PGCA
Pós-Graduação em Ciência Ambiental
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE ANÁLISE GEOAMBIENTAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA AMBIENTAL
INTERAÇÕES ENTRE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS
E ESPÉCIES NATIVAS: CALITRIQUÍDEOS NO PARQUE
NACIONAL DA SERRA DOS ÓRGÃOS, RJ.
DANIEL GOMES PEREIRA
Niterói
Fevereiro 2006
II
DANIEL GOMES PEREIRA
INTERAÇÕES ENTRE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS
E ESPÉCIES NATIVAS: CALITRIQUÍDEOS NO PARQUE NACIONAL
DA SERRA DOS ÓRGÃOS, RJ.
Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Ciência Ambiental da Universidade
Federal Fluminense, como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Mestre.
Orientação: Prof.a Dra. Maria Elaine Araújo de Oliveira
Co-orientação: Prof. Dr. Carlos Ramón Ruiz-Miranda
Niterói
Fevereiro 2006
III
DANIEL GOMES PEREIRA
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciência Ambiental da Universidade
Federal Fluminense, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre.
Aprovada em fevereiro de 2006.
BANCA EXAMINADORA
...................................................................................................................................
Prof.a Dra. Maria Elaine Araújo de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
...................................................................................................................................
Prof. Dr. Carlos Ramón Ruiz-Miranda
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
...................................................................................................................................
Prof. Dr. Joel de Araújo
Universidade Federal Fluminense
...................................................................................................................................
Prof. Dr. Alcides Pissinatti
Centro de Primatologia do Rio de Janeiro,
Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente
Niterói
Fevereiro 2006
IV
AGRADECIMENTOS
A Deus Pai, Autor e Princípio da Vida, que enviou Seu Filho, Nosso Senhor
Jesus Cristo, para nos salvar; por providenciar condições materiais e espirituais
para concluir esse mestrado, depois de tanto esforço, e por derramar Seu Espírito
Santo para me iluminar e santificar nessa nova estrada que se abre na minha
vida.
À Virgem Maria, por todo o cuidado maternal, especialmente ao longo
desses dois últimos anos.
À minha esposa, por suportar todas as minhas ausências, durante os
trabalhos de campo, por me receber de volta todas as vezes, por me incentivar
sempre a estudar e por me ajudar, com todo o amor e carinho, a dirigir nossa
família.
Às minhas filhas, os maiores presentes que Deus me deu, por
transformarem completamente a minha vida, me concedendo o dom da
paternidade.
Aos meus pais, por terem me ajudado e incentivado meus estudos durante
todos esses anos para que eu pudesse chegar até aqui, e vá ainda mais longe.
Aos meus amigos, principalmente os do grupo de oração e da futura
comunidade, por toda a força e intercessão nesses anos de amizade.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental da UFF, e a todos
os professores com quem tive a oportunidade de aprender e conviver.
À minha orientadora, Prof.a Dra. Maria Elaine Araújo de Oliveira, por ter
acreditado no meu trabalho e por toda a orientação, demonstrada especialmente
nesses momentos finais da redação do mestrado.
V
Ao meu co-orientador, Prof. Dr. Carlos Ramón Ruiz-Miranda, pelo apoio
desde o início das nossas conversas, e por contribuições preciosas para a
realização desse trabalho.
Ao Prof. Dr. Joel de Araújo, membro da banca examinadora, pela sua boa
vontade e contribuição na melhoria desse trabalho.
Ao Prof. Dr. Alcides Pissinatti, conhecedor há alguns anos do meu
interesse pela primatologia, por todas as conversas que já tivemos e pela sua
disponibilidade em aceitar participar da banca, contribuindo para o meu
aprendizado.
Aos colegas da turma de 2004 do PPGCA, pelos trabalhos desenvolvidos
juntos e pelos momentos de descontração, mas também de reflexão sobre nosso
curso, nosso futuro e nossa atuação como uma contribuição para a melhoria da
sociedade.
Ao IBAMA, pelo privilégio e oportunidade de realizar meu trabalho em uma
das Unidades de Conservação mais importantes do país.
Ao Chefe do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Ernesto Barros
Viveiros de Castro, pela autorização concedida para que eu pudesse realizar a
pesquisa, e por todo o apoio oferecido no decorrer da mesma; e à Cecilia
Cronemberger de Faria, responsável pela área de projetos do Parque, pelo
parecer favorável à aprovação do projeto e pelo apoio oferecido durante todo o
tempo de execução do trabalho.
Ao Sr. David Miller, pelo apoio durante as entrevistas com os moradores do
entorno do Parque, pelo conhecimento e orientação das principais ruas a serem
percorridas, além de informações sobre o histórico do bairro.
Ao Prof. Dr. Fabiano de Melo, pela concessão da sua gravação com a
vocalização de Callithrix aurita, utilizada durante esse trabalho.
VI
Ao Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Agro-Sócio-Ambiental
Sustentável, da Faculdade de Veterinária da UFF, na pessoa do Chefe de
Departamento, José Mário Franqueira, e demais colegas, pela liberação e apoio
no decorrer do meu curso de mestrado.
Ao grupo de estudos Anfisbenia, pela amizade e pelas longas discussões
realizadas na Faculdade de Veterinária da UFF (ou em qualquer outro lugar),
enfocando diversos aspectos relacionados à biologia e medicina de animais
selvagens.
Às estagiárias da Faculdade de Veterinária da UFF – Natasha, Patricia e
Suzana - por aceitarem voluntariamente me acompanhar nessa empreitada, e por
me ajudarem na condução do trabalho, além da parte prática, com longas
discussões sobre a direção do mesmo, durante as noites na Casa do
Pesquisador.
A todos que, de maneira direta ou indireta, ajudaram (ou atrapalharam) o
desenvolvimento do trabalho, contribuindo para que eu concluísse mais essa
etapa da minha formação profissional.
VII
SUMÁRIO
Lista de Tabelas................................................................................................. VIII
Lista de Figuras..................................................................................................
IX
RESUMO...........................................................................................................
XI
ABSTRACT........................................................................................................
XII
1. INTRODUÇÃO................................................................................................ 13
2. OBJETIVOS.................................................................................................... 26
3. ÁREA DE ESTUDO......................................................................................... 27
4. METODOLOGIA.............................................................................................. 30
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO....................................................................... 34
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES.......................................................... 51
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................ 53
ANEXOS.............................................................................................................. 73
VIII
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Total de campanhas realizadas no PARNA-SO em 2005................... 37
Tabela 2: Registro dos pontos de observação com auxílio de GPS.................... 38
IX
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Callithrix jacchus.................................................................................... 19
Figura 2: Callithrix penicillata no Parque Nacional da Serra dos Órgãos..............19
Figura 3: Distribuição geográfica do gênero Callithrix, evidenciando
a introdução de C. jacchus e C. penicillata na região
Sudeste do Brasil.................................................................................. 20
Figura 4: Leontopithecus rosalia.......................................................................... 21
Figura 5: Callithrix aurita...................................................................................... 21
Figura 6: Área de distribuição geográfica de C. aurita e outros
calitriquídeos na região Sudeste do Brasil............................................ 23
Figura 7: Mapa de localização do PARNA-SO.................................................... 28
Figura 8: Imagem de satélite do PARNA-SO....................................................... 29
Figura 9: Folder com mapa de localização do PARNA-SO................................. 31
Figura 10: Casa do Pesquisador, PARNA-SO.................................................... 32
Figura 11: Tempo de moradia na propriedade
do entorno do PARNA-SO................................................................. 34
Figura 12: Freqüência de avistamento de primatas
no entorno do PARNA-SO................................................................. 35
Figura 13: Quantidade de indivíduos por grupo
no entorno do PARNA-SO................................................................. 35
Figura 14: Callithrix aurita adulto observado no PARNA-SO............................... 39
Figura 15: C. aurita e indivíduo híbrido observado no PARNA-SO..................... 39
Figura 16: Indivíduo híbrido em Callithrix observado no PARNA-SO.................. 40
Figura 17: Indivíduo híbrido observado no PARNA-SO,
no mês de junho.................................................................................. 40
Figura 18: C. penicillata observado no PARNA-SO............................................. 41
Figura 19: C. aurita no PARNA-SO...................................................................... 43
Figura 20: C. penicillata no PARNA-SO............................................................... 43
Figura 21: Indivíduo híbrido observado no PARNA-SO....................................... 44
Figura 22: Indivíduo híbrido observado no PARNA-SO,
no mês de julho................................................................................... 44
Figura 23: C. penicillata no PARNA-SO............................................................... 46
X
Figura 24: C. penicillata na estrada do PARNA-SO............................................. 46
Figura 25: C. penicillata observado no PARNA-SO, no mês de agosto.............. 47
XI
RESUMO
O manejo de fauna pode ser definido como a manipulação das populações de
animais selvagens, os habitats e suas interações, com o intuito de atingir um
objetivo de gerenciamento de populações. A introdução de espécies animais
exóticas fora da sua área natural e as conseqüências da permanência desses
invasores no novo ambiente tem sido cada vez mais estudada, no sentido de
avaliar seus possíveis impactos. Duas espécies de primatas, Callithrix jacchus
(sagüi-de-tufos-brancos) e C. penicillata (sagüi-de-tufos-pretos), que ocorrem
respectivamente na Caatinga / Mata Atlântica do Nordeste e no Cerrado
brasileiro, foram introduzidas há vários anos em outras regiões de Mata Atlântica,
se estabelecendo e ocupando a área de outras espécies nativas de calitriquídeos,
como C. aurita (sagüi-da-serra-escuro), espécie ameaçada de extinção. A
associação entre primatas nativos e exóticos é pouco estudada, podendo resultar
em competição por recursos e troca de parasitas, o que constitui uma ameaça à
conservação da espécie nativa. O valor das Unidades de Conservação como
fonte de pesquisa é reconhecido há muito tempo. No entanto, a implementação e
o efetivo manejo dessas Unidades constituem um enorme desafio. Este estudo
tem como objetivo contribuir para a conservação de espécies nativas de primatas
em Unidades de Conservação. Através da observação da ocorrência de espécies
de calitriquídeos no Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNA-SO) e da
avaliação da percepção ambiental dos moradores do entorno do Parque, objetivase propor estratégias de manejo para a conservação de C. aurita. Combinando-se
a evidente raridade e baixa densidade populacional de C. aurita com a grande
capacidade generalista e competitiva de C. penicillata quanto ao habitat, recursos
alimentares e introdução gênica, pode-se considerar a invasão biológica de C.
