XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA: ESTUDO DE CASO DA RENAULT FRANÇA / COLÔMBIA / BRASIL EM RELAÇÃO A ADOÇÃO DE TRABALHO EM GRUPO Oscar Fernando Marmolejo Roldan COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970- [email protected] Lidia Micaela Segre COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - [email protected] Abstract This article analysis the internationalization process of the automobile sector, focusing on the adoption of technological and organizational innovations with the objective of analysing the implementation of team work an coherent houman resources politics. This study also analyses the necessity of news professionals profiles and the grade of capability of the groups. In special, all the types of team work were analysed. In the studies of case were contempleted Work Elementars Unities –UETs- in Renault's original plants in Flins (France) and in it's branch in Sofasa (Colombe) and Airton Senna (Brazil). Key words: Automobile Industry, Organizational Innovations, Team Work I. Introdução Durante a década de 90 a industria automobilística foi alvo de transformações estruturais no processo de internacionalização do setor. Alguns dos elementos dessas transformações são: a globalização e integração dos mercados, o deslocamento das empresas, as fusões, e as estratégias de competitividade industrial, incorporando inovações tecnológicas e organizacionais. As empresas adotam novas formas de relacionamento com os fornecedores (Condomínio Industrial e Consorcio Modular), aumentando o grau de terceirização e subcontratação, particularmente nas filiais localizadas fora dos paises de origem. O objetivo principal deste estudo é analisar a adoção do trabalho em grupo como inovação organizacional utilizada para aumentar a competitividade, no contexto de internacionalização. Em particular analisam-se as UETs (Unidades Elementares de Trabalho) implantadas pela Renault na sua matriz (Renault-Flins) e nas filiais do Brasil (Renault-Ayrton Senna) e da Colômbia (Renault-Sofasa), plantas estas com modelos de produção diferentes. As questões que esta pesquisa procura explorar são as seguintes: o funcionamento das UETs em cada planta considerando seu contexto especifico, o grau de autonomia e suas limitações, as políticas de Recursos Humanos (RH) implementadas e as mudanças que provocou o modelo adotado sobre a qualificação da mão-de-obra. Pesquisa bibliográfica nacional e internacional deram base para análises qualitativas realizadas através de estudos de caso. Após a apresentação das estratégias de internacionalização da industria automobilística mundial durante a década de 90 e a discussão teórica sobre trabalho em grupo serão descritas e analisadas as plantas da Renault no Brasil, na Colômbia e na França sob o angulo do processo de reestruturação da produção (Flins e Sofasa) ou de projeto de nova fábrica (Ayrton Senna). ENEGEP 2002 ABEPRO 1 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 A pesquisa nessas plantas foi realizada a partir de várias visitas nas quais utilizouse o método de observação participante nos seguintes setores: linha de montagem, armação de carrocerias e pintura, onde participamos das reuniões realizadas pelas UETs. Para completar a observação participante foram realizadas entrevistas semi-dirigidas a funcionários e trabalhadores, baseadas em um questionário estruturado funcionando como guia genérico. II. Estratégias mundiais da indústria automobilística O setor automobilístico durante a década de 90 caracterizou-se por uma série de importantes mudanças estratégicas na busca de novos mercados e na internacionalização de suas operações. Segundo Boyer (1998), uma das estratégias para implementar e consolidar a internacionalização das firmas, é a formação de blocos empresariais por meio de aquisição, fusão, incorporação, joint-ventures e associações entre empresas para pesquisa e desenvolvimento conjunto ou acordos de troca de tecnologia. De acordo com Laigle (1997), outra estratégia é a divisão internacional do trabalho, permitindo assim, que as atividades estratégicas de alto custo e que exigem maiores habilidades e qualificações implicando em maior valor agregado, sejam concentradas nos