Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/
Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e
Psicologia – ISSN 2178-1281
VISÕES DE MUNDO: COHN-BENDIT E LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA
Marcos Antonio de MENEZES (UFG)1
Resumo
Neste artigo percorro parte do pensamento de Cohn-Bendit e de Bresser Pereira
naquilo que eles têm em comum: a leitura do papel dos estudantes na sociedade
contemporânea. Relembrando Bakunin, os dois vão eleger os estudantes como
aqueles capazes de fazer a transformação socialista do mundo. Por parte de CohnBendit, a intenção é reintegrar o trabalho intelectual no trabalho produtivo, a
transformação das capacidades intelectuais dos homens em principal força produtiva
da sociedade. Bresser Pereira também elege os estudantes como os revolucionários
por excelência. Esses teóricos pretendem demonstrar que os intelectuais
desempenham nessa sociedade um papel novo e determinante, que os estudantes
são a vanguarda e que a classe operária não é mais a classe revolucionária. Desde
Bakunin até nossos dias, vários teóricos tentam transformar os estudantes naquilo,
que a meu ver, não são: os redentores da sociedade, os revolucionários por
excelência.
Palavras-chave: Cohn-Bendit; Bresser Pereira; movimento estudantil; transformação
socialista.
Cohn-Bendit e o grande bazar
Daniel Cohn-Bendit, em O grande bazar2, livro lançado no Brasil em 1988
pela editora Brasiliense, dialoga com a tradição ortodoxa do movimento socialista
não só francês, mas internacional. Ao colocar em dúvida, no final do fragmento
correspondente às páginas 49 e 50, um dos dogmas do marxismo — que a classe
operária é a que faz a revolução —, ele propõe rediscutir toda tradição fundada em
Marx.
Na obra, com primeira edição em 1975, Cohn-Bendit lança um olhar
retrospectivo sobre os acontecimentos do maio de 1968 na França e em especial
sobre o movimento estudantil universitário. A tradição na qual ele se apoia é a do
anarquismo e foi este seu grupo de atuação na escola de Nanterre, onde se
iniciaram os acontecimentos do maio francês de 1968.
1
Doutor em História Cultural pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor adjunto da
Universidade Federal de Goiás (UFG). Ministra aulas na graduação no Campus de Jataí e na pósgraduação em História no Campus de Goiânia. É autor de Olhares sobre as cidades: narrativas
poéticas das metrópoles contemporâneas. São Paulo: Cone Sul, 2000; Escritas da História: narrativa,
arte e nação. Uberlândia: Edufu, 2007; Historiar: lendo objetos da cultura. Uberlândia: Edufu, 2009;
Uma corte europeia nos trópicos e outros ensaios. Goiânia: Editora da PUC/GO, 2010; Narrativas da
modernidade: história, memória e literatura. Uberlândia: Edufu, 2011. Líder do grupo de pesquisa do
CNPq: Grupo de Pesquisa em História Regional do Centro-Oeste Brasileiro e membro do Conselho
Editorial da revista ArtCultura.
2
COHN-BENDIT, Daniel. O grande bazar. São Paulo: Brasiliense, 1988.
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Se, em maio de 1968, Cohn-Bendit já se orientava pelo anarquismo, em
1975 ainda o fazia. O maio de 1968 na França está inserido numa onda de revoltas,
basicamente lideradas por jovens estudantes, que varreu o mundo.
Mas havia um sentimento comum a todos esses jovens desses países,
uma perda da inocência e uma percepção clara que agredia nossas mais caras
fantasias juvenis. Percebíamos que os valores mais altos de nossa civilização eram
mentirosos. Não se se tratava apenas de contestação mais funda de ordem
psicológica e existencial. O que estava agora em questão era nossa própria maneira
de viver.3
Voltemos ao texto de Cohn-Bendit, que por si só não nos revela muitas
coisas, mas remete a algumas indagações. Ele começa o texto na página 49
referindo-se a certa crítica que se fazia à Universidade. Qual Universidade? A
francesa em particular ou a instituição? Em seguida revela que essa crítica é
fundamentalmente política, tão radical que colocava em questão toda a sociedade.
