1 Estudo da Degradação Hidrolítica de Biomateriais Poliméricos Enésio Marinho da Silva Jr.1 Sônia Maria Malmonge1 1 Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas (CECS), Universidade Federal do ABC, Santo André, Brasil. O estudo in vitro da degradação hidrolítica de biomateriais poliméricos é fundamental para o aperfeiçoamento da biocompatibilidade dos dispositivos implantáveis. Este trabalho mostra como se comportam os polímeros biorreabsorvíveis PLLA, PHB e PHBV puros e aditivados com acetato de tributil citrato, quando submetidos à hidrólise em condições fisiológicas. Os filmes poliméricos foram cortados em especimens de 1cm x 2cm, suas massas secas iniciais foram medidas e posteriormente foram inoculados em solução-tampão fosfato (pH ~ 7.4), à 37°C por 30 e 60 dias. A caracterização dos especimens após o tempo de contato com a solução tampão foi feita por pesagem para determinação da absorção hídrica e da perda de massa. Além disso, foi feita microscopia ótica comum para avaliar alterações morfológicas dos polímeros. Os resultados mostraram qualitativamente que ocorreu o processo hidrolítico e que as amostras de polímeros utilizadas favorecem a deposição de cristais salinos, o que pode ser utilizado para o desenvolvimento de biomateriais aplicados em preenchimentos ósseos. Palavras-chave: Biomateriais, Degradação Hidrolítica, Polímeros Biorreabsorvíveis, I. INTRODUÇÃO desenvolvimento de biomateriais é um tema bastante recorrente nas pesquisas para desenvolvimento de equipamentos biomédicos implantáveis, tais como suturas cirúrgicas, sistemas para liberação controlada de drogas, stents, dispositivos ortopédicos e arcabouços na engenharia de tecidos. [1] Devido ao risco de rejeição do implante, a busca por biomateriais cujo comportamento seja o mais adequado à região implantada tem sido constante. Dentre os materiais utilizados como implantes, os polímeros apresentam grande potencial de uso, pois são, geralmente, fáceis de produzir, manusear e apresentam características mecânicas semelhantes às dos materiais biológicos. [2] A avaliação do comportamento dos biomateriais para que ele seja considerado adequado para uma aplicação específica segue uma série de normas da ASTM (tais como a norma F 1635-04a), principal órgão internacional responsável pelo controle de qualidade destes biomateriais, cujos estudos in vitro e in vivo são imprescindíveis. Em estudos in vivo, o processo de biodegradação e bioreabsorção é um mecanismo complexo de eventos celulares e bioquímicos. Os estudos in vitro mostram-se uma boa alternativa, sendo fundamentais e necessários. Os custos são menores, o processo pode ser acelerado e as condições do ensaio, como temperatura, pH, produtos e subprodutos de degradação podem ser quantificados e monitorados. [2] O escopo deste trabalho foi estudar a degradação hidrolítica de alguns biomateriais poliméricos tais como o PLLA (poli(L-ácido láctico)), PHB (poli(hidroxibutirato)) e PHBV (poli(hidroxibutirato-co-valerato)). Tal estudo foi feito através de caracterização das amostras de polímeros e quantificação da perda de massa e da absorção hídrica para pH fisiológico (~7.4). O II. MATERIAIS E MÉTODOS Neste estudo foram empregadas amostras obtidas em projeto PDPD da UFABC que vem sendo desenvolvido em paralelo pela bolsista Camila Campos Santos[8]. Tais amostras foram obtidas segundo procedimento descrito a seguir. Preparação dos filmes Foram preparadas as películas de PLLA [Cargil®], PHB [Aldrich®] e PHBV[Aldrich®] por evaporação de solvente. Cada material foi dissolvido separadamente em clorofórmio (CCl3) para formar soluções 10% (massa/volume) que foram mantidas em agitador magnético. As soluções foram vertidas em uma placa de petri (50 ml) e colocadas em uma capela para evaporação do