TEMA 1 – Patologias das construções
Estudo e Acompanhamento da Perda de Massa Iônica em
Barragem de Concreto Compactado com Rolo, em Decorrência
da Percolação de Água pela Estrutura
Alex Joukoski1,a, Kleber Franke Portella1,b, Emerson Luís Alberti2,c,
Larissa Mildemberger3,d, e Luciane Teixeira Rodrigues3,e
1
Instituto de Tecnologia para o Desenvolvimento (LACTEC), Departamento de Tecnologia em
Materiais, Caixa Postal 19067, CEP 81531-980, Curitiba, PR, Brasil
2
Centrais Elétricas do Rio Jordão (ELEJOR), Departamento de Engenharia, Rua José de
Alencar, nº 2021, CEP 80040-070, Curitiba, PR, Brasil
3
Universidade Federal do Paraná (UFPR), Departamento de Química, Caixa Postal 19081,
CEP 81531-980, Curitiba, PR, Brasil
a
b
c
[email protected], [email protected], [email protected],
d
e
[email protected], [email protected]
Palavras-chave: Concreto compactado com rolo; barragem de usina hidrelétrica;
percolação de água; perda de massa iônica; monitoramento preventivo.
Resumo
Nas últimas décadas, o concreto compactado com rolo (CCR) tem sido
amplamente empregado nas obras de usinas hidrelétricas no Brasil. Uma das
características intrínsecas deste material é a maior permeabilidade à água, a
qual, no entanto, não impede que o seu uso esteja cada vez mais difundido na
construção de pequenas, médias e grandes barragens. Vantagens técnicas e
econômicas, como a maior facilidade de aplicação, o menor tempo de
construção e o reduzido consumo de cimento, têm sido determinantes para o
aumento cada vez mais rápido da popularidade do CCR junto à comunidade
técnica. Contudo, como qualquer outro material de construção, o CCR
necessita de acompanhamento e avaliação periódica constante, especialmente
quando fizer parte de estruturas sujeitas à infiltração de água. A passagem da
água do reservatório através do corpo da barragem está quase sempre
associada à ocorrência de lixiviação de matéria sólida, proveniente do cimento
e/ou dos agregados utilizados no concreto. Dependendo da extensão e da
distribuição da perda de massa iônica provocada por este fenômeno físicoquímico, intervenções de reparo devem ser planejadas de forma a se garantir a
estabilidade e a segurança da estrutura. Uma metodologia para avaliação da
perda de massa iônica de uma barragem construída em CCR é proposta neste
trabalho. O resultado consiste do produto entre a vazão e a diferença das
concentrações iônicas totais de amostras de água percolada coletadas na
galeria de inspeção e de amostras de água do reservatório. Após quase um
ano de monitoramento periódico de uma barragem do tipo gravidade situada na
bacia do rio Iguaçu, no Estado do Paraná, região sul do Brasil, os resultados
globais indicaram uma perda de massa iônica da ordem de 2 toneladas ao ano.
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Introdução
O concreto compactado com rolo (CCR) apresenta, dentre as suas
características principais, o menor consumo de cimento, o reduzido teor de
água e a baixa consistência, em comparação ao concreto convencional. Estas
propriedades fazem com que as misturas obtidas normalmente sofram uma
redução na sua trabalhabilidade, o que requer o emprego de métodos
especiais de lançamento e compactação, além da necessidade de um controle
de qualidade “in situ” aperfeiçoado [1].
Nos dias atuais, o uso com sucesso do CCR como material de
construção civil já é bem difundido em uma grande variedade de campos de
aplicação, desde a pavimentação de rodovias até barragens de usinas
hidrelétricas.
Os primeiros estudos com relação ao CCR tiveram início no Reino Unido
nos anos 1940, inicialmente dirigidos ao desenvolvimento de pavimentos de
concreto. Nas décadas seguintes, as pesquisas também se concentraram na
avaliação do seu emprego em estruturas hidráulicas, resultando na idealização
das barragens pioneiras edificadas com esta técnica. As barragens de
Shimajigawa e Willow Creek, situadas respectivamente no Japão e nos
Estados Unidos, foram as primeiras do mundo inteiramente construídas em
concreto compactado com rolo [1].