penicillata como um fator importante para a redução das populações de C. aurita
no PARNA-SO. Estratégias de manejo devem considerar: a existência de
populações de C. aurita livres da invasão biológica de C. penicillata; a remoção de
todos os indivíduos C. penicillata e dos híbridos da área; a apresentação de C.
aurita à população (conscientização ambiental); e o combate às espécies exóticas
invasoras.
XII
ABSTRACT
Wildlife management can be defined as the manipulation of populations of wild
animals, the its habitats and interactions, with the purpose of getting to a
determined population management objective. The introduction of exotic animal
species and the consequences of the permanence of these invaders in the new
environment is increasingly being studied in order to evaluate the possible
impacts. Two species of primates, Callithrix jacchus (common marmoset) and C.
penicillata (black pincelled marmoset) which occur respectively at Caatinga /
Atlantic forest of Norwest and Brazilian Cerrado, were introduced many years ago
in other regions of Atlantic forest, settling and occupying the area of other native
species of callitrichids, such as C. aurita (buffy tufted ear marmoset), a species
threatened of extinction. The association between native and exotic primates is
little studied and could generate competition for resources and permutation of
parasites, which constitute a threat to the preservation of native species. The
value of the Preservation Units as research resource has been recognized for a
long time. The implementation and effective handling of Preservation Units
constitute an enormous challenge. The objective of this study was to contribute to
the preservation of native primate species in Preservation Units. Through the
observation of occurrence of native and exotic species of primates at National
Park of Serra dos Órgãos (PARNA-SO) and the evaluation of the environmental
perception of the residents around the PARNA-SO, it is desired to proposing
management strategies for the preservation of C. aurita. Combining the evident
rarity and low population density of C. aurita with the great competitive and
generalist capacity of C. penicillata in habitat needs, food resources and genetic
introduction, it is possible to consider the biologic invasion of C. penicillata as an
important factor for dynamics of C. aurita populations at PARNA-SO. Management
strategies include: verification of other populations of C. aurita free from biologic
invasion of C. penicillata; removal of all C. penicillata individuals and hybrids;
presentation of C. aurita to the population (environmental consciousness-raising);
combat the exotic invader species.
P 436
Pereira, Daniel Gomes
Interações entre espécies exóticas invasoras e espécies
nativas: calitriquídeos no Parque Nacional da Serra dos
Órgãos, RJ. / Daniel Gomes Pereira. – Niterói: s. n., 2006.
74 f.
Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) –
Universidade Federal Fluminense, 2006.
1. Calitriquídeos. 2. Primatas. 3. Bioinvasão. 4. Parque
Nacional da Serra dos Órgãos (RJ). I. Título.
CDD 599.920981.53
13
1. INTRODUÇÃO
O manejo de fauna é um ramo das ciências biológicas pesquisado há anos
em várias regiões de diferentes países (Mourão, 1992; Redford, 1992; Taber,
1992; Bodmer, 1995; Jorgenson, 1995; Ojasti, 1995; Rozo, 1997; Solis e Ortiz,
1997; Bucher, 1999; Giraudo e Abramson, 1999; Deem et al., 2001; Pantier et al.,
2001; Oliveira et al., 2004; Peixoto et al., 2004), podendo ser definido como a
manipulação das populações de animais selvagens, seus habitats e as interações
entre ambos, com o intuito de atingir um objetivo de gerenciamento de
populações (Valladares-Padua, 1995). O manejo de fauna pode ser considerado
como uma interferência humana direta ou indireta, de forma ocasional ou
sistemática, sobre indivíduos ou populações de uma ou várias espécies, visando
à manutenção, recuperação ou à modificação do seu estado atual em um
determinado ambiente, podendo ser efetuado com animais em vida livre, em
cativeiro ou em semicativeiro (Magnusson, 1992; Néo, 1992; Santos, 1997; Leal,
2001; Morsello, 2001; Cavalcanti, 2003; Valladares-Padua et al., 2003). O manejo
constitui um componente importante dos programas voltados para a conservação
da vida animal em Unidades de Conservação, que precisam envolver pesquisas
integradas para o conhecimento e monitoramento da biodiversidade (Câmara e
Coimbra-Filho, 2000; Câmara, 2001; Capobianco et al., 2001; Morsello, 2001;
Primack e Rodrigues, 2001; Cavalcanti, 2003; Cullen Jr. e Rudran, 2003; Jacob e
Rudran, 2003; Mangini e Nicola, 2003; Perez-Sweeney et al., 2003; ValladaresPadua et al., 2003), fazendo com que as Unidades de Conservação
correspondam aos objetivos de sua criação (Morsello, 2001; Pires, 2001; Pough
et al., 2003; Terborgh, 2003).
A introdução de espécies animais exóticas fora da sua distribuição
geográfica natural e as conseqüências da permanência desses invasores no novo
ambiente tem sido cada vez mais estudada, no sentido de avaliar os possíveis
impactos decorrentes dessa prática (Affonso et al., 1999; Carlton, 1999; Morais e
Lessa, 1999; Bergallo et al., 2000; MMA, 2000a; Ruiz-Miranda et al., 2000;
Morsello, 2001; Primack e Rodrigues, 2001; Aguirre et al., 2002; Jaksic et al.,
2002; Ziller, 2002; Cavalcanti, 2003; Ricklefs, 2003; Butler et al., 2004; Delibes et
14
al., 2004; Hickman Jr. et al., 2004; Moura, 2004; Ramos et al., 2004; Cruz et al.,
2005; Pereira, 2005; Romais et al., 2005).
A área de distribuição de muitas espécies é limitada por barreiras
climáticas e ambientais à sua dispersão. Como resultado de tal isolamento
geográfico, os padrões de evolução têm ocorrido de modo diverso; o homem
alterou rapidamente esse padrão, desde os tempos pré-industriais, diminuindo o
isolamento geográfico natural e transportando, deliberada ou acidentalmente, um
grande número de espécies animais e vegetais, favorecendo a invasão ou
introdução de espécies exóticas (Primack e Rodrigues, 2001).
Por espécie exótica (não-nativa, não-autóctone) se entende a espécie ou
subespécie que ocorre fora de sua área natural (passada ou atual) e de dispersão
potencial (que não poderia ocupar sem uma introdução direta ou indireta,
provocada pelo homem) (UICN, 2000; Oliveira, 2005). Por espécie exótica
invasora se entende a espécie ou subespécie que, uma vez introduzida a partir de
outros ambientes, se estabelece em um ecossistema ou habitat, natural ou
seminatural; é um agente de mudança que ameaça a diversidade biológica nativa
(UICN, 2000; Ziller, 2002).
Segundo Ziller (2002), existem características que sensibilizam os
ambientes à invasão, ou que explicam a sua susceptibilidade. As principais são:
Fuga de limitações bióticas - Espécies exóticas introduzidas têm a
potencial vantagem de estarem livres de seus habituais competidores, predadores
e parasitas. Isto significa que as espécies introduzidas sobrevivem e se
estabelecem não por possuir características extraordinárias e sim por terem sido
colocadas num ambiente onde possuem vantagens competitivas.
Riqueza de espécies da comunidade - Reforça a suposição de que a
resistência de uma comunidade à invasão aumenta com o número de espécies
presentes, pressupondo que quanto maior a riqueza, maior a estabilidade. Quanto
maior a riqueza, menor a probabilidade de haver espaço para espécies
introduzidas, dado que os recursos do sistema estão sendo utilizados mais
integralmente.
