UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA As Mudanças na Família Brasileira a Partir do Século XIX Por: Natália de Oliveira Orientador Profª. Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2012 2 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA As Mudanças na Família Brasileira a Partir do Século XIX Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Terapia de Família. Por: Natália de Oliveira 3 AGRADECIMENTOS A Deus, aos meus Pais , a orientadora e profª Fabiane Muniz, aos meus amigos de turma e a todos os professores que tive no curso de Terapia de Família. 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho com muito amor e carinho aos meus pais Vilma e Jorge. 5 “Toda a doutrina social que visa destruir a família é má, e para mais inaplicável. Quando se decompõe uma sociedade, o que se acha como resíduo final não é o indivíduo, mas sim a família.” Victor Hugo 6 RESUMO O presente trabalho é um estudo sobre as mudanças que ocorreram na família brasileira a partir do século XIX até os dias atuais. O objetivo foi analisar e identificar o que mudou na família brasileira a partir do século XIX e o que essas mudanças significaram. Desta forma busquei aprimorar conhecimentos sobre a constituição da família brasileira fazendo um estudo comparativo da formação da família brasileira do século XIX até a família brasileira atual. Além disso, procurei identificar e compreender os novos arranjos familiares existente no século XXI. O capítulo I é um estudo sobre como era a família brasileira no século XIX, para isso abordei como era o contexto histórico do Brasil nesta época e como este modelo de família patriarcal vivia inserido neste contexto. No capítulo II estudei sobre as mudanças na dinâmica familiar brasileira a partir do século XIX, analisando as transformações que ocorreram nas estruturas das famílias brasileiras principalmente nas famílias do século XX. O capítulo 3 é sobre o que vem a ser a família brasileira no século XXI com seus diversos arranjos familiares bem como suas diferentes funções na atualidade. Diante de todo este estudo podemos concluir que o importante é compreender que a família é uma organização dinâmica e mutável ao longo dos tempos e que acaba ocupando o lugar que os padrões culturais de uma determinada sociedade lhes indicam. Por isso é de suma importância entender as mudanças e os novos arranjos familiares da família brasileira na atualidade, pois compreender este processo nos possibilitará exercer uma atuação profissional de melhor qualidade com essas famílias. Palavras-chave: Brasil, Família, Mudanças e Novos arranjos familiares. 7 METODOLOGIA A metodologia pela qual optei aplicar neste trabalho trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois foi baseada em pesquisas bibliográficas. A partir da leitura de alguns autores como Philippe Áries, Gilberto Freyre, Hernani Donato, Danda Prado, Antonio Candido, Eni Samara de Mesquita, Lia Fukui, Luiz Carlos Osório, dentre outros, procurei compreender o que mudou na formação da família brasileira a partir do século XIX e o que estas mudanças significaram. Para isso realizei esse estudo bibliográfico sobre as famílias brasileiras do século XIX ao século XXI. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...................................................................................................09 CAPÍTULO I - A Família Brasileira do Século XIX.........................................11 1.1 - O Brasil do Século XIX..............................................................................11 1.2 - A Família Patriarcal Brasileira....................................................................15 CAPÍTULO II - As Mudanças na Dinâmica Familiar Brasileira a partir do Século XIX......................................................................................20 2.1 - Transformações nas Estruturas das Famílias Brasileiras a partir do Século XIX........................................................................................20 2.2 – A Família Brasileira do Século XX............................................................24 CAPÍTULO III - A Família Brasileira do Século XXI ............................29 3.1 - A Família Contemporânea.........................................................................29 3.2 - Novos Arranjos Familiares.........................................................................33 3.3 – As Funções da Família na Contemporaneidade.......................................35 CONCLUSÃO....................................................................................................38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................39 WEBGRAFIAS..................................................................................................42 9 INTRODUÇÃO A família brasileira a partir do século XIX vem sofrendo importantes transformações sociais, políticas, culturais, econômicas e biológicas que influenciam os conceitos da mesma e as tendências de conduta e comportamento diante de determinadas situações. O presente trabalho busca compreender o que mudou na formação da família brasileira a partir do século XIX e o que estas mudanças significaram. Desta forma busca aprimorar conhecimentos sobre a constituição da família brasileira, comparando a formação da família brasileira do século XIX até a família brasileira atual. Além disso, objetiva compreender os novos arranjos familiares do século XXI. Estudos mostram que a família brasileira vem sofrendo grandes transformações principalmente a partir do século XIX quando a família era nuclear, ou seja, constituída por um pai, mãe e filhos. Todo século XIX foi marcado pela repressão do pai ao resto da família que não desfrutava do direito de opinar em situação alguma sobre o próprio futuro ou expor sua opinião sobre seus gostos, desejos e anseios. Com a Revolução industrial e com a revolução feminista, o posicionamento das mulheres mudou radicalmente em menos de meio século o que possibilitou que o papel da mulher na família se transformasse. A mulher que antes precisava se preocupar apenas em cuidar do lar, de seus filhos e de seu marido, teve a oportunidade de se incluir no mercado de trabalho. Além disso, os homens viram a necessidade de repensar seu papel na família. A partir de meados do século XX, o homem foi cada vez mais perdendo o domínio sobre a chefia da família e todo o autoritarismo decorrente disso. O homem moderno do século XXI aprendeu a ser gentil, compreender que as tarefas da casa pertencem a eles também, educar os filhos junto com as esposas e dividir e compartilhar os trabalhos domésticos. No início do século XXI, percebem-se grandes metamorfoses nas famílias tais como: a diminuição do número de filhos, a redução de número de matrimônios realizados legalmente, o aumento de separações e divórcios. 10 A divisão sexual dos papéis, ou seja, as funções socialmente destinadas aos homens e mulheres nas famílias são questionadas, não havendo mais a rígida separação dos papéis, demonstrando uma estrutura mais aberta e flexível. Atualmente o conceito de família supera os parâmetros da consangüinidade e do parentesco e apresenta um sentido mais amplo, fundamentado na convivência e nas relações mútuas de cuidado e proteção entre indivíduos que construíram laços afetivos entre si. É possível focalizar a família como objeto de estudo a partir da constatação de que ela desempenha papel fundamental no desenvolvimento e manutenção da saúde e no equilíbrio emocional de seus membros. Desta forma é de suma importância entender as mudanças e os novos arranjos familiares da família brasileira na atualidade, pois compreender este processo nos possibilitará exercer uma atuação profissional de melhor qualidade com essas famílias. . 