XXII Encontro Nacional de Engenharia de Produção
Curitiba – PR, 23 a 25 de outubro de 2002
INTERNACIONALIZAÇÃO DA INDÚSTRIA
AUTOMOBILÍSTICA: ESTUDO DE CASO DA RENAULT
FRANÇA / COLÔMBIA / BRASIL EM RELAÇÃO A ADOÇÃO
DE TRABALHO EM GRUPO
Oscar Fernando Marmolejo Roldan
COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação
Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970- [email protected]
Lidia Micaela Segre
COPPE/UFRJ Programa de Engenharia de Sistemas e Computação
Cx. Postal 68511 - Rio de Janeiro - RJ - CEP: 21945-970 - [email protected]
Abstract
This article analysis the internationalization process of the automobile sector, focusing on the adoption of
technological and organizational innovations with the objective of analysing the implementation of team
work
an coherent houman resources politics. This study also analyses the necessity of news professionals profiles
and the grade of capability of the groups. In special, all the types of team work were analysed. In the studies
of case were contempleted Work Elementars Unities –UETs- in Renault's original plants in Flins (France)
and in it's branch in Sofasa (Colombe) and Airton Senna (Brazil).
Key words:
Automobile Industry, Organizational Innovations, Team Work
I. Introdução
Durante a década de 90 a industria automobilística foi alvo de transformações
estruturais no processo de internacionalização do setor. Alguns dos elementos dessas
transformações são: a globalização e integração dos mercados, o deslocamento das
empresas, as fusões, e as estratégias de competitividade industrial, incorporando inovações
tecnológicas e organizacionais. As empresas adotam novas formas de relacionamento com
os fornecedores (Condomínio Industrial e Consorcio Modular), aumentando o grau de
terceirização e subcontratação, particularmente nas filiais localizadas fora dos paises de
origem.
O objetivo principal deste estudo é analisar a adoção do trabalho em grupo como
inovação organizacional utilizada para aumentar a competitividade, no contexto de
internacionalização. Em particular analisam-se as UETs (Unidades Elementares de
Trabalho) implantadas pela Renault na sua matriz (Renault-Flins) e nas filiais do Brasil
(Renault-Ayrton Senna) e da Colômbia (Renault-Sofasa), plantas estas com modelos de
produção diferentes. As questões que esta pesquisa procura explorar são as seguintes: o
funcionamento das UETs em cada planta considerando seu contexto especifico, o grau de
autonomia e suas limitações, as políticas de Recursos Humanos (RH) implementadas e as
mudanças que provocou o modelo adotado sobre a qualificação da mão-de-obra.
Pesquisa bibliográfica nacional e internacional deram base para análises
qualitativas realizadas através de estudos de caso. Após a apresentação das estratégias de
internacionalização da industria automobilística mundial durante a década de 90 e a
discussão teórica sobre trabalho em grupo serão descritas e analisadas as plantas da
Renault no Brasil, na Colômbia e na França sob o angulo do processo de reestruturação da
produção (Flins e Sofasa) ou de projeto de nova fábrica (Ayrton Senna).
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A pesquisa nessas plantas foi realizada a partir de várias visitas nas quais utilizouse o método de observação participante nos seguintes setores: linha de montagem, armação
de carrocerias e pintura, onde participamos das reuniões realizadas pelas UETs. Para
completar a observação participante foram realizadas entrevistas semi-dirigidas a
funcionários e trabalhadores, baseadas em um questionário estruturado funcionando como
guia genérico.
II. Estratégias mundiais da indústria automobilística
O setor automobilístico durante a década de 90 caracterizou-se por uma série de
importantes mudanças estratégicas na busca de novos mercados e na internacionalização
de suas operações.
Segundo Boyer (1998), uma das estratégias para implementar e consolidar a
internacionalização das firmas, é a formação de blocos empresariais por meio de aquisição,
fusão, incorporação, joint-ventures e associações entre empresas para pesquisa e
desenvolvimento conjunto ou acordos de troca de tecnologia.