Mas de que radicalismo nos fala Cohn-Bendit? E a qual sociedade ele se refere? O
autor fala que os estudantes dessa tal universidade tinham ―anseios‖, mas que
anseios? E ainda que eles não pudessem existir em uma sociedade capitalista,
continua dizendo que os ―anseios‖ dos diversos segmentos da sociedade não são
comuns. Defende a autonomia desses sentimentos em seus diversos movimentos. E
aí ele se coloca como defensor da autonomia do movimento estudantil. Ele fala do
movimento estudantil do maio de 68 na França.
Cohn-Bendit diz que os jovens operários que levaram para as fábricas o
movimento de maio se reconheciam no radicalismo dos estudantes. Mas nova
explicação fica nos devendo. De que forma esses jovens operários se identificavam
com os estudantes ou com o movimento deles? E de que radicalismo insiste CohnBendit em falar?
Afirma que o reconhecimento não se sustentava no radicalismo da briga.
Será que ele quis sugerir que o movimento operário e sindical só brigava? Segue
chamando à unidade operária estudantil, mas através do radicalismo. Para ele, a
união significava a conciliação das partes, mas com radicalismo na ação.
Logo à frente vemos o objeto de sua crítica, a CGT4 francesa. Para o
autor, a direção não só da CGT, mas também do PCF 5, ao entrar no movimento,
funcionava como um freio e por isso ele faz a defesa da autonomia e denuncia as
tentativas de manipulação, enfatizando que ―esse reflexo burocrático e esquemático
da união pode ser reencontrado nas questões dos trabalhadores imigrantes/classe
operária, ou dos homens mulheres‖6.
O fragmento termina com Cohn-Bendit defendendo mais uma vez a
autonomia dos movimentos e contestando a máxima de Marx de que a classe
operária é a classe revolucionária por excelência.
Daniel Cohn-Bendit foi um dos líderes do maio francês e, igual a muitos
outros jovens de sua época, criticava o stalinismo sem, no entanto, conseguir
3
MACIEL, Luiz Carlos. Marx e Freud se cruzam na rua. Folha de São Paulo, 2 de maio de 1993, p.
03.
4
Confedração générale du travail (Confederação Geral do Trabalho).
5
Parti Communiste Français (Partido Comunista Francês).
6
COHN-BENDIT, op. cit. p. 49.
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distingui-lo claramente do marxismo autêntico. Lenin, já no início de O Estado e a
revolução, afirmara: ―em tais circunstâncias, e uma vez que se logrou difundir tão
amplamente o marxismo deformado, a nossa missão é, antes de mais nada,
restabelecer a verdadeira doutrina de Marx sobre o Estado‖7. Não que eu queira ou
me julgue capaz de, como Lenin, fazer aqui a defesa do marxismo, mas talvez possa
iniciar a discussão sobre as críticas que Cohn-Bendit faz nesse texto de O grande
bazar.
Ao criticar o stalinismo presente na CGT e no PCF, parece-nos que
Bendit faz tábua rasa do marxismo — afinal, operários de várias indústrias e
sindicatos não alinhados com o braço sindical do PC francês se puseram em marcha
junto com os estudantes — e que ele coloca os estudantes na linha de frente de
uma revolução que consiste em ―criticar‖ os valores da sociedade atual,
uma revolução na idéia, uma idéia de revolução — e não tendo à frente
os produtores, em apoderar-se dos meios de produção, abrindo a via, por esse
modo, à reconquista total das forças produtivas, à transmutação das forças
produtivas da humanidade em forças produtivas humanas, orientadas não mais para
a produção de valores-de-troca, mas de valores-de-uso, de riqueza, de bens
suscetíveis de satisfazer sem limites as necessidades materiais e espirituais dos
homens.8
A visão de Cohn-Bendit é contestada por grupos mais ortodoxos do
marxismo que viam no maio francês um momento revolucionário onde a tomada do
poder estava posta. ―Sim, a situação era revolucionária em maio de 68. Eis porque
teria sido necessário definir as palavras de ordem e uma estratégia de massas pelo
poder‖.9
Essa posição critica a defesa da autonomia dos movimentos pregada por
Bendit. A luta histórica entre dois programas, duas estratégias da revolução, duas
concepções da história e da sociedade, parece não ter terminado nos debates entre
Marx e Bakunin, mas voltou à cena no maio francês e está vivo até hoje. Os críticos
das duas posições só não nos dizem o que colocar no lugar.