Perturbações no meio antes ou no momento da introdução – As
perturbações no ambiente potencializam a dispersão e o estabelecimento de
invasoras, especialmente após a redução da diversidade original por extinção de
15
espécies ou superexploração. A recorrência de perturbações ao meio aumenta a
suscetibilidade das comunidades à invasão.
Vários são os casos de extinção de espécies nativas, mudanças na
estrutura das comunidades, substituição dos papéis ecossistêmicos e, até
mesmo, alterações na estrutura física de ecossistemas, como conseqüência da
introdução de espécies exóticas invasoras (Morsello, 2001; Ziller, 2002; Ricklefs,
2003; Hickman Jr. et al., 2004). Essas espécies introduzidas podem se tornar
muito mais disseminadas e numerosas em seus novos habitats do que suas
populações naturais na origem (Ricklefs, 2003), representando, portanto, uma
ameaça para as comunidades e para a biodiversidade do planeta, pela
possibilidade de homonegeização da biota terrestre (Morsello, 2001; Ziller, 2002;
Ricklefs, 2003). A introdução de espécies em locais fora de sua distribuição
natural é uma preocupação importante na conservação de espécies nativas entre as que apresentam risco de extinção, aproximadamente 18% são
ameaçadas por espécies invasoras (Morsello, 2001; Pough et al., 2003),
constituindo-se na segunda maior causa de perda de biodiversidade em todo o
mundo (Pough et al., 2003; Ramos et al., 2004; Ziller, 2005).
Pela situação em que se encontram diversas áreas invadidas e a falta de
políticas de prevenção ao problema, a invasão de espécies exóticas está sendo
equiparada a mudanças climáticas e à ocupação do solo como um dos mais
importantes agentes de mudança global por causa antrópica (Ziller, 2002).
Embora a grande maioria das espécies exóticas não se estabeleça nos
lugares em que foi introduzida (porque o novo ambiente geralmente não é
adequado às suas necessidades), uma certa porcentagem consegue se instalar e
crescer às custas de espécies nativas (Primack e Rodrigues, 2001). As espécies
exóticas podem deslocar as espécies nativas através de competição por limitação
de recursos, ou por transmissão de enfermidades; podem ser predadoras das
espécies nativas e levá-las à extinção, ou alterar o seu habitat de tal modo que
muitas destas espécies não conseguem subsistir (Primack e Rodrigues, 2001;
Ricklefs, 2003; Ramos et al., 2004). Uma das razões para que algumas espécies
exóticas tenham tanta facilidade para invadir e dominar novos habitats,
deslocando as espécies nativas, é a ausência de predadores naturais, doenças e
parasitas no novo ambiente (Primack e Rodrigues, 2001).
16
Os alcances e custos das invasões biológicas são globais e enormes, em
termos ecológicos e econômicos. Espécies exóticas invasoras são encontradas
em todos os grupos taxonômicos, que virtualmente têm invadido e afetado a biota
nativa de cada tipo de ecossistema sobre a Terra. O custo ecológico se constitui
na perda irreparável de espécies e ecossistemas nativos. Aos custos ecológicos,
são somados os custos econômicos diretos, da ordem de bilhões de dólares por
ano (UICN, 2000).
A ação humana pode criar condições ambientais não usuais, às quais as
espécies exóticas podem se adaptar mais rapidamente do que as nativas. As
concentrações mais altas de espécies exóticas são freqüentemente encontradas
em habitats que foram, em grande parte, alterados por ação antrópica; adaptadas
ao ambiente criado ou alterado pelo homem, ampliam facilmente sua área de
ocorrência. Uma classe especial de espécies exóticas é formada por aquelas que
possuem parentes próximos na biota nativa invadida. Quando há cruzamento
entre essas espécies, genótipos únicos podem ser eliminados das populações
locais e limites taxonômicos, que eram outrora claros, podem se confundir
(Primack e Rodrigues, 2001).
Após muitos esforços em procurar as características que melhor
distinguem uma espécie como boa invasora e uma comunidade como “invasível”,
os trabalhos atuais têm tentado concentrar-se nas interações entre invasor e
comunidade-alvo. Ainda não se pode prever com confiança o resultado que terá a
ocorrência de introdução de certa espécie, muito embora já possam ser feitas
predições fortes e abrangentes que, no entanto, necessitam de maior esforço de
pesquisa. A complexidade da interação entre espécie e comunidade é a razão
central dessa dificuldade de predição (Morsello, 2001).
A Convenção sobre Diversidade Biológica, a qual o Brasil é signatário,
estabelece que se deve impedir a introdução, bem como controlar ou erradicar
espécies exóticas que ameacem os ecossistemas, habitats ou espécies (MMA,
2000a; Moura, 2004). Há dois focos quando se objetiva o controle de espécies
exóticas: um é voltado a uma espécie em particular que se mostra um problema
como invasor, e o outro (mais adequado a espécies vegetais) é voltar a ação a
toda uma área em função da densidade de ocupação de diferentes espécies
invasoras (Ziller, 2002). Quando se detecta uma espécie exótica invasora
17
potencial ou atual, ou seja, quando a prevenção não tiver obtido êxito, os passos
estratégicos de manejo para mitigar os impactos adversos incluem a erradicação,
a contenção e o controle (UICN, 2000). O propósito da erradicação é remover
completamente a espécie exótica invasora (UICN, 2000), o que não implica
necessariamente em extermínio, mas sim em uma remoção dos animais (como
medida emergencial) ou em realização de experimentos (por exemplo,
esterilização química) (Oliveira, 2005). O controle procura reduzir, em longo
prazo, a abundância e/ou a densidade da espécie exótica invasora; um caso
especial de controle é a contenção, cuja finalidade é limitar a dispersão da
espécie exótica invasora, contendo a mesma dentro de limites geográficos
definidos (UICN, 2000).
Uma melhor informação e educação em todos os setores da sociedade
sobre as espécies exóticas invasoras é fundamental para reduzir os riscos de
introduções não-intencionais ou não-autorizadas e para estabelecer mecanismos
de avaliação para autorização das introduções intencionais propostas. O controle
e a erradicação de espécies exóticas invasoras têm mais possibilidade de êxito se
forem apoiados por comunidades locais, setores e/ou grupos apropriados (UICN,
2000). O manejo de populações de espécies exóticas invasoras não abrange
apenas a dimensão técnico-científica da questão, mas também aspectos éticos,
sociais e legais que precisam ser considerados (Oliveira, 2005).
O desenvolvimento de uma forte consciência sobre a necessidade de
conservação da biodiversidade no Brasil teve seu início com os primatas
(Mittermeier et al., 2005a). A partir das pesquisas com primatas dos gêneros
Leontopithecus e Brachyteles, nas décadas de 60 e 70, respectivamente, mais
notadamente
Leontopithecus
rosalia
(mico-leão-dourado)
e
Brachyteles
hypoxanthus (muriqui), usados como espécies-bandeira, foram desenvolvidos
diversos
programas
de
conservação
e
criadas
inúmeras
Unidades
de
Conservação, além do incentivo à intensificação e melhoria de manejo onde
essas espécies ocorrem (Mittermeier et al., 2005a). A maioria das populações de
primatas da Mata Atlântica está restrita a pequenos fragmentos; populações
naturais, particularmente de sagüis, são ameaçadas por introduções de sagüis
invasores (Costa et al., 2005). Estes foram - e estão sendo - introduzidos em
numerosas áreas de Mata Atlântica, onde estão hibridizando (através de
18
cruzamentos interespecíficos) com espécies locais nativas ou ainda ocupando
área das mesmas (Coimbra-Filho et al., 1993, apud Costa et al., 2005).
Duas espécies de primatas, Callithrix jacchus (Linnaeus, 1758) - o sagüide-tufos-brancos (Figura 1) - e Callithrix penicillata (E. Geoffroy, 1812) - o sagüide-tufos-pretos (Figura 2) – que ocorrem respectivamente na Caatinga / Mata
Atlântica do Nordeste e no Cerrado brasileiro (Stevenson e Rylands, 1988;
Auricchio, 1995), foram introduzidas há vários anos em outras regiões de Mata
Atlântica, particularmente no Sudeste do Brasil, se estabelecendo e ocupando a
área de outras espécies nativas de calitriquídeos (Figura 3) (Stevenson e
Rylands, 1988; Rylands, 1994a,b; Auricchio, 1995; Brandão e Develey, 1998;
Cerqueira et al., 1998; Affonso et al.,1999; Ruiz-Miranda et al., 2000).
