ARTIGO PERÍCIA JUDICIAL: UMA ALTERNATIVA DE ATUAÇÃO PARA O PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA Gracilene Maria Almeida Muniz Braga1 Paulo Lanes Lobato2 RESUMO O objetivo deste artigo foi apresentar mais uma opção de atuação para o profissional de Educação Física e as principais exigências para essa atuação. A perícia é um tipo de prova e uma forma de assessoria que ocorre na esfera judicial, extrajudicial ou criminal; todos os profissionais com nível superior podem se candidatar para atuar como peritos em processos judiciais. Atualmente algumas condições são exigidas para se trabalhar como perito judicial, como ser de nível universitário e possuir registro no Conselho Regional ou Federal da área; entretanto, a não-obrigatoriedade da prestação de concurso público e uma boa remuneração são atrativos que fazem desse mercado em expansão um ótimo campo para atuação do profissional da área de Educação Física, que poderá lidar com temas que envolvam ramos específicos da sua área, com a elaboração de laudos e pareceres judiciais em resposta a uma investigação. Hoje em dia, o número de processos contra academias e profissionais não-habilitados vem crescendo, necessitando o juiz de avaliação e orientação específica. Palavras-chave: atuação profissional, assessoria, concurso público, educação física, perícia e perito judicial, prova. INTRODUÇÃO De acordo com Figueiredo (1999), a expressão “perícia” vem do latim peritia, que significa conhecimento, o qual, por sua vez, é adquirido pela experiência. Diante disso, os profissionais da educação Recebido para publicação em 05/11/2006 e aprovado em 05/03/2007. 1 Assistente social, perita forense. 2 Professor de Educação Física - UFV. 120 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 física e de outras áreas que desejarem atuar nesse campo deverão dedicar-se ao conhecimento específico da perícia, entendendo seu objetivo e relevância, passando pelos prazos e exigências técnicas para a produção de laudos e pareceres judiciais. A perícia é uma forma de assessoria que pode ocorrer na esfera judicial, extrajudicial ou criminal; no campo judiciário, ela já existe desde 1929, quando ainda não se conhecia uma definição exata do seu papel ou muito menos de quem seria o assessor para o juiz, sendo essa uma indicação das partes. Mais tarde, o Decreto-Lei 4.565, Presidência da República - RJ, de 1942, previa que o juiz nomearia o perito somente na hipóteses de as partes não chegarem a um consenso sobre a escolha de um nome comum, que deveriam inclusive apresentar antes mesmo do despacho do juiz, assim como poderiam substituir o nome indicado, desde que prevalecesse o consenso. Em 1946 surge uma outra alteração no texto legal, desta vez consagrando a figura que vigorou até a publicação do Código de Processo Civil de 1973, do perito desempenhador, que só era nomeado caso as partes não indicassem um perito comum, ou, na hipótese de cada parte indicar o seu perito, se as conclusões não satisfizessem o juiz, o que invariavelmente ocorria, pois estes tranformavam-se em “advogados de defesa” das partes que os haviam indicado. A mudança introduzida pelo Código de 1973 retroage ao dispositivo previsto no Código de 1929, inovando apenas em relação a determinados requisitos exigidos dos assistentes técnicos, no que se refere à sua imparcialidade, pois, ao contrário da concepção anterior, estes não eram mais os auxiliares da parte que os indicava, mas, antes de tudo, auxiliares do juiz. Atualmente o trabalho da perícia passou a ser visto pelos juízes como uma colaboração técnica (RANGEL, 1999), fundamentada por princípios, leis e diversas bibliografias. Outro conceito de perícia remete a um campo supostamente diferente: a atividade que requer particulares conhecimentos em determinadas ciências ou artes (ROCHA, 1999). A perícia é realizada por profissionais de nível superior, e todas as formas de prova contribuem para que o direito seja aplicado com o objetivo de solucionar o conflito. No entanto, somente a prova pode trazer os fatos novamente como uma retrospectiva, possibilitando aos analistas esclarecer e buscar a verdade, existindo também a necessidade da adoção de R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 121 auxiliares competentes para assessorar a decisão com o máximo de provas possíveis (ARAÚJO, 