ID: 59198164
PRESIDENCIAIS
10-05-2015
Tiragem: 36756
Pág: 8
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 25,70 x 13,74 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 6
“Estabilidade para
mim não é ficar tudo
na mesma”
António Sampaio da Nóvoa Considera “insuportável” a ideia
de “arco da governação” e garante que o que sabe fazer melhor é
promover entendimentos. O candidato presidencial entende que
“esta eleição se vai ganhar na palavra confiança”
Entrevista
Áurea Sampaio
e Paulo Pena Texto
Enric Vives-Rubio Fotos
A
entrevista durou mais de
duas horas. À saída da
Sociedade Portuguesa de
Geografia, no centro de
Lisboa, António Nóvoa,
60 anos, foi abordado
por um desconhecido que já o
tratou por “senhor Presidente”.
Ele, que se diz “muito tímido”, lá
foi ouvir o que tinha para lhe dizer
aquele português — porque diz que
gosta de ouvir. Antes, mostrarase convicto de que “as pessoas
estão cansadas dos discursos
de plástico, do politicamente
correcto, do que não se pode dizer
isto porque se pode perder cinco
votos”. Ainda sem o apoio oficial
de nenhum partido, e depois
de ter renunciado ao salário de
professor na Universidade, o
antigo reitor elege uma palavra
que vai definir o resultado das
eleições presidenciais de 2016:
“Confiança.”
Se lhe pedisse para se
apresentar aos portugueses
como o faria?
[Pausa] Do ponto de vista
biográfico, como alguém que é
do Norte, de Valença, que viveu
sempre no Minho até aos 10 anos
de idade, muito marcado pela
minha mãe, mas sobretudo pela
família do meu pai, com os seus
antepassados, como Alberto
Sampaio, e toda essa Geração
de 70. Uma família do Norte,
muito religiosa, católica, unida.
Continuamos a encontrar-nos
nas festas de Páscoa, Natal. Com
uma marca muito forte do meu
pai, juiz, sobretudo pelo lado da
independência, da imparcialidade.
ID: 59198164
10-05-2015
Tiragem: 36756
Pág: 9
País: Portugal
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Área: 25,70 x 13,67 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 2 de 6
A inevitabilidade do
centro é uma coisa muito
irritante em Portugal
E depois um percurso meu,
sempre marcado por uma certa
diferença. Por raramente ou
nunca ter optado pelo caminho
mais previsível. Gosto de pensarme como alguém que promove
mudanças. Desde os meus 16 anos,
quando cheguei a Coimbra, até
hoje, já lá vão 44 anos, tive uma
preocupação muito grande com as
questões políticas, com as causas
sociais, da igualdade, que marcam
o que é hoje a minha maneira de
pensar.
Estudou Matemática, Teatro
no Conservatório, Ciências
da Educação e História. Foi
inquietação ou inconstância?
Foi sempre inquietação. Ontem
[quinta-feira] o professor
José Barata Moura, que teve a
generosidade de proferir o elogio
do meu doutoramento honoris
causa na Universidade do Algarve,
numa passagem da sua intervenção
brilhante, dizia que eu era um
transportador de desassossegos.
Eu revejo-me nesta frase. Para lhe
dar um exemplo: luto até ao último
minuto por uma coisa, mas ainda
ela não está acabada, eu já estou a
pensar noutra.
Como é que este percurso o
pode ajudar, nas suas ambições
actuais?
É muito difícil falar de mim.
Mas tem de se dar a conhecer,
porque só as elites o conhecem.
Tem essa noção?
Mais ou menos. É muito
impressionante o fenómeno de
notoriedade das últimas semanas.
Não posso ir a lado nenhum
sem que venha uma pessoa falar
comigo, que me cumprimente, que
me dê um recado.
Isso ainda não o incomoda?