De acordo com Laigle (1997), outra estratégia é a divisão internacional do trabalho,
permitindo assim, que as atividades estratégicas de alto custo e que exigem maiores
habilidades e qualificações implicando em maior valor agregado, sejam concentradas nos
países centrais (por exemplo, as atividades de P & D, projeto e operações intensivas em
capital).
Outro aspecto relacionado à internacionalização da indústria automobilística são as
relações mais integradas internamente à empresa, entre as filiais e a matriz (redes
corporativas) e, externamente, com os fornecedores e as concessionárias (redes
periféricas). Tal estratégia é facilitada pela incorporação de Tecnologia de Informação e
Comunicação (TICs), possibilitando a reconfiguração espacial e organizacional, bem como
a gestão da produção e do trabalho (Segre et al., 1998).
Segundo Miranda e Corrêa (1997), uma tendência mundial do setor automobilístico
é a reestruturação das relações das montadoras com as empresas de autopeças e outros
insumos, adotando modelos tais como o global sourcing e o follow sourcing. Com estes
modelos implementa-se uma produção mais rápida, enxuta e flexível (just-in-time), um
desenvolvimento conjunto de novos produtos, incluindo as próprias atividades de P & D,
que passaram a ser objeto de esforços cooperativos.
Segundo Boyer (1998) outra estratégia é a produção dos carros mundiais que
permite obter ganhos de escala e atender o mercado consumidor de várias regiões. O
veículo é comercializado em um mercado maior, mesmo quando são feitas pequenas
modificações regionais referentes às especificidades locais.
Por outro lado, a adoção de plataformas comuns (Durand, 1998), permite a
produção de diferentes modelos que possuem algumas características similares (ex: o caso
da VW Golf e o Audit A3 ou da Peugeot/Citroen e Renault que compartilham o mesmo
motor nos modelos Peugeot 206 e Renault Clio, fabricados no Brasil.)
Nesse contexto de internacionalização, o modelo de posto de trabalho que segue a
lógica taylorista/fordista começa a ser substituído por outras abordagens que introduzem
maior flexibilidade na organização do trabalho. Referimo-nos a novos princípios de
administração e técnicas de organização, como Jus-in-Time, Total Quality Control e as
técnicas do Kaizen. Uma ferramenta de apoio fundamental é o trabalho em grupo.
No caso da Renault as estratégias e os modelos organizacionais escolhidos na
matriz e suas filiais são diferentes, levando a formas de adoção distintas de trabalho em
grupo (UETs), tendo como objetivo comum obter melhorias de desempenho e aumento de
competitividade por meio de novos compromissos com seus funcionários.
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II. Trabalho em grupo: autonomia e polivalência
O trabalho em grupo, nas suas diferentes formas, representa uma resposta
organizacional para lidar com ambientes marcados pela competição por qualidade, custo e
principalmente pelo fator flexibilidade. Destacam-se duas abordagens teóricas.
A primeira é oriunda do pionerismo da indústria automobilística japonesa que
definiu o modelo de produção denominado de varias formas segundo os paises que o
adotaram : just-in-time, lean production, etc. O trabalho em grupo é uma de suas
características mais importantes (Womack et al., 1990). Marx (1998) denomina esta
modalidade de Grupos Enriquecidos, nos quais se enfatiza a polivalência, o autocontrole e
o aumento da responsabilidade por decisões relativas à qualidade e produtividade do
cotidiano da produção. Os Grupos Enriquecidos têm autonomia bastante restrita, sendo
controlada pela chefia direta (que permanece na estrutura hierárquica da organização). O
projeto organizacional bem como a estrutura e funcionamento dos grupos, são decididos e
implementados pelos diferentes níveis de chefias. A ampliação da autonomia não é
prioridade desta modalidade de trabalho em grupo.
