Amplificadores, Falantes, Caixas Acústicas e uma tal de Impedância – Parte 1 Autor: Fernando Antônio Bersan Pinheiro Um dos trabalhos do operador de som é tirar o máximo proveito do seu sistema de sonorização, através de ligações corretas. Em se tratando de alto-falantes (caixas acústicas) e amplificadores, isso é feito levando-se em conta as impedâncias envolvidas no sistema. E é sobre isso que trata este artigo. Iniciaremos com um "pouco" de teoria, imprescindível para o entendimento do assunto, e então daremos seguimento com a aplicação prática do assunto. Impedância A impedância elétrica (ou simplesmente impedância) é a oposição (impedimento, resistência, força contrária) que um circuito (o “caminho” da energia elétrica entre os pólos positivo e negativo) faz à passagem de corrente elétrica. Todo material apresenta impedância, em maior ou menor grau. Materias condutores apresentam uma baixa impedância, ou seja, são facilmente atravessados por corrente elétrica, enquanto materiais isolantes (não condutores) apresentam altas (ou altíssimas) impedâncias, não deixando que a corrente elétrica os atravesse. Ela é medida em Ohms, e seu símbolo é uma simpática ferradura (Ω), símbolo originário do alfabeto grego, indicativo da letra Ômega. O nome é uma homenagem ao físico alemão George Simon Ohm, quem primeiro descreveu estes fenômenos no início do século XIX. Materiais condutores apresentam poucos Ohms de resistência, enquanto materiais isolantes apresentam milhares (k???sendo o K indicativo de mil) ou milhões (M???sendo o M indicativo de milhão) de Ohms de impedância. A letra “Z” é indicada para representar a impedância elétrica. Em áudio, encontramos em Direct Boxes e em alguns cubos para instrumentos conexões chamadas de “High Z” e “Low Z”, indicando conexões para equipamentos de alta impedância e de baixa impedância. Vide artigo MIC IN LINE IN (http://www.somaovivo.mus.br/artigos.php?id=185) para obter maiores informações sobre o assunto. Também é usado o termo “resistência elétrica” (ou simplesmente “resistência”) como sinônimo de impedância. Isso é comum em eletrônica, já que um tipo de componente eletrônico muito comum são os Resistores, cujo símbolo é a letra “R”. Alto-falantes e Impedância Todo alto-falante apresenta um valor chamado de “impedância nominal”. Muita gente confunde a impedância nominal com a impedância (resistência) elétrica, mas elas são coisas diferentes. Um alto-falante possui uma parte condutora (a bobina, um fio enrolado sobre si mesmo diversas vezes), como também tem uma parte mecânica (cone, aranha, etc). A energia elétrica, ao passar pelo altofalante, encontra uma resistência elétrica (o fio da bobina) e uma resistência mecânica (uma dificuldade causada pela inércia para movimentar os componentes mecânicos). A soma dessas duas resistências é que dará a impedância nominal do alto-falante. Parâmetros do fabricante mostrando a resistência elétrica de um alto-falante de apenas 6,3 Ohms, sendo que alto-falante tem impedância nominal de 8 Ohms. Como a impedância varia de acordo com a frequência (um mesmo alto-falante pode apresentar uma impedância quando recebe 200Hz e outra quando recebe 2kHz), a impedância nominal é definida então como o menor valor da soma das resistências (elétrica + mecânica), encontrada em toda a resposta de frequência do falante. Curva de impedâncias de um woofer de 15” em relação às frequências. O pico de impedância logo no início corresponde à frequência de ressonância do alto-falante. Os alto-falantes são construídos em valores padronizados em todo o mundo, nos valores de 2, 4, 8, 16 e 32 Ohms. Os mais comum de encontrarmos são os falantes com uma impedância nominal de 4 Ohms (muito comum para sistemas automotivos) ou 8 Ohms (muito comum para sistemas de PA). Entretanto, apesar da padronização, nada impede que exista um falante