Não me incomoda absolutamente
nada. As pessoas colam à vida
académica, e percebo que colem,
este peso do professor catedrático,
que é uma designação pela
qual nunca me apresento. Sou
professor, ponto. Isso é mil vezes
mais importante. Colam à ideia
do reitor um elitismo que eu não
tenho. Na universidade jogava
à bola com os funcionários da
reitoria. Hoje jogo à bola todas
as semanas com alguns dos
meus amigos de há 40 anos. Mas
voltando à pergunta inicial, vivi
em tantas realidades diferentes,
Lisboa, Coimbra, Genebra, Paris,
Nova Iorque, Aveiro, e isso deume uma mundividência que me
dá facilidade para adaptar-me aos
ambientes. A outra marca do meu
percurso é a independência.
É um tímido sociável?
Sou. Sou muito tímido e por isso
é que gosto de falar para muitas
pessoas. Gosto das conversas a
dois ou a três, como esta em que
estamos agora, e gosto da fala
anónima. Não gosto do ambiente
intermédio, que é aquele das 100
pessoas, em que mais ou menos
nos conhecemos. Na verdade, eu
tenho a noção exacta de onde vem
a minha aprendizagem de falar em
público. Vem do Brasil. Fui pela
primeira vez convidado para ir ao
Brasil em 1994, pelo Paulo Freire.
c
Daí até agora, em cálculos
ID: 59198164
10-05-2015
Tiragem: 36756
Pág: 10
País: Portugal
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Period.: Diária
Área: 25,70 x 30,54 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 3 de 6
PRESIDENCIAIS
redondos, por baixo, eu devo ter
feito umas 500 ou 600 palestras
no Brasil.
Já percebemos que os comícios
não vão ser um problema. Mas
também se diz que é muito
frugal e não gosta de comprar
roupa. Como se vai adaptar?
Terão de me perguntar daqui
a uns meses. Nós nem sempre
conseguimos ser completamente
autênticos, mas há uma marca de
procura de autenticidade na minha
vida. Nada me indicava para ser
reitor. Mas acho que exerci o cargo
sem nunca renunciar à minha
frugalidade, à minha sobriedade.
Fui algumas vezes de bicicleta
para a reitoria, e não era para fazer
um número, nunca tive nenhum
fotógrafo atrás a tirar fotografias.
Fui porque sempre que posso não
utilizar automóvel não utilizo.
Imagina-se a ir de bicicleta ou
de transportes públicos pra
Belém?
Imagino. Não me parece ser uma
coisa impensável.
Há o protocolo e a segurança, e
o Presidente da República não
manda nelas, sabe disso?
Veremos. [Risos] Falamos daqui
a dois anos. É evidente que há
equilíbrios. E a minha maneira
de ser, essa frugalidade, não
pode nunca ser vista como falta
de dignidade na representação
da República. Mas, e isto são
coisas que eu não digo muito,
por essa frugalidade, sempre que
fui representar a Universidade
nunca recebi um tostão de ajudas
de custo. Nunca quis. Acredito
que as pessoas percebem essa
autenticidade. As pessoas
estão um bocadinho cansadas
é dos discursos de plástico, do
politicamente correcto, do não
se pode dizer isto porque se
pode perder cinco votos. Acho
que esta eleição se vai ganhar na
palavra confiança. Se as pessoas
perceberem que lhes falo com
autenticidade.
Diz que quer fazer uma
campanha diferente. Como?
Quero fazer uma campanha de
redes animadas pelas pessoas.
Não quero ter uma campanha
centralizada, com directivas. Quero
que as pessoas se organizem.
Muitas vezes vão acontecer
coisas com as quais eu não esteja
inteiramente de acordo, mas quero
que isso venha de um movimento
de baixo. Nos últimos dez dias,
felizmente, já são muitos milhares.
Assim à partida parece
um pouco anárquico. Uma
campanha tem mensagens.
Há esse risco, é evidente, mas é
diminuído quando temos uma
estratégia, linhas de candidatura
e agora de seguida a carta de
princípios, até ao final de Maio.
