Conservar bem as peles caprinas para obter bons lucros Maria Auxiliadora de Brito Lira Dal Monte MSc. em Produção Animal, Tecnóloga em Couros e Tanantes Assessoria, Consultoria e Assistência Técnica. Introdução Nesse artigo é discutida a técnica de emprego de um tipo específico de conservação de peles de caprinos, visando, como principais vantagens, maior aproveitamento da área, maciez, flor firme e qualidade final do couro. É de fundamental importância para se alcançar um produto final bem acabado, que a conservação das peles seja feita de forma apropriada e com procedimentos corretos. Tanto o mercado externo como o interno têm ficado bastante exigentes. Os estilistas são cada vez mais rigorosos nas especificações técnicas com relação à qualidade e à aparência das peles. Condições específicas de procedimentos são descritas, comprovando-se, através de dados químicos e físicos, a viabilidade técnica dos processos apresentados. Histologia da Pele Histologia é a ciência que estuda os tecidos. É um auxílio valioso na elucidação de dúvidas e defeitos que surgem antes, durante e após às operações de curtimento. A Histologia da pele, no entanto, é uma ciência distinta e requer longa experiência aliada à técnica especial na preparação e interpretação de cortes histológicos. Os estudos histológicos inicialmente feitos, sobre a pele humana, ajudaram posteriormente aos que se dedicaram a histologia da pele. De outro lado, as transformações pelas quais as peles passam, durante as operações de curtimento, requerem técnicas histológicas especiais, daí a importância de histologia distinta. Pele A pele cobre a superfície do corpo e consiste de três camadas: – a epiderme, a camada de tecido subjacente, a derme e a hipoderme que é ligada com a subjacente. | Camada superior – epiderme PELE - | Camada intermediária – derme | Camada inferior – hipoderme A pele protege o organismo de influências externas, recebe impulsos sensoriais do exterior, excreta várias substâncias, e ajuda a regular a temperatura do corpo. Zonas de uma pele A pele não apresenta textura nem espessura uniformes em todas as suas regiões. Tendo em vista o fato acima e visando racionalizar o processo, bem como a obtenção de produtos de maior uniformidade, costuma-se dividir a pele , de acordo com certas características relacionadas com a textura fibrosa e a espessura. A zona do grupão é a região mais rica em fibras colágenas e apresenta melhor entrelaçamento. Por outro lado, a zona dos flancos é a mais pobre em material colágeno e mostra um entrelaçamento mais fraco do que as outras zonas. Daí, cada uma destas regiões apresentam um número de caraterísticas próprias, refletindo-se no produto acabado. Esfola A esfola consiste na remoção da pele do animal abatido. Para se obter um melhor aproveitamento de toda matéria-prima, devem ser obedecidas determinadas orientações quanto às linhas de corte da esfola. Além do formato defeituoso, poderão ocorrer outras falhas provocadas pelos cortes ou erros durante a esfola, e segundo a profundidade atingida, pode ocasionar a desvalorização da matéria-prima. Tipos de Conservação A finalidade da conservação é interromper todas as causas que favorecem a decomposição das peles de modo a conservá-las nas melhores condições possíveis até o início dos processos que irão transformá-las pelo curtimento em material estável e imputrescível. O problema da conservação das peles começa logo após ao abate do animal, o primeiro agente degradante da matéria orgânica que constituem a pele, são as enzimas autolíticas. As enzimas são substâncias protéicas que tem a função de catalisar as reações químicas que acontecem mais propriamente com matérias orgânicas. As enzimas autolíticas são fabricadas por pequenos orgânulos vivos situados dentro do citoplasma celular, ou lisossomos. As enzimas fabricadas pelos lisossomos são do tipo hicholise ácidos, essas enzimas são degradantes poderosas e conduzem à destruição das grande moléculas dos fragmentos de células e até mesmo de células que devem ser eliminadas do organismo vivo. Os lisossomos possuem uma membrana que isolam as enzimas do ambiente celular. Quando esta membrana se rompe as enzimas se derramam e provocam a destruição parcial ou total das células ou fibras. Na pele recém tirada do animal também acontece o fenômeno de autólise, logo após a morte do animal os lisossomos celulares rompem-se e derramam suas enzimas sobre as células e fibras, fazendo com que estas comecem a degradarem. Esta primeira quebra de cadeia molecular da pele por ação das enzimas proteolíticas proporcionam facilidade para o ataque das bactérias que irão depois à decomposição. As enzimas autolíticas agem em pH ácido: 3,5 a 7,0. Em vistas da ação autolítica os processos de conservação da pele deve ser iniciada