com características específicas (feito para usos especiais). Aqui, já podemos aplicar uma prática. Se medirmos com o multímetro a impedância de um alto-falante, estamos medindo apenas a resistência elétrica, e não a resistência mecânica. Muita gente acha estranho que um falante de 8 Ohms apresente, no multímetro, apenas 6,4, mas o multímetro mede apenas a resistência elétrica, não a mecânica, por isso os valores sempre mais baixos. Woofer de 8 Ohms de impedância nominal com resistência elétrica da bobina de 7 Ohms. Para todos os efeitos deste artigo, sempre considere a impedância nominal especificada pelo fabricante. Por outro lado, se não soubermos a impedância de um determinado alto-falante, podemos medir a resistência elétrica da bobina e “arredondar” o valor para o valor mais comum imediatamente posterior. Por exemplo: Se medirmos valores entre 3,0 e 3,9 Ohms na bobina, então o alto-falante é de 4 Ohms Se medirmos valores entre 4,5 até 5,9 Ohms de resistência elétrica, o alto-falante é de 6 Ohms Se medirmos valores entre 6,5 Ohms e 7,9, o alto-falante é de 8 Ohms Se medirmos valores acima de 12 Ohms até 15,9 Ohms, o alto-falante é de 16 Ohms. Não é uma regra perfeita (existem falantes profissionais de 8 Ohms com resistência elétrica de apenas 5,7 Ohms, em geral falantes de grande tamanho cuja inércia dos componentes mecânicos é muito grande), mas ajuda a ter uma base de cálculo. Associação de Resistores Na Física de Ensino Médio, uma das matérias estudadas é “Associação de Resistores”. Resistores são um dos elementos mais comuns da eletrônica, e nada mais são que peças que apresentam uma determinada impedância elétrica, dada pelos materiais os quais são feitos e sua construção. Eles servem para “dissipar energia”, ou seja, gastar um pouco da energia elétrica correndo no circuito, que é transformada em calor. Tipos de resistores. Nesses estudos, aprendemos a associar (interligar) os resistores de diversas maneiras, de forma a obter um determinado valor de impedância (chamada de Resistência Equivalente ou Resistência Resultante ou Impedância Total, etc). O estudo apresenta inclusive algumas fórmulas. Vejamos: Associação em Série Em uma associação em série de resistores, o resistor equivalente é igual à soma de todos os resistores que compõem a associação. A foto acima mostra que o caminho da energia elétrica entre os pólos positivo e negativo de uma fonte de tensão (uma bateria, uma pilha, a tomada de energia da casa, etc) é composto por uma série de resistores ligados um ao outro (daí o nome: associação em série). Na verdade, seria a mesma coisa que atravessar um único resistor, cujo valor da sua resistência seja equivalente à soma de todas as resistências dos diversos componentes ligados em série. Para calcular o valor da resistência equivalente (Req) temos uma fórmula matemática, que é: Req = R1 + R2 + R3 + R4 + R5 + ... + Rn Sendo “n” o último dos resistores que compõem o caminho. É importante também citar que a resistência equivalente de uma associação em série sempre será maior que o resistor de maior valor da associação. Uma coisa importante para guardar (e decorar): em série, o pólo negativo de um resistor é ligado ao pólo positivo do resistor seguinte. É importante saber isto pois nos ajuda a identificar o tipo de ligação existente. Associação em Paralelo Uma outra forma de ligar os resistores é fazendo múltiplos caminhos para a energia, caminhos estes um ao lado do outro (ou seja, paralelos entre si), sendo que a energia elétrica será distribuíra por todos estes caminhos. Neste caso, a resistência equivalente é calculada de forma diferente. A fórmula é: 1/Req = (1/R1) + (1/R2) + (1/R3) + (1/R4) + ... + (1/Rn) Se a outra fórmula era só somar, essa daqui tem que mexer com fração. Bem mais complicado mesmo. Entretanto, se os diversos resistores forem idênticos (de