países centrais (por exemplo, as atividades de P & D, projeto e operações intensivas em capital). Outro aspecto relacionado à internacionalização da indústria automobilística são as relações mais integradas internamente à empresa, entre as filiais e a matriz (redes corporativas) e, externamente, com os fornecedores e as concessionárias (redes periféricas). Tal estratégia é facilitada pela incorporação de Tecnologia de Informação e Comunicação (TICs), possibilitando a reconfiguração espacial e organizacional, bem como a gestão da produção e do trabalho (Segre et al., 1998). Segundo Miranda e Corrêa (1997), uma tendência mundial do setor automobilístico é a reestruturação das relações das montadoras com as empresas de autopeças e outros insumos, adotando modelos tais como o global sourcing e o follow sourcing. Com estes modelos implementa-se uma produção mais rápida, enxuta e flexível (just-in-time), um desenvolvimento conjunto de novos produtos, incluindo as próprias atividades de P & D, que passaram a ser objeto de esforços cooperativos. Segundo Boyer (1998) outra estratégia é a produção dos carros mundiais que permite obter ganhos de escala e atender o mercado consumidor de várias regiões. O veículo é comercializado em um mercado maior, mesmo quando são feitas pequenas modificações regionais referentes às especificidades locais. Por outro lado, a adoção de plataformas comuns (Durand, 1998), permite a produção de diferentes modelos que possuem algumas características similares (ex: o caso da VW Golf e o Audit A3 ou da Peugeot/Citroen e Renault que compartilham o mesmo motor nos modelos Peugeot 206 e Renault Clio, fabricados no Brasil.) Nesse contexto de internacionalização, o modelo de posto de trabalho que segue a lógica taylorista/fordista começa a ser substituído por outras abordagens que introduzem maior flexibilidade na organização do trabalho. Referimo-nos a novos princípios de administração e técnicas de organização, como Jus-in-Time, Total Quality Control e as técnicas do Kaizen. Uma ferramenta de apoio fundamental é o trabalho em grupo. No caso da Renault as estratégias e os modelos organizacionais escolhidos na matriz e suas filiais são diferentes, levando a formas de adoção distintas de trabalho em grupo (UETs), tendo como objetivo comum obter melhorias de desempenho e aumento de competitividade por meio de novos compromissos com seus funcionários. ENEGEP 2002 ABEPRO 2 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 II. Trabalho em grupo: autonomia e polivalência O trabalho em grupo, nas suas diferentes formas, representa uma resposta organizacional para lidar com ambientes marcados pela competição por qualidade, custo e principalmente pelo fator flexibilidade. Destacam-se duas abordagens teóricas. A primeira é oriunda do pionerismo da indústria automobilística japonesa que definiu o modelo de produção denominado de varias formas segundo os paises que o adotaram : just-in-time, lean production, etc. O trabalho em grupo é uma de suas características mais importantes (Womack et al., 1990). Marx (1998) denomina esta modalidade de Grupos Enriquecidos, nos quais se enfatiza a polivalência, o autocontrole e o aumento da responsabilidade por decisões relativas à qualidade e produtividade do cotidiano da produção. Os Grupos Enriquecidos têm autonomia bastante restrita, sendo controlada pela chefia direta (que permanece na estrutura hierárquica da organização). O projeto organizacional bem como a estrutura e funcionamento dos grupos, são decididos e implementados pelos diferentes níveis de chefias. A ampliação da autonomia não é prioridade desta modalidade de trabalho em grupo. A segunda abordagem tem como origem a escola sócio-técnica (Emery e Trist, 1972; etc.), cuja proposta é a formação de Grupos Semi-Autônomos (GSA), sendo os casos suecos da Volvo (Kalmar e Uddevalla) os mais conhecidos, apoiados pelos sindicatos e por um governo social-democrata. A autonomia dos trabalhadores e a conseqüente descentralização do processo de decisão sobre métodos, alocação e gestão de recursos passam a ser características presentes no cotidiano da produção. Gerência e “facilitadores/animadores”, que não têm mais os poderes hierárquicos dos supervisores