Desnutrição na DPOC
Maria Christina Lombardi de Oliveira Machado. Doutora em Medicina pela Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp). Coordenadora do Ambulatório de Doença Pulmonar Avançada da Disciplina de
Pneumologia da Unifesp e da Comissão de Doença Pulmonar Avançada da Sociedade Brasileira de
Pneumologia e Tisiologia.
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a 5ª causa de morte no Brasil e além de
afetar os pulmões, ela traz significativas conseqüências sistêmicas, como aumento de
mediadores inflamatórios sistêmicos, diminuição do peso corporal e da capacidade física e
tem repercussões socioeconômicas negativas, pois causa mortes prematuras, compromete o
orçamento familiar, desencadeia aposentadorias precoces e gastos extras com tratamentos e
internações.
Estima-se que atualmente existam sete milhões e meio de pacientes com DPOC no Brasil,
um terço com doença grave. A DPOC cursa com inúmeras complicações clínicas que afetam
o estado nutricional de seus portadores, entre as quais a desnutrição, que é potencialmente
reversível com tratamento adequado. Estima-se que 25% dos pacientes ambulatoriais com
DPOC e 50% dos internados são desnutridos, que apresentam dispnéia mais grave, com
dificuldade para realizar as atividades de vida diária, pior qualidade de vida e maior número
de exacerbações da doença do que pacientes com DPOC eutróficos.
Para se avaliar o estado nutricional de um paciente usa-se o peso corpóreo e o índice de
massa corpórea (IMC) que é calculado dividindo-se o peso (em quilos) pela altura (em
metros) ao quadrado. Classicamente, IMC entre 18,5 e 25 é normal, portanto, indivíduos com
IMC < 18,5 Kg/m2 são desnutridos. No entanto, quando se avalia desnutrição na DPOC,
recomenda-se que a intervenção nutricional se inicie quando o IMC for < 21 kg/m2. O
diagnóstico de desnutrição também pode ser feito em função do peso do corpo, expresso em
porcentagem do peso ideal calculado pela altura e sexo do paciente. Considera-se peso
abaixo do aceitável quando seu valor é < 90% do peso ideal, desnutrição moderada se peso
atual = 60-80% do peso ideal e grave se < 60% do ideal. A desnutrição na DPOC é
multifatorial, mas a ingestão inadequada de alimentos e o gasto energético aumentado são os
dois principais mecanismos envolvidos em sua gênese. Vários fatores podem levar a uma
ingestão inadequada de alimentos na DPOC, como dificuldades na mastigação e deglutição
(devido à dispnéia, tosse, secreção e fadiga) e uso crônico de corticosteróide sistêmico (por
diminuição do apetite, desmineralização óssea e enfraquecimento da massa muscular).
O gasto energético aumentado na DPOC pode ser atribuído ao hipermetabolismo decorrente
do trabalho excessivo dos músculos respiratórios, que necessitam maior quantidade de
oxigênio para trabalhar. Estes músculos estão constantemente submetidos a um trabalho
respiratório excessivo e apresentam eficiência mecânica reduzida, aumentando em 15% a
17% a taxa de metabolismo basal, o que causa perda de peso. As exacerbações infecciosas da
DPOC também podem desencadear anorexia e maior catabolismo protéico, o que também
resulta em perda de massa muscular. Adicionalmente, o aumento de mediadores
inflamatórios que regulam a ingestão alimentar, o maior gasto energético basal e o menor
peso corporal na DPOC podem interferir negativamente no metabolismo da leptina, que
também contribui para perda de peso.
Conseqüências da desnutrição
A desnutrição atua no sistema respiratório diminuindo a elasticidade pulmonar, a massa, a
força e resistência dos músculos respiratórios e altera os mecanismos imunológicos de defesa
pulmonar e de controle da respiração. A deficiência de proteínas e ferro pode causar anemia,
com conseqüente diminuição da capacidade de transporte de oxigênio e a deficiência de
vitamina C afeta a síntese de colágeno, componente importante do tecido conjuntivo de
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suporte dos pulmões. Adicionalmente, baixos níveis intracelulares de cálcio, magnésio,
fósforo e potássio, afetam negativamente a função dos músculos respiratórios.
As alterações imunológicas da desnutrição tornam o paciente mais suscetível a infecções
pulmonares devido à atrofia dos tecidos linfáticos e alterações da imunidade celular, como
redução do número de linfócitos T auxiliares, da razão T4/T8 no lavado broncoalveolar e da
produção de linfocinas e monocinas. A desnutrição grave também se associa com alterações
no sistema do complemento e com níveis séricos elevados do fator de necrose tumoral
relacionados com anorexia, degradação muscular e alterações no metabolismo de lipídeos.
Na DPOC, a desnutrição também diminui o volume corrente, o número de suspiros e a
pressão inspiratória máxima, predispondo ao colapso alveolar e a remoção inadequada de
secreções, com maior predisposição para infecções pulmonares. O efeito mais evidente da
desnutrição no diafragma e nos músculos respiratórios é a diminuição da resistência muscular
com conseqüente predisposição à fadiga, devido à perda das fibras de contração rápida.
Portanto, as principais conseqüências das alterações morfológicas, funcionais, musculares e
pulmonares da desnutrição na DPOC são: diminuição do desempenho respiratório ao esforço,
maior ocorrência de insuficiência respiratória aguda e dificuldade de desmame da ventilação
artificial, por atrofia dos músculos durante ventilação mecânica prolongada que apresentam
apenas movimentos passivos e maior suscetibilidade a infecções respiratórias.