Para Matos, o maio de 68, ―nos infinitos perfis, teria deixado uma imagem
nítida no que se refere à ‗vanguarda revolucionária‘: para alguns autores não só o
proletariado industrial não esteve à frente do movimento, mas representou uma forte
e pesada retaguarda‖10. A autora enfatiza que esse movimento foi uma ―brecha
histórica‖ de um conhecimento extraordinário,
pois colocou em suspenso uma sociedade que se pensava de maneira
orgânica e sem fissuras; ensinou que revolução não nasce sob o efeito de um
conflito interno entre opressores e oprimidos, mas advém do momento em que se
7
LENIN, Vladimir Ilitch. O Estado e a revolução. São Paulo: Hucitec, 1978, p. 08.
BLOCH, Gérard. Marxismo e anarquismo. In: BLOCH, Gérard; TROTSKI, Leon. Kronstad: marxismo
e anarquismo. São Paulo, Kairós, 1981, p. 15.
9
Idem, ibidem, p. 24.
10
MATOS, Olegária Chain Féres. Paris 1968: as barricadas do desejo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,
1981, p. 89.
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apaga a transcendência do poder, no momento em que se anula sua eficácia
simbólica.11
No artigo intitulado Itinerários de uma controvérsia marxista, crises
econômicas e situações revolucionárias, Arcacy considera, com base nas
formulações de Bloch, que, para um marxista, ―não há dúvida de que a revolução é
impossível sem a situação revolucionária, mas nem toda situação revolucionária
conduz à revolução‖12. Mas quais seriam os sinais de uma situação revolucionária?
O autor indica três principais indícios apontados por Bloch:
1) impossibilidade para as classes dominantes manterem sua dominação
de forma inalterada; crise da ―cúpula‖, crise da política da classe dominante, o que
cria uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação das classes
oprimidas abrem caminho. Para que a revolução estoure não basta, normalmente,
que ―a base não queira mais‖ viver como outrora, mas é necessário ainda que ―a
cúpula não o possa mais‖; 2) agravamento, além do comum, da miséria e da
angústia das classes oprimidas; 3) desenvolvimento acentuado, em virtude das
razões indicadas acima, da atividade das massas, que se deixam, nos períodos
―pacíficos‖, saquear tranquilamente, mas que, em períodos agitados, são
empurradas tanto pela crise no seu conjunto como pela própria ―cúpula‖ para uma
ação histórica independente.13
Em A falência da II Internacional, Lenin adverte que ―sem essas
alterações objetivas, independentes não somente da vontade desses ou daqueles
grupos e partidos, mas também dessas ou daquelas classes, a revolução é, como
regra geral, impossível‖14.
Não se trata neste caso, nem de ―ilusões‖, em geral, nem de sua
refutação, pois nenhum socialista, em nenhuma parte, jamais garantiu que a
revolução será engendrada precisamente pela atual guerra (e não pela próxima),
pela situação revolucionária precisamente (e não pela de amanhã). Trata-se aqui do
dever mais incontestável e mais essencial de todos os socialistas: o dever de
mostrar às massas a presença de uma situação revolucionária, de explicar sua
extensão e profundidade, de despertar a consciência revolucionária do proletariado,
de ajudá-lo a passar à ação revolucionária e a criar organizações conformes à
situação revolucionária a fim de trabalhar nesse sentido.15
Trotsky acentua o fato de a orientação das massas estar determinada, ―de
um lado, pelas condições objetivas do capitalismo que se deteriora; de outro, pela
política traidora das velhas organizações operárias. Destes dois fatores, o fator
11
Idem, ibidem, p. 93.
ARCACY, Valério. Itinerários de uma controvérsia marxista, crises econômicas e situações
revolucionárias. Germinal, n. 8, ago. 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/germinal/n8082009.htm#itinerarios>.
13
Idem, ibidem.
14
LENIN, Vladimir Ilitch. A falência da II Internacional. São Paulo: Kairós, 1979, p. 27.
15
BLOCH, 1981, op. cit., p. 23-24.
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decisivo é, sem dúvida, o primeiro: as leis da história são mais poderosas que os
aparelhos burocráticos‖.16
Desde Bakunin até nossos dias, vários teóricos tentam transformar os
estudantes naquilo, que a meu ver, não são: os redentores da sociedade, os
revolucionários por excelência.