Leontopithecus rosalia (Linnaeus, 1766) - o mico-leão-dourado (Figura 4), e
Callithrix aurita (E. Geoffroy in Humboldt, 1812) - o sagüi-da-serra-escuro (Figura
5), ambas as espécies nativas da Mata Atlântica, encontram-se ameaçadas de
extinção (Coimbra-Filho et al., 1983; Rylands, 1994a,b; Auricchio, 1995; Fonseca
et al., 1996; Cerqueira et al., 1998; Brandão, 1999; Bergallo et al., 2000; Martins e
Setz, 2000; Giovanini, 2002; Cunha, 2003; Rylands e Chiarello, 2003; Cunha,
2004a,b).
19
Figura 1 - Callithrix jacchus. Foto: Lílian Diniz, 1997. Fonte: Primatas
em cativeiro – manejo e problemas veterinários (Diniz, 1997).
Figura 2 – Callithrix penicillata no Parque
Nacional da Serra dos Órgãos, 2005.
20
Figura 3 – Distribuição geográfica do gênero Callithrix, evidenciando a introdução
de C. jacchus e C. penicillata na região Sudeste do Brasil.
Fonte: www.icb.ufmg.br/~primatas/home_callithrix_map.htm
21
Figura 4 – Leontopithecus rosalia. Foto: Glória Jafet, 2003.
Figura 5 – Callithrix aurita. Foto: Russel Mittermeier, 1994.
Fonte: Livro vermelho dos mamíferos brasileiros
ameaçados de extinção (Fonseca et al., 1994).
22
A espécie Callithrix aurita, endêmica das regiões de floresta de altitude da
Mata Atlântica do Sudeste do Brasil (Coimbra-Filho et al., 1983; Stevenson e
Rylands, 1988; Rylands, 1994b; Auricchio, 1995; Fonseca et al., 1996; Mendes,
1997b; Grelle e Cerqueira, 1999; Melo, 1999; Carrol, 2002; Rylands e Chiarello,
2003), ocorre nos estados de Minas Gerais (Martins, 1998; Cosenza e Melo,
1998; Martins e Setz, 2000; Melo et al., 2005; Tabacow et al., 2005), São Paulo
(Coutinho, 1996; Brandão e Develey, 1998; Brandão, 1999; Corrêa et al., 1999;
Oliveira et al., 1999a,b) e Rio de Janeiro (Cerqueira et al., 1998; Bergallo et al.,
2000; SEMADS, 2001; Cunha, 2003, 2004a,b; Geise et al., 2004) (Figura 6).
Pouco se sabe sobre o comportamento social ou a biologia reprodutiva da
espécie em estado selvagem (Coutinho, 1996; Carrol, 2002). Os critérios que
enquadram C. aurita como espécie ameaçada de extinção são diversos, sendo os
mais relevantes: destruição do habitat, incapacidade de adaptação a florestas
secundárias degradadas, declínio populacional, distribuição restrita, introdução de
espécies exóticas invasoras (Rylands, 1994b; Mendes, 1997a; Brandão e
Develey, 1998; Melo, 1999; Bergallo et al., 2000; SEMADS, 2001; Cunha, 2003;
Rylands e Chiarello, 2003; Cunha, 2004a,b; Hilton-Taylor et al., 2004; Costa et al.,
2005).
Segundo Terborgh (1985, apud Auricchio, 1995), a associação mista é uma
estratégia utilizada por espécies de primatas para formar territórios diferentes
daqueles originais de cada espécie, defendendo-os de outros grupos de formação
semelhante. É considerado um processo pelo qual as espécies buscam um
equilíbrio ótimo entre proteção contra predadores e eficiência de alimentação.
Esta associação entre espécies de primatas simpátricos (espécies similares, que
ocupam a mesma área, ou cujas áreas coincidem em boa parte) e com habitats
similares tem sido documentada na floresta amazônica, com aparentes benefícios
mútuos (Auricchio, 1995; Boubli, 2002; Lopes e Rehg, 2003). Entretanto, a
associação entre primatas nativos e exóticos é pouco estudada, podendo resultar,
dentre outras coisas, em competição por recursos e troca de parasitas entre as
duas espécies (Auricchio, 1995; Affonso et al., 1999; Ruiz-Miranda et al., 2000;
Aiello e Mays, 2001; Ruiz-Miranda et al., 2006), o que constitui uma ameaça à
conservação da espécie nativa (Morsello, 2001; Primack e Rodrigues, 2001;
Ricklefs, 2003). Brandão e Develey (1998) relatam a potencial ameaça da
23
introdução de C. jacchus em áreas onde ocorre C. aurita, sugerindo que a
sobreposição de nichos (conjunto de necessidades básicas à manutenção da
espécie no habitat) pode ser prejudicial à permanência e/ou ao restabelecimento
das populações da espécie nativa. Outras razões ainda merecem ser avaliadas, a
fim de que ocorra uma melhor compreensão das alterações decorrentes da
invasão biológica de C. jacchus e/ou C. penicillata em áreas de ocorrência de C.
aurita, tais como: simpatria; pressão de caça; plasticidade comportamental
(estratégia de exploração de diferentes recursos de alimento, o que permite às
espécies utilizar os mais diversos ambientes, alterando o padrão de uso do
espaço e o tamanho da área de vida); transmissão de parasitas; taxas
reprodutivas;
hibridação;
substituição
dos
papéis
ecossistêmicos,
não
necessariamente rompendo as funções ecossistêmicas da espécie nativa
(embora os efeitos da introdução sejam de difícil predição) (Coimbra-Filho et al.,
1983; Mendes, 1997a; Passamani et al., 1997; Affonso et al., 1999; Melo, 1999;
Morais e Lessa, 1999; Valença et al., 1999; Bergallo et al., 2000; Ruiz-Miranda et
al., 2000; Farias, 2002; Castro, 2003; Ricklefs, 2003; Brumana e Brandão, 2005).
Figura 6 - Área de distribuição geográfica de C. aurita e outros
calitriquídeos na região sudeste do Brasil, segundo MENDES (1997b).
24
Callithrix jacchus e C. penicillata são espécies extremamente generalistas e
competitivas quanto ao habitat e seus recursos alimentares (Coimbra-Filho, 1972;
Rizzini e Coimbra-Filho, 1981; Auricchio, 1995; Bergallo et al., 2000; Miranda e
Faria, 2001; Vilela e Faria, 2002; Castro, 2003; Vilela e Faria, 2004),
apresentando um alto potencial de dispersão (seja natural ou artificial –
conseqüência do tráfico ilegal), reprodução e hibridação (Coimbra-Filho, 1972;
Coimbra-Filho et al., 1983; Mendes, 1997a; Passamani et al., 1997; Cerqueira et
al., 1998; Guerra et al., 1998; Melo, 1999; Morais e Lessa, 1999; Ruiz-Miranda et
al., 2000; Farias, 2002; Castro, 2003; Cunha, 2003; Andreoli et al., 2004; Cunha,
2004a,b; Geise et al., 2004; Padrone, 2004; Araújo et al., 2005; Bezerra et al.,
2005; Brumana e Brandão, 2005; Gianezzi et al., 2005; Mendes e Melo, 2005;
Morais Jr., 2005; Passos et al., 2005; Pereira et al., 2005; Ruiz-Miranda, 2005;
Santos et al., 2005). Vários trabalhos relatam a importância epidemiológica
dessas espécies quanto à transmissão e manutenção de parasitas, em áreas de
ocorrência natural ou não (Diniz, 1997; Cruz e Pissinatti, 1999; Valença et al.,
1999; Almeida et al., 2001; Coutinho et al., 2005). Estas espécies já interagem
ecologicamente (interação influenciada pela semelhança entre os nichos da
espécie nativa e da espécie exótica) com L. rosalia em fragmentos de Mata
Atlântica no Rio de Janeiro (Affonso et al., 1999; Valença et al., 1999; Lima et al.,
2005).
O valor das Unidades de Conservação como fonte de pesquisa é
reconhecido há muito tempo pela comunidade científica, principalmente pelo fato
de que essas áreas representam exemplos de ecossistemas com razoável
integridade ecológica e funcionalidade, além de propiciar estudos a longo prazo,
devido à sua proteção legal (Morsello, 2001). No entanto, a implementação e o
efetivo manejo das Unidades de Conservação constituem um enorme desafio
(Silva, 2005). Unidades como o Parque Nacional da Serra dos Órgãos (PARNASO), localizadas na proximidade de centros urbanos importantes (Rio de Janeiro
e área metropolitana), freqüentemente atraem mais visitantes e, sendo mais
acessíveis, servem melhor aos propósitos de educação do público sobre o valor e
a necessidade de conservação da natureza. Biologicamente, essas Unidades de
Conservação são importantes por protegerem ecossistemas raros e/ou por
estarem localizadas em regiões de alta taxa de endemismos. Em contrapartida,
25
encontram-se mais sujeitas a desequilíbrios físicos e biológicos e, por isso,
requerem um monitoramento mais intensivo e intervenções de manejo mais
freqüentes (Terborgh, 2003).