Quem quiser colaborar fá-lo
neste enquadramento. Havendo
esse risco, ele é infinitamente
menor do que o de uma
campanha centralizada, com
directivas definidas. Preferirei
sempre morrer ingénuo do que
amargurado. Acredito na liberdade
das pessoas. Recebi há duas horas
um sms de pessoas que eu não
conheço que se querem organizar,
“não sei se há problema, mas nós
sempre estivemos ligados ao CDS”.
Não tem nenhum problema.
Mas os portugueses não
costumam ter muita iniciativa
de organização. Sem estrutura
vai conseguir ter um fio
condutor?
O fio condutor vai ter de ser
dado por mim. Uma candidatura
presidencial é unipessoal. Não
há 10 pessoas a falar. O único
compromisso que conta é o
meu. Isto dito, eu não tenho
nada, nada, o preconceito sobre
os portugueses que definiu. Se
há coisa que os últimos quatro
anos nos mostraram foi uma
enorme capacidade de iniciativa
dos portugueses e a capacidade
de organizar soluções para
muitos problemas sociais. Esta
austeridade ainda não acabou com
o país porque essas redes sociais,
essa capacidade de iniciativa,
apareceu em força nos últimos
quatro anos.
Não vai ter comissão de honra,
nem comissão política?
Comissão de honra, no sentido
tradicional, não. Mas é evidente
que a partir de certa altura
queremos divulgar os nomes de
muitas pessoas que estão a dar
apoio a esta candidatura. Esta é
uma candidatura republicana. Não
fazemos convites. Quem quiser
vir, que venha. Até agora há um
grupo de cerca de 12 pessoas,
mais operacional, que se encontra
quase diariamente. É gente na
casa dos quarenta e poucos anos,
totalmente voluntárias. Duas ou
três vão deixar os empregos para
se juntarem a isto a tempo inteiro.
Para a semana abriremos a sede.
Depois há um conjunto de pessoas
com que me reúno, tomo pequenoalmoço, almoço, telefono, sempre
de um modo informal. Não gostaria
muito que ganhasse organicidade.
Quando anunciei a minha
candidatura no dia 29 desliguei-me
da Universidade. Agora também
não tenho salário. Achei que o
devia fazer. Iria viver a campanha
a achar que devia estar a dar uma
aula.
Tirou uma licença?
Sem vencimento.
Quando vier a ter apoios
partidários como é que vai ser?
Fico contente por utilizar o
“quando”, eu teria tendência a
utilizar o “se” [Risos]. Se vier a
ter, as pessoas terão de funcionar
no interior destas dinâmicas. É
uma característica pessoal: a pior
coisa que me podem fazer é tentar
encostar-me à parede. Há muita
arrogância no poder em Portugal.
As pessoas a mim levam-me por
bem, mas constrangendo-me é
impossível. Vou fazer o possível
dos impossíveis. Com uma entrega
total. Mas quem vai fazer isto são
os portugueses.
Já sabe quanto vai custar a
campanha?
Temos um cálculo. Queremos
fazer uma campanha com
poucos custos. Depois de termos
analisado todas as campanhas
anteriores, para fazermos uma
campanha séria, que chegue às
pessoas, precisamos de cerca de
um milhão e meio de euros. É
um bocadinho menos do que se
gastou em campanhas anteriores.
Se este processo correr bem, se
tiver os níveis de votação que
pensamos que venha a ter, a
subvenção do Estado cobrirá esse
valor. Teremos de recolher alguns
donativos, eu terei de recorrer às
poucas poupanças que tenho. Não
é líquido que se possa pedir um
empréstimo. Se correr mal, o risco
é meu e estou cá para isso.
Diz-se um homem de esquerda.
Nunca houve maiorias de
coligação à esquerda. Acha
que o sistema político está
demasiado inclinado ao centro?
Acho que mais do que inclinado ao
centro, criou-se uma convicção de
que só se podia governar ao centro.