11 CAPÍTULO I A Família Brasileira do Século XIX Este capitulo abordou sobre o contexto histórico brasileiro do século XIX, com suas mudanças econômicas políticas e sócio culturais. Além disso, retrata como a família brasileira de modelo patriarcal se configurava e se estruturava neste contexto. 1.1 – O Brasil do Século XIX No decorrer do século XIX, o Brasil passou por diversas mudanças e acontecimentos, tanto no âmbito político e econômico quanto no sócio-cultural. Segundo Donato (1999) essas mudanças foram iniciadas com a vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808. Segundo o autor, até a chegada da família real no Brasil não se podia fabricar quase nada, e os barcos estrangeiros eram impedidos de ancorar em portos da colônia. Além disso, com a chegada da corte portuguesa no Brasil mudaram-se o cotidiano brasileiro da produção e do comercio. A chegada da família real no Brasil trouxe consigo bancos, bibliotecas, crescimento das cidades, abertura dos portos as nações amigas, mudanças econômicas e culturais, fatos que transformaram o futuro do país. Além disso, nobres famílias se estabeleceram no país juntamente com bons colégios e faculdades melhorando a educação a quem a ela tinha acesso. Na política o Brasil conquistou a independência em 1822 com D Pedro I porem a família real se manteve no poder até o momento que surgiram crises e revoltas populares. A independência política não afetou a estrutura social e econômica, pelo contrário o país continuava escravista, monocultor, agrário e exportador. Logo após a Independência do Brasil o imperador D Pedro I outorgou a primeira Constituição Brasileira em 1824. O texto consagrava a monarquia hereditária com o poder repartido entre o Executivo, Legislativo, Judicial e o Moderador, que pertencia ao Imperador, dando-lhe controle total sobre os 12 restantes dos poderes. A Constituição ressaltava certos aspetos inovadores, como a definição da cidadania brasileira, a consagração de direitos e garantias dos cidadãos e o catolicismo como religião de Estado. Em 1831, o imperador abdica devido a diversas atitudes desgastantes como a outorga da constituição, o Poder Moderador, o forte centralismo e a crise econômica devido às guerras. Toda essa agitação política do governo de D Pedro I culminou em sua rápida saída do governo durante os primeiros meses de 1831. Sendo assim, os deputados da Assembléia resolveram instituir um governo provisório até que Dom Pedro II, herdeiro legítimo do trono, completasse a sua maioridade. É nesse contexto de transição política que começa o Período Regencial. O Período Regencial que durou de 1831 a 1840 foi considerado um período muito conturbado principalmente devido suas disputas políticas e revoltas regionais. Com o término do Período Regencial e o golpe da maioridade, deu-se início ao Segundo Reinado com a atuação de D. Pedro II como imperador de 1840 a 1889. Segundo Donato (1999), neste período o país padecia de uma grave crise econômica. Foram gastos muito dinheiro com as guerras de independência e com o reconhecimento da mesma pelo governo português. E seus dois produtos de exportação que eram o açúcar e o algodão estavam com os preços baixíssimos. Porém o café remediou tudo e proporcionou muito dinheiro para os cofres do império e para os fazendeiros. Para se ter uma idéia em 1860 o café representava 48.8 % das exportações nacionais. Com o café surgiram novas cidades, estenderam-se as ferrovias, muitas pessoas foram contratadas, milhares de trabalhadores livres foram trazidos da Europa (imigrantes), o que fez surgir uma aristocracia, a era dos barões de café, que era tão rica e poderosa quanto era a dos senhores de engenho. O café alem de sustentar os cofres públicos e particulares estimulou a imigração introduzindo o trabalho livre e propiciou avanços modernizantes . O Segundo Reinado pode ser dividido em três fases: a primeira (18401850) seria a fase da consolidação quando, no plano econômico, foi instituída a Tarifa Alves Branco (1844) que seria uma tentativa de romper com o livre cambismo em troca de medidas protecionistas. Além disso, em 1850 foi proibido o tráfico negreiro. A segunda fase (1850-1870), que seria o apogeu do 13 império, deu-se o início da comercialização cafeeira que de 1830 a 1880 foi o produto central da economia exportadora do país. Vale ressaltar que foi no segundo reinado que ocorreu um surto econômico devido a extinção do trafico negreiro que liberou as capitais para outros investimentos como, por exemplo, a produção cafeeira. A terceira fase (1870-1889) foi a fase do declínio do império devido às questões abolicionistas e à estagnação econômica, política e social. D Pedro II incentivou durante seu reinado importantes melhoramentos tais como: construção das ferrovias, os bondes puxados a burros, água encanada e a iluminação a gás. Com isso as cidades principais se alongaram. Embora houvesse conforto e luxo em algumas casas, as ruas continuavam de terra, estreitas, sujas, úmidas e malcheirosas. Dejetos eram lançados diretamente nas ruas, rios e praias e não havia esgotos sanitários. A higiene pública era um problema muito sério. Segundo Queirós (1978) em meados do século XIX São Paulo e Rio de Janeiro eram cidades expostas a todo tipo de contágio e viviam uma epidemia atrás da outra como a cólera, febre amarela e varíola. Só no final do século XIX é que a higiene pública mereceu cuidados que a técnica do tempo colocaria a disposição. Em relação à cultura Queirós (1978) retrata que quando o século XIX teve inicio pouca atenção era dada pelo Brasil aos assuntos culturais. Eram raras as escolas na colônia, estando proibida rigorosamente a imprensa e a publicação de livros alem disso dificilmente impressos estrangeiros entrariam no país. No entanto com a chegada da corte portuguesa esse quadro se alterou. Foi criada a escola medica na Bahia, o Real Horto, o Museu Real (hoje Museu Nacional), ocorreu ainda a criação da Academia Imperial de Belas - Artes e a criação de uma biblioteca pública, atualmente chamada de Biblioteca Nacional. Além disso, nesse período surge a Gazeta do Rio de Janeiro, que publicava não somente noticias da Corte e atos do governo, mas também livros, folhetos e periódicos. O jornalismo político, a oratória parlamentar e das ruas, o teatro, a música, a pintura e a poesia constituem a expressão maior dessa cultura do século XIX. A partir da metade do século XIX a escravidão no Brasil passou a ser contestada pela Inglaterra que estava interessada em ampliar seu mercado 14 consumidor no Brasil e no mundo, com isso o Parlamento Inglês aprovou a Lei Bill Aberdeen (1845), que proibia o tráfico de escravos, dando o poder aos ingleses de abordarem e aprisionarem navios de países que faziam esta prática. Em 1850, o Brasil cedeu às pressões inglesas e aprovou a Lei Eusébio de Queiróz que acabou com o tráfico negreiro. Em 1871 era aprovada a Lei do Ventre Livre que dava liberdade aos filhos de escravos nascidos a partir daquela data. E no ano de 1885 era promulgada a Lei dos Sexagenários que garantia liberdade aos escravos com mais de 60 anos de idade. Somente no final do século XIX é que a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, a abolição se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel. No entanto se a lei deu a liberdade jurídica aos escravos, a realidade foi cruel com muitos deles. Eles ficaram sem moradia, sem condições econômicas e sem nenhuma assistência por parte