1994). A prova pericial é o elemento necessário ao juiz para que ele possa decidir a respeito de temas sobre os quais enfrenta dificuldade especial ou legal, sendo essa competência exclusiva de profissionais liberais. De acordo com Pizzol (2005), cada ramo da ciência, do conhecimento humano ou de qualquer profissão possui instrumental próprio e adequado para apurar ou comprovar fatos que podem servir ao processo judicial. Por ser essa uma área de constante mutação e indefinição legislativa, faz-se necessário um aperfeiçoamento constante e dirigido aos profissionais que atuam na área. Para isso, o juiz necessita utilizar elementos que lhe prestem informações seguras e precisas, não ficando restrito às peças processuais ausentes de conteúdo, as quais podem distorcer a veracidade dos fatos, atos ou coisas (RANGEL, 1999). Podemos considerar a atuação do perito sob dois aspectos, sendo o primeiro quando é nomeado pelo juiz e recebe a denominação de perito oficial, cuja função é assessorar a decisão judicial a partir de um estudo técnico com imparcialidade e apresentação das respostas a possíveis quesitos (perguntas) feitos pelo juiz, pelo autor do processo e pela outra parte, na forma de laudo – neste caso, segundo o artigo 33 do Código de Processo Civil, os honorários do perito oficial deverão ser pagos pelo autor do processo, ou seja, aquele que abriu o processo, ou por quem o solicitar. O segundo aspecto refere-se ao direito das partes de acompanhar a perícia, indicando seus assistentes técnicos (perito assistente), com a finalidade de elaborar os quesitos para que o perito oficial busque resposta; assegurar a imparcialidade da perícia, por meio de acompanhamento; e entregar o parecer contendo suas críticas e observações na forma de Parecer Judicial, que tem o objetivo de apresentar contestações que possam favorecer a parte que o contratou, sendo o ônus de responsabilidade de quem o contratar. Segundo o Código de Processo Civil, artigo 145, § 1º, todos os profissionais de nível universitário podem atuar como peritos para a justiça, não se necessitando da realização de qualquer tipo de concurso, pois os peritos são auxiliares da justiça e, como tal, trabalham como profissionais liberais, podendo atuar em toda a área de abrangência do Conselho Regional na qual esteja registrado. Pela sua atuação como 122 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 perito, fará jus a uma remuneração cujo valor o perito tem autonomia para estabelecer, salvo em alguns conselhos profissionais, que já definiram as tabelas para esses serviços. Para exercício dessa atividade, além da inscrição no órgão de classe, exige-se habilidade no âmbito da questão específica, fornecendo ao juiz condição de analisar os fatos com imparcialidade, a partir da capacidade técnica do perito em apresentar os indícios que comprovem a veracidade dos fatos. No campo pericial, o exame ou vistoria deverá ser feito no local onde o conflito se originou – em ambientes, objetos, pessoas ou documentos – e realizado por profissional específico que tenha a capacidade de reconstituir o fato, visando obter informações capazes de esclarecer dúvidas quanto aos acontecimentos e, portanto, queixas que levam aos atos processuais (DINAMARCO, 2001). ESPECIFICAÇÕES PARA O PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA No que diz respeito à perícia referente a temas que envolvam ramos da educação física, o profissional deverá primeiramente inscrever-se nos Fóruns, nas Varas Cíveis e Trabalhistas, portando curriculum vitae, que deve conter as competências do profissional, dados pessoais e registro do Conselho. Esse material deverá ser entregue impresso e em disquete nos Fóruns de todo o Estado, devendo o profissional reencaminhar a cada ano, para renovação do cadastro junto ao juizado (CINTRA, 1990). O juiz, por não possuir conhecimento específico na área do processo e por muitas vezes não ter à disposição provas suficientes para a decisão, nomeia o perito para subsidiar sua decisão. Essa nomeação é encaminhada ao perito judicial na forma de Mandado de Intimação, via carta registrada ou oficial de justiça. O prazo para resposta ao juiz é de no máximo cinco dias, devendo o perito encaminhar petição apresentando um plano de trabalho, detalhando a metodologia que utilizará em sua diligência; uma planilha