automaticamente num tempo não superior a duas horas após o resfriamento da mesma. Os processos de conservação com a salmoura, cortam a ação enzimática evitando assim a decomposição da pele. Enzimas das Bactérias Colagenose – desdobra o colagênio em outras substâncias. Possuem ação hidrolisante. Urease – Atua sobre a uréia. Possuem também a ação hidrolisante. A hidrólise é uma reação que provoca o desdobramento de moléculas por meio da água. Inibidores de Enzimas – Ácido cianídrico – Narcóticos – Metais pesados – Fluoretos – Acostéricos (clorofórmio) Fases de desenvolvimento de uma bactéria numa cultura em que não há renovação de nutrientes. A maioria das bactérias apresentam seu crescimento em pH próximo ao normal, 6,8 a 7,2. O pH e o calor agem modificando as propriedades físicoquímicas das células. O pH modifica as proteínas de óxido-redução e com isso não podem se verificar as funções metabólicas. O calor aumenta a agitação molecular e provoca a coagulação das proteínas. Crescimento Bacteriano O crescimento bacteriano ocorre num processo mais comum na reprodução que é o de fision binária. Por esse mecanismo a célula se divide em duas partes, ou seja, duas células filhas. O incremento gropulação bacteriana é uma progressão geométrica. Iniciando com uma só célula e considerando que o tempo de geração é de 20 a 30 minutos se tem: Células: 1 - 2 - 4 - 8 - 16 - 32 Tempo: 0 - 30 - 60 - 90 - 120 - 150 Em duas horas uma bactéria dá origem a 32 (trinta e duas) células filhas. Como conseqüência do crescimento exponencial, depois de 48 horas uma simples bactéria terá produzido uma progênie de 2,2 x 10 31 gs. Mas nenhuma célula poderá se reproduzir indefinidamente, o crescimento bacteriano está normalmente limitado pelo meio ambiente (se acabam os nutrientes ou se acumularem dejetos do próprio metabolismo das bactérias, terminam matando as mesmas). Métodos de Conservação das Peles - Salga a seco - Secagem natural - Resfriamento - Piquelagem - Wet-blue Conservação pelo sal comum (NaCl) A conservação com o sal comum é mais vantajosa, porque tem baixo custo, seu emprego baseia-se no efeito da extração de água e de certas proteínas como albuminas e globulinas na inibição do desenvolvimento bacteriano e da ação enzimática. A granulometria do sal deve ser de 1 mm a 3 mm, aproximadamente. Colocase de 40% (quarenta por cento) a 50% (cinqüenta por cento) de sal sobre o peso da pele. Deve-se observar quanto à pureza do sal, o teor de cloreto deve ser de 98%, enquanto que as impurezas devem ser mínimas. O sal natural constitui um bom agente de cura quando usado convenientemente e em quantidades adequadas, mantendo as peles em boas condições. As principais desvantagens são a quantidade requerida e os problemas relacionados com a poluição, pois no processo de remolho são extraídos em médias 0,5 kg de sal por pele. As peles devem entrar em conservação logo após o abate. Secagem Natural Em regiões onde a umidade relativa é baixa e as demais condições climáticas são favoráveis, poderá ser utilizada a conservação por simples secagem. As peles que forem submetidas à secagem deverão ter o carnal previamente limpo, com a limpeza do carnal são removidos gorduras, restos de carne e apêndices que, de certa forma, poderão dificultar a secagem, por bloqueio da água que está nas camadas internas. Na secagem, as peles são presas e estiradas em molduras ou armações de madeira. As armações com as peles são dispostas de tal maneira que não haja contato de pele com pele e que existam condições para circulação de ar tanto no lado do carnal quanto do lado dos pêlos. Com isso, a eliminação da água dar-se-á tanto através do carnal quanto da superfície com o pêlo, o carnal da pele deverá ficar voltado para fora. Em muitos casos, as peles são exposta ao sol. No entanto, o processo de secagem deverá ser conduzido de tal maneira que não seja nem muito rápido, nem muito lento. Caso seja demasiadamente rápido, poderá provocar a secagem das camadas externas, com bloqueio da água ainda existente no interior da pele, o que pode acarretar a desnaturação das proteínas e a oxidação de gorduras. Caso contrário, seja muito lento, poderá permitir a proliferação bacteriana com todas as suas conseqüências. Como anteriormente foi dito, as peles que forem submetidas a tal sistema de secagem deverão ter o carnal limpo e sem gorduras. As gorduras podem, ser liberadas do tecido adiposo, sofrendo fusão e trazendo dificuldades para o processo de secagem. Em certas circunstâncias, o material que está disposto entre fibras, o assim denominado material interfibrilar, poderá sofrer desnaturação durante a secagem. Em conseqüência desse efeito, as peles que tiverem o material modificado apresentarão dificuldades quando da reposição da água nas etapas de processamento. A