do Estado. Sendo assim muitos negros não conseguiam empregos e sofriam preconceito e discriminação racial. A grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e a sobreviver de trabalhos informais e temporários. Segundo Vianna (1994), nas ruas, na imprensa e na economia, três graves questões ganhavam força para derrubar a monarquia, são elas: a Questão Religiosa, opondo bispos ao próprio imperador, a Questão Militar, quando foi retirado o apoio dos quartéis ao trono e a Questão Servil, alinhando a vontade do povo contra os escravocratas. Segundo o autor, a república foi uma conseqüência. Com a Proclamação da Republica em 1889 o cotidiano do brasileiro mudou muito. As províncias passaram a se chamar Estados, ganhando autonomia; ministérios trocaram de nomes; os senadores não seriam mais vitalícios; ocorreu a abolição do conselho de estado e dos títulos de nobreza; a naturalização de estrangeiros residentes no pais; a separação da Igreja católica do Estado o que possibilitou o culto a outras religiões; a instituição do casamento civil e a abertura dos cemitérios para os mortos seguidores de qualquer religião. Segundo Vianna (1994), a República tinha o objetivo de ser totalmente diferente da Monarquia. Para isso, acelerou fortemente o projeto de tornar as 15 capitais brasileiras iguais em modernidade em relação às cidades européias e norte americanas, foram queimados os papeis que tratavam da escravidão do negro, a república apoiou os inventos e inventores que se propuseram colocar o Brasil ao nível da Europa. Essas intenções marcaram a entrada do país no Século XX. 1.2 – A Família Patriarcal Brasileira No inicio do século XIX, a vida urbana, praticamente inexistia no Brasil, que podia ser caracterizado como um enorme país rural, com um estilo de vida profundamente marcado pela aristocracia portuguesa, pelo cotidiano das grandes propriedades rurais e pelo sistema escravista. A cidade é um apêndice da área rural, com pequena população fixa, alguns artesãos, e um grande número de pessoas sem ocupações definidas. Estes fatos impunham um modelo de família, a família patriarcal brasileira, em que o poder cabia ao patriarca, ao redor do qual gravitavam membros da família, escravos, agregados, ao estilo casa grande e senzala, embora com diferenças entre as regiões brasileiras segundo os tamanhos das propriedades, onde muitas vezes não imperava a grande propriedade e os estilos mais aristocráticos de vida. A Família Patriarcal Brasileira seguia a mesma tradição da época em que os portugueses se instalaram no Brasil. Esta família não era formada apenas pelo marido, mulher e filhos, pois esta era um verdadeiro clã, incluindo a esposa, filhos, parentes, padrinhos, afilhados, amigos, dependentes e exescravos. Todos estes membros eram submetidos à autoridade indiscutível que emanava da figura do patriarca que detinha toda a autoridade sobre tudo e todos. Este Patriarca era o grande senhor rural proprietário de terras onde se plantavam as bases da economia brasileira da época como, por exemplo: café, cacau, cana-de-açúcar e outras grandes lavouras. Era ele que desde os tempos coloniais e imperiais presidia a organização familiar. Assim, segundo Teruya (2000), o modelo de família patriarcal pode ser descrito como um extenso grupo composto pelo núcleo conjugal e sua prole legítima, ao qual se incorporavam parentes, afilhados, agregados, escravos, 16 concubinas e bastardos; todos abrigados sob o mesmo domínio, na casagrande ou na senzala, sob a autoridade do patriarca, dono das riquezas, da terra, dos escravos e do mando político. Além disso, a família patriarcal se caracterizava pela sua baixa mobilidade social e geográfica, alta taxa de fertilidade e manutenção dos laços de parentesco com colaterais e ascendentes, tratando-se de um grupo multifuncional. Não havia comunidades sólidas, sindicatos, clubes ou outros órgãos que congregassem pessoas de interesses similares. A família patriarcal ocupava todos esses espaços, porém o que não fosse provido por ela representava um corpo estranho e indesejável. O próprio Estado, que enquanto ordem pública deveria estar acima das questões familiares, esbarrava nestas quando necessitava intervir, ou seja, não tinha autonomia. Alem disso, os governantes sabiam que essa família patriarcal solidamente organizada na verdade era o sustentáculo do Estado, pois impedia que a população tão escassa e quase nômade, se pulverizasse pelo país. A família patriarcal era uma forma dominante de constituição social e política e tinha no seu poder, o controle dos recursos da sociedade. Assim como relata a Coleção Nosso Século Volume 1: “A família patriarcal era, portanto, a espinha dorsal da sociedade e desempenhava os papéis de procriação, administração econômica e direção política. Na casagrande, coração e cérebro das poderosas fazendas, nasciam os numerosos filhos e netos do patriarca, traçavam-se os destinos da fazenda e educavam-se os futuros dirigentes do país. Cada um com seu papel, todos se moviam segundo intensa cooperação. A unidade da família devia ser preservada a todo custo, e, por isso, eram comuns os casamentos entre parentes. A fortuna do clã e suas propriedades se mantinham assim indivisíveis sob a chefia do patriarca” (Coleção Nosso Século vol. 1, 1985). 17 A família patriarcal era o mundo do homem visto que as mulheres e crianças não passavam de seres insignificantes e amedrontados, cuja maior aspiração dependia da vontade do patriarca que repreendia ao resto da família que não tinha o direito de opinar em situação alguma sobre o próprio futuro ou expor sua opinião sobre seus gostos, desejos e anseios. A religião católica exercia função importante na vida da família patriarcal. A educação doméstica era de cunho católico, assim as crianças aprendiam com as mães a ser piedosas, temendo a um Deus Todo – Poderoso: um Deus que via tudo o que se fazia entre os homens e registrava em um enorme caderno, para futuro castigo. As crianças aprendiam a rezar o Pai nosso, o Credo, a Ave Maria, o Salve Rainha e o catecismo. A maior parte dos engenhos tinha suas próprias capelas onde os mortos da família eram enterrados ao invés de serem levados para o cemitério. Assim, a disciplina doméstica tinha como base o temor de Deus. No entanto se este falhava entrava em cena o chicote, a severidade era exagerada. Rapazes de quinze anos eram castigados por ofensas que um pai do século posterior consideraria leves. As moças nunca tomavam parte na conversa dos mais velhos, a não ser quando convidadas. Os escravos eram espancados quando fosse pego em maus feitos e punidos com o tronco. Nesta época, as meninas amadureciam cedo, visto que aos quartoze ou quinze anos a menina já se vestia como uma senhora e se casavam. O casamento era arranjado pelo patriarca visto que o homem com o qual a moça se casava raramente era de sua própria escolha. Já os meninos aos quinze ou dezesseis anos terminavam o estudo no colégio e já ia para a escola superior ou para cursar direito ou medicina. E assim como nos casamentos das moças o patriarca que decidia qual seria o futuro profissional de seu filho. Devido às poucas opções de escolha, restava à mulher o casamento onde a mesma representava a proteção na família e tinha a obrigação de ensinar a decência e educar os filhos. Ao marido era de competência zelar pela segurança e conforto material da família. Os casamentos celebrados durante o século XIX em sua maioria eram arranjados. A legalização da união para a formação de uma nova família dependia do consentimento paterno, cuja autoridade era legítima e 18 incontestável, ou seja, era o pai que tinha