de custos, em que deverá apresentar uma estimativa do gasto com passagem, quilometragem, hospedagem, alimentação, xerox, pareceres de profissional de outras áreas, etc.; e os honorários que deseja receber pelo trabalho a ser realizado (ALVIM, 2003). R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 123 É necessário aguardar um segundo mandado de intimação, no qual constará que os honorários foram aceitos pela parte que solicitou a perícia ou pelo autor do processo e que ele terá um determinado prazo para entregar o laudo. Quanto ao prazo para se entregar o laudo, que é a resposta da investigação e dos quesitos, o perito deverá utilizar todos os seus conhecimentos técnicos para elaborar seu laudo, mas nunca esquecendo que pessoas leigas tomarão parte no processo e, por isso, não conhecem ou não têm o dever de conhecer os termos técnicos; portanto, é necessário utilizá-los de forma explicativa e com linguagem facilitada, lembrando que o perito e o juiz devem se entender plenamente (DAL-BÓ, 2001). No laudo, que é um documento técnico de caráter demonstrativo que visa apresentar um diagnóstico ou um prognóstico, o perito deve apresentar as respostas aos quesitos em detalhes, para facilitar a decisão judicial (DAL-BÓ, 2001). Há várias formas de estrutura de laudos – alguns mais extensos, outros mais sintéticos – em função da natureza das características avaliadas, do instrumental utilizado, da finalidade e de seu destinatário. Não há um modelo único a ser seguido, pois o profissional tem liberdade para apresentar os fatos na forma que quiser. Contudo, todas as informações devem estar disponíveis, mesmo que a forma expedida seja sintética, em razão das contingências relacionadas à solicitação. Na sua estrutura básica, o laudo poderá conter os seguintes itens: 1. Preâmbulo. 2. Identificação ou comemorativos. 3. Descrição da demanda ou histórico do processo, métodos e técnicas utilizadas. 4. Conclusão. 1) Preâmbulo Nele deve constar que o laudo atende ao despacho de quem o solicitou – no caso, o juiz; são colocados os dados que vêm na capa, nome do juiz, comarca, número do processo ou ação etc. Deve haver também um pequeno currículo do perito, constando apenas quem é, qual a formação e onde atua. 124 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 2) Identificação ou comemorativos Refere-se à descrição dos dados básicos do avaliado, como nome, data de nascimento, idade, escolaridade, filiação, profissão etc. 3) Descrição da demanda ou histórico do processo Neste item o perito apresenta as informações referentes a motivos, queixas ou problemáticas apresentadas. 4) Métodos e técnicas utilizadas Refere-se à descrição dos recursos utilizados e resultados obtidos. 5) Conclusão Destina-se a apresentar uma síntese da opinião do perito, sem tomar partido de nenhuma das partes, lembrando que o perito é aquele de confiança do juiz e a ele cabe tomar a decisão; cabe ao perito apenas dar-lhe subsídios para a melhor decisão. Não deve o perito ter a pretensão de concluir dizendo o que o juiz deve ou não fazer. EXIGÊNCIAS QUANTO À ELABORAÇÃO DO PARECER A elaboração do parecer judicial é de competência do Perito Assistente ou Assistente Técnico, com a finalidade de apresentar críticas ao lado ou à perícia do perito oficial escolhido pelo juiz, o que garante à parte contratante a imparcialidade deste. O Parecer é uma manifestação técnica fundamentada e resumida sobre uma questão, que deve ser entregue no prazo de 10 dias após a apresentação do laudo, independentemente de intimação. A elaboração de um Parecer exige do profissional, além da competência no assunto, habilidade na redação, devendo ainda considerar dois pontos principais: princípios técnicos da linguagem escrita e princípios éticos e técnicos. Por outro lado, a composição de qualquer parecer deve ser dividida em cabeçalho e discussão, o que significa que o profissional de Educação Física terá dois campos de atuação: o judiciário e a assessoria às partes como assistente técnico (AT). Como assistente técnico, seu papel será elaborar os quesitos, que são perguntas R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 125 encaminhadas ao perito oficial, além de acompanhar a perícia e fazer críticas ao laudo; como perito assistente, seu papel será fortalecer a ação ou a defesa das partes. CONCLUSÃO Para