que foram eliminados, negociam e controlam as metas e dão garantias quanto aos recursos necessários para o seu atingimento. A filosofia do trabalho em grupo induz os operários a alimentar os fluxos de informação e a acessá-los a fim de participar das decisões. A autonomia dos trabalhadores abrange, segundo Marx (1998), a gestão da produção, dos recursos humanos e do planejamento, não sendo necessária uma estrutura paralela para esses níveis de decisão, como no caso anterior. Estas duas modalidades de trabalho em grupo serviram de base para a análise das inovações organizacionais adotadas no processo de reestruturação produtiva e de projeto de nova fábrica, nas plantas estudadas. IV. Estudo de caso: As UETs na Renault:Ayrton Senna, Flins e Sofasa IV.1 A Renault Flins A planta Renault-Flins foi inaugurada em 1952, sendo hoje a mais antiga em funcionamento, depois do fechamento de Billancourt em 1996. O modelo adotado no processo de reestruturação produtiva pela planta tem sido o da produção enxuta, o qual vem consistindo em um rigoroso dowsizing criando uma cadeia de fornecedores de primeira linha com uma estrutura piramidal, realizando entregas just-in-time. A montadora divide suas atividades produtivas em quatro áreas: prensas, armação de carroceria, pintura e montagem final, na fabricação dos modelos Twingo et Clio. Em 2001 foram produzidos 386 mil unidades, por 7,7 mil trabalhadores diretos. Na área de prensas a planta possui 131 robôs (99% automatizada) e na armação de carrocerias 98 robôs (89% automatizada). A pintura é totalmente automatizada. Além dos robôs, os equipamentos presentes nas áreas produtivas são: computadores para gerenciamento das informações, programação e controle da produção; maquinas ferramentas de comando numérico (MFCN), especialmente nas prensas; controladores lógicos programáveis (CP ou CPL) para comando de painéis e linha de montagem; sistemas de transporte automático e flexível de materiais, bem como sistemas de movimentação e armazenagem controlados por computador; sistemas CAD/CAM e emprego de EDI para otimizar o fornecimento just-in-time. ENEGEP 2002 ABEPRO 3 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 As UETs Em 1993 inicia-se uma série de negociações com o Comitê de Fábrica para implementar mudanças produtivas e de reorganização do trabalho. A empresa contratou uma consultoria externa, para assessorar na implantação do Kaizen e na introdução das UETs. Durante quatro anos foram realizados por volta de 1260 Kaizen para melhorar o layout de máquinas, alterar o fluxo de processo, realocar a mão-de-obra, mudar a alimentação das máquinas e adotar novos sistemas de movimentação de materiais. Os principais resultados foram os seguintes: inúmeras operações de submontagens que antigamente eram realizadas na própria linha de montagem passaram a ser feitas em paralelo ao lado da linha principal; o lay-out funcional das máquinas em linha foi substituído por lay-out em U para reduzir a movimentação das peças e favorecer o trabalho nas UETs. O trabalho em grupo através das UETs foi implantado em todos os setores produtivos da empresa em 1996. Segundo a diretoria de RH a UET foi baseada no modelo da Escola Sócio-técnica. Cada UET possui em média vinte e cinco pessoas, sendo um deles eleito pela equipe com um mandato de seis meses: o operador sênior . Este deve possuir segundo grau e deve conhecer o funcionamento de todas as máquinas alocadas na área produtiva da UET. O operador sênior pode ser reeleito apenas uma vez pois a empresa visa a rotatividade do cargo, recebendo uma ajuda de meio salário no primeiro mês a cada mandato. Quando os trabalhadores passaram da gestão clássica com funções bem definidas para a gestão participativa com trabalho em UETs, houve um aumento de 10% nos salários. Além disso a remuneração deixou de ser relacionada com a função e passou a ser vinculada à competência do empregado: a medida que os funcionários conseguem realizar as várias funções do grupo, são avaliadas as suas competências para serem promovidos. A tendência no futuro é que todos os participantes do grupo tenham o mesmo salário. As reuniões entre os integrantes da UET são realizadas semanalmente no horário de trabalho para discutir