A segunda abordagem tem como origem a escola sócio-técnica (Emery e Trist,
1972; etc.), cuja proposta é a formação de Grupos Semi-Autônomos (GSA), sendo os casos
suecos da Volvo (Kalmar e Uddevalla) os mais conhecidos, apoiados pelos sindicatos e por
um governo social-democrata.
A autonomia dos trabalhadores e a conseqüente descentralização do processo de
decisão sobre métodos, alocação e gestão de recursos passam a ser características presentes
no cotidiano da produção. Gerência e “facilitadores/animadores”, que não têm mais os
poderes hierárquicos dos supervisores que foram eliminados, negociam e controlam as
metas e dão garantias quanto aos recursos necessários para o seu atingimento. A filosofia
do trabalho em grupo induz os operários a alimentar os fluxos de informação e a acessá-los
a fim de participar das decisões. A autonomia dos trabalhadores abrange, segundo Marx
(1998), a gestão da produção, dos recursos humanos e do planejamento, não sendo
necessária uma estrutura paralela para esses níveis de decisão, como no caso anterior.
Estas duas modalidades de trabalho em grupo serviram de base para a análise das
inovações organizacionais adotadas no processo de reestruturação produtiva e de projeto
de nova fábrica, nas plantas estudadas.
IV. Estudo de caso: As UETs na Renault:Ayrton Senna, Flins e Sofasa
IV.1 A Renault Flins
A planta Renault-Flins foi inaugurada em 1952, sendo hoje a mais antiga em
funcionamento, depois do fechamento de Billancourt em 1996. O modelo adotado no
processo de reestruturação produtiva pela planta tem sido o da produção enxuta, o qual
vem consistindo em um rigoroso dowsizing criando uma cadeia de fornecedores de
primeira linha com uma estrutura piramidal, realizando entregas just-in-time. A montadora
divide suas atividades produtivas em quatro áreas: prensas, armação de carroceria, pintura
e montagem final, na fabricação dos modelos Twingo et Clio. Em 2001 foram produzidos
386 mil unidades, por 7,7 mil trabalhadores diretos.
Na área de prensas a planta possui 131 robôs (99% automatizada) e na armação de
carrocerias 98 robôs (89% automatizada). A pintura é totalmente automatizada. Além dos
robôs, os equipamentos presentes nas áreas produtivas são: computadores para
gerenciamento das informações, programação e controle da produção; maquinas
ferramentas de comando numérico (MFCN), especialmente nas prensas; controladores
lógicos programáveis (CP ou CPL) para comando de painéis e linha de montagem;
sistemas de transporte automático e flexível de materiais, bem como sistemas de
movimentação e armazenagem controlados por computador; sistemas CAD/CAM e
emprego de EDI para otimizar o fornecimento just-in-time.
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As UETs
Em 1993 inicia-se uma série de negociações com o Comitê de Fábrica para
implementar mudanças produtivas e de reorganização do trabalho. A empresa contratou
uma consultoria externa, para assessorar na implantação do Kaizen e na introdução das
UETs. Durante quatro anos foram realizados por volta de 1260 Kaizen para melhorar o layout de máquinas, alterar o fluxo de processo, realocar a mão-de-obra, mudar a alimentação
das máquinas e adotar novos sistemas de movimentação de materiais. Os principais
resultados foram os seguintes: inúmeras operações de submontagens que antigamente eram
realizadas na própria linha de montagem passaram a ser feitas em paralelo ao lado da linha
principal; o lay-out funcional das máquinas em linha foi substituído por lay-out em U para
reduzir a movimentação das peças e favorecer o trabalho nas UETs.
O trabalho em grupo através das UETs foi implantado em todos os setores
produtivos da empresa em 1996. Segundo a diretoria de RH a UET foi baseada no modelo
da Escola Sócio-técnica. Cada UET possui em média vinte e cinco pessoas, sendo um deles
eleito pela equipe com um mandato de seis meses: o operador sênior . Este deve possuir
segundo grau e deve conhecer o funcionamento de todas as máquinas alocadas na área
produtiva da UET. O operador sênior pode ser reeleito apenas uma vez pois a empresa
visa a rotatividade do cargo, recebendo uma ajuda de meio salário no primeiro mês a cada
mandato.