a competência de decidir e até determinar o futuro dos filhos sem lhes consultar, sendo que em alguns casos os noivos jamais haviam se visto, se comunicado ou se tocado. Além disso, na família Patriarcal os casamentos eram realizados por conveniência, entre parentes ou entre membros de grupos econômicos que desejavam estabelecer alianças. Vale ressaltar que os filhos que se rebelavam e não aceitavam a determinação e a decisão paterna eram sempre castigados, deserdados e até expulsos de casa. Tendo por base uma distribuição extremamente rígida e hierárquica de papéis, a família patriarcal caracteriza-se também pelo controle da sexualidade feminina e pela regulamentação da procriação, para fins de herança e sucessão. No entanto, a sexualidade masculina se exercia livremente visto que era considerado normal que os homens buscassem satisfação sexual e emocional fora da órbita legal do matrimônio, mantendo concubinas, com as quais tinham filhos ilegítimos. Cotrim (2001) revela que os filhos mais velhos do patriarca desfrutavam de imensos privilégios, especialmente em relação aos seus irmãos. E os homens em geral dispunham de infinitas regalias, a começar pela dupla moral vigente, que lhes permitia aventuras com criadas e ex-escravas, desde que fosse guardada certa discrição, enquanto que às mulheres tudo era proibido, desde que não se destinasse à procriação e a vida religiosa. A mulher era subjugada à condição de total submissão, ao ponto de juridicamente ser-lhe negada a capacidade absoluta. As mulheres eram proibidas de se manifestar socialmente bem como de estudar e trabalhar sem o consentimento do pai ou do marido O patriarcado instaura a inferioridade da mulher no grupo social, sua capacidade de participar ativamente nas funções do grupo é colocada em dúvida pelo poder masculino, sendo essa relegada, então, ao espaço privado, passando a ser incluída subjetivamente como propriedade do homem. Dessa forma, as desigualdades de gênero vão sendo produzidas, consolidadas pelas relações sociais, políticas, econômicas e estabelecidas juridicamente, nos códigos de leis da sociedade da época. Portanto, era possível inferiorizar, explorar e até mesmo matar a mulher amparados por lei, sem que houvesse punição legal para o ato. 19 O papel das mulheres, da mãe era o de procriar e obedecer. Com os filhos essas mulheres mantinham poucos contatos, uma vez que os confiava aos cuidados de amas-de-leite, preceptoras e governantas. Sobravam-lhe então as amenidades, as parcas leituras e a supervisão dos trabalhos domésticos. “A Pátria é a família amplificada. E a família, divinamente constituída, tem por elementos orgânicos a honra, a disciplina, o sacrifício. É uma harmonia instintiva de vontades, uma desajustada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. (...) Multiplicai a família, e tereis a pátria” (Rui Barbosa). Até meados do século XIX, a casa-grande era o modelo perfeito do fechado mundo patriarcal. A reduzida elite das grandes cidades, ou seja, os comerciantes, profissionais liberais e altos funcionários públicos transportavam esse modelo para os austeros sobrados urbanos onde morava. Assim, a mulher se restringida às quatro paredes de sua casa e deveria obedecer pacificamente ao seu marido e se dedicar a educação dos filhos assim como era na família patriarcal. Corrêa (1982) relata que a família patriarcal é a imagem mais representativa no Brasil, sendo um modelo fixo onde os integrantes apenas são substituídos no decorrer das gerações. Segundo Samara (2002) na história brasileira, esta família sempre foi vista como uma instituição que impôs normas e valores morais desde o Brasil Colônia. “Na família patriarcal, as praticas sociais como a submissão da mulher e o casamento entre parentes eram consideradas como formas de demonstrar a importância da linhagem e de seu contexto histórico dentro da sociedade da época” (José Filho, 1998, p.47). 20 CAPÍTULO II As Mudanças na Dinâmica Familiar Brasileira a partir do Século XIX Este capitulo retratou as mudanças na dinâmica familiar brasileira a partir do século XIX, tendo em vista as grandes mudanças substanciais pelas quais passou a sociedade brasileira nesta época. Tais mudanças fizeram com que importantes transformações ocorressem nas estruturas das famílias brasileiras principalmente nas famílias do século XX. 2.1 - Transformações nas Estruturas da Família Brasileira a partir do Século XIX Em meados do século XIX, a Europa sofre modificações com a Revolução Industrial. Este acontecimento atinge o Brasil, que na época ainda era um pais rural, transformando os serviços urbanos. Desta forma muitas transformações ocorreram no Brasil. Foi um extenso período de evolução para o país, que começa a se transformar lentamente numa nação moderna. A partir da segunda metade do século XIX, a economia brasileira entra num período de prosperidade e diversificação de atividades. O café torna-se a base da economia do país e a indústria começa a se desenvolver.A constituição de um mercado consumidor e a grande acumulação de capitais gerados pelo café foram fatores decisivos para a instalação de indústrias no país acentuando a urbanização, dando nova direção ao povoamento no país. A sociedade e a economia brasileiras passaram, na segunda metade do século XIX, por significativas transformações que alteraram o processo histórico nacional. Neste período, ocorreu a extinção do tráfico negreiro, um relativo desenvolvimento industrial, um extraordinário crescimento da produção cafeeira e da imigração, a sistematização do trabalho assalariado, a abolição da escravidão e, do ponto de vista político, a proclamação da República. Diante disso, durante a segunda metade do século XIX, a sociedade brasileira passou por mudanças fundamentais nos campos políticos, econômicos, sociais e culturais. Sendo assim, mudaram-se as formas de ver e entender a nova realidade da época. 21 A transformação da sociedade rural, na qual predominava a família patriarcal, fechada em si mesma, para uma sociedade de bases industriais com as suas implicações de mobilidade social, geográfica e cultural acarretou transformações igualmente marcantes no modelo tradicional de família. Com a Proclamação da República, a família patriarcal começa a mostrar sinais de fraqueza, pois com o novo regime republicano foi formando-se cidades, as novas profissões, a luz elétrica, os bondes, os imigrantes, as lojas comerciais, as indústrias, o que ameaçava o poder do patriarca. Com isso pouco a pouco o patriarca é obrigado a se relacionar com os outrora indesejáveis elementos “de fora”. É forçado a ampliar seus negócios nos centros urbanos, para preservar seu patrimônio. Além disso, o patriarca abandona a casa-grande e se muda para os palacetes da Capital. A partir da segunda metade do século XIX, com o início do processo de industrialização, opera-se uma mudança na família e o modelo patriarcal, vigente até então, passa a ser questionado. Começa a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas atribuições para os papéis do homem e da mulher no casamento. Assim surge o modelo de família nuclear burguesa. Cândido (1951) buscou marcar as transformações sofridas pela família patriarcal colonial e rural quando transplantada para o século XX. Para o autor a família patriarcal teria se transformado ao longo do século XIX, com filhos menos dependentes do poder patriarcal (com a possibilidade de carreiras autônomas ou políticas). Segundo Candido (1951) a família se nucleariza para atender melhor as demandas da sociedade moderna, e ao perder a sua função produtiva, o grupo tende a se relacionar única e