o gerenciamento, as melhorias e os problemas da equipe. A introdução das inovações organizacionais levaram a uma intensificação do trabalho por vários motivos, entre os quais: redução do caminho percorrido pelas peças no chão-de-fábrica com a reorganização do lay-out, redução da quebra de equipamentos e do tempo de máquinas paradas e melhores condições ergonômicas de trabalho. Como resultado houve um aumento na produtividade de cerca de 25%, que também foi favorecido pela redução de problemas relacionados ao absenteísmo e ao atraso de funcionários no trabalho. Com a implantação das UETs houve a redução dos níveis hierárquicos, a descentralização do poder e a demissão de pelo menos 30% dos gerentes de chão-defábrica. Esta situação gerou resistência nas gerencias de produção e manutenção. Devido ao aumento da produtividade a montadora, em 1997, demitiu cerca de trezentos empregados, provocando a perda de apoio do sindicato nas ações da empresa relacionadas às mudanças organizacionais. Através de nossas observações das UETs, foi constatado que a autonomia do grupo ainda é limitada, sendo restrita à algumas atividades de organização da produção e de gestão de RH. Não abrange a gestão do planejamento, as estratégias de produção e as funções mais importantes de RH. É da responsabilidade do grupo tratar o refugo, a qualidade, a limpeza da área, e a manutenção autônoma que são realizadas, por opção dos próprios operários, através de um rodízio semanal; o operador sênior não participa desse rodízio. Qualquer membro da UET pode parar a linha de montagem através do quadro andon quando for detectado um problema. A polivalência e a rotatividade de funções são incentivadas pela empresa para que o grupo não se prejudique, caso um deles esteja ausente. Todos os membros devem aprender e executar todas as tarefas da UET e podem trocar de posto de trabalho entre eles livremente. ENEGEP 2002 ABEPRO 4 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 O recrutamento dos trabalhadores está a cargo da diretoria de RH da empresa e é exigido o segundo grau além de um diploma profissionalizante. O esquema de remuneração é baseado no conceito de competências e para tal foi criado um sistema que avalia e considera o acúmulo de habilidades individuais e de todo o grupo, com correspondentes aumentos gradativos de salários, atribuídos individualmente . Há quatro faixas salariais para o cargo de operador. O aprendizado de novas tarefas é feito on-the-job, passando os conhecimentos do trabalhador mais experimentado para o novato. IV.2 A Renault Sofasa No ano de 1969 foi inaugurada a planta da Renault-Sofasa na Colômbia para atender à expansão da demanda de veículos no mercado Andino (Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia). O modelo adotado no processo de reestruturação produtiva tem sido o da produção enxuta, otimizada pela adoção do just-in-time com seus principais fornecedores instalados num raio de 30 km da planta. Em 2001 foram fabricados 60 mil carros, por 1,1 mil trabalhadores diretos. Os modelos produzidos são: o Clio, a RenaultMègane, o Twingo e a Toyota-Prado, este ultimo fabricado a partir do compartilhamento de linhas com a Toyota. Os veículos são montados a partir de CKD, num processo que se divide em três áreas: armação de carrocerias , pintura e montagem final. Atualmente a montadora possui 20 robôs (19 dos quais encontram-se instalados na armação de carrocerias). A pintura externa é totalmente automatizada, assim como a colagem dos vidros na linha de montagem final. Há ainda o emprego de equipamentos tais como: MFCN, CLP, sistemas de maquinas transfer, sistemas automatizados de testes finais, etc. As UETs Em 1995 se iniciou a reestruturação organizacional com a implantação das UETs, por uma equipe formada por integrantes de vários setores da empresa (RH, medicina do trabalho, manufatura, produção, manutenção, etc) em conjunto com uma consultoria externa, sem a participação do Comitê de Fabrica. Cada UET é composta de 12 operadores, incluindo o operador sênior com mandato fixo(com direito a 12% adicional em seu salário) escolhido, de comum acordo, pela supervisão e pela gerencia. Os principais objetivos atribuídos às UETs são: redução do espaço