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País: Portugal
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Âmbito: Informação Geral
Corte: 4 de 6
“O Presidente
deve sinalizar
perante os
partidos que
não ratificará
um tratado se
não houver um
amplo debate
na sociedade”
É o famoso “arco da governação”,
que eu acho uma coisa
verdadeiramente insuportável,
até porque é um conceito que
logo à partida exclui 20% dos
portugueses. A inevitabilidade do
centro é a inevitabilidade de certas
políticas. Sou completamente
contrário a isso. As sociedades são
de uma enorme pluralidade e essa
pluralidade deve ser respeitada ao
limite. Daqui decorre uma segunda
questão central: a capacidade de
fazer entendimentos. A partir do
respeito pela diversidade, temos
de ter a capacidade de fazer os
entendimentos que resultem da
vontade popular.
Sente-se capaz, como
Presidente, de pôr os partidos a
falar e a fazer entendimentos?
É a história da minha vida. Sempre
o fiz na Universidade. Eu não faço
consensos para vivermos a nossa
vidinha o melhor possível, faço
consensos em torno de projectos.
Sinto-me muito capaz disso. É
talvez de todas as coisas, a que faço
melhor. Essa amálgama do centro
é uma coisa muito irritante em
Portugal.
Daria posse a um Governo
minoritário?
Claro. Não vejo nenhum drama
nisso, desde que seja possível
encontrar entendimentos e
equilíbrios que permitam garantir
estabilidade na governação.
É muito importante haver
estabilidade e que os portugueses
sintam que o Presidente garante
essa estabilidade. Mas estabilidade,
para mim, não é ficar tudo na
mesma.
Cavaco Silva já fez saber que
não dará posse a um Governo
minoritário. Se vencer as
eleições à primeira volta,
embora só tome posse a 9
de Março, vai estar a assistir
ao processo de formação do
Governo e às negociações
do Orçamento de fora. Tem
disponibilidade, depois de
eleito, para ajudar o Presidente
actual, caso ele lhe peça?
Em democracia, os mandatos
cumprem-se até ao último dia. O
Presidente tem um órgão próprio
de aconselhamento, que é o
Conselho de Estado. Contudo, se
o Presidente entender que ouvirme nesse contexto pode ser-lhe
útil, estarei sempre disponível,
como sempre estive. Mas a
responsabilidade pertence ao
actual Presidente.
Consegue ver-se a dar posse a
um Governo do Bloco Central?
Consigo. Se me pergunta se esse
é o meu ponto de partida, não é.
Espero que seja claro para toda a
gente que o meu ponto de partida
é o da crítica das políticas de
austeridade.
Ouviu Carvalho da Silva
dizer que ainda não existem
candidatos que ponham em
causa a austeridade?
Não, não ouvi. A primeira parte do
meu discurso de apresentação de
candidatura é toda sobre isso, uma
crítica das políticas de austeridade.
Fi-lo de maneira intencional,
poderia ter começado pelos
poderes presidenciais. Quis deixar
essa marca na minha declaração de
candidatura. Isso para mim é muito
claro. Quando se fala em Portugal
de Bloco Central o que se fala é em
tornar inevitáveis essas políticas
de austeridade. Não sou favorável
a isso. Mas o Presidente tem de
tirar as conclusões da vontade das
pessoas. Eu não posso substituirme a essa vontade. Se num
determinado momento resultar
que essa é a única possibilidade, é
evidente que terá de se encontrar
uma solução.
Gostaríamos de saber o que
faria em algumas situações
concretas. A primeira é:
assinaria o Acordo de Parceria
Transatlântica para o Comércio
(TTIP)?