exclusivamente a partir dos laços de afeto mútuo. Podemos perceber que a família sofre fortes influências políticas, econômicas, sociais e culturais, ocasionando mudanças nos papéis e nas relações em seu interior, bem como alterando sua estrutura no que diz respeito à composição familiar. Segundo Teruya (2000) as transformações nas estruturas da família brasileira têm inicio a partir da chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro. Segundo a autora este fato faz com que comece a aparecer uma vida social na 22 colônia, originando o estabelecimento de oportunidades de estudos e outras formas de ascensão social. Na história da formação da família brasileira dois modelos principais de família são destacados são eles: a família patriarcal, modelo instaurado no Brasil colônia e a família burguesa ou nuclear. Quando se fala em estrutura familiar estamos nos referindo aos tipos de agregados domésticos e à sua dimensão. Assim enquanto na sociedade contemporânea encontramos uma grande diversidade de estruturas familiares, até meados do século XX predominavam duas estruturas de família: a família extensa e a família nuclear. O chamado modelo patriarcal de família tem referência com o modelo senhorial e os clãs parentais. É um tipo de estrutura de família extensa, ou seja, é um conceito de família que abriga em seu seio todos os agregados como foi abordado já foi abordado no capítulo I deste trabalho. Na família patriarcal, o chefe da família, o patriarca representava a figura do poder e de autoridade. O patriarca era o responsável pelo controle dos negócios, o sustento material da família, e pela manutenção da ordem familiar. A mulher da família patriarcal apresentava como características a afabilidade e a submissão possuindo atribuições voltadas para o ambiente doméstico. Este modelo familiar era encontrado principalmente nos latifúndios, que na época colonial se baseavam em matrizes escravocrata e na monocultura. Essas famílias desempenhavam funções econômicas e políticas e exerciam poder sobre a igreja, instituições econômicas e poderes locais. Já a família burguesa, também chamada de família nuclear que foi introduzida no Brasil no começo do século XX com o início do processo de modernização, urbanização e industrialização do país, é outro modelo que influenciou fortemente a concepção de família existente na atualidade. Este tipo de estrutura familiar difere da tradicional família patriarcal, pois é composta apenas pelo núcleo principal representado pelo chefe da família (pai), sua esposa e os seus descendentes legítimos. Neste modelo familiar, é atribuído à mulher o papel de boa esposa e mãe. O amor à família é um dos sentimentos ressaltados e cultivados e a mulher é considerada o sustentáculo do lar e da família. 23 Na família burguesa a divisão de tarefas e os papéis a serem desempenhados pelo homem e a mulher eram rigorosamente estipulados. Ao marido, considerado a maior autoridade do lar, era destinada a função de provedor econômico. Já, para a esposa, eram designado os cuidados com o ambiente doméstico e a educação dos filhos, sendo esta submissa ao marido. Poster (1979) coloca que a família burguesa mantinha um sólido vínculo afetivo entre seus membros e que os papéis eram claramente definidos: o pai sustentava a casa, supria as necessidades materiais (mundo externo), a mãe cuidava da casa e da educação dos filhos e tentava suprir em todos os sentidos as necessidades físicas e emocionais de seus componentes (mundo interno), e os filhos eram obedientes e estudiosos Deste modo, o desempenho, a dedicação ao marido e a administração do lar eram as prioridades da mulher que possuía uma relação mais próxima de seus filhos, e o pai permanecia uma figura distante. O lar era considerado um local seguro, acolhedor e aconchegante, sendo valorizada a intimidade deste ambiente. Segundo Costa (1989), a permanência da mulher no interior da casa devia-se, antes de qualquer coisa, à sua função econômica. “Dependendo juridicamente, afetivamente, moralmente e religiosamente do marido, prestava-se docilmente a organizar a produção econômica da casa. Mão-de-obra gratuita, a mulher permitiu por muito tempo a autosuficiência das residências. A dona de casa era enfermeira, médica, sacerdote e professora, distribuindo medicamentos em caso de doenças, ensinando aos filhos as primeiras letras e cumprindo uma enorme quantidade de obrigações religiosas” (Costa1989, p.93). POSTER (1979) enfatiza que a família burguesa (nuclear) assumiu um papel intenso do ponto de vista emocional e da privacidade, com o passar dos tempos visto que o casamento começou a vir imbuído de romance e sentimentos. A divisão de papéis sexuais nas relações da família contribuiu para a perpetuação do modelo durante um bom tempo. 24 2.2 – A Família Brasileira do Século XX A passagem do século XIX para o XX, no Brasil, foi caracterizada por mudanças substanciais na sociedade, na política, na economia, enfim em todo o país. O século XX foi cenário de grandes transformações na estrutura da família brasileira. O desenvolvimento capitalista e da própria sociedade industrial, afetaram diretamente, o modelo de família, promovendo a contestação das relações de dominação-subordinação entre homem e mulher, sobre o controle da sexualidade feminina e, também, a própria forma do vínculo conjugal. Um conjunto de bandeiras levantadas, especialmente, no século XX, contra o machismo, a favor do feminismo, contra o poder fálico, a favor do divórcio e outras atacaram diretamente o modelo de família patriarcal. O século XX foi marcado pela urbanização da sociedade propiciando inúmeras transformações que ocorreram na produção, na distribuição, na troca, no consumo e nas relações sociais. A dinâmica social e espacial deste período é caracterizada pelo "modo de vida urbano". Segundo Souza: “A urbanização modificou o exercício do poder patriarcal, tornando-o impessoal, abstraindo-o da figura do patriarca. Pode-se sugerir a tese que o Estado moderno roubou este poder na figura pessoal de quem o exercia. Nossa investigação demonstra que a urbanização mudou a relação entre os sexos, diminuindo os excessos do patriarca, pois limitou seu poder. As modas, os romances, os bailes e os teatros tornam-se mais importantes do que a igreja. Neste contexto um novo mundo estava se abrindo para as mulheres” (Souza, 2000, p. 239). Com a revolução industrial e com a revolução feminista o posicionamento das mulheres mudou radicalmente em menos de meio século, o que provocou uma reorganização da sociedade e levou aos homens a necessidade de repensar seu papel. 25 Assim como as mulheres estrangeiras, que com a segunda guerra mundial foram obrigadas a saírem de casa e trabalhar em fábricas, visto que com os homens na guerra, as mulheres tiveram que tomar conta da produção industrial de armamentos, munições, roupas e alimentos, as mulheres brasileiras também começaram a entrar no mercado de trabalho, pois estas sofreram os impactos da guerra também aqui no Brasil. Samara (2002) pontua que a presença feminina no mercado de trabalho no século XX, apesar de significativa, era predominantemente ao nível do trabalho e mão-de-obra não qualificada. Somente a partir de 1930 é que as mulheres passaram a ter presença significativa nos cursos superiores. Essas mudanças, no entanto, foram realizadas, a princípio, por mulheres das classes de elite e das classes médias urbanas. Essa mudança radical afetou o comportamento da mulher na família. A partir de meados do século XX a vida econômica passou a ser cada vez mais compartilhada entre o casal e o homem perdeu o domínio absoluto sobre a chefia da família, além disso, perdeu todo o autoritarismo decorrente disso. Os conflitos e as transformações que acontecem na família, ocorridos pelo processo de modernização são explicados por Vaitsman: “O desenvolvimento da sociedade capitalista, mais tarde sociedade industrial moderna levou a uma redefinição não só da relação entre as classes, mas também das relações de gênero. A família privatizou - se e transformou- se em família conjugal moderna, perdendo assim suas funções produtivas segundo a concepção econômica que passou a representar como produtivas – apenas as relações exercidas na esfera do trabalho remunerado" (Vaitsman1994). Teruya (2000) afirma que a união do processo de urbanização e da industrialização da sociedade no século XX, juntamente com o fenômeno da migração, possibilitou o enfraquecimento das relações de parentesco, a redução do tamanho da família e a redução do poder do pai e do marido. 