No Brasil, as aplicações iniciais do CCR ocorreram na construção das
barragens de São Simão (1977) e de Saco de Nova Olinda (1986), sendo esta
última a primeira barragem do país totalmente construída com este material [1].
De acordo com o anuário da International Water Power & Dam
Construction, ao final de 2007 havia mais de 330 barragens em CCR
espalhadas pelo mundo, das quais aproximadamente 60 estavam localizadas
em território brasileiro [2]. Uma destas barragens é o objeto de estudo deste
trabalho.
A estrutura avaliada é parte de um complexo hidrelétrico com 246
megawatts de potência total instalada, situado na bacia do rio Iguaçu, na região
sul do Brasil. Trata-se de uma barragem do tipo gravidade com 588 metros de
extensão e altura máxima da crista de 67 metros. O volume total de concreto
empregado foi de aproximadamente 480.000 metros cúbicos. Durante a sua
construção, sensores de instrumentação e um complexo sistema de drenagem
(constituído por 286 drenos de diferentes tipos) foram sistematicamente
implementados no corpo da estrutura. A operação da usina hidrelétrica teve
início em agosto de 2005.
Procedimento experimental
O procedimento experimental consistiu, basicamente, da coleta
bimestral de amostras de água em pontos previamente definidos no interior da
galeria de inspeção e no reservatório da barragem. Estes pontos consistiam de
drenos de fundação, de cortina e de junta, bem como de medidores de vazão
existentes. Ao todo, as amostras de água foram coletadas de 28 locais
distintos, conforme especificado na Tabela 1.
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Tabela 1: Pontos de coleta de amostras de água
Tipo do ponto de
coleta
Quantidade
Medidores de vazão
2
Drenos de junta
6
Drenos de cortina
9
Drenos de fundação
6
Fissuras
2
Reservatório
3
Total
28
Observação
Reúnem toda a água percolada
através do corpo da barragem
2 drenos na margem direita e 4 na
margem esquerda
4 drenos na margem direita e 5 na
margem esquerda
3 drenos em cada margem da
barragem
Locais com gotejamento nas
proximidades de drenos de junta
3 profundidades distintas: superfície,
meio e fundo
-
A seleção dos drenos foi realizada em função da vazão individual dos
mesmos, tendo sido escolhidos aqueles que apresentavam os maiores valores.
Os diferentes tipos de drenos são mostrados nas fotos da Fig. 1.
Nos instantes das coletas, as temperaturas das amostras e as vazões
dos respectivos pontos foram medidas e anotadas.
Figura 1: Tipos de drenos no interior da galeria de inspeção da barragem:
dreno de fundação (esquerda); dreno de cortina (centro); dreno de junta
(direita)
Depois da obtenção de todas as amostras em cada campanha de coleta,
as mesmas foram trazidas ao laboratório para realização de análises físicoquímicas, de acordo com a metodologia da American Public Health Association
[3].
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Foram determinados os seguintes parâmetros:
•
•
•
•
•
•
•
•
•
•
pH,
condutividade,
alcalinidade total,
alcalinidade à fenolftaleína,
sólidos suspensos,
sólidos dissolvidos,
sólidos totais,
turbidez,
dureza, e
concentração iônica (Ca2+, Mg2+, Na+, K+, Fe3+, Al3+, Si4+, F–, Cl–,
NO3–, NO2–, SO42–, Br–, e PO43–).
Os equipamentos utilizados consistiam de um espectrofotômetro de
absorção atômica Perkin-Elmer 4110 e de um cromatógrafo de íons de alta
performance Dionex 2010 I.