Antes deixe-me esclarecer um
ponto. Um candidato a Presidente
tem de ir um bocadinho mais
longe do que nas suas funções
enquanto Presidente. O Presidente
não tem funções legislativas, nem
executivas, e tem de respeitar
isso até ao limite. Mas um
candidato não pode responder
a tudo dizendo que não tem
nada para dizer. Vou responder
a algumas questões por essa
razão. Em relação ao Tratado
Transatlântico tenho algumas
reservas sobre a maneira como
está a ser negociado. Creio que
podemos estar de novo perante
uma situação que já nos aconteceu
antes com a União Europeia,
que é aderirmos a um espaço
comercial mais amplo para o
qual a nossa economia pode
não estar preparada. Estamos
sempre a jogar um jogo, como nós
percebemos hoje em relação ao
euro, que parece aberto, de iguais,
Eu não faço
consensos para
vivermos a nossa
vidinha o melhor
possível. Faço
consensos em torno
de projectos. Sintome capaz disso. É
talvez das coisas
que faço melhor
mas onde uns têm umas armas e
os outros têm armas diferentes.
Depois tenho a sensação de que
sempre que estão em jogo tratados
em que intervêm os Estados e
grandes grupos económicos,
quase sempre são os interesses
económicos privados que acabam
por prevalecer. Ou porque têm
melhores advogados, consultores
ou influência. Quase nunca, ou
nunca, estas coisas resultam a
favor do público ou dos Estados.
Se houver um novo tratado
europeu, pondera convocar um
referendo?
Pondero, sim. O Presidente
não pode convocar um referendo
por iniciativa própria, pode
criar condições para que isso
aconteça. Se houver nos próximos
anos uma revisão dos tratados,
temos obrigação de fazer um
debate muitíssimo maior e mais
informado. O Presidente deve
sinalizar perante os partidos
que não ratificará um tratado se
não houver um amplo debate na
sociedade. E em casos de tratados
que afectem de forma significativa
a soberania nacional, o Presidente
pode dizer que entende que devem
ser submetidos a referendo. O
meu entendimento é que se o
Presidente é chamado a ratificar
é porque pode escolher entre
ratificar ou não. Se não, não vale
a pena. Alguém traz um carimbo
e assina pelo Presidente. O que se
verifica hoje é que a nossa adesão
à Europa foi sendo feita de forma
pouco informada.
Mário Soares promovia debates
com as célebres presidências
abertas. Vai fazer o mesmo?
Julgo que os portugueses precisam
de um Presidente mais próximo,
mais presente, que as ouça mais,
que seja capaz de perceber os
seus problemas. A minha ideia é
ter presidências descentralizadas,
onde eu posso estar um mês num
lugar, outro mês no outro, mas é
claro que é preciso ponderar com
muito cuidado, porque se isto
tem custos é melhor ninguém se
meter a fazê-lo. A dimensão da
coesão social — da pobreza, da luta
contra as desigualdades, contra a
austeridade que está a massacrar
o povo português — e da coesão
territorial — a desertificação e
o despovoamento — são duas
áreas centrais da minha acção
presidencial.
Defende a renegociação
da dívida “até ao limite do
possível”. Como é que isso pode
ser feito?
O limite nós não sabemos nunca.
Quem está na ciência sabe que
nunca fazemos o que é possível,
porque isso já os outros fizeram.
Nós vamos tentar descobrir uma
coisa impossível, que nunca
ninguém fez até agora.
Daí a pergunta: vendo o que se
está a passar com a Grécia, não
é impossível?
Vai ser obviamente um processo
duro e difícil. Há compromissos
que foram assumidos e nós,
honradamente, temos de cumprir.
Mas não precisamos de o fazer
de forma passiva, ordeira,
c
ID: 59198164
10-05-2015
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País: Portugal
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Corte: 5 de 6
PRESIDENCIAIS
e como bons alunos. Podemos
fazê-lo explicando dentro e fora
de Portugal, fazendo alianças com
outros países em situação idêntica,
tentando criar as condições mais
vantajosas, para que o problema —
uma dívida insustentável — possa
ganhar a possibilidade de ser
renegociada.Mas há muita coisa que
vai acontecer nos próximos meses
ou anos e nós não conseguimos
sequer imaginar agora.
Para já, os credores estão a
fechar a porta a Varoufakis e a
Tsipras.