26
2. OBJETIVOS
O presente estudo foi realizado visando fornecer subsídios como
fundamentação para a implementação de um manejo efetivo em Unidades de
Conservação. Tem como objetivos específicos (1) contribuir para a conservação
de espécies nativas de primatas em Unidades de Conservação, (2) observando
se há associação entre espécies exóticas invasoras e espécies nativas em seu
ambiente natural. Através da (3) observação da ocorrência de espécies nativas e
exóticas de primatas no Parque Nacional da Serra dos Órgãos e da (4) avaliação
da percepção ambiental dos moradores do entorno do Parque quanto à presença
e à diferenciação dos calitriquídeos citados, objetiva-se (5) verificar a
vulnerabilidade de C. aurita no PARNA-SO, (6) propondo estratégias de manejo
para a conservação dessa espécie nativa.
27
3. ÁREA DE ESTUDO
O Parque Nacional da Serra dos Órgãos é uma Unidade de Conservação
de administração federal, tendo sido criada pelo Decreto Federal nº. 1.822, de 30
de novembro de 1939, alterado posteriormente pelo Decreto nº. 90.023, de 02 de
agosto de 1984, que ampliou a área para 11.800 hectares, abrangendo parte dos
municípios de Guapimirim, Magé, Petrópolis e Teresópolis (SEMADS, 2001)
(Figuras 7 e 8), e inserido no hotspot Mata Atlântica (Chiarello, 1999; Ayres et al.,
2005; Mittermeier et al., 2005b). É o segundo Parque Nacional mais visitado do
Estado do Rio de Janeiro, oferecendo boas condições aos seus visitantes e
pesquisadores, e tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas
naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a
realização de pesquisas científicas (Garcia e Filho, 2002; Rocha, 2002; Cunha,
2003; Andreoli et al., 2004; Bernardo, 2004; Cunha, 2004a, b; Macedo et al.,
2004; Pereira et al., 2005) e o desenvolvimento de atividades de educação e
interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo
ecológico (MMA, 2000b).
O PARNA-SO (22°52’- 22°24’ S, 45°06’- 42°69’ W) é a Unidade de
Conservação mais antiga e fiscalizada da região da Serra dos Órgãos; engloba
terras de cerca de 350m a mais de 2200m de altitude, ocupando quatro
fisionomias vegetacionais: Floresta Ombrófila Densa Baixo Montana, Montana,
Alto Montana, e Campos de Altitude (Veloso et al., 1991, apud Cunha, 2004b). O
PARNA-SO segue o zoneamento estabelecido pelo Roteiro Metodológico de
Planejamento de Parques Nacionais, Reservas Biológicas e Estações Ecológicas
(Galante et al., 2002, apud Cunha, 2004b), com as zonas (Zona de Recuperação ZR; Zona de Uso Intensivo - ZUI; Zona de Uso Extensivo - ZUE; Zona Primitiva ZP; e Zona Intangível - ZI) basicamente caracterizadas de acordo com o grau de
uso / ocupação humana e com a preservação da biodiversidade.
28
Figura 7 – Mapa de localização do PARNA-SO. Fonte: www.ibama.gov.br
29
Figura 8 – Imagem de satélite do PARNA-SO. Fonte: www.cmcv.org.br
30
4. METODOLOGIA
O presente estudo foi desenvolvido na área do Parque Nacional da Serra
dos
Órgãos
incluída
no
município
de
Teresópolis
(SEMADS,
2001),
principalmente no entorno das áreas de maior uso / ocupação humana,
caracterizadas como Zona de Uso Intensivo, onde está instalada praticamente
toda a infra-estrutura do PARNA-SO (sede; centro de visitantes; casas do diretor,
do montanhista, do pesquisador; estrada em direção à trilha da Pedra do Sino;
área para recreação e demais dependências) (Figuras 9 e 10).
O projeto foi encaminhado para aprovação e através do ofício nº. 18/2005
PARNA-SO, de 06/01/2005, foi obtida a licença de pesquisa. Foram realizadas
quatro campanhas nos meses de abril, junho, julho e agosto de 2005 (num total
de 16 dias), com o objetivo de observar co-ocorrência das populações de
primatas das espécies C. aurita, C. jacchus e C. penicillata. Nesta região, Cunha
(2003, 2004a, b) relatou a presença de primatas exóticos à fauna do PARNA-SO:
Callithrix jacchus e C. penicillata. Foi destacada a presença, embora muito rara,
do único calitriquídeo nativo da região, C. aurita (Castro, com. pess.; Cunha,
2003, 2004a,b).
As observações dos grupos e indivíduos encontrados foram feitas através
de registros visuais diretos. Como auxílio à observação, foi utilizado o método de
“play-back” (Mendes, 1997b; Cosenza e Melo, 1998; Morais Jr. et al., 2004), que
consiste em reproduzir chamadas de longa distância com o objetivo de atrair ou,
no caso do presente estudo, manter os animais existentes na área amostrada,
facilitando sua identificação. Para este estudo, foi utilizado um aparelho de som
(“mini-system” Philips® AZ1004 CD Sound Machine, 50/60 Hz, 12 W), de uso
doméstico, que reproduzia a vocalização de um indivíduo de sexo indefinido da
espécie C. aurita. O método de “play-back” se mostrou bastante eficaz na
manutenção dos animais avistados, por períodos relativamente longos, de até
uma hora; porém, não atendeu às expectativas de atração dos animais (somente
quando estes estavam muito próximos), provavelmente devido a pouca potência
do aparelho e, em menor grau, à variação altitudinal da região (cerca de 200
metros entre a administração e o início da trilha da Pedra do Sino). Foram
utilizados dois aparelhos de GPS (modelos Etrex-Garmin, na 2ª campanha; e
31
Eagle-Explorer, nas 3ª e 4ª campanhas), para o registro dos pontos de
observação.
Figura 9 - Folder com mapa de localização do PARNA-SO, 2004.
32
Figura 10 – Casa do Pesquisador, PARNA-SO. Foto: Patricia Maciel, 2005.
Também foram feitas observações baseadas na evidência indireta das
espécies (vocalizações), porém, sem definição das mesmas, pela impossibilidade
do pesquisador de distinguir as vocalizações de cada espécie envolvida no
estudo. Tanto os registros diretos quanto os indiretos foram realizados nas
proximidades da estrada principal que leva à trilha da Pedra do Sino, bem como
nas imediações da Casa do Pesquisador, da Casa do Montanhista, da Casa do
Diretor e das Trilhas da Primavera e Mozart Catão. Foram percorridos, durante as
campanhas realizadas, aproximadamente 230 km, com pouco mais de 100 horas
de esforço amostral.
Foi realizada ainda uma campanha em dezembro de 2005, de apenas um
dia, com o objetivo de aplicar um questionário (Anexo 1) com os moradores que
habitam a área de entorno do PARNA-SO, em um bairro conhecido como Granja
Guarany. A aplicação do questionário tinha como objetivo averiguar a percepção
ambiental dos moradores do entorno quanto à presença e à possibilidade de
diferenciação das espécies de sagüis. Durante as entrevistas, o Sr. David Miller,
33
representante da Associação de Moradores e Amigos da Granja Guarany, foi o
guia responsável pela localização e orientação das principais estradas a serem
percorridas. Uma característica do bairro utilizado para a aplicação do
questionário é de que várias residências são utilizadas para veraneio ou férias,
estando fechadas durante grande parte do ano, inclusive no dia escolhido para as
entrevistas. Por isso, nas ruas percorridas e visitadas, somente em 32 moradias
foi possível realizar entrevistas com moradores da região, com a devida
precaução de não induzir os entrevistados a qualquer tipo de resposta. Foram
entrevistados proprietários adultos e crianças, além de funcionários adultos
(caseiro, jardineiro, governanta). O questionário foi composto de 5 perguntas, que
visaram obter informações básicas dos moradores quanto ao tempo de residência
na região e ao avistamento de sagüis nas proximidades da residência do
entrevistado; quando a resposta ao avistamento era positiva, questionava-se
sobre o histórico de avistamento (ou seja, há quanto tempo o entrevistado
observava esses animais), sobre a freqüência de avistamento e sobre o tamanho
do grupo avistado. Ao final da entrevista, uma folha com fotos de primatas (Anexo
2) era apresentada ao entrevistado, com o objetivo de considerar ou não a
veracidade das informações. A folha continha fotos dos primatas observados
durante os trabalhos de campo deste estudo (C. aurita e C. penicillata), além de
duas fotos de primatas amazônicos, a saber, Saimiri vanzolini e Saguinus bicolor.
As fotos foram apresentadas como filtros adicionais, com o intuito de verificar se o
entrevistado poderia reconhecer os animais avistados, testando a consistência
dos relatos (Brandão e Develey, 1998; Ditt et al., 2003; Jerusalinsky et al., 2005).