conservação por secagem baixa acentuadamente o teor de água das peles. Dessa maneira, as peles conservadas por secagem possuem de 15 a 25% de água. Conservação por resfriamento O resfriamento constitui mais uma opção de conservação de curta duração. Em diferentes ensaios, as peles foram submetidas a resfriamento com o emprego de temperaturas que variavam de +4ºC a –10ºC. a faixa mais interessante para esse tipo de trabalho está compreendida entre 0ºC e +2ºC, embora outras faixas de temperatura possam ser usadas. O uso do resfriamento na faixa de temperatura citada possibilita dispensar construções especiais para o armazenamento. Conservação por piquelagem A conservação também poderá ser executada empregando sistema de piquelagem. O píquel para fins de conservação deverá apresentar uma percentagem mais elevada de sal e de ácido do que um sistema de píquel comum. Assim, o píquel de conservação deverá apresentar a seguinte composição: 70 a 100% de água, entre 8 a 12% de cloreto de sódio e 1,2 a 1,5% de ácido sulfúrico concentrado. O tempo de permanência do material em píquel deverá ser o necessário para que o ácido atravesse a espessura da pele (10 – 12h). O efeito de conservação é atribuído ao baixo pH e à concentração salina, que inibem o desenvolvimento bacteriano. Face ao baixo pH, existe a possibilidade de desenvolvimento de fungos, o que poderá ser eliminado com o emprego de fungicidas ou de determinados ácidos carboxílicos ou de seus sais. Assim, à formulação acima poderão ser adicionados produtos como ácido acético, ácido fórmico, benzóico ou os respectivos sais desses ácidos. Conservação por curtimento Os sistemas anteriormente citados levam as peles a estágios de conservação que requerem , no entanto, cuidados especiais, relacionados com a temperatura, tanto no transporte quanto no armazenamento, e com o próprio desenvolvimento bacteriano. Os sistemas de conservação em que são adotados sistemas de curtimento ou pré-curtimento permitem levar as peles a estágios de estabilização que as tornam mais resistentes à temperatura e, ao mesmo tempo, inatacáveis pelas bactérias ou seus produtos. Os sais de cromo transformam as peles em material curtido que recebe o nome de wet-blue e deve apresentar resistência hidrotérmica em torno de 100º C. Com o emprego de extratos tanantes atinge-se um estágio de pré-curtimento pelo fato da quantidade de extrato empregado estar em 1/4 ou 1/3 da quantidade realmente necessária para que seja atingido o curtimento pleno. Apesar disso, as peles transformadas em couros apresentam boa estabilidade à temperatura (60ºC), tornando-se, ainda, imunes à ação bacteriana. A utilização do sistema de conservação com sais de cromo requer, como é evidente, um trabalho prévio de ribeira. Assim, as peles que foram selecionadas, por peso ou por tamanho, serão submetidos aos diferentes trabalhos de ribeira, sendo, então, piqueladas e curtidas com sais de cromo. O material curtido deverá ser mantido úmido até a sua transformação em etapa complementar. Nesse sistema de conservação podem ser utilizados o píquel e o curtimento, a seguir descritos. A composição do píquel deve ser de 50 – 100% de água, 6 – 12% de sal e 1 a 1,5% de ácido sulfúrico. No curtimento é empregado de 2 a 3% de Cr2O3, iniciando com pH 2,5 – 2,8 e concluindo com pH 3,8. Para o transporte do material, o mesmo deve ser embalado em sacos de polietileno, os quais são posteriormente colocados em sacos de aniagem e, finalmente, são acondicionados em caixas. A matéria-prima na forma de wet-blue não poderá secar e deverá, além disso, atender a determinadas especificações. Assim o teor de umidade do wet-blue deverá situar-se em 60% no caso de peles pequenas, como ovelhas, cabras e bezerros. A percentagem de Cr 2O3 deverá ser de 6% para pequenas peles, sobre o peso seco. Formulação do curtimento com pêlo Remolho: 100,00% de água a 25ºC 0,20% Syntergentes S 0,08% de bactericida rodar 2 – 4 horas Píquel: 50,00% de água a 25ºC 10,00% de sal 0,08% de bactericida 0,50% de forniato de sódio rodar 15 minutos – ver Be0 = +6,0 1,0% de ácido fórmico (1/10) rodar 4 horas Curtimento: 2,0% de tanino sintético rodar 1 hora + 0,1% de antemofo 6,0% de curtente até atravessar ver pH = 3,5 1,0% de baseificante (1/10) rodar 4 – 6 horas ver pH=3,8 deixar descansar as peles por 24 horas 50,0% de água a 25ºC 0,1% de ácido oxálico 0,2% de syntergente S rodar 1 hora, lavar, descansar p/ 24 hs. recurtimento: 100% de água 1,0% de neutralizante 1,5% forniato de sódio 1,0% de bicarbonato de sódio rodar 1 hora e 30 minuto + 5% de pellutan B-84 rodar 10 minutos 0,2% de resina acrílica rodar 10 minutos + 6,0% de irgatan FL rodar 1 hora e 30 minutos Engraxe: 100% de água a 60ºC 1,0% de óleo de mocotó 8,0% de grasan ES 3,0% de trianol EBM ver pH = 3,5