Acho que o jogo ainda não chegou
ao fim. Vamos ter de seguir o que
se segue na Grécia. Sabemos uma
coisa: as duas últimas grandes
eleições na Europa, na Grécia e no
Reino Unido, deram uma vitória
considerável a correntes que,
sendo completamente diferentes,
têm ambas um grande cepticismo
em relação a esta Europa. É um
pouco triste o que vou dizer agora
e até me custa, eu que sou um
europeísta de sempre: a União
Europeia conseguiu esta coisa
extraordinária que é transformarnos a todos em eurocépticos. De
facto, o que está a acontecer não
pode deixar de nos trazer uma
enorme descrença em relação
à União Europeia. Alguma coisa
vai ter de mudar, e seriamente.
Este problema não é meramente
financeiro, é político. Estamos a
falar de política, na Europa.
Mas a esquerda não conseguiu,
até agora, nenhuma alternativa
à austeridade.
A palavra-chave da sua pergunta é
“até agora”. Por isso é que estamos
aqui e agora, para poder construir
um projecto de mudança em
Portugal e darmos um contributo
para a mudança na Europa.
Sente que é essa a sua
responsabilidade?
Completamente. Dou-me a este
projecto, com todos os riscos
no plano pessoal, com uma
enorme crença de que posso
contribuir para uma mudança de
fundo da política em Portugal,
Se nós acreditássemos que esta
Europa não vai mudar, e que as
políticas de austeridade são uma
inevitabilidade ficávamos em casa
a protestar contra qualquer coisa.
Numa entrevista recente disse
que na crise de 2013, com as
demissões de Portas e Gaspar,
devia ter havido uma renovação
da legitimidade democrática.
Com eleições?
Sim.
Percebi, nas últimas
semanas, que
há uma espécie
de lógica de
intimidação. Como
se dissessem ‘esta
pessoa não tem o
direito de jogar este
jogo’. É impossível
intimidarem-me
Em que se baseava?
No princípio constitucional
do regular funcionamento das
instituições democráticas. Havia
uma quebra forte de confiança
no programa político, com a
demissão do ministro que tinha
sido o seu protagonista, como a
demissão do principal parceiro
da coligação. Havia também uma
quebra de confiança grande entre
o que tinham sido as políticas
do Governo e a percepção dos
portugueses sobre o que lhes havia
sido prometido na campanha
eleitoral. Na minha opinião, em
alturas dessas, o Presidente deve
dar a voz aos portugueses. Uma
parte do que se passa em Portugal
hoje — o desânimo, a crispação,
a animosidade que se sente na
sociedade — tem a ver com a
situação económica, obviamente,
mas tem a ver também com a
quebra de confiança no sistema
político e com o facto de, na altura
própria, os portugueses não
terem sido chamados a renovar
a legitimidade democrática do
Governo.
Acha que este Governo tem
menos legitimidade?
O Governo tem uma legitimidade
do ponto de vista da votação que
é inequívoca. Tem maioria no
Parlamento, o Presidente tomou
a decisão que tomou, mas há
uma legitimidade que vai para
além disso, que tem a ver com a
confiança dos portugueses.
O Presidente é o comandante
supremo das Forças Armadas,
sector onde é muito visível o
desencanto com o rumo da
democracia. O facto de não ter
um passado partidário pode
favorecer a simpatia desse
sector?
Não tenho nunca, em nenhuma
circunstância, um discurso antipartidos. 48 anos chegaram, não
precisamos de mais. Sou crítico
em relação a certas modalidades
dos aparelhos partidários e do seu
funcionamento. A Constituição
é, agora, como se compreende,
o meu livro de cabeceira [risos].
Depois de a ler muitas vezes,
cada vez me vou apercebendo
melhor que não é por acaso que
lá está previsto que os Governos
vêm de projectos partidários
e os Presidentes de projectos
individuais. Porque, de algum
modo, essa candidatura pessoal
dá uma independência (que eu
não digo que quem venha de um
partido não tenha) na qual os
sectores militares certamente se
revêm com alguma simpatia.