34
5. RESULTADOS E DISCUSSÃO
As entrevistas com atores sociais que usam o entorno ou o interior de
áreas protegidas permitem rápido acesso a informações qualitativas sobre a
paisagem regional. Essas informações possibilitam, dentre outras coisas, o
direcionamento de esforços e o fornecimento de dados sobre espécies da flora e
da fauna para diagnosticar a situação de conservação local (Jerusalinsky et al.,
2005).
Do total dos moradores entrevistados (32) no Parque Nacional da Serra
dos Órgãos, 21 (66%) afirmaram não ter avistado qualquer espécie de sagüi na
área, e os restantes (34%) afirmaram ter avistado alguma espécie de primata.
A maior parte dos entrevistados (64%) que afirmaram ter observado a
ocorrência de primatas na área, através de visualização ou vocalização, estão
morando na região há mais de 10 anos (Figura 11), e declararam ter avistado
esses animais pelo menos nos últimos 5 anos.
Entretanto, a maior parte desses entrevistados (64%) declarou que a
visualização é rara, atingindo de 1 a 5 vezes por ano (Figura 12). Somente 27%
dos entrevistados informou uma freqüência de avistamento semanal, em torno de
1 a 5 vezes.
O número de indivíduos por grupo avistado não excedeu 7 (Figura 13),
sendo que 46% dos entrevistados não observou grupos com mais de 2 indivíduos.
7
7
6
5
4
01 a 05 anos
Número de
entrevistados
4
06 a 10 anos
11 a 20 anos
3
2
0
1
0
1
Figura 11 – Tempo de moradia na propriedade do entorno do PARNA-SO, 2005.
35
7
7
6
5
4
01 a 05 vezes por ano
01 a 05 vezes por mês
3
Número de
entrevistados
01 a 05 vezes por semana
3
2
1
1
0
1
Figura 12 – Freqüência de avistamento de primatas
no entorno do PARNA-SO, 2005.
5
5
4
3
3
1 a 2 indivíduos
3
3 a 4 indivíduos
Número de
entrevistados
5 a 7 indivíduos
8 a 10 indivíduos
2
1
0
0
1
Figura 13 – Quantidade de indivíduos por grupo no entorno do PARNA-SO, 2005.
36
Dos 11 entrevistados que responderam com avistamento positivo, 7
afirmaram ter avistado C. penicillata (espécie exótica); 1 afirmou ter avistado C.
aurita (espécie nativa); e 8 afirmaram ter avistado S. vanzolini (espécie
amazônica, provavelmente confundida com Cebus nigritus – macaco-prego primata de médio porte comum na região).
Durante a aplicação dos questionários, observou-se que a maior parte dos
avistamentos positivos (82%) foi registrada nas áreas do entorno consideradas
“altas” (região da Pedreira e parte alta da Estrada do Araquém), em residências
bem próximas aos limites do PARNA-SO (algumas fazendo divisa com cercas do
parque), sem qualquer evidência de barreira física significativa para o
impedimento do trânsito dos sagüis, seja para dentro ou para fora dos limites do
PARNA-SO. A maior parte dos entrevistados que não avistaram sagüis (86%) tem
suas residências em áreas do entorno consideradas “baixas” (Alameda do
Jandaia e parte baixa da Estrada do Araquém), em residências também próximas
aos limites do PARNA-SO, porém, com um rio funcionando como divisa (caso da
Alameda do Jandaia), podendo-se afirmar que, nessa área, o rio funciona como
uma barreira geográfica ao trânsito dos sagüis para dentro ou para fora do
PARNA-SO. A parte baixa da Estrada do Araquém corre paralela à Alameda do
Jandaia, com residências já um pouco afastadas dos limites do Parque, razão
pela qual se acredita não ter havido avistamento pelos 9 entrevistados nesse
local.
De modo geral, a maior parte dos entrevistados demonstrou pouco
interesse e conhecimento sobre os primatas que ocorrem na região do PARNASO, em especial sobre os calitriquídeos, alvos desse estudo.
O fato das campanhas terem sido realizadas durante apenas uma parte do
ano (correspondente ao inverno), de acordo com a possibilidade de permanência
no PARNA-SO e trabalho do pesquisador, não diminui a importância qualitativa
dos dados obtidos, uma vez que Morais Jr. (2005) e Ruiz-Miranda et al. (2006)
afirmam que o índice de associação entre espécies de sagüis invasores e o micoleão-dourado, na estação do inverno, é maior que 60%. Por razões similares,
pode-se acreditar que, no caso desse estudo, esse índice também seja mais alto,
o que auxiliou o registro dos grupos do PARNA-SO.
37
A primeira campanha (Tabela 1) constou de um reconhecimento da área de
estudo, incluindo as principais trilhas usadas por visitantes, a trilha denominada
Rancho Frio (aberta apenas para pesquisadores e funcionários do PARNA-SO), a
estrada principal e as imediações da sede (administração, trilha do caxinguelê,
portaria, centro de visitantes, etc.) (Figura 9). Foram registradas apenas
observações indiretas de espécies de calitriquídeos, sem qualquer visualização,
em um total de, aproximadamente, 22 km percorridos, totalizando cerca de 11
horas e 30 minutos de esforço amostral.
Tabela 1 – Total de campanhas realizadas no PARNA-SO em 2005.
Campanha
Período
Distância
Esforço
percorrida
amostral
Nº. de
Nº. de
observações observações
diretas
indiretas
1ª
21-23/04
22 km
11,5 horas
0
3
2ª
13-16/06
56 km
29,5 horas
4
4
3ª
25-29/07
64 km
30,5 horas
1
2
4ª
01-04/08
88 km
29,5 horas
2
5
Na segunda campanha, realizada em junho (Tabela 1), já de posse do
aparelho de som para o “play-back” e de um aparelho de GPS para o registro dos
pontos de observação (Tabela 2), foram feitas quatro observações diretas
(visualização e aproximação) e quatro indiretas (vocalização). As vocalizações
foram ouvidas em dias e horários diferenciados, com clara preferência pelo
período da manhã, nas imediações da Casa do Pesquisador (por duas vezes)
(Figura 10), nas proximidades da entrada da trilha do Rancho Frio, e próximo à
ponte do Rio Paquequer.
38
Tabela 2 – Registro dos pontos de observação com auxílio de GPS.
Campanha
Observações
Coordenadas
Diretas
UTM
Junho
1ª
7515448
Junho
2ª
7515442
Junho
3ª
7515497
Junho
4ª
7515385
Julho
1ª
7515489
Agosto
1ª
7516021
Agosto
2ª
7516031
A primeira visualização do bando de calitriquídeos, por volta das 08h40min
do primeiro dia, próximo à Casa do Montanhista (Figura 9), revelou um grupo
misto, formado por um único indivíduo adulto da espécie C. aurita (nativo) (Figura
14) e cinco indivíduos, sendo dois juvenis, que não correspondiam à descrição de
qualquer uma das três espécies procuradas (Auricchio, 1995). Por apresentarem
características de coloração e pelagem intermediárias, esses indivíduos poderiam
ser híbridos. O primeiro contato com indivíduos desse bando foi através de uma
dupla, formada por dois adultos, sendo um C. aurita (Figura 15); após o insucesso
na tentativa de acompanhamento dos animais, utilizou-se o “play-back”. Em
menos de cinco minutos, a dupla voltou para a borda da mata, acompanhada de
mais quatro indivíduos (Figuras 16 e 17). Os animais permaneceram bastante
ativos durante a execução do “play-back”, particularmente o adulto C. aurita, que
respondeu intensamente. Durante a observação, todo o grupo cruzou várias
vezes a estrada, não se incomodando, inclusive, com a passagem de carros. A
observação, o registro fotográfico e a marcação do ponto de observação do grupo
tiveram a duração aproximada de 35 minutos, quando o grupo adentrou na mata
em direção à Casa do Montanhista.
39
Figura 14 – Callithrix aurita adulto observado no PARNA-SO, 2005.
Figura 15 – C. aurita e indivíduo híbrido observado no PARNA-SO, 2005.
40
Figura 16 – Indivíduo híbrido em Callithrix observado no PARNA-SO, 2005.
Figura 17 – Indivíduo híbrido observado no PARNA-SO, no mês de junho, 2005.
41
A segunda observação direta de calitriquídeos foi registrada no mesmo dia,
no início da tarde (12h55min), após uma vocalização nos fundos da Casa do
Pesquisador, com imediato uso do “play-back”. Inicialmente, surgiu um indivíduo
adulto da espécie exótica C. penicillata (Figura 18), bastante dócil, se
aproximando progressivamente do aparelho de som, respondendo intensamente
ao “play-back” e tolerante à aproximação do pesquisador. Outro indivíduo
apareceu mais ou menos 20 minutos depois; apresentava tufos mais claros,
curtos, bastante similares aos tufos descritos para C. aurita, porém, com uma
coloração de dorso mais similar à descrita para C. penicillata (cinzenta e estriada),
semelhante aos animais encontrados na primeira observação, denominados
híbridos. A observação, o registro fotográfico e a marcação do ponto de
observação da dupla tiveram a duração aproximada de 30 minutos.