Quando os trabalhadores passaram da gestão clássica com funções bem definidas
para a gestão participativa com trabalho em UETs, houve um aumento de 10% nos
salários. Além disso a remuneração deixou de ser relacionada com a função e passou a ser
vinculada à competência do empregado: a medida que os funcionários conseguem realizar
as várias funções do grupo, são avaliadas as suas competências para serem promovidos. A
tendência no futuro é que todos os participantes do grupo tenham o mesmo salário. As
reuniões entre os integrantes da UET são realizadas semanalmente no horário de trabalho
para discutir o gerenciamento, as melhorias e os problemas da equipe.
A introdução das inovações organizacionais levaram a uma intensificação do
trabalho por vários motivos, entre os quais: redução do caminho percorrido pelas peças no
chão-de-fábrica com a reorganização do lay-out, redução da quebra de equipamentos e do
tempo de máquinas paradas e melhores condições ergonômicas de trabalho. Como
resultado houve um aumento na produtividade de cerca de 25%, que também foi
favorecido pela redução de problemas relacionados ao absenteísmo e ao atraso de
funcionários no trabalho.
Com a implantação das UETs houve a redução dos níveis hierárquicos, a
descentralização do poder e a demissão de pelo menos 30% dos gerentes de chão-defábrica. Esta situação gerou resistência nas gerencias de produção e manutenção. Devido
ao aumento da produtividade a montadora, em 1997, demitiu cerca de trezentos
empregados, provocando a perda de apoio do sindicato nas ações da empresa relacionadas
às mudanças organizacionais.
Através de nossas observações das UETs, foi constatado que a autonomia do grupo
ainda é limitada, sendo restrita à algumas atividades de organização da produção e de
gestão de RH. Não abrange a gestão do planejamento, as estratégias de produção e as
funções mais importantes de RH. É da responsabilidade do grupo tratar o refugo, a
qualidade, a limpeza da área, e a manutenção autônoma que são realizadas, por opção dos
próprios operários, através de um rodízio semanal; o operador sênior não participa desse
rodízio. Qualquer membro da UET pode parar a linha de montagem através do quadro
andon quando for detectado um problema. A polivalência e a rotatividade de funções são
incentivadas pela empresa para que o grupo não se prejudique, caso um deles esteja
ausente. Todos os membros devem aprender e executar todas as tarefas da UET e podem
trocar de posto de trabalho entre eles livremente.
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O recrutamento dos trabalhadores está a cargo da diretoria de RH da empresa e é
exigido o segundo grau além de um diploma profissionalizante. O esquema de
remuneração é baseado no conceito de competências e para tal foi criado um sistema que
avalia e considera o acúmulo de habilidades individuais e de todo o grupo, com
correspondentes aumentos gradativos de salários, atribuídos individualmente . Há quatro
faixas salariais para o cargo de operador. O aprendizado de novas tarefas é feito on-the-job,
passando os conhecimentos do trabalhador mais experimentado para o novato.
IV.2 A Renault Sofasa
No ano de 1969 foi inaugurada a planta da Renault-Sofasa na Colômbia para
atender à expansão da demanda de veículos no mercado Andino (Venezuela, Colômbia,
Peru, Equador e Bolívia). O modelo adotado no processo de reestruturação produtiva tem
sido o da produção enxuta, otimizada pela adoção do just-in-time com seus principais
fornecedores instalados num raio de 30 km da planta. Em 2001 foram fabricados 60 mil
carros, por 1,1 mil trabalhadores diretos. Os modelos produzidos são: o Clio, a RenaultMègane, o Twingo e a Toyota-Prado, este ultimo fabricado a partir do compartilhamento
de linhas com a Toyota. Os veículos são montados a partir de CKD, num processo que se
divide em três áreas: armação de carrocerias , pintura e montagem final.