mesmo valor), podemos usar uma fórmula bem mais simples: Req = R/n Onde R = o valor da impedância dos resistores (o valor de um deles, lembrando que todos tem que ter o mesmo valor) e “n” é o número de resistores. É importante citar que a impedância total será sempre menor que o resistor de menor resistência da associação. Outra coisa a decorar: neste tipo de associação, os pólos positivos são todos interligados entre si, assim como a mesma coisa acontece com os pólos negativos. É a característica marcante deste tipo de ligação. Associação Mista É perfeitamente possível “misturar” associações em série e em paralelo em um mesmo circuito de resistores. A forma de calcular é a mesma, com as mesmas fórmulas, apenas com o cuidado de irmos calculando aos poucos, cada associação isoladamente, até obter todo o valor final. Nos exemplos práticos veremos isso melhor. Potência dissipada em associações de diferentes resistores Um “detalhe” cuja importância veremos mais adiante é outra lei de Ohm, que diz o seguinte: Potência = Resistência x I² Onde "I" é a intensidade da corrente elétrica. Note que as 3 figuras acima trazem, junto de cada resistência, um valor em vermelho, indicativo da intensidade da corrente. No caso, a potência dissipada (a parte de energia elétrica que é dissipada na forma de calor pelo resistor) é proporcional a sua resistência, a sua impedância. Isso quer dizer (e será muito importante mais à frente) que se tivermos resistências de mesmo valor associadas entre si, todas dissiparão a mesma quantidade de energia. Por outro lado, se tivermos diferentes resistores (diferentes nas suas impedâncias), cada um dissipará uma quantidade de energia diferente. Ou seja, uns "esquentarão" mais, outros menos. Tal situação fará grande diferença na prática do operador de áudio. Bem, neste ponto, os leitores devem estar achando tudo isso muito chato, assim como as aulas de Física daquela época eram chatas. Mas para quem mexe com sonorização, é de vital importância conhecer isto muito bem, por um simples fato: alto-falantes são um tipo de resistores, que em vez de dissipar a corrente elétrica em forma de calor, dissipa em forma de som! Onde colocamos resistores na fórmula, podemos colocar alto-falantes e/ou caixas acústicas no lugar, sempre pelos valores das suas impedâncias nominais. Por exemplo: Agora já deu para perceber como saber isso é importante. Caixas acústicas e Impedância Em uma caixa de som do tipo “full-range”, com vários alto-falantes (2, um para os graves e outro para os médios/agudos, ou 3 falantes, um para graves, outro para médios e outro para agudos) que funcionam em conjunto, é importante saber que são utilizados elementos filtrantes para o alto-falante de médios e/ou agudos. Esses elementos (um capacitor ou um divisor de frequência passivos, instalados dentro das próprias gabinetes das caixas acústicas) “mascaram” a impedância desses alto-falantes (como se ela não fosse “enxergada” pelo amplificador), e a impedância a ser considerada como a impedância da caixa é a do(s) woofer(s). Mas porque escrever “do(s) woofer(s)” e não “do woofer”? Porque vários fabricantes implementam caixas com dois alto-falantes de graves iguais, por uma série de motivos (dobrar a capacidade de potência, etc). Estes falantes estão, internamente, associados entre si, ou seja, quando o fabricante especifica a impedância da caixa, já o faz levando em consideração a associação feita internamente. Assim, tudo o que dissemos para “Associação de Alto-Falantes” pode ser também utilizado para cálculos de associações envolvendo caixas acústicas multivias (vários tipos de falantes). Lembrando de sempre trabalhar com a impedância nominal fornecida pelo fabricante da caixa. Amplificadores e Impedância Uma das leis de Ohm diz o seguinte: Potência = Voltagem² / Impedância Ou seja, a potência sempre