Figura 18 – C. penicillata observado no PARNA-SO, 2005.
A terceira observação direta foi registrada no segundo dia pela manhã, às
10h50min, após uma vocalização nas imediações da entrada da trilha do Rancho
Frio, com uso imediato do “play-back”; aparentemente, a mesma dupla de animais
avistados no dia anterior. Como das outras vezes, os animais se mostraram
42
bastante curiosos quanto à origem das vocalizações emitidas pelo “play-back”,
vocalizando muito e tentando se aproximar do aparelho de som. A observação, o
registro fotográfico e a marcação do ponto de observação da dupla tiveram a
duração aproximada de 40 minutos.
A quarta observação direta foi registrada no quarto dia, pela manhã, às
08h40min, próximo à ponte do Rio Paquequer (Figura 9). Foram observados dois
indivíduos híbridos, sendo um adulto e um juvenil. O método do “play-back” foi
utilizado para manter os animais no local. A observação, o registro fotográfico e a
marcação do ponto de observação da dupla tiveram a duração aproximada de 25
minutos.
Na terceira campanha (Tabela 1), realizada em julho, foram feitas uma
observação direta e duas indiretas. As vocalizações foram ouvidas em dias
distintos, pela manhã e à tarde, nos fundos da área da administração e próximo à
entrada de cima da trilha da Primavera, respectivamente. A única observação
direta foi registrada no terceiro dia, no início da tarde (13h00min), na altura da
entrada da trilha Mozart Catão (Figura 9). Foi observado um grupo misto,
composto por três indivíduos adultos: um da espécie C. aurita (Figura 19), um C.
penicillata (Figura 20) e um híbrido (Figuras 21 e 22). O método do “play-back” foi
utilizado para manter os animais no local, que permaneceram vocalizando e
cruzando a estrada algumas vezes. A observação, o registro fotográfico e a
marcação do ponto de observação do grupo tiveram a duração aproximada de 60
minutos.
43
Figura 19 – C. aurita no PARNA-SO. Foto: Suzana Leite, 2005.
Figura 20 – C. penicillata no PARNA-SO. Foto: Suzana Leite, 2005.
44
Figura 21 – Indivíduo híbrido observado no PARNA-SO.
Foto: Suzana Leite, 2005.
Figura 22 – Individuo híbrido observado no PARNA-SO, no mês de julho.
Foto: Suzana Leite, 2005.
45
Na quarta campanha (Tabela 1), realizada em agosto, foram feitas duas
observações diretas e cinco indiretas. As vocalizações foram ouvidas em dias e
horários diferenciados, pela manhã e à tarde, nas proximidades da trilha Mozart
Catão, próximo à entrada de baixo da trilha da Primavera (por duas vezes), na
trilha lateral à Casa do Diretor, e nas imediações da Pousada “Refúgio do
Parque”, na estrada (Figura 9).
A primeira observação direta foi registrada no terceiro dia, às 15h15min, na
trilha lateral à Casa do Diretor (Figura 9). Foi observado um grupo misto,
composto
por
um
indivíduo
adulto
C.
aurita
e
mais
dois
indivíduos
(aparentemente, o mesmo grupo observado na terceira campanha). Não foi
possível fazer o registro fotográfico, pois o grupo estava localizado a uma altura
muito elevada do chão. A observação e a marcação do ponto de observação
tiveram a duração aproximada de 20 minutos.
A segunda observação direta foi registrada no mesmo dia, minutos após a
primeira observação, próximo à entrada de baixo da trilha da Primavera (Figura
9). Foi observado um único indivíduo adulto C. penicillata (Figuras 23, 24 e 25).
Extremamente dócil, o animal permaneceu bastante ativo, vocalizando muito e
andando pelos galhos e bambus próximos à estrada, chegando a subir na mochila
do pesquisador que estava no chão. A observação, o registro fotográfico e a
marcação do ponto de observação do animal tiveram a duração aproximada de 20
minutos.
46
Figura 23 – C. penicillata no PARNA-SO, 2005.
Figura 24 – C. penicillata na estrada do PARNA-SO, 2005.
47
Figura 25 – C. penicillata observado no PARNA-SO, no mês de agosto.
Foto: Patricia Maciel, 2005.
Em relação aos grupos mistos, foi observado que, aparentemente, o adulto
C. aurita exercia uma posição de “liderança”, sendo seguido pelos demais animais
quando cruzava a estrada, ou quando perdia o interesse na vocalização emitida
pelo “play-back”, adentrando na floresta. Não foi possível confirmar, pelas
observações no campo, o sexo desses indivíduos. Estudos de campo e de
cativeiro com o gênero Callithrix têm demonstrado que os indivíduos dominantes
estão invariavelmente entre os indivíduos reprodutores, embora existam
diferentes relações de dominância entre estes indivíduos; em populações de C.
aurita, isso também ocorre, porém, sem poder afirmar que haja hierarquia ligada
ao sexo (Coutinho, 1996).
Não foi observada a presença de indivíduos da espécie C. jacchus, seja em
grupos puros ou mistos. Provavelmente, nessa área do PARNA-SO, pode-se
corroborar a afirmação de Cunha (2004b), que relata que C. jacchus,
aparentemente, só ocorre fora dos limites do Parque.
48
Não foram observados grupos puros, tanto da espécie nativa quanto da
espécie exótica, à exceção do único indivíduo da espécie C. penicillata,
encontrado na última campanha.
Callithrix penicillata apresenta uma área de vida com tamanho variando de
3,5 a 18,5 hectares (Miranda e Faria, 2001; Castro, 2003). Possui uma dentição
mais especializada para a gumivoria (alimentação baseada em goma de árvores,
exsudatos) (Auricchio, 1995) do que C. aurita, que apresenta uma área de vida
com tamanho que varia entre 11 e 14,4 hectares (Rylands, 1994b; Castro, 2003).
Como a goma é um item básico na dieta de C. penicillata, a possibilidade de um
grupo dessa espécie ocupar uma área de vida de tamanho reduzido pode ser
explicada pelo fato desse recurso alimentar estar disponível o ano inteiro; logo,
poucas fontes são suficientes para suprir as necessidades do grupo (Castro,
2003). A grande diferença na variação do tamanho da área de vida de C. aurita e
C. penicillata indica uma maior probabilidade de sobrevivência dessa última, pela
adaptação à exploração das fontes de goma, permitindo a utilização dos mais
diversos ambientes.
Segundo Vivo (1991, apud Auricchio, 1995) e Marroig (1995), todos os taxa
do gênero Callithrix podem ser distinguidos por caracteres de pelagem e
coloração, o que parece ser um padrão geral para toda a família Callitrichidae.
Indivíduos híbridos podem apresentar coloração similar à dos pais, mas
geralmente, exibem padrões intermediários (Mendes, 1997a). De acordo com
Veracini et al (2002), espécimes híbridos apresentam padrões vocais também
intermediários entre as duas espécies parentes. Coimbra-Filho et al. (1993, apud
Veracini et al., 2002) afirmam que, em geral, a hibridação natural entre as
diferentes formas do grupo jacchus são raras e localizadas nas bordas / limites de
suas áreas geográficas naturais. Mendes (1997b) afirma que entre C. flaviceps e
C. geoffroyi, existe, na natureza, um claro mecanismo de isolamento reprodutivo,
provavelmente comportamental ou ecológico, já que numa mesma localidade
podem ser encontrados indivíduos com fenótipo típico de cada espécie, além de
híbridos.
Não
há
verdadeiramente
uma
zona
de
intergradação,
mas,
aparentemente, eventos de hibridação entre duas espécies, em região de relevo
bastante irregular, onde suas áreas de distribuição geográfica se encontram.
49
Ao longo dos últimos anos, vários casos de hibridação natural têm sido
relatados (Coimbra-Filho, 1972; Stallings e Robinson, 1991, apud Coutinho, 1996;
Coimbra-Filho et al., 1993, apud Veracini et al., 2002; Auricchio, 1995; Marroig,
1995; Mendes, 1997a,b; Passamani et al., 1997; Melo, 1999; Morais e Lessa,
1999), provavelmente relacionados com a destruição dos habitats, o que,
conseqüentemente, resulta em uma aproximação das distintas áreas geográficas
dessas espécies (Passamani et al., 1997).
De acordo com Coimbra-Filho et al. (1993, apud Veracini et al., 2002),
existem três tipos de hibridação natural. O primeiro envolve populações de
espécies ecologicamente distintas, que se originam nos ecótonos e limites de
suas distribuições geográficas naturais; o segundo envolve taxa ecologicamente
similares e seus limites de distribuição, mas não envolve ecótonos. O terceiro tipo
considera espécies ecologicamente similares, mas envolve introduções de uma
ou de ambas as espécies em áreas que podem ou não ser ecótonos (como C.
jacchus e C. penicillata).