Atualmente a montadora possui 20 robôs (19 dos quais encontram-se instalados na
armação de carrocerias). A pintura externa é totalmente automatizada, assim como a
colagem dos vidros na linha de montagem final. Há ainda o emprego de equipamentos tais
como: MFCN, CLP, sistemas de maquinas transfer, sistemas automatizados de testes
finais, etc.
As UETs
Em 1995 se iniciou a reestruturação organizacional com a implantação das UETs,
por uma equipe formada por integrantes de vários setores da empresa (RH, medicina do
trabalho, manufatura, produção, manutenção, etc) em conjunto com uma consultoria
externa, sem a participação do Comitê de Fabrica. Cada UET é composta de 12
operadores, incluindo o operador sênior com mandato fixo(com direito a 12% adicional
em seu salário) escolhido, de comum acordo, pela supervisão e pela gerencia.
Os principais objetivos atribuídos às UETs são: redução do espaço útil ocupado
(por meio, principalmente, da redução de estoques intermediários), diminuição do lead
time, e aumento dos níveis de qualidade. Tais objetivos foram em grande parte, atingidos,
sem que tenha havido investimentos significativos em equipamentos e processos, dando
ênfase à organização da fábrica e do trabalho propriamente ditos.
O processo de formação das UETs seguiu um critério simples: operadores foram
agregados segundo a proximidade e o relacionamento entre equipamentos e processos. Não
houve mudanças de layout relevantes para a formação dos grupos. No interior de cada
UET, a alocação dos trabalhadores às maquinas é flexível e feita normalmente de comum
acordo com o operador sênior. Este, alem de ser uma espécie de curinga por trabalhar em
todos os equipamentos, necessita desenvolver uma série de atividades administrativas,
como coordenar reuniões de CCQ, resolver problemas administrativos no grupo, dividindo
seu tempo meio a meio. O controle e administração de faltas, ferias, abonos e a avaliação
visando as promoções são de responsabilidade do supervisor, que tem autonomia para
delegar parte de suas funções para o operador sênior.
Outros aspectos novos após a adoção das UETs são os seguintes: 1) é destinada
para cada grupo uma área para reuniões desde que sejam autorizadas pelo supervisor; 2) os
membros de uma UET tem responsabilidade sobre a manutenção, a limpeza, a operação
polivalente, a segurança e a qualidade; 3) um operador pode parar a linha de montagem; 4)
além das proposições dos CCQs e grupos de melhoria, há também possibilidade de
indivíduos ou UETs darem sugestões independentemente de solicitação, que depois de
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analisadas e, caso aprovadas, recebem prêmios equivalentes a 12% dos lucros do primeiro
ano; 5) há uma preocupação de se introduzir o conceito de polivalência, cujo objetivo é
fazer com que dentro de cada UET todos saibam operar todas as maquinas, bem como
fazer as inspeções ou pequenas manutenções.
As UETs não tem autonomia no que se refere à programação da produção a curto
prazo. Recebem ordens de fabricação e sequenciamento que necessitam cumprir. Pelo grau
de autonomia assemelham-se com os grupos enriquecidos do sistema japonês.
O recrutamento dos operadores está a cargo da diretoria de RH da empresa e o nível
exigido é o primeiro grau completo. O departamento de RH tem como política de cargos e
salários para os trabalhadores direitos 8 níveis salariais, cujo percurso depende de
promoções sancionadas (através de avaliação) pelo supervisor , sem que haja influencia da
UET , nem do tempo de casa do trabalhador. O treinamento on-the-job aos iniciantes pode
ser fornecido por qualquer UET.
IV.3 A Renault Ayrton Senna
A fábrica foi inaugurada em 1998 e sua configuração produtiva é o condomínio
industrial, tendo quatro de seus principais fornecedores instalados dentro do terreno da
fábrica, operando no modelo de fornecimento follow sourcing. A montadora divide suas
atividades produtivas em quatro áreas: motores, armação de carroceria, pintura e
montagem final, na fabricação dos modelos Clio, Clio Sedan, Scenic e da Pick-up Frontier.