Em Estatismo e anarquia, Bakunin, polemizando com Marx, fala a esse
respeito, colocando os estudantes como os dirigentes, os professores dos operários
pobres, do proletariado, em andrajos. Os estudantes ―trazem-lhe conhecimentos
positivos, métodos de abstração e de análise, assim como a arte de se organizar e
de construir alianças que, por seu turno, criam essa força combatente esclarecida
sem a qual a vitória é inconcebível‖.17
Considerando os trabalhadores incultos e com a necessidade de chefes,
Bakunin escolhe os estudantes para dirigi-los. Seu método é idealista, mas não é o
único a colocar nas mãos dos estudantes a tarefa de fazer a revolução socialista.
Relembrando a greve estudantil de maio de 68 na França, um dos principais líderes
do movimento, Cohn-Bendit, copia seu mestre:
É importante que se diga alto e em bom som: em maio de 68, na França,
o proletariado industrial não foi a vanguarda revolucionária da sociedade, constituiuse, antes, em sua pesada retaguarda. [...] Os estudantes, na sua maior parte, não
são pobres; a contestação visa a estrutura hierarquizada, a opressão no conforto.
[...] Os estudantes revolucionários podem desempenhar um papel primordial no
combate.18
Por parte de Cohn-Bendit, a intenção é de reintegrar o trabalho intelectual
no trabalho produtivo, a transformação das capacidades intelectuais dos homens em
principal força produtiva da sociedade. Para Marx, a noção de forças produtivas
engloba o homem como força produtiva principal. Então, ao transformar o trabalho
intelectual em força produtiva, Bakunin e Bendit negam o homem como tal e
esquecem que o capitalismo é de uma estabilidade a toda prova. Ao transformarem
os estudantes em revolucionários por excelência, negam a principal afirmação de
Marx: a hegemonia do proletariado na revolução.
Bresser Pereira e as revoluções utópicas
O ex-ministro brasileiro Luiz Carlos Bresser Pereira19, social-democrata,
em seu livro lançado em 1979, As revoluções utópicas, também elege os estudantes
como os revolucionários por excelência.
16
TROTSKY,
Leon.
Programa
de
transição.
<http://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/>.
17
BAKUNIN. Estadismo e anarquismo, apud BLOCH, op. cit., p. 11.
18
COHN-BENDIT, Daniel. Le gauchisme: remède à la maladie sénile du communisme. Paris: Seuil,
1968, p. 125.
19
Bresser Pereira foi ministro da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia do
governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), além de ocupado a pasta da Fazenda do governo José
Sarney.
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A revolução política radical de nosso tempo é a revolução estudantil, ou
melhor, é a revolução dos estudantes e dos intelectuais não comprometidos. São os
estudantes e os intelectuais não comprometidos o grupo revolucionário por
excelência [...] Não são mais os operários, como pretendia Marx no século passado,
a classe revolucionária. Não é mais do proletariado que se pode esperar a
revolução. Esta, quando e se ocorrer, terá origem nos estudantes e nos intelectuais
não comprometidos.20
Bresser afirma ainda que os proletários hoje têm um bom padrão de vida
na maioria dos países e por isso são acomodados, tornando-se ex-revolucionários.
As conquistas trabalhistas os levaram à acomodação. Ele não só nega a revolução
via proletariado, mas também a nega por meio dos camponeses, pois são pequenos
proprietários também acomodados e, nos países mais pobres, miseráveis e
analfabetos.
Já os estudantes, para Bresser, são revolucionários porque questionam
toda a sociedade em seus movimentos e não só a educação. ―Mas, num instante,
sob a orientação das lideranças radicais, que encontram um ambiente propício para
se tornarem efetivas, o escopo de protesto amplia-se. Toda a sociedade é
denunciada. Nada fica de pé.‖21
O ex-ministro de FHC conclui que ―a crítica do estudante tem, portanto,
um sentido total: nega toda a sociedade, nos termos em que ela está hoje
organizada. Nestes termos, o grupo estudantil tem um primeiro predicado para
substituir-se aos operários como grupo revolucionário: tem objetivos
revolucionários.‖22
Tanto Bresser Pereira quanto Cohn-Bendit pretendem, portanto,
demonstrar que os intelectuais desempenham nessa sociedade um papel novo e
determinante, que os estudantes são a vanguarda e que a classe operária não é
mais a classe revolucionária. Essas críticas
procedem de uma mesma incompreensão, fundamental, da nação
marxista de forças produtivas, de uma mesma substituição do método materialista
de Marx por um método idealista. Eis porque colocam os estudantes à frente de uma
revolução que consiste em ―criticar‖ os nobres da sociedade atual [...].23
Não é minha pretensão ficar aqui fazendo a defesa da tese marxista da
hegemonia do proletariado na revolução socialista. O que quero é mostrar a
importância do movimento estudantil e seu lugar na história.