exercício dessa atividade, o profissional de Educação Física deve buscar conhecimento técnico relativo às suas competências e exigências quanto à jurisprudência da perícia, ocupando o espaço específico para a sua área, a qual deve envolver a prática esportiva como um todo. Como requisito básico, deverá estar vinculado ao Conselho Regional de sua profissão e se cadastrar nas varas judiciais do local onde deseja desempenhar a função de Perito Oficial, apresentando anualmente seu curriculum vitae, xerox do registro do conselho e atestado de antecedentes criminais emitido pela polícia civil ou federal. Para atuar como Assistente Técnico, é necessário distribuir curriculum vitae em academias, clubes, empresas e escritórios de advocacia. A sua atuação como perito ou assistente técnico não impede o exercício profissional regular; no entanto, destacamos que o perito oficial não poderá realizar perícia em processos em que conheça uma das partes ou que já tenha mantido ligações profissionais. Já como assistente técnico, não há impedimentos dessa natureza. Mais do que atuar como perito, essa atividade pode indiretamente interferir na qualidade dos serviços prestados pelas instituições e no direito de contestação por parte dos consumidores que possam se sentir lesados, pois, por ser um campo específico, deverá ser tratado por profissionais da área, a fim de orientar a decisão do juiz quanto ao deslinde do conflito. Por ser uma área de atuação profissional pouco divulgada, sugerimos o empenho e o aprofundamento no tema para uma consistente atuação do profissional de educação física e estender esse benefício a todos os consumidores e/ou prestadores de serviços. Sem a intenção de esgotar o assunto da perícia e sim complementar a discussão em questão, e considerando a liberdade de elaboração de laudos, podem ser consultadas obras, laudos e pareceres de diversas áreas, como forma de sugestão para essa 126 R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 produção. Sugerimos a visita à página: www.abmp.org.br/sites/perita, onde o profissional encontrará diversas informações e sugestões de bibliografias relacionadas ao tema. ABSTRACT JUDICIAL SKILL: A PERFORMANCE ALTERNATIVE FOR THE PHYSICAL EDUCATION PROFESSIONAL The objective of this article was to present an option of performance for the professional of Physical Education and the main requirements for this performance. The skill is a type of test and a form of assessor ship that occurs in the judicial sphere, extrajudicial or criminal; all the professionals with superior level can be a candidate to act as expert in actions at law. Currently some conditions are demanded to work as appraiser appointed by court, so as having university level and to possess register in the Regional or Federal Advice of the area; however, the not-obligator ness of the public competition installment and a good remuneration are attractive and make this market in expansion an excellent field for performance to the professional of the Physical Education area, that will be able to deal with subjects that involve specific branches of its area, with the elaboration of findings and judicial terms in reply to an inquiry. Nowadays, the not-qualified number of processes against academies and professionals keep growing, needing that the judge evaluation and specific orientation. Keywords: professional performance, assessor ship, public competition, physical education, skill and appraiser appointed by court, test. Referências ALVIM, J.M.A. Tratado de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. ARAÚJO, R.; KRÜGER, L.L.; RUNO, D. D. O Trabalho de perícia social. Revista de Divulgação Científica, n.1, p. 20-25, jan./jun. 1994. R. Min. Educ. Fís., Viçosa, v. 15, n. 1, p. 120-128, 2007 127 CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria do processo. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. CÓDIGO de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. DAL-BÓ, A. M. M. Manual de procedimentos técnicos. Florianópolis: Tribunal de Justiça de Santa Catarina, 2001. DINAMARCO, C. R. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2001, v. 3, p. 584. FIGUEIREDO, Á. N. M. Roteiro prático das perícias judiciais. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 55. 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