Esta última produzida pela Nissan, a partir do compartilhamento de linhas, com as versões
Van Máster e Furgão Máster, da Renault. Durante o ano 2001 foram fabricados 63,4 mil
unidades e empregados 2,4 mil trabalhadores diretos.
A planta combina baixa automatização e alta flexibilidade do trabalho (possui um
total de 36 robôs). A área de pintura externa da carroceria é totalmente automatizada e a
pintura interna da cabine é realizada manualmente. Visando a qualidade e flexibilidade do
produto a planta emprega equipamentos de base microeletrônica, tais como: MFCN,
sistemas CAD/CAM, maquinas transfer, sistemas automatizados de testes finais, prensas
automáticas, CLP, etc.
As UETs
Desde o início da produção foram implantadas as UETs como forma de organizar
a gestão do trabalho. O projeto foi conduzido fundamentalmente pelo corpo gerencial, com
a participação do setor de RH e consultores externos vindos da planta da Renault na
Argentina e de Flins, na França. O operador sênior designado pela empresa como
responsável da UET (que possui de 6 a 15 operadores), precisa ter nível secundário de
escolaridade e conhecer todas as operações do grupo, recebendo durante seu mandato de 1
ano um salário a mais.
Uma célula de produção elementar (CPE) esta formada por três ou cinco UETs
tendo como responsável, um chefe de unidade elementar (CUE) que participa diretamente
da produção, assumindo tarefas técnicas de operação de equipamentos, além das atividades
administrativas do grupo. Hierarquicamente, os CUEs estão no nível abaixo ao do
supervisor e são considerados seu « braço-direito », pois são responsáveis por manter a
linha funcionando. Eles são escolhidos pela chefia, devem possuir 2o grau técnico e não
necessariamente precisam ter sido operadores-seniors.
As UETs possuem autonomia parcial em relação às questões organizacionais e de
gestão de RH. Elas têm autonomia para marcar férias e tomar decisões dentro do grupo,
bem como para promover reuniões sempre que achar necessário, porém não tem permissão
para abonar faltas e selecionar os integrantes para a UET e para o treinamento (é
responsabilidade do operador-sênior ou dos supervisores). A rotação de tarefas somente
ocorre em caso de ausência de algum membro; os operadores não podem mudar de posto
de trabalho nem para a linha de montagem sem a autorização do operador sênior.
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A autonomia das UET ainda está evoluindo: pelas nossas observações, elas se
assemelham mais com os grupos enriquecidos do sistema japonês. Os operadores são
responsáveis pela qualidade e segurança, no entanto não respondem pela limpeza e pela
manutenção. Segundo a área de RH, há planos para ampliar a autonomia dos operadores
nas questões de gestão da produção e gestão de RH. Porém hoje, se durante a montagem
for notada alguma falha, o trabalhador deve anotar o problema na ficha do produto para
que esse seja retrabalhado no final da linha de montagem.
O departamento de RH tem como política de cargos e salários para os trabalhadores
diretos 11 níveis salariais, cada um deles dividido em três steps, percorridos
automaticamente a cada nove meses de permanência na empresa, independente de
avaliação. O recrutamento dos operadores é terceirizado, a cargo da empresa ETI
COMPAGNY. No primeiro processo seletivo de operadores era exigido o segundo grau
completo e dava-se preferência a um diploma de nível técnico do SENAI ou do CEFET. A
partir de 2000 reduziu-se a exigência somente ao primeiro grau completo.
Considerações finais
A estratégia de internacionalização da Renault ao instalar-se novamente no Brasil,
(1972 e 1975) além de usufruir dos incentivos fiscais concedidos pelo governo, é
inscrever-se na zona de livre comercio do Mercosul . O Mercosul representa um volume
anual de vendas de 2,3 milhões de automóveis novos, disputados pelos maiores
construtores mundiais do setor: Volkswagen, Fiat, GM e Ford. A Renault, segundo o Staff
de direção da Ayrton Senna, pretende situar-se imediatamente a seguir a estes quatro
construtores, a partir de 2003 . A filial na Colômbia ocupa o segundo lugar em vendas nos
países da Região Andina.