útil ocupado (por meio, principalmente, da redução de estoques intermediários), diminuição do lead time, e aumento dos níveis de qualidade. Tais objetivos foram em grande parte, atingidos, sem que tenha havido investimentos significativos em equipamentos e processos, dando ênfase à organização da fábrica e do trabalho propriamente ditos. O processo de formação das UETs seguiu um critério simples: operadores foram agregados segundo a proximidade e o relacionamento entre equipamentos e processos. Não houve mudanças de layout relevantes para a formação dos grupos. No interior de cada UET, a alocação dos trabalhadores às maquinas é flexível e feita normalmente de comum acordo com o operador sênior. Este, alem de ser uma espécie de curinga por trabalhar em todos os equipamentos, necessita desenvolver uma série de atividades administrativas, como coordenar reuniões de CCQ, resolver problemas administrativos no grupo, dividindo seu tempo meio a meio. O controle e administração de faltas, ferias, abonos e a avaliação visando as promoções são de responsabilidade do supervisor, que tem autonomia para delegar parte de suas funções para o operador sênior. Outros aspectos novos após a adoção das UETs são os seguintes: 1) é destinada para cada grupo uma área para reuniões desde que sejam autorizadas pelo supervisor; 2) os membros de uma UET tem responsabilidade sobre a manutenção, a limpeza, a operação polivalente, a segurança e a qualidade; 3) um operador pode parar a linha de montagem; 4) além das proposições dos CCQs e grupos de melhoria, há também possibilidade de indivíduos ou UETs darem sugestões independentemente de solicitação, que depois de ENEGEP 2002 ABEPRO 5 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 analisadas e, caso aprovadas, recebem prêmios equivalentes a 12% dos lucros do primeiro ano; 5) há uma preocupação de se introduzir o conceito de polivalência, cujo objetivo é fazer com que dentro de cada UET todos saibam operar todas as maquinas, bem como fazer as inspeções ou pequenas manutenções. As UETs não tem autonomia no que se refere à programação da produção a curto prazo. Recebem ordens de fabricação e sequenciamento que necessitam cumprir. Pelo grau de autonomia assemelham-se com os grupos enriquecidos do sistema japonês. O recrutamento dos operadores está a cargo da diretoria de RH da empresa e o nível exigido é o primeiro grau completo. O departamento de RH tem como política de cargos e salários para os trabalhadores direitos 8 níveis salariais, cujo percurso depende de promoções sancionadas (através de avaliação) pelo supervisor , sem que haja influencia da UET , nem do tempo de casa do trabalhador. O treinamento on-the-job aos iniciantes pode ser fornecido por qualquer UET. IV.3 A Renault Ayrton Senna A fábrica foi inaugurada em 1998 e sua configuração produtiva é o condomínio industrial, tendo quatro de seus principais fornecedores instalados dentro do terreno da fábrica, operando no modelo de fornecimento follow sourcing. A montadora divide suas atividades produtivas em quatro áreas: motores, armação de carroceria, pintura e montagem final, na fabricação dos modelos Clio, Clio Sedan, Scenic e da Pick-up Frontier. Esta última produzida pela Nissan, a partir do compartilhamento de linhas, com as versões Van Máster e Furgão Máster, da Renault. Durante o ano 2001 foram fabricados 63,4 mil unidades e empregados 2,4 mil trabalhadores diretos. A planta combina baixa automatização e alta flexibilidade do trabalho (possui um total de 36 robôs). A área de pintura externa da carroceria é totalmente automatizada e a pintura interna da cabine é realizada manualmente. Visando a qualidade e flexibilidade do produto a planta emprega equipamentos de base microeletrônica, tais como: MFCN, sistemas CAD/CAM, maquinas transfer, sistemas automatizados de testes finais, prensas automáticas, CLP, etc. As UETs Desde o início da produção foram implantadas as UETs como forma de organizar a gestão do trabalho. O projeto foi conduzido fundamentalmente pelo corpo gerencial, com a participação do setor de RH e consultores externos vindos da planta da Renault na Argentina e de Flins, na França. O operador sênior designado pela empresa como responsável da