CPC. P.R.I. Transitada em julgado a presente decisão, arquive-se com baixa. Porto Alegre, 04 de fevereiro de 2015. 7 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001) Maria Elisa Schilling Cunha Juíza de Direito. 8 64-1-001/2015/288171 001/1.13.0059055-7 (CNJ:.0065642-04.2013.8.21.0001)