É necessário entender que o movimento estudantil faz parte de um
processo mais amplo e que, se não houver a devida articulação com o movimento
dos trabalhadores, ele se perderá nas lutas específicas dos estudantes.
A ―práxis‖ estudantil é determinada pela situação de classe dos
estudantes; isto é, devido à vinculação que os estudantes mantêm com os setores
20
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. As revoluções utópicas: a revolução política na igreja, a revolução
estudantil. Petrópolis: Vozes, 1979, p.83-84.
21
Idem, ibidem, p. 92.
22
Idem, ibidem, p. 92.
23
BLOCH, op. cit., p. 15.
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médios em processo de ascensão na sociedade, sua ―práxis‖ ficará sempre nos
limites das aspirações da pequena burguesia. Mas ainda, mesmo quando essa
práxis assume características de radicalização, isso não significa que se configure aí
uma situação revolucionária, mas, pelo contrário, como já foi apontado, trata-se de
―um radicalismo pequeno-burguês, a seu modo autêntico, que faz às vezes de força
revolucionária‖.24
Nesse caso, o movimento estudantil é uma ação da pequena burguesia.
Na verdade as reivindicações que os estudantes levam em suas bandeiras são as
da classe média. Em determinados momentos, há a radicalização, e toda a estrutura
social é questionada. Tornam-se necessárias as palavras de ordem corretas para
saber unir-se ao resto dos explorados para impulsionar a luta por uma nova ordem.
O movimento estudantil, como resultado da classe média, afasta-se do proletariado,
comprimindo-se entre as contradições do sistema.
Esse tipo de movimento não possui um estilo de atuação e nem uma
perspectiva imediata de futuro. Oscilando entre a burguesia e o proletariado, acaba
em reivindicações circunstanciais. Prega a transformação da sociedade dentro dos
limites da pequena burguesia. Na verdade, os estudantes querem negar a burguesia
e não um engajamento revolucionário. Mesmo nos momentos de maior mobilização,
não conseguem os estudantes sozinhos sair do radicalismo pequeno burguês. O
movimento estudantil representa, nas situações mais radicais, uma possibilidade de
rompimento com as forças tradicionais.
Quando, na década de 1990, os estudantes fizeram greve para impedir
que o governo votasse no Congresso Nacional o projeto da nova Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) do senador Darcy Ribeiro25, essa ambiguidade
ficou latente. Eles estavam interessados em manter sua situação de já universitários
e não em abrir a universidade para todos, pois para tal é preciso transformar o
governo e o modelo social que aí está.
Antes disso, na década de 1960, o governo federal adotou medidas para
equivalência dos cursos profissionais aos secundários, sendo estas ampliadas na
primeira LDB, de 1961. Com a expansão do ensino médio aumentou a demanda
pelo ensino superior e o governo tratou de instituir a gratuidade dos cursos das
instituições federais de ensino superior e federalizar faculdades estaduais e
privadas, reunindo-as em universidades custeadas e controladas pelo MEC.
A reforma universitária reivindicada no passado nada mais foi do que a
luta da pequena burguesia por ascensão, pois, naquele momento de
industrialização, a entrada na universidade significava ascensão social.
A rebelião dos jovens das camadas médias contra a ordem social vigente,
na década de 60, resultou da impossibilidade de elas atingirem os alvos de
ascensão social propostos por essa mesma ordem. Na raiz dessa rebelião está a
intensificação do processo de monopolização da economia, o qual determinou o
deslocamento dos canais de ascensão possíveis para essas camadas, fazendo com
24
CAVALARI, Rosa Maria F. Os limites do movimento estudantil – 1964-1980. Dissertação
(Mestrado)– Unicamp, 1987, p. 276.