26 As transformações da família no século XX foram profundas, entre as quais podemos citar a gradual eliminação de seu papel como unidade produtiva por modificações na estrutura produtiva; o individualismo e a autonomia crescente dos jovens e mulheres debilitam o poder patriarcal, além da separação entre sexualidade e procriação. Tudo isso leva a diluir as funções da família como unidade social, permanecendo apenas uma série de vínculos familiares, vínculos entre pais, pais e filhos, entre irmãos e vínculos com parentes mais distantes. De acordo com toda essa mudança de estrutura familiar, juntamente com a entrada da mulher no mercado de trabalho, o homem passou a participar mais da educação e dos cuidados com o filho. Esse fator então propiciou uma melhoria tanto para os filhos como para a mulher que passou a obter maior apoio do homem na participação na vida dos filhos. Isso evidencia a superação do homem que passou do papel de provedor familiar, para um papel de maior engajamento na educação dos filhos, favorecendo então, a qualidade do envolvimento com sua prole. Desta forma as mudanças ocorridas durante o final do Século XIX e ao longo da primeira metade do Século XX, tiveram implicações diretas nas famílias brasileiras da segunda metade do Século XX, principalmente na saída da mulher para o mercado de trabalho, na educação dos filhos, na impessoalidade nas relações sociais, no controle da natalidade e no enfraquecimento dos laços de parentesco. Em todo o mundo, o conceito de família nuclear e a instituição casamento intimamente ligada a família passaram por grandes transformações, e no Brasil não foi diferente. A expressão mais marcante dessas transformações ocorreu no final da década de 60, onde cresceu o número de separações e divórcios. Além disso, a religião foi perdendo sua força, não mais conseguindo segurar casamentos com relações insatisfatórias. A igualdade passou a ser um pressuposto nas relações matrimoniais. A Constituição de 1988 representa a ruptura dos modelos de Estado e de sociedade até então vigentes no país e que marcará historicamente de maneira relevante a vida brasileira. Houve um deslocamento do foco, que antes era sempre voltado para a organização do Estado, e agora com a constituição é voltada para o indivíduo e para a coletividade. 27 Dentre as muitas transformações que ocorreram, a Constituição passa a reconhecer a família como a base da sociedade e, com isso, assegura-lhe especial proteção quando faz expressa referência ao casamento, à união estável e às famílias formadas por um só dos pais e seus filhos. Até então, o Direito de Família era tratado pelo Código Civil do início do século XX (1916) e tão somente disciplinava as relações dos núcleos familiares formados pelo casamento, onde o homem exercia sua supremacia sobre a mulher, mera coadjuvante restrita as atividades domésticas. De acordo com Alves: “O Código Civil de 1916 espelhava uma sociedade ainda patriarcal, na qual a figura do marido era central, tinha a incumbência de sustentar economicamente a família, enquanto à esposa cabia a função de cuidar dos filhos e da casa. Ao homem se aplicavam os mais amplos direitos de representar a família, administrar os bens de comuns e particulares da esposa, fixar domicílio da família e exercer o poder pátrio sobre os filhos, enquanto a mulher desempenhava papel secundário” (Alves, 2006). A constituição de 1988 alterou o modelo familiar, fundado única e exclusivamente no casamento, que tinha como finalidade a preservação do patrimônio mesmo que, conforme Farias (2006) a custa “da felicidade pessoal dos membros da família - a proteção da estrutura familiar se confundia com a tutela do próprio patrimônio”. A visão do Direito de Família, sustentada pelos artigos 226 a 230 da Constituição Federal de 1988, bem como pelos princípios deles decorrentes: da pluralidade de núcleos familiares; da igualdade entre homem e mulher, conferindo direitos e obrigações para ambos; da igualdade entre filhos; da facilitação da dissolução do casamento; da paternidade responsável e planejamento familiar – todos derivados do princípio máximo da Dignidade da Pessoa Humana – modificou a concepção que reconhecia a família somente centrada no casamento para ser compreendido segundo Farias (2006) como 28 uma verdadeira teia de solidariedade, afeto e ética, valores estes que antes eram desconhecidos da ciência do Direito. A família como formação social, na visão de Perlingiere (2002) é garantida pela Constituição não por ser portadora de um direito superior ou superindividual, mas por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana. Além disso, a família brasileira sofreu grandes modificações sociológicas, culturais e econômicas após a Constituição de 1988. De acordo com Mattos (2000) cinco grandes fatores macrossociais contribuíram para a transformação da família. O primeiro refere-se ás transformações no próprio sistema capitalista e a expansão do mercado que acaba inserindo a todos na dinâmica do trabalho e principalmente incorporando as mulheres ao trabalho remunerado. O segundo fator é a luta pelos direitos civis e pelas minorias, que traduzem, em síntese, o direito à vida, igualdade, liberdade, segurança acima e independentemente da cor, sexo e religião. O terceiro advém do crescente e contínuo movimento de individualização das mulheres, que se traduz no maior acesso ao mercado de trabalho e à escolarização. O quarto é a conseqüência do feminismo associada ao controle tecnológico da reprodução humana, separando reprodução do exercício da sexualidade. O quinto é uma maior visibilidade das alternativas identitárias de gênero, especialmente homossexuais, bissexuais ou transexuais. Esses dados demonstram que o paradigma da família sustentado na estrutura patrimonial e biológica está desaparecendo. A família está se adaptando às novas circunstâncias, assumindo um papel mais concentrado na qualidade das relações entre as pessoas. Atualmente a família constitui-se por múltiplos arranjos, sem a rejeição social e legal do passado; é menor, menos hierarquizada, contempla mais a dignidade profissional da mulher. A redução da taxa de fecundidade é justificada pelo interesse das famílias em dedicar maior atenção aos filhos e por fatores econômicos. Assim, a tradicional família nuclear que engloba pai, mãe e filhos, já não é mais a regra, pois se observa na sociedade contemporânea uma mudança na estrutura do modelo familiar. Outros padrões de casamento e de família vão se estruturando e passam a ser legitimados, fazendo com que as relações entre seus integrantes se tornem cada vez mais complexas. 