Existem relatos de hibridação entre C. aurita e C. penicillata nos estados de
São Paulo (Mendes, 1997a) e Minas Gerais (Stallings e Robinson, 1991, apud
Coutinho, 1996), aparentemente associados à interferência antrópica. Segundo
Mendes (1997b), não há casos de hibridação natural entre estas espécies.
Citando o exemplo do Parque Estadual do Rio Doce, no Estado de Minas Gerais
(onde há confluência dos limites de distribuição de C. aurita, C. geoffroyi e C.
flaviceps, além de evidência da introdução de C. penicillata), Mendes (1997b)
afirma que existe uma clara tendência à hibridação entre essas espécies e
acredita que, caso a população introduzida seja pequena, comparada à
população nativa, a tendência é o desaparecimento do fenótipo introduzido, por
seleção natural contrária aos híbridos e por queda progressiva de sua freqüência
gênica na população. Por outro lado, em casos de introduções maciças e
dificuldades de adaptação à nova realidade pela espécie residente, pode ocorrer
um fenômeno inverso. No presente estudo, a hibridação encontrada entre as
espécies C. aurita e C. penicillata no PARNA-SO, fato não documentado até o
momento no Estado do Rio de Janeiro, se insere dramaticamente nessa última
análise, pelo avistamento de um grupo composto por C. aurita e híbridos, com
evidente predominância desses últimos; de outro composto por C. aurita, C.
50
penicillata e híbrido; e pelo fato de C. penicillata ter sido avistado em dupla ou
isolado, o que sugere introduções mais ou menos recentes e, principalmente,
recorrentes.
Estudos de hibridação de espécies de Callithrix em cativeiro (Coimbra-Filho
et al., 1983; Coimbra-Filho et al., 1993, apud Veracini et al., 2002), com
aspirações zootécnicas, visaram à obtenção de formas domésticas de sagüis para
utilização na pesquisa científica, de modo a conseguir linhagens adaptáveis às
condições artificiais dos biotérios. Estes estudos confirmaram não só a fertilidade
interespecífica entre as cinco espécies utilizadas nos experimentos (C. jacchus,
C. penicillata, C. geoffroyi, C. aurita e C. flaviceps), demonstrando que os híbridos
de todas essas espécies são geneticamente férteis, mas também que sua
descendência é bem mais vigorosa que a das espécies maternas.
Combinando-se a suposta raridade e baixa densidade populacional de C.
aurita (Rylands, 1994b; Coutinho, 1996; Cosenza e Melo, 1998) com a grande
capacidade generalista e competitiva de C. penicillata quanto ao habitat e
recursos alimentares (Rizzini e Coimbra-Filho, 1981; Stevenson e Rylands, 1988;
Auricchio, 1995; Mendes, 1997a,b; Passamani et al., 1997; Guerra et al., 1998;
Morais e Lessa, 1999; Bergallo et al., 2000; Miranda e Faria, 2001; Vilela e Faria,
2002; Cunha, 2003 - 2004a,b; Geise et al., 2004; Vilela e Faria, 2004; Araújo et
al., 2005; Mendes e Melo, 2005; Morais Jr., 2005; Oliveira, 2005; Passos et al.,
2005; Pereira et al., 2005; Santos et al., 2005), pode-se considerar a invasão
biológica de C. penicillata como um fator importante para a redução das
populações de C. aurita no PARNA-SO, fazendo com que, pela combinação de
diversos fatores, C. aurita possa ser considerada a espécie de primata mais
ameaçada do PARNA-SO.
51
6. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
De acordo com a Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira
Ameaçadas de Extinção (Rylands e Chiarello, 2003), C. aurita é considerado o
primata menos ameaçado da família Callitrichidae, sendo classificado como
“vulnerável”. Com base nos dados obtidos por este estudo, pode-se afirmar que,
no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, essa espécie está seguramente em um
estágio muito mais crítico de risco de extinção, principalmente pelo processo de
invasão e instalação da espécie exótica C. penicillata. Infelizmente, este processo
pode ser lento para a escala temporal humana, dificultando seu monitoramento e
compreensão.
Para salvar espécies ameaçadas de extinção como C. aurita, dois objetivos
principais precisam ser alcançados: (A) redução das ameaças e (B) recuperação
de sua viabilidade populacional. Para a conservação de espécies que tenham
suas populações reduzidas, pesquisas sobre a situação das mesmas na natureza
e a formulação de um programa de manejo específico devem ter prioridade.
Quanto aos calitriquídeos que estão ocorrendo no PARNA-SO, algumas
recomendações são importantes para o futuro. Primeiramente, é fundamental que
(1) se incentivem pesquisas para o registro de outras populações de C. aurita em
área de distribuição livre da invasão biológica de C. penicillata. Com o objetivo de
mitigar os impactos da invasão biológica, é imperativo que se proceda a (2) um
manejo adequado e racional dos grupos encontrados, realizando a remoção de
todos os indivíduos de C. penicillata, além dos híbridos que venham a ser
encontrados, e que formam grupos com indivíduos da espécie C. aurita. (3) Para
os indivíduos de C. aurita que venham a ser encontrados isolados no grupo de
híbridos, pode-se proceder ao encaminhamento para criação e reprodução em
cativeiro, com o objetivo de realizar estudos controlados sobre a espécie, além de
reforçar a colônia de C. aurita, mantendo os níveis de variabilidade genética em
um patamar desejado. Quando essa alternativa não for possível, pode-se priorizar
(4) a translocação (e conseqüente monitoramento) desses indivíduos isolados
para áreas onde ocorra ao menos uma população de C. aurita, esperando que
haja uma aproximação e posterior integração ao grupo ou, até mesmo, a
52
formação de um novo grupo, formado pelo indivíduo translocado e monitorado, e
por outros indivíduos que venham a se afastar do grupo original.
Pelo alto grau de desconhecimento das espécies de primatas que ocorrem
no PARNA-SO, inferido através das entrevistas realizadas neste estudo, é
importante que se apresentem os primatas nativos da região para a população,
demonstrando o seu valor como patrimônio natural. No caso de C. aurita, pode-se
ressaltar a endemicidade da espécie, fazendo com que a população tenha
orgulho de morar em um município (ou de visitar um parque) onde exista uma
espécie endêmica e rara. Através de campanhas realizadas nas áreas de entorno
do PARNA-SO que tenham ocupação humana, pode-se recomendar aos
moradores que não soltem nem alimentem espécies de sagüis invasores,
ajudando a evitar novas introduções e o estabelecimento dos sagüis já
introduzidos. O combate às espécies exóticas invasoras deve, portanto, ter a
finalidade de reduzir riscos de introduções não-intencionais ou não-autorizadas,
contribuindo, inclusive, para a diminuição do tráfico ilegal de animais. O controle e
a erradicação de espécies exóticas invasoras terão mais possibilidades de êxito
se forem apoiados por comunidades locais, setores e/ou grupos apropriados.
53
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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73
ANEXOS
Anexo 1: Modelo do questionário aplicado aos moradores do entorno do
PARNA-SO.
PGCA
Pós-Graduação em Ciência Ambiental
INTERAÇÕES ENTRE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS E ESPÉCIES NATIVAS:
CALITRIQUÍDEOS NO PARQUE NACIONAL DA SERRA DOS ÓRGÃOS, RJ.
Questionário:
Data:____/____/_____
Nome:________________________________________________________ Idade:_______
Profissão / Ocupação:_______________________________________
1) Há quanto tempo o (a) senhor (a) possui / mora na propriedade ?
01 a 05 anos (1)
06 a 10 anos (2)
11 a 20 anos (3)
2) O (a) senhor (a) já avistou micos / saguis nas proximidades da sua residência ?
SIM (
)
NÃO (
)
3) Se sim, há quanto tempo ? ( HISTÓRICO )
01 a 05 anos (1)
06 a 10 anos (2)
11 a 20 anos (3)
4) Quantas vezes ( FREQUÊNCIA DE AVISTAMENTO ) ?
01 a 05 vezes / ano (1)
01 a 05 vezes / mês (2)
01 a 05 vezes / semana (3)
5) Quantos indivíduos ( TAMANHO DO GRUPO ) ?
1a2(
)
3a4(
)
5a7(
)
8 a 10 (
)
6) Identificação / confirmação de características físicas para auxílio na identificação de
calitriquídeos que ocorrem no PARNA-SO (fotos dos animais, em anexo):
a) Callithrix aurita: Presença de tufos auriculares de cor branca ou bege; coloração geral do
corpo castanho-avermelhado escuro, às vezes todo negro; cauda negra com finos anéis
brancos (estriada); mancha branca característica na fronte.
b) C. penicillata: Presença de tufos auriculares longos e negros, em forma de pincel;
coloração geral do corpo acinzentado-escuro com reflexos castanhos e pretos, em faixas
transversais; cauda anelada na mesma cor do corpo.
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Anexo 2: Folha com fotos de sagüis apresentada ao final do questionário.
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Daniel Gomes Pereira - Universidade Federal Fluminense