A partir dos estudos de caso, podemos destacar que os critérios para a adoção de
inovações tecnológicas e organizacionais, em particular o trabalho em grupo representado
nas UETs, nas três plantas estão relacionados principalmente com o aumento de qualidade
e produtividade e a diminuição de custos. Entretanto, as inovações tecnológicas e a adoção
do trabalho em grupo se deu de forma diferenciada em relação ao próprio conceito, à
forma e ao momento de implantação.
A planta da Renault-Flins, em parte devido à seu modelo produtivo (com menor
índice de terceirização) e ao seu alto volume de produção, alcançou um grau de automação
maior em relação as suas filias Ayrton Senna e Sofasa. Diferente da Sofasa, na planta
matriz o lay-out foi modificado para favorecer o trabalho das UETs, permitindo assim a
redução na movimentação das peças e o tempo de produção, como também permitiu uma
maior otimização do fluxo de informações entre os operadores. O baixo nível de
escolaridade da mão-de-obra na Sofasa (29% não possui 1o grau completo) dificultou a
implantação das UETs.
Nas filiais analisadas encontra-se uma característica comum, diferente da matriz: a
rotação de tarefas é realizada somente na ausência de um membro da equipe, os
trabalhadores só mudam de posto de trabalho com autorização e nas reuniões que não são
periódicas não se discutem problemas de gestão. Por outro lado, apesar da direção enfatizar
no seu discurso a importância da participação e da cooperação entre trabalhadores, e a
necessária aquisição de novas qualificações e competências, estas não são incentivadas
nem reconhecidas através de estratégias de RH. Já a matriz adota políticas de RH coerentes
com o trabalho das UETs tais como valorização das competências, plano definido de
promoção e reconhecimento salarial.
Nas plantas reestruturadas (Flins e Sofasa) a implantação das UETs se constitui
como um dos instrumentos mais relevantes para introduzir flexibilidade na alocação aos
postos de trabalho, um ambiente favorável ao crescimento profissional, maior reação aos
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ambientes externos cada vez menos previsíveis e instáveis e uma redução potencial de
custos de produção, entre outros. Os aspectos comportamentais dos trabalhadores
desenvolvidos nas UETs, tais como a cooperação, a iniciativa, além da troca de
informações, da formação e da aprendizagem coletiva, facilita, no caso da Renault-Flins, a
compreensão de tecnologias mais sofisticadas.
Na nova fábrica Ayrton Senna as UETs foram implantadas desde o inicio das
operações produtivas visando assegurar uma maior produtividade e flexibilidade do
processo produtivo, como também induzir aos trabalhadores a sentirem-se responsáveis em
relação à gama de atividades que não se restringe somente à operação de maquinas e
equipamentos.
Nas filiais as UETs assemelham-se aos grupos enriquecidos do sistema japonês já
que a autonomia concentra-se nos aspectos relacionados à gestão da produção. Na matriz
observa-se uma abrangência maior da autonomia das UETs em relação à gestão da
produção e de recursos humanos que se aproxima do modelo dos grupos semi autonomos.
A adoção por parte da empresa de formas embrionárias de remuneração por competências
e de processos de seleção, avaliação e treinamento indica uma trajetória que pode levar a
mudanças significativas na gestão de recursos humano nessa planta.
As comissões de fábrica nas plantas estudadas não estão contra o trabalho
organizado nas UETs e a introdução de novas tecnologias. Uma característica em comum
dessas comissões, no caso das fabricas Flins e Sofasa, é ressaltar que uma série de
condições devem ser associadas à tais mudanças , como por exemplo, a democratização
das relações de trabalho, a realocação dos trabalhadores e a preservação do nível de
emprego, a elaboração de programas de formação profissional e de reciclagem, o aumento
do salário e de melhores condições de trabalho.
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