29 CAPÍTULO III A Família Brasileira do Século XXI Este capítulo aborda sobre o que vem a ser a família brasileira do século XXI e como está família contemporânea se configura com seus diversos novos arranjos familiares bem como suas funções na atualidade principalmente as funções de cuidado e de socialização. 3.1 – A Família Contemporânea No início do século XXI, percebem-se importantes metamorfoses nas famílias: a diminuição do número de filhos, a redução de número de matrimônios realizados legalmente (casamento civil), o aumento de separações e divórcios e o aumento de famílias chefiadas por mulheres. A divisão sexual dos papéis, ou seja, as funções socialmente destinadas aos homens e mulheres nas famílias são questionadas, não havendo mais a rígida separação dos papéis, demonstrando uma estrutura mais aberta e flexível. Esses dados demonstram que a família brasileira está moldando uma nova cultura e um novo modo de viver, que não se adéquam mais ao modelo patriarcal e burguês (modelo de família nuclear), pois em seu tecido familiar estão imbricados as suas próprias particularidades, peculiaridades e valores. Na contemporaneidade, a família já não possui um “modelo” a ser seguido, pois cada uma possui suas particularidades e diferentes formas de enfrentamento das conseqüências da vida e da classe social onde está inserida. Vale ressaltar que outro aspecto relacionado à família atual é que esta não é estática. De acordo com Osório (1996) a família nasce, cresce, amadurece habitualmente se reproduz em novas famílias, encerrando seu ciclo vital com a morte dos membros que a originaram e a dispersão de seus descendentes para constituir novos núcleos familiares. Desse modo a família é influenciada pelas situações internas que lhe sucedem como: nascimento, casamento, morte de seus membros e por fatores externos: sociais, econômicos, culturais, entre outros. 30 Surge então a família contemporânea que é construída através de uma somatória de experiências e trajetórias particulares, manifestando-se através de arranjos familiares diferenciados e peculiares, denotando a impossibilidade de identificá-la como um padrão familiar uniforme e ideal. Muitos foram os fatores que contribuíram para a mutação da família na contemporaneidade. São eles: a legalização do divórcio no Brasil no final da década de 70, o advento da pílula anticoncepcional, a revolução sexual feminina, a entrada cada vez maior da mulher no mercado de trabalho e os avanços da medicina e da tecnologia. Danda Prado, em 1981, já apontava quatro formas de famílias cujas principais características as diferenciavam das formas tradicionais: a) A família criada em torno a um casamento dito “de participação” – trata-se ai de ultrapassar os papeis sexuais tradicionais. b) O casamento dito “experimental” – que consiste na coabitação durante algum tempo, só se legalizando a situação com o nascimento do primeiro filho. c) Outra forma de família seria aquela baseada na “união livre”. d) A família homossexual, quando duas pessoas do mesmo sexo se juntam, com crianças adotivas ou vindas de uniões anteriores, ou, no caso de duas mulheres, com filhos por inseminação artificial”. (Prado, 1981, p.19-22). A nova família, que anteriormente era definida pela obrigação e hoje é definida pelo afeto, cada vez mais aparece no cenário nacional, num debate em torno do presente e do futuro da instituição família e do valor da família diante da generalização do individualismo. Desta forma, a família contemporânea não é mais entendida apenas como decorrente de laços consangüíneos ou de matrimônio, mas se vale principalmente das relações de afetividade entre os entes que a compõem. Segundo Dias (2009), as pessoas se unem umas às outras pela afinidade, pelos projetos de vida e propósitos em comum. Assim, na constante 31 busca de realização pessoal e de felicidade, as famílias mais rapidamente se formam, e na mesma proporção se desestruturam já formando outras. As transformações ocorridas dentro e fora das famílias nas últimas décadas, segundo Fukui (1998), passam, principalmente, pela mudança de valores, pois o valor da família não prevalece mais sobre o dos sentimentos individuais das pessoas. Por muito tempo os valores associados à família estiveram sempre apoiados num princípio que atrelava sexualidade, reprodução e casamento, resultando num modelo de família conjugal, com casamento indissolúvel e monogâmico. Fukui também aponta que modificações essenciais ocorreram no plano das práticas, que, por sua vez, repercutiram no plano dos valores e paulatinamente foram mudando as representações de família na sociedade brasileira. A esse respeito o autor assinala três grandes transformações: “Primeiro, ocorreu a separação da sexualidade e da reprodução: o numero de filhos começa a ser previsto ou planejado. Segundo, a reprodução dissociou-se do casamento: não há mais filhos ilegítimos. E, finalmente, a sexualidade dissociou-se do casamento: reconheceu-se o direito as uniões consensuais. Estas transformações marcaram de tal forma a sociedade brasileira, que a lei brasileira teve que adaptar e assimilar uma série de mudanças” ( Fukui, 1998, p. 18-19). A compreensão de Singly (2000) sobre a família contemporânea é de que ela é, ao mesmo tempo e paradoxalmente, relacional e individualista. De acordo com a autora, é na tensão entre esses dois pólos que se constroem e se desfazem os laços familiares contemporâneos, onde cada um busca a fórmula mágica que lhe permita ser livre junto; onde o ideal é a alternância entre um eu sozinho e um eu com. Essa família caracteriza-se como um grupo regulado pelo amor, no qual os adultos estão a serviço do grupo e principalmente das crianças. 32 De acordo com a autora, os modelos familiares contemporâneos seguem a mesma perspectiva, na medida em que a lógica do amor vem se impondo cada vez mais visto que os cônjuges só ficam juntos sob a condição de se amarem e que também os pais estão mais propensos a dar ainda mais atenção às crianças. Atualmente as famílias se diferem pela ênfase que dão ao processo de individualização. Desta forma o elemento central não é mais o grupo reunido, mas os membros que compõem esta família. A família se transforma em um espaço privado a serviço dos indivíduos. Esta é a razão pela qual a família é designada por Singly (2000) como “relacional e individualista”. Prado (1996) afirma que vivemos em uma época narcísica em que predomina a individualidade; em um era na qual o casamento, no lugar de compromissos, deveres, obrigações e saber ceder, pode vir a se tornar uma maneira de auto realização, auto satisfação, um meio para se ter apenas vantagens próprias. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD /2007), três grandes revoluções sociais contribuíram para as transformações composição das famílias contemporâneas: a) revolução da contracepção, que é a dissociação entre sexualidade e reprodução humana; b) revolução sexual, ou seja, a separação de sexualidade e casamento e; c) revolução da posição social, que são as mudanças tradicionais de gênero. Assim as relações familiares foram assumindo cada vez mais formas mais flexíveis e heterogenias possibilitando que os fundamentos de legitimação das famílias fossem então se redefinindo. É a partir desses fatos que vão emergir os novos arranjos familiares. Para Moreira (2002), lidar com a família hoje é lidar com a diversidade, que pode ser classificada em várias tipologias, como por exemplo: famílias intactas (que ainda não sofreram processo de separação); famílias em processo de separação; famílias monoparentais; famílias reconstruídas; casais sem filhos por opção; famílias por uniões consensuais; famílias unipessoais; famílias constituídas por casais homossexuais; famílias constituídas com filhos adotivos; famílias constituídas por meio de novas técnicas de reprodução, famílias por associação, ou seja, os chamados novos arranjos familiares existentes na atualidade. 