25
Em sessão de 8 de fevereiro de 1996, após oito anos de tramitação no Congresso Nacional — no
Senado Federal desde 1993 — o senador Darcy Ribeiro relatou o projeto de lei de diretrizes e bases
para a educação brasileira (PL 1.258/88).
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que elas dependessem cada vez mais da obtenção dos graus escolares,
progressivamente mais elevados, exigido pela expansão das burocracias do
aparelho governamental e das empresas. 26
No período de 1964 até hoje foram muitas as vezes em que os
estudantes foram às ruas e um dos momentos recentes mais significativos foi a
campanha pelo impeachment do presidente Fernando Collor. Nesse momento os
estudantes foram a vanguarda e conseguiram sintetizar a vontade nacional. Junto
com os trabalhadores, derrubaram o presidente corrupto. Mas foram incapazes de
entender o momento em que o movimento se delineava como revolucionário e dar o
passo seguinte, que era pôr abaixo toda a estrutura de opressão e exploração do
governo capitalista. Era necessário chamar a unidade dos movimentos que naquele
contexto exigiam mudanças profundas na sociedade e os estudantes
hegemonizavam a luta pela derrubada do presidente.
A situação de classe da maioria dos estudantes os fez, mais uma vez,
perder para a pequena burguesia e, de volta às escolas, assistiram a toda a
manobra da substituição de um presidente corrupto por seu vice.
As várias manifestações nas quais os estudantes encenaram a derrubada
do presidente levam a crer que eles mesmos não acreditavam na possibilidade de
conseguir isso. Parecem aceitar que eram incapazes de alterar a ordem
estabelecida. Tudo leva a crer que os estudantes aceitam que não são eles os
agentes de transformação social, aceitam passivamente um papel secundário na
transformação da sociedade.
Essa ambigüidade revela a incapacidade da pequena burguesia de
formular e executar um projeto revolucionário. A pequena burguesia, dada a sua
situação de classe, reduz, em momentos críticos, as contradições histórico-sociais
em conflitos existenciais. Não causa estranheza, portanto, a procura de saída
individual. Daí, o movimento estudantil ser considerado, ―celeiro de mandarins‖ ou
―fornecedores de quadros para o sistema‖. 27
Na verdade, elementos típicos da burguesia, como o romantismo, o
personalismo, o voluntarismo, o carisma, foram incorporados pelos estudantes ao
movimento estudantil.
Como já disse antes, não quero fazer aqui a defesa da hegemonia do
proletariado na revolução socialista, mas, pelo exposto, são inegáveis as limitações
do movimento estudantil — devido à situação de classe dos estudantes — em ser
agente puro e simples de transformação social.
A reivindicação pura somente leva à acomodação e impede a
transformação. Para realmente ameaçar e romper com o status quo, o movimento
estudantil tem de sair dos limites da pequena burguesia e fazer a unidade com os
trabalhadores.
A partir do exposto, retorno à questão inicial que suscitou este trabalho. O
movimento estudantil ameaça o status quo? Tem ele condições para tanto? A meu
ver, o movimento estudantil, mesmo nos momentos de maior mobilização, não
26
CUNHA, Luiz Antônio. A universidade crítica: o ensino superior na república populista. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 1983, p. 61.
27
CAVALARI, op. cit., p. 282.
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chega a ameaçar a ordem estabelecida. Dados os seus vínculos de classe, o
movimento estudantil provavelmente não tem condições de chegar a ameaçar o
establishment. É um movimento da classe média interessado em ampliar suas
oportunidades, apesar da forma ―radical‖ com que se reveste em algumas
circunstâncias de ascensão do próprio movimento.
Não estou aqui censurando ou diminuindo a importância do movimento
estudantil, não é esta a questão. Trata-se apenas de estabelecer limites e definir
qual seu lugar na luta de classes e de saber qual papel representa na luta pela
construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
A importância do movimento estudantil na resistência ao golpe de 64 e na
redemocratização do país é inegável. Não se pode contar a história do Brasil, a
partir dos anos 40 do século XX, sem falar no papel singular que representaram os
estudantes na luta por democracia. Não é possível esconder por debaixo da história
as dezenas de estudantes que tombaram em nome da liberdade de expressão e do
direito de uma vida mais digna para todos. Foram muitos os que deram a vida
acreditando que liberdade, igualdade e fraternidade não são utopias.