Nunca militou num partido,
mas teve uma passagem por um
partido revolucionário, a LUAR.
Pode contar-nos como foi essa
experiência?
Nunca me filiei. Participei durante
alguns meses nalgumas sessões.
Sempre fui muito desalinhado.
Nessa mesma altura, no ano de
1974, colaborei com associações
de moradores, comissões de
trabalhadores e promovi uma
das primeiras candidaturas
independentes às autárquicas.
Chamava-se, se não estou
enganado, TMUPA, Trabalhadores
Moradores Unidos para as
Autarquias, para a assembleia de
freguesia da Parede [em 1976].
O que o levou a fazê-lo?
Houve um período pequeno,
mas muito importante na minha
vida, em que tinha uma ligação
muito forte ao Zeca Afonso. Foi
o Zeca que me levou a algumas
dessas sessões. Hoje olho para
aqueles momentos como os mais
importantes da minha vida. Parece
que vivíamos a sensação contrária
da que vivemos hoje. Naquela
altura tínhamos a sensação de
que tudo era possível e que
bastava decidirmos à volta desta
mesa que uma coisa ia acontecer
para que ela acontecesse. Hoje
é ao contrário. Façamos o
que fizermos, digamos o que
dissermos, parece que não muda
nada. Recuando, consigo hoje
perceber que muita gente se
tenha sentido agredida naquela
altura. Mas uma coisa que sempre
foi muito importante para mim,
apesar de ter enormes convicções,
é nunca ter sido capaz do menor
gesto de violência.
Mas rejeita qualquer tipo de
violência, por convicção ética?
Rejeito qualquer tipo de violência.
Não sou capaz. Tenho um
compromisso, que levarei até ao
fim, com a minha mãe que, pouco
antes de morrer, me pediu não
para não dizer mal de ninguém.
E está preparado para o
contrário, para que digam mal
de si?
Estou completamente preparado
para isso. Percebi nas últimas
semanas que há uma espécie de
lógica de intimidação. Como se
dissessem “esta pessoa não tem o
direito de jogar este jogo que não
lhe pertence”. Não li a maioria das
coisas que escreveram, decidi não
ler. É impossível initimidaremme. Esses ataques descabelados
reforçam-me. O Padre António
Vieira — não posso fazer muitas
citações, senão acusam-me de
fazer muitas citações — dizia
qualquer coisa assim, se não erro.
Ainda que ter inimigos pareça uma
desgraça, uma desgraça muito
maior é não os ter. [Risos]
Tem denunciado a
promiscuidade entre negócios
e política. Que papel pode o
Presidente desempenhar nesse
caso?
Um papel imenso. Pela palavra,
pelo exemplo e por não aceitar a
degradação da vida pública por
fenómenos de corrupção. Esses
fenómenos têm sido gravíssimos
na sociedade portuguesa e
por isso precisamos de um
Presidente que pela sua história
de vida e pelo seu exemplo
não seja conivente. A palavra
transparência é fundamental. Em
todos os casos, sejam PPP, sejam
privatizações, a transparência
é central. O Presidente pode
exigir transparência. Mas pode
também, ainda que não de uma
forma pública, chamar a atenção
de governantes. Eu fiz isso,
sistematicamente, como Reitor.
Não basta sermos sérios, temos de
parecer sérios.
Como se define em matéria de
costumes?
Liberdade. A minha matriz sobre
os costumes é a liberdade.
ID: 59198164
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Âmbito: Informação Geral
Corte: 6 de 6
“O meu ponto de
partida é o da crítica das
políticas de austeridade”
Em entrevista, Sampaio da Nóvoa diz que “estabilidade não é para ficar
tudo na mesma”, propõe-se “construir um projecto de mudança para
Portugal e contribuir para a mudança na Europa” Destaque, 8 a 12
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