é calculada em relação a uma voltagem e a uma determinada impedância de carga. Ora, os amplificadores utilizados em áudio produzem uma determinada voltagem quando submetidos a uma impedância (uma caixa acústica ou um conjunto de caixas*), então a fórmula citada pode ser usada para aferir a potência desses aparelhos. *os amplificadores não sabem se há uma única caixa acústica ou diversas caixas ligadas a ele. Só enxergam impedância, seja ela de uma só caixa ou a impedância equivalente de um conjunto de caixas. Vamos dar uma olhada no que acontece com os amplificadores quando variamos a impedância do sistema de caixas acústicas/falantes. Por exemplo, vejamos um amplificador com saída em 80 Volts sobre uma impedância de 8 Ohms: Potência = (80V) ² / 8 (Ohms) = 6400 / 8 = 800 Watts Mantendo a voltagem constante, só que agora com 4 Ohms: Potência = (80V) ² / 4 (Ohms) = 6400 / 4 = 1.600 Watts Agora com 2 Ohms: Potência = (80V) ² / 2 (Ohms) = 6400 / 2 = 3.200 Watts Agora com 1 Ohm: Potência = (80V) ² / 1 (Ohm) = 6400 / 1 = 6400 Watts Então, podemos concluir que: Quanto menor o valor da impedância encontrada no sistema de caixas acústicas, maior será a potência obtida do amplificador. Por outro lado, vamos aumentar a impedância do sistema de caixas para ver o que acontece: A mesma voltagem, só que agora com 16 Ohms: Potência = (80V) ² / 16 (Ohms) = 6400 / 16 = 400 Watts Agora com 32 Ohms: Potência = (80V) ² / 32 (Ohms) = 6400 / 32 = 200 Watts Agora com 64 Ohms: Potência = (80V) ² / 64 (Ohms) = 6400 / 64 = 100 Watts Com 128 Ohms: Potência = (80V) ² / 128 (Ohms) = 6400 / 128 = 50 Watts Disso podemos concluir também o seguinte: Quanto maior o valor da impedância encontrada no sistema de caixas acústicas, menor será a potência obtida do amplificador. Em Matemática, isso quer dizer que Impedância e Potência são grandezas inversamente proporcionais. Quando uma aumenta, a outra diminui, e vice-versa. Disso poderíamos concluir facilmente que a melhor situação é utilizar a impedância sempre a mais baixa possível, através de associações em paralelo. Certo? Não! É importantíssimo saber que existe um limite para a diminuição do valor de impedância (e consequente aumento da potência). Os amplificadores de áudio são projetados de forma a ter o máximo rendimento em uma determinada impedância mínima, em geral 8 Ohms, 4 Ohms ou 2 Ohms. Se diminuirmos a impedância para valores abaixo desse mínimo (por exemplo, 2 Ohms em um amplificador projetado para 4 Ohms), o amplificador continuará realizando seu trabalho, mas agora fora das condições normais de uso, o que poderá provocar danos ao equipamento. Por outro lado, não há limites para o aumento da impedância. Entretanto, a potência fornecida pelo amplificador será cada vez menor, muitas vezes inadequada para uma sonorização eficiente. Conclusão Juntando estes conhecimentos sobre amplificadores com os conhecimentos adquiridos sobre alto-falantes / caixas acústicas e impedâncias, já podemos perceber que só poderemos extrair o máximo de potência do nosso sistema de uma forma segura com o adequado “casamento” entre o amplificador e as caixas acústicas. É muito interessante a analogia do casamento! É uma expressão usada corriqueiramente por profissionais: conferir o “casamento das impedâncias”. E está mais do que certo: - um bom casamento nos permitirá extrair o máximo de eficiência do sistema, sem riscos. - um casamento em que o valor da impedância das caixas esteja abaixo do mínimo valor indicado para o amplificador possivelmente causará danos ao amplificador. - um casamento em que o valor da impedância das caixas esteja muito alto trará desperdício de potência do amplificador e, em casos extremos, clipamento e distorções danosas às caixas e/ou alto-falantes. Mas vamos deixar a parte prática para o próximo artigo. Há ainda muito o que falar sobre o assunto.