Avaliação de consumo alimentar - Pela análise qualitativa e quantitativa do consumo
alimentar, com informações de hábitos alimentares individuais pregressos e atuais, práticas
alimentares, intolerâncias, aceitação e tabus alimentares. O recordatório alimentar de 24
horas e o inquérito semiquantitativo de freqüência de consumo de alimentos podem ser
utilizados. O primeiro traz informações detalhadas sobre o consumo atual e o número e
horário das refeições consumidas no dia anterior ao da entrevista e o segundo traz uma
listagem dos alimentos, bem como a freqüência de consumo de cada um deles.
Antropometria - As medidas antropométricas são: peso, estatura, pregas cutâneas e
circunferências. O índice de massa corpórea (IMC= peso corporal em kg/altura em m2) é
utilizado como indicador do estado nutricional, mas não retrata diferenças individuais da
composição corporal. Entretanto, o IMC é um marcador independente de má qualidade de
vida nestes pacientes, pois a gravidade das doenças pulmonares se associa com IMC baixo,
que se associa com mortalidade elevada em pacientes com DPOC grave. Os pontos de corte
do IMC para pacientes com DPOC são: entre 22 e 27 kg/m2 = eutrofia, IMC < 22 kg/m2
=desnutrição, e IMC > 27 kg/m2 = obesidade.
A avaliação das reservas corporais de gordura em pacientes com DPOC é de extrema
importância, pois na sua ausência o organismo mobiliza a própria reserva corporal de
proteína para utilizá-la como fonte de energia. Estima-se esta reserva somando-se as medidas
das pregas cutâneas tricipital, bicipital, subescapular e suprailíaca. Como metade da gordura
corporal se localiza no tecido subcutâneo e com o envelhecimento aumenta a deposição de
gordura nos órgãos internos, estas medidas não são ideais em idosos, mas sim a
circunferência do braço.
Bioimpedância - É uma técnica não invasiva que avalia as propriedades condutoras
orgânicas de um indivíduo e mostra a composição corporal, o tipo, o volume e a distribuição
de líquidos e tecidos no organismo. A literatura mostra esta avaliação é preferível em idosos
com DPOC à avaliação pelas pregas cutâneas.
Dosagens bioquímicas - O índice creatinina/altura é utilizado para avaliação da massa
muscular e do estado nutricional em portadores de DPOC com depleção de massa muscular,
pois o pool protéico somático (muscular) de um indivíduo é diretamente proporcional à
quantidade de creatinina excretada, e a sua excreção em 24 horas está relacionada com a
altura do indivíduo. As dosagens de albumina, pré-albumina, transferrina e proteína
transportadora do retinol são úteis para avaliação e monitoramento do tratamento nutricional
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na DPOC. A competência imunológica pode ser avaliada pela contagem total de linfócitos e
pelo teste de hipersensibilidade cutânea, que permitem a identificação de alterações no estado
nutricional, uma vez que há depleção da imunidade humoral e celular na desnutrição.
Distribuição dos nutrientes na dieta - A oferta de proteínas deve corresponder a 20% do
gasto energético total, sendo 80% do restante distribuídos em carboidratos e lipídeos. Uma
oferta adequada de calorias não protéicas evita que a proteína ingerida seja consumida pelo
organismo como fonte de energia. Recomenda-se uma dieta hiperprotéica na DPOC, com
valores de proteínas de 1 a 1,5 g/kg de peso/dia. A quantidade de carboidratos recomendada
situa-se na faixa de 50% a 60% do gasto energético total do paciente. A quantidade
recomendada de lipídeos na DPOC estável situa-se entre 25% e 30% do gasto energético
total calculado.
A suplementação de cálcio e vitamina D tem-se mostrado eficaz na prevenção/tratamento da
osteoporose na DPOC, geralmente associada ao uso crônico de corticosteróides sistêmicos,
deficiência de vitamina D, tabagismo, baixo IMC e sedentarismo.
Suporte nutricional na DPOC
Quando todas as necessidades nutricionais não são supridas com a alimentação convencional,
faz-se necessário o uso de suporte nutricional oral, enteral ou parenteral. A via oral deve ser
utilizada para administrar suplementos nutricionais específicos para DPOC três vezes ao dia
entre as principais refeições e que contem 60% de carboidratos, 20% de proteínas, 20% de
lipidios, carotenóides e micronutrientes antioxidantes (vitam. C, E, zinco e selênio), sacarose,
lactose, sem glúten.
A inclusão de imunonutrientes na terapia nutricional da DPOC é necessária para correção da
imunossupressão, oferecendo-se: lipídeos, como ácidos graxos de cadeia curta, ômega três e
ácidos gamalinolênico e eicosapentanóico; aminoácidos, como glutamina, glicina, cisteína e
arginina; nucleotídeos e oligoelementos, como zinco, cobre e selênio. Entretanto, quando a
via oral não se mostra eficaz, deve-se optar pela nutrição enteral ou parenteral usando-se uma
solução estéril de nutrientes intravenosa, preparada de acordo com as necessidades do
paciente.
Conclusões
A terapia nutricional individualizada e precoce é imprescindível para melhorar o estado
nutricional, a função imunológica, a função muscular respiratória e a tolerância ao exercício
em portadores de DPOC; benefícios que se associam com menor morbimortalidade e melhor
qualidade de vida nestes pacientes.
Referências
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