solvente por 24 horas. Foram preparadas também amostras dos polímeros aditivados com acetato de tributil citrato (ATBC) que atua como plastificante. [8] Os filmes obtidos apresentaram espessura média de ~ 85µm. Teste de degradação hidrolítica Dez corpos de prova (CPs) de cada um dos tipos de polímeros utilizados foram recortados em retângulos de dimensões de ~ 1,0 cm x 2,0 cm. Além disso, as massas iniciais (M0) dos CPs foram pesadas em balança analítica (BioPrecisa® – Balança Eletrônica; FA – 2104 N). Inicialmente, todos os CPs de cada tipo de polímeros utilizados foram desinfectados com álcool 70%, inoculadas em tubos de ensaio contendo tampão-fosfato (pH 7.4) e incubadas em estufa a 37°C. As massas experimentais foram medidas transcorridos períodos de 30 e 60 dias, a partir da incubação. No final do ensaio, foram comparadas com suas respectivas massas iniciais. 2 A cada período, cada amostra foi retirada, e com um lenço de papel removeu-se o excesso de solução-tampão e pesou-se a massa do CP juntamente com a massa de soluçãotampão absorvida por ele, para se quantificar a absorção hídrica dos CPs nos respectivos períodos. Logo após, as amostras foram secadas a vácuo para, em seguida, serem medidas suas massas secas referentes aos respectivos períodos. As percentagens de absorção hídrica e de perda de massa foram calculadas utilizando-se as equações a seguir: Absorção Hídrica (%) = 100 x ( Massa de Águat ) Massa Secat Perda de Massa (%) = 100 x (Massa Seca0 – Massa Secat ) Massa Seca 0 onde: 0 representa o tempo zero (inicial); t representa o respectivo período no qual a massa foi calculada; (a) (b) (c) Fig. 2 – Micrografia de amostras de PLLA+10%ATBC (aumento de 1000x) (a) no início, (b) após 30 dias e (c) após 60 dias. No caso do polímero PHB puro (Fig. 3a-c) e PHB aditivado com ATBC (Fig. 4a-c) observou-se morfologia porosa com grande diferença em relação a morfologia apresentada pelo PLLA aditivado com ATBC, i.e., o diâmetro dos poros neste caso é muito maior. É possível verificar, ainda, que neste caso houve aumento no diâmetro médio dos poros ao longo do tempo em contato com a solução fisiológica, o que é um indicativo da ocorrência de degradação. Avaliação Morfológica – Microscopia Ótica Comum Foram selecionados alguns CPs de cada tipo de polímero em estudo, para análise por microscopia ótica comum, empregando o microscópio Olympus BX 51M® com câmera para aquisição de imagens Olympus Altra 20®. O software utilizado para o tratamento das imagens foi o Analysis®. Empregando esta técnica foi avaliada a morfologia de espécimes antes do contato com a solução-tampão, bem como após 30 e 60 dias em contato. (a) (b) (c) Fig. 3 – Micrografia de amostras de PHB puro (aumento de 200x) (a) no início, (b) após 30 dias e (c) após 60 dias. III. RESULTADOS E DISCUSSÃO (a) As películas de PLLA puro (Fig. 1a-c) apresentam morfologia densa e, mesmo com aumento de 1000x, não fica claro que tenha ocorrido alterações na morfologia ao longo do tempo em contato com a solução fisiológica. (a) (b) (c) Fig. 1 – Micrografia da amostras de PLLA (aumento de 1000x) (a) no início, (b) após 30 dias e (c) após 60 dias. Já, no caso do PLLA aditivado com ATBC (Fig. 2a-c) verificou-se morfologia de película porosa, novamente sem grandes alterações da morfologia ao longo do tempo em contato com a solução fisiológica. (b) (c) Fig. 4 – Micrografia de amostras de PHB+10%ATBC (aumento de 200x) (a) no início, (b) após 30 dias e (c) após 60 dias. As amostras de PHBV aditivado com ATBC (Fig. 5a-c) apresentaram morfologia de estrutura cristalina. Não fica clara a ocorrência de alterações ao longo do tempo em contato com a solução fisiológica. O gráfico 1 mostra valores inesperados, uma vez que era esperado um padrão de decaimento linear para a perda de massa com relação ao tempo de degradação, para todos os polímeros em estudo. [4] Interessantemente, a diferença entre o método utilizado por Cam et al.