Os resultados das concentrações iônicas das amostras obtidas em cada
ponto de coleta foram subtraídos do correspondente valor médio das amostras
coletadas no reservatório. Para determinarem-se as quantias de íons lixiviados
do concreto, as vazões de cada ponto foram consideradas. No entanto, no
cálculo da perda de massa iônica total do corpo da barragem, somente os
resultados dos medidores de vazão foram suficientes para permitir tal
determinação, uma vez que estes dois pontos situam-se na cota mais baixa da
galeria de inspeção e recebem toda a água de percolação da estrutura. A foto
de um típico medidor de vazão triangular pode ser vista na Fig. 2.
Figura 2: Medidor de vazão triangular típico, situado no interior da galeria de
inspeção da barragem
As amostras de água percolada foram coletadas, a cada dois ou três
meses, no período de outubro de 2007 a agosto de 2008. Coletas adicionais
vêm sendo feitas, pois há a previsão de que o estudo continue por mais tempo.
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Resultados e discussões
Análises físico-químicas das amostras de água
Os parâmetros físico-químicos das amostras de água coletadas, em
cada campanha, nos medidores de vazão (identificados como MV1 e MV2),
bem como os respectivos valores de vazão, encontram-se apresentados nos
gráficos da Fig. 3. O MV1 recebe toda a água de percolação proveniente da
margem esquerda da barragem, enquanto que o MV2 acumula a água
percolada na margem direita da estrutura. Os valores médios correspondentes
das amostras obtidas no reservatório também são mostrados.
Reservatório
MV1
MV2
15 pH
10
5
0
30 Temperatura (oC)
20
10
0
18 Turbidez (NTU)
12
6
0
150 Sólidos dissolvidos (mg/l)
100
50
0
12 Sólidos suspensos (mg/l)
8
4
0
120 Alcalinidade total (mgCaCO3/l)
80
40
0
45 Alcalinidade à fenolftaleína (mgCaCO /l)
3
30
15
0
300 Condutividade (μS/cm)
200
100
0
60 Dureza (mg/l)
40
20
0
150 Vazão (l/min)
100
50
0
10/10/2007
4/12/2007
4/3/2008
10/6/2008
12/8/2008
Figura 3: Variação, ao longo do tempo, dos parâmetros físico-químicos das
amostras de água dos medidores de vazão e do reservatório
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Os gráficos mostrando os resultados das concentrações de cátions e
ânions das amostras de água obtidas nos medidores de vazão e no
reservatório durante as campanhas de coleta são apresentados na Fig. 4 e na
Fig. 5, respectivamente. As respectivas vazões também são mostradas.
Reservatório
MV1
MV2
15 Si4+ (mg/l)
10
5
0
1,2 Al3+ (mg/l)
0,8
0,4
0,0
3 Fe3+ (mg/l)
2
1
0
12 K+ (mg/l)
8
4
0
18 Na+ (mg/l)
12
6
0
1,5 Mg2+ (mg/l)
1,0
0,5
0,0
24 Ca2+ (mg/l)
16
8
0
150 Vazão (l/min)
100
50
0
10/10/2007
4/12/2007
4/3/2008
10/6/2008
12/8/2008
Figura 4: Variação, ao longo do tempo, das concentrações de cátions das
amostras de água dos medidores de vazão e do reservatório
Estimativa da perda de massa iônica
Os resultados parciais de perda de massa iônica – estimados para a
barragem como um todo, devidos à lixiviação do concreto pela água percolada
através do volume da barragem – são apresentados na Fig. 6. Os dados são
mostrados para cada campanha de coleta de amostras, realizadas
periodicamente desde outubro de 2007. No gráfico maior constam os
resultados totais de perda de massa iônica, bem como os resultados
individuais para os medidores de vazão MV1 e MV2. Informações acerca da
vazão e do nível de água do reservatório podem ser visualizadas no gráfico
inferior.
É possível perceber-se que os valores de perda de massa iônica e de
vazão possuem uma relação direta com o nível do reservatório, o que é um
comportamento perfeitamente normal e esperado, devido à pressão
hidrostática atuante nas paredes de montante da barragem.