Mesmo quando hoje, apesar da insipiência, grupos de estudantes vão às
ruas exigir o fim da corrupção e a punição dos seus responsáveis, não há como
negar a relevância de tal ato, que, na pior das hipóteses, está ajudando a desnudar
a face perversa da social democracia.
Quando na década de 1960, alguns estudantes optaram pela militância
cultural como forma de politizar e conscientizar o povo, este ―ir ao povo‖ teve algo de
paternalista e pequeno burguês. Ao se combater uma política ideológica que queria
falar e fazer em nome de todos, parece que o movimento estudantil cometeu o
mesmo erro.
Como prática orientada de forma sistemática, o Centro Popular de Cultura
(CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi, sem dúvida, a maior expressão
da arte engajada na história do país. Vivíamos a crise política desencadeada pela
renúncia do presidente da República, Jânio Quadros, e a sucessão pelo seu vice
João Goulart, quando surgiu no final de 1961 o CPC. Criado por jovens artistas,
estudantes e intelectuais, tinha como objetivo fazer uma arte conscientizadora do
povo. O teatro foi sua principal arma. Sob a palavra de ordem ―ir ao povo‖, atuou em
várias áreas da produção artística. Depois do congresso da UNE de 1962 e a
criação do projeto UNE-Volante, que percorrera várias capitais, o CPC se
popularizou e foram criados vários CPCs.
A arte engajada produzida no CPC pode ser enquadrada nos parâmetros
da época que a criou: eleger e transformar o povo, como sujeito a ser conhecido e
para ser ajudado no seu conhecer-se. No período que vai de 1961 a 1964, a
―descoberta‖ do povo, as estratégias para sua educação, conscientização, e as
preocupações com uma ―cultura popular‖ proliferaram entre estudantes, artistas,
padres e intelectuais de norte a sul do Brasil. A intenção era afirmar o nacional como
condição para uma revolução socialista.
O rompimento definitivo com o Estado burguês não estava na ordem do
dia. Queria-se que os movimentos populares crescessem à sombra do Estado,
aproveitando suas ―brechas‖. Toda essa situação define os limites de uma ação
cultural que pretendia ser popular e revolucionária. Nesse sentido, todas as suas
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atividades, de um modo ou de outro, evidenciam as diretrizes político-ideológicas da
época.28
Segundo Marilena Chauí, as posições cepecistas revelariam um
―iluminismo vanguardista e inconscientemente autoritário‖ 29. A autora alia as ações
do CPC às práticas populistas. O CPC e seus dirigentes estariam ligados a um
projeto político que, em essência, não conseguia sair dos marcos impostos pela
burguesia dominante, ou melhor, por uma fração dessa classe.
O CPC teria se organizado em função desse projeto, concorrendo para a
institucionalização da arte e do artista, reproduzindo o sujeito da criação artística
enquanto portador de um dizer político que o impedia de descobrir, no processo no
qual estava envolvido, um atitude independente do Estado burguês que se propunha
combater.30
O movimento estudantil encontra-se em um lugar entre o movimento
operário e os intelectuais e saber fazer as alianças é fundamental para o
fortalecimento das bandeiras que carrega e que sempre serão pontuais. Os
estudantes não são revolucionários por excelência, não nos moldes clássicos da luta
de classes.
O papel desenvolvido por eles dentro do jogo das contradições entre as
classes está mais próximo das observações de Gramsci 31 a cerca do papel do
intelectual, onde este não corresponde a uma formação acadêmica específica, mas
a uma ação social, um certo tipo de agente capaz de fazer a ligação entre
superestrutura e infra-estrutura, independente de sua escolaridade específica, mas
relacionada diretamente com o ―lugar‖ que ocupa nas relações materiais/sociais de
uma determinada produção social.
O movimento estudantil caracteriza-se fundamentalmente como um
movimento organizado de uma importante e ativa parcela da sociedade: os que
tiveram acesso ao ensino. E o que, principalmente, liga o conjunto dos estudantes
entre si é a atividade intelectual que exercem em comum.
REFERÊNCIAS
28
KRAUSCHE, Valter Antônio T. A rosa e o povo: arte engajada nos anos 60 no Brasil. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais)– Universidade de São Paulo, 1984, p. 08.
29
CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 61.
30
Idem, ibidem, p. 12.
31
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Civilização Brasileira; 1981.
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1979.
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