UET (que possui de 6 a 15 operadores), precisa ter nível secundário de escolaridade e conhecer todas as operações do grupo, recebendo durante seu mandato de 1 ano um salário a mais. Uma célula de produção elementar (CPE) esta formada por três ou cinco UETs tendo como responsável, um chefe de unidade elementar (CUE) que participa diretamente da produção, assumindo tarefas técnicas de operação de equipamentos, além das atividades administrativas do grupo. Hierarquicamente, os CUEs estão no nível abaixo ao do supervisor e são considerados seu « braço-direito », pois são responsáveis por manter a linha funcionando. Eles são escolhidos pela chefia, devem possuir 2o grau técnico e não necessariamente precisam ter sido operadores-seniors. As UETs possuem autonomia parcial em relação às questões organizacionais e de gestão de RH. Elas têm autonomia para marcar férias e tomar decisões dentro do grupo, bem como para promover reuniões sempre que achar necessário, porém não tem permissão para abonar faltas e selecionar os integrantes para a UET e para o treinamento (é responsabilidade do operador-sênior ou dos supervisores). A rotação de tarefas somente ocorre em caso de ausência de algum membro; os operadores não podem mudar de posto de trabalho nem para a linha de montagem sem a autorização do operador sênior. ENEGEP 2002 ABEPRO 6 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 A autonomia das UET ainda está evoluindo: pelas nossas observações, elas se assemelham mais com os grupos enriquecidos do sistema japonês. Os operadores são responsáveis pela qualidade e segurança, no entanto não respondem pela limpeza e pela manutenção. Segundo a área de RH, há planos para ampliar a autonomia dos operadores nas questões de gestão da produção e gestão de RH. Porém hoje, se durante a montagem for notada alguma falha, o trabalhador deve anotar o problema na ficha do produto para que esse seja retrabalhado no final da linha de montagem. O departamento de RH tem como política de cargos e salários para os trabalhadores diretos 11 níveis salariais, cada um deles dividido em três steps, percorridos automaticamente a cada nove meses de permanência na empresa, independente de avaliação. O recrutamento dos operadores é terceirizado, a cargo da empresa ETI COMPAGNY. No primeiro processo seletivo de operadores era exigido o segundo grau completo e dava-se preferência a um diploma de nível técnico do SENAI ou do CEFET. A partir de 2000 reduziu-se a exigência somente ao primeiro grau completo. Considerações finais A estratégia de internacionalização da Renault ao instalar-se novamente no Brasil, (1972 e 1975) além de usufruir dos incentivos fiscais concedidos pelo governo, é inscrever-se na zona de livre comercio do Mercosul . O Mercosul representa um volume anual de vendas de 2,3 milhões de automóveis novos, disputados pelos maiores construtores mundiais do setor: Volkswagen, Fiat, GM e Ford. A Renault, segundo o Staff de direção da Ayrton Senna, pretende situar-se imediatamente a seguir a estes quatro construtores, a partir de 2003 . A filial na Colômbia ocupa o segundo lugar em vendas nos países da Região Andina. A partir dos estudos de caso, podemos destacar que os critérios para a adoção de inovações tecnológicas e organizacionais, em particular o trabalho em grupo representado nas UETs, nas três plantas estão relacionados principalmente com o aumento de qualidade e produtividade e a diminuição de custos. Entretanto, as inovações tecnológicas e a adoção do trabalho em grupo se deu de forma diferenciada em relação ao próprio conceito, à forma e ao momento de implantação. A planta da Renault-Flins, em parte devido à seu modelo produtivo (com menor índice de terceirização) e ao seu alto volume de produção, alcançou um grau de automação maior em relação as suas filias Ayrton Senna e Sofasa. Diferente da Sofasa, na planta matriz o lay-out foi modificado para favorecer o trabalho das UETs, permitindo assim a redução na movimentação das peças e o tempo de produção, como também permitiu uma maior otimização do fluxo de informações entre os operadores. O baixo nível de escolaridade da mão-de-obra na Sofasa (29% não possui 1o grau completo) dificultou a implantação das UETs. Nas