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Reservatório
1,8
1,2
0,6
0,0
0,12
0,08
0,04
0,00
24
16
8
0
0,6
0,4
0,2
0,0
MV1
MV2
34
PO (mg/l)
Br- (mg/l)
SO42- (mg/l)
NO3- (mg/l)
6 NO - (mg/l)
2
4
2
0
12 Cl- (mg/l)
8
4
0
0,3 F- (mg/l)
0,2
0,1
0,0
150 Vazão (l/min)
100
50
0
10/10/2007
4/12/2007
4/3/2008
10/6/2008
12/8/2008
Figura 5: Variação, ao longo do tempo, das concentrações de ânions das
amostras de água dos medidores de vazão e do reservatório
Considerando-se o valor médio de perda de massa iônica das cinco
campanhas realizadas, o qual é de 167 kg/mês, a quantia anual estimada para
a perda de massa iônica chega a atingir 2 toneladas.
O valor obtido encontra-se dentro da normalidade se considerarmos que
o mesmo representa meros 0,00016% da massa total de concreto da
barragem, que é de aproximadamente 1.272.000 toneladas. Além disso, devese ter em mente que a perda de massa iônica estimada é um parâmetro global,
pois inclui toda a água de infiltração que percola através da estrutura e
converge para os medidores de vazão.
Por essa razão, é importante efetuar também a estimativa das perdas de
massa individuais para cada dreno – ou, ao menos, para aqueles que
apresentarem as maiores vazões – de maneira a ser possível detectar-se a
ocorrência de eventuais perdas de massa expressivas que possam se
transformar em problemas estruturais em regiões específicas da barragem. A
colocação deste procedimento em prática é importante para dar subsídios
técnicos precisos aos engenheiros de campo e às equipes de manutenção civil,
de forma a poderem ser planejadas intervenções imediatas e futuras para
reparo ou recuperação das estruturas, quando necessário.
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805
300
tó i( )
Perda de massa iônica
(kg/mês)
350
810
Perda de massa iônica do MV1
Perda de massa iônica do MV2
Nível do reservatório
800
250
200
795
150
Ní l d
400
790
100
785
50
Vazão(l/min)
0
0
50
100
150
200
250
300
780
OUT 2007
DEZ 2007
MAR 2008
JUN 2008
AGO 2008
Vazão do MV1
Vazão do MV2
Figura 6: Perda de massa iônica mensal estimada para cada período
Conclusões
Apesar do estudo ainda se encontrar na fase inicial – somente cinco
campanhas de coleta foram realizadas – o procedimento de avaliação proposto
demonstrou ser um método apropriado para a estimativa da perda de massa
iônica causada pela infiltração da água no corpo da barragem em CCR.
Informações importantes concernentes à percolação de água global puderam
ser obtidas, bem como dados individuais relativos aos outros 23 drenos e
fissuras (avaliados, porém não apresentados neste trabalho). Considerando-se
os resultados médios bimestrais de perda de massa iônica, apresentados por
ambos os medidores de vazão MV1 e MV2, chega-se a um valor anual
estimado de aproximadamente 2.000 kg. Além disso, também verificou-se uma
relação direta entre a vazão e a perda de massa iônica.
O monitoramento periódico e constante da perda de massa iônica de
drenos, juntas e fissuras pode indicar a existência de danos estruturais
causados pela lixiviação do concreto, da argamassa, do cimento ou até mesmo
dos agregados presentes na composição do CCR. Desta forma, a continuidade
desde estudo é essencial não apenas para prover as equipes de manutenção
com dados precisos, mas acima de tudo para garantir a estabilidade e a
segurança da barragem.
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Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer ao LACTEC, à ELEJOR, à COPEL,
à ANEEL e ao CNPq (PIBITI) pelo apoio técnico e suporte financeiro na
execução deste trabalho.
Referências
[1] Andriolo F. R. The Use of Roller Compacted Concrete. Oficina de Textos,
São Paulo, 1998.
[2] International Water Power & Dam Construction. Year Book 2007. IWPDC,
United Kingdom, 2007.
[3] American Public Health Association. Standard Methods for the Examination
of Water and Wastewater. APHA, Washington, 1998.
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Estudo e Acompanhamento da Perda de Massa Iônica