[4] e o utilizado no presente trabalho foi que, após o período de incubação, na metodologia deste trabalho não lavou-se os filmes com água destilada. O aumento da massa no período de degradação pode, pois, ter relação com tal fato, de modo que pode ter havido deposição de cristais salinos na estrutura dos filmes. Porém, as análises deste trabalho não lavou-se os filmes com água destilada. O 3 (a) (b) (c) Fig. 5– Micrografias de amostras de PHBV+12%ATBC (aumento de 1000x) (A) no início, (B) após 30 dias e (C) após 60 dias. feitas não são conclusivas com relação a este resultado. Para esclarecer este resultado numa etapa posterior deste estudo as amostras serão submetidas a análises de microscopia eletrônica de varredura (MEV) e infravermelho (FTIR). Gráfico 2 – Absorção hídrica (%) com relação à massa inicial (M0). V. AGRADECIMENTOS Agradeço à UFABC, pela concessão de bolsa para o projeto do PDPD e pelo suporte. Também agradeço à Camila Campos Santos, todos os técnicos dos laboratórios didáticos desta instituição e a todos que contribuíram para a realização deste trabalho. E agradeço principalmente à minha orientadora Profa. Dra. Sônia Maria Malmonge, pelos votos de confiança. Gráfico 1– Perda de Massa (%) com relação à massa inicial média (M0). VI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS O aumento percentual da absorção hídrica das amostras (Gráfico 2) pode ser um indicativo de que ocorreu o aumento da porosidade dos filmes, pois conforme há uma maior porosidade, há uma maior quantidade de espaços a serem ocupados pela água na amostra. [1] Barbanti, S.H.; Zavaglia, C.A.C.; Duek, E.A.R. Degradação Acelerada de Suportes de Poli(ε-Caprolactona) e Poli(D,L-Ácido Láctico-co-Ácido Glicólico) em Meio Alcalino. Polímeros: Ciência e Tecnologia, vol. 16, n° 2, p. 141-148, 2006. IV. CONCLUSÕES [3] Gong, Y.; Zhou, Q.; Gao, C.; Shen, J. In vitro and in vivo degradability and cytocompatibility of poly(L-lactic acid) scaffold fabricated by a gelatin particle leaching method. Acta Biomaterialia 3, 531–540, 2007. O processo hidrolítico pode ser analisado qualitativamente em amostras de polímeros como PLLA, PHB e PHBV pela variação morfológica do material durante o período de decorrência do processo hidrolítico. Os resultados aqui obtidos apontam para uma linha de pesquisa a ser adotada, i.e., a importância da realização de estudos que esclareçam o mecanismo de deposição de cristais de fósforo e cálcio em estruturas de polímeros biorreabsorvíveis, o que pode permitir um avanço no desenvolvimento de biomateriais utilizados em ortopedia. [2] Barbanti, S.H.; Zavaglia, C.A.C.; Duek, E.A.R. Polímeros Bioreabsorvíveis na Engenharia de Tecidos. Polímeros: Ciência e Tecnologia, vol. 15, n° 1, p. 13-21, 2005. [4] Cam, D.; Hyon, S.; Ikada, Y. Degradation of high molecular weight poly(L-lactide) in alkaline medium. Biomoterials 16, 833-843, 1995. [5] Wang, Y.; Mo, W.; Yao, H.; Wu, Q.; Chen, J.; Chen, G. Biodegradation studies of poly(3-hydroxybutyrate-co-3-hydroxyhexanoate). Polymer Degradation and Stability 85, 815-821, 2004. [6] Loh, X. J.; Tan, K. K.; Li, X.; Li, J. The in vitro hydrolysis of poly(ester urethane)s consisting of poly[(R)-3-hydroxybutyrate] and poly(ethylene glycol). Biomaterials 27, 1841–1850, 2006. [7] Jo, N.; Iwata, T.; Lim, K. T.; Jung, S.; Lee, W. Degradation behaviors of polyester monolayers at the air/water interface: Alkaline and enzymatic degradations. Polymer Degradation and Stability 92, 1199-1203, 2007. [8] Santos, C. C.; Malmonge, S.M. Biomateriais poliméricos para reparo de tecidos ósseos e cartilaginosos. Relatório Parcial PDPD/UFABC, 2009.