filiais analisadas encontra-se uma característica comum, diferente da matriz: a rotação de tarefas é realizada somente na ausência de um membro da equipe, os trabalhadores só mudam de posto de trabalho com autorização e nas reuniões que não são periódicas não se discutem problemas de gestão. Por outro lado, apesar da direção enfatizar no seu discurso a importância da participação e da cooperação entre trabalhadores, e a necessária aquisição de novas qualificações e competências, estas não são incentivadas nem reconhecidas através de estratégias de RH. Já a matriz adota políticas de RH coerentes com o trabalho das UETs tais como valorização das competências, plano definido de promoção e reconhecimento salarial. Nas plantas reestruturadas (Flins e Sofasa) a implantação das UETs se constitui como um dos instrumentos mais relevantes para introduzir flexibilidade na alocação aos postos de trabalho, um ambiente favorável ao crescimento profissional, maior reação aos ENEGEP 2002 ABEPRO 7 XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002 ambientes externos cada vez menos previsíveis e instáveis e uma redução potencial de custos de produção, entre outros. Os aspectos comportamentais dos trabalhadores desenvolvidos nas UETs, tais como a cooperação, a iniciativa, além da troca de informações, da formação e da aprendizagem coletiva, facilita, no caso da Renault-Flins, a compreensão de tecnologias mais sofisticadas. Na nova fábrica Ayrton Senna as UETs foram implantadas desde o inicio das operações produtivas visando assegurar uma maior produtividade e flexibilidade do processo produtivo, como também induzir aos trabalhadores a sentirem-se responsáveis em relação à gama de atividades que não se restringe somente à operação de maquinas e equipamentos. Nas filiais as UETs assemelham-se aos grupos enriquecidos do sistema japonês já que a autonomia concentra-se nos aspectos relacionados à gestão da produção. Na matriz observa-se uma abrangência maior da autonomia das UETs em relação à gestão da produção e de recursos humanos que se aproxima do modelo dos grupos semi autonomos. A adoção por parte da empresa de formas embrionárias de remuneração por competências e de processos de seleção, avaliação e treinamento indica uma trajetória que pode levar a mudanças significativas na gestão de recursos humano nessa planta. As comissões de fábrica nas plantas estudadas não estão contra o trabalho organizado nas UETs e a introdução de novas tecnologias. Uma característica em comum dessas comissões, no caso das fabricas Flins e Sofasa, é ressaltar que uma série de condições devem ser associadas à tais mudanças , como por exemplo, a democratização das relações de trabalho, a realocação dos trabalhadores e a preservação do nível de emprego, a elaboração de programas de formação profissional e de reciclagem, o aumento do salário e de melhores condições de trabalho. Bibliografia - BOYER, R., 1998, “Hibridization and Models of Production: Geography, History and Theory” In: BOYER, R.; CHARRON E.; JURGENS U.; TOLLIDAY S., orgs, Between Imitation and Innovation, Oxford University Press, London, England. - LAIGLE, L., 1997, “Internationalisation Stratégies and Trajectoires of Asian and European Firms”, In: Actes du Gerpisa, no 22, fév, França. - SEGRE, L.; MARMOLEJO, F. e DUMANS, G. (1998). Inovações Tecnológicas no Setor Automobilístico: Impactos e Tendências. Anais do 18o Encontro Nacional de Engenharia de Produção ENEGEP, Niterói, Brasil. - MIRANDA, N.; CORRÊA, H. (1997). Uma análise parcial da rede de suprimentos da indústria automobilística brasileira. In : Revista de Administração, vol. 32, no.1, pp. 5-13, São Paulo, Brasil. - DURAND, J., 1998, “Les modèles de la relation salariale”, In: DURAND, J. STEWART P.; CASTILLO J., orgs, L’avenir du travail à la chaine, Editions La Découverte, Paris. - WOMACK, J., JONES, D. et ROOS, D., 1990, The machine that changed the world. Rawson Associates, New York. - MARX, R. (1998). Trabalho em grupos e autonomia como instrumentos de competição. Editora Atlas, São Paulo, Brasil. - EMERY, F. et TRIST, E., 1972, “Characteristics of socio-technical systems”, In Design of jobs, DAVIS, L.; TAYLOR, J., Penguin, Harmonsdsworth. ENEGEP 2002 ABEPRO 8