33 3.2 – Novos Arranjos Familiares Segundo diversos estudos sobre a família atual os novos arranjos familiares são manifestações dos modos de pensar, sentir e de se relacionar da família com a contemporaneidade. Dentre os vários arranjos familiares, podemos citar: 1) família nuclear (mãe, pai e filhos biológicos); 2) famílias extensas (incluindo três ou quatro gerações); 3) famílias reconstituídas, que são aquelas em que, após a separação conjugal, o indivíduo constitui uma nova família; 4) famílias monoparentais que são famílias decorrentes de divórcios ou separações onde somente um dos pais assume o cuidado dos filhos. Além disso, este arranjo familiar também ocorre quando um dos pais é viúvo ou solteiro. Existem famílias monoparental feminina e monoparental masculina; 5) famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; 6) famílias constituídas através de uniões consensuais, ou seja, o casal prefere morar junto sem formalizar sua união; 7) famílias unipessoais, que são os casais que vivem em casas separadas; 8) família compostas por casal sem filhos por opção; 9) famílias formadas por uniões homossexuais; 10) famílias por associação que é composta por amigos que formam uma rede de “parentesco” baseada na amizade. Sendo assim, surgem inúmeras organizações familiares alternativas: casamentos sucessivos com parceiros distintos e filhos de diferentes uniões; casais homossexuais adotando filhos legalmente; casais com filhos ou parceiros isolados ou mesmo cada um vivendo com uma das famílias de origem; as chamadas “produções independentes” tornam-se mais freqüentes; e mais ultimamente, duplas de mães solteiras ou já separadas compartilham a criação de seus filhos. Além disso, na família de hoje, é possível a mesma criança ter três mães. A primeira mãe, dona do óvulo, a segunda, que hospeda o embrião e o feto por nove meses, e a terceira, a mãe social, casada com o homem que doou seu espermatozóide para a fecundação do óvulo. 34 Podemos elencar alguns fatores que contribuíram para a formação dos novos arranjos familiares, são eles: novos direitos conquistados pelas mulheres que possibilitou a presença feminina mais forte na sociedade e na família; a separação do “feminino” do “materno” e do “sexo” do “biológico”; o aumento do consumo de contraceptivos possibilitando à mulher a escolha ou não pela maternidade; o afastamento da mulher como figura de “mãe amorosa” e “rainha do lar”, para um modelo de mulher sócio economicamente mais ativo; os homens começam a perder a postura machista de autoridade tanto em casa como no sexo; a maior incidência de mulheres pedindo divorcio e retomando suas vidas mesmo com filhos pequenos; mulheres com a opção de terem filhos mais tardiamente ou então de não tê-los. O senso do IBGE de 2002 indica que a maioria das famílias não é mais constituída por um pai, mãe e filhos (modelo nuclear). A pesquisa indica que 51% destas famílias são formadas por mães solteiras ou divorciadas, pais que criam seus filhos, casais com filhos advindos de outros relacionamentos e famílias cujo casal é do mesmo sexo. Ao olharmos o retrato das famílias atuais, segundo Pereira (2003) poderemos nos deparar com algumas situações que deixariam nossos avôs admirados: aquele que parece ser o pai é o padrasto; a moça com uma criança no colo não é a mãe, mas uma meia-irmã; os três jovens que dividem o mesmo teto são um casal e uma amiga; e aquela que parecia ser a mãe pode ser na verdade a namorada dela, etc. Pereira (2003) acrescenta ainda que os domicílios são formados por gente morando sozinha, avós ou tios criando netos, casais sem filhos, “produções independentes” e outras tantas alternativas, como, por exemplo, os grupos de amigos que decidem morar junto para dividir um apartamento grande. A família contemporânea se configura com diversos novos arranjos familiares, visando a importância das funções familiares de cuidado e socialização, desmistificando e desnaturalizando o conceito de família como uma estrutura ideal e, ainda, questionando a antiga concepção de “desestruturação familiar”. Alem disso coloca em evidência que a família não é estática e que suas funções de proteção e socialização podem ser exercidas nos mais diversos arranjos familiares e contextos existentes. 35 3.3 – As Funções da Família na Contemporaneidade A função da família mudou muito ao longo dos tempos em razão do contexto social da sociedade. Nossa sociedade transformou-se drasticamente de nação agrícola para industrializada, e na contemporaneidade está em plena evolução para uma cultura de alta velocidade, eletrônica e computadorizada. Normalmente as funções atribuídas a família na sociedade contemporânea são as seguintes: reprodutiva, emocional e psicológica, reprodução das relações sociais e econômicas. Em relação à função reprodutiva, a família continua tendo ação fundamental visto que tem a seu cargo a reprodução biológica, isto é a renovação do elemento essencial da força de trabalho que é o próprio homem. No entanto nas sociedades antigas ter muito filhos não era um encargo e sim uma forma de ter força de trabalho e uma segurança na velhice dos pais. Entretanto a função reprodutiva não é mais tida como primordial na formação de uma família visto que hoje em dia existem várias formas de se construir uma família, por exemplo, a adoção e a inseminação artificial. Vale ressaltar que diante de tantas opções a legislação brasileira passou a reconhecer a paternidade sócio - afetiva, dando importância jurídica ao afeto. A função emocional e psicológica é primordial para a formação do caráter e da saúde mental de um individuo. Essa função mantém vivo os laços afetivos que são indispensáveis dentro de uma família. Para se criar uma criança ou um adolescente visto que estão em fase de desenvolvimento é fundamental que estes sejam envolvidos em laços de amor, carinho e atenção de modo que proporcione a estes indivíduos alegrias e bem estar. Além disso, a função emocional e psicológica é responsável por elencar o desenvolvimento das potencialidades humanas. A função de reprodução das relações sociais ou socialização tem por objetivo transmitir às crianças as idéias, os valores e os conceitos fundamentais da sociedade perpetuando assim as idéias e padrões dominantes e hegemônicos. Vale ressaltar que apesar de outras instituições como as escolas, meios de comunicação social dentre outros também exercer essa função, na família esse papel continua a ser fundamental. 36 A função econômica foi a que mais sofreu transformações visto que até no século XIX a função econômica era baseada na produção agrícola ou artesanal. No entanto com o processo de industrialização a organização tradicional do trabalho foi alterada, assim o trabalho foi gradativamente se deslocando para o exterior da família. A função econômica é responsável por manter financeiramente a família e o Estado. Para o Estado a função econômica na família é relevante pelo fato da família ser considerada a única instituição capaz de dar o maximo de retorno, valor, rendimento e aproveitamento a ela destinados. A família tem, teoricamente, segundo Soifer (1982) como função básica a proteção (defesa da vida) de seus filhos e persegue este objetivo através do processo de educação, dando primazia ao ensino das ações tendentes a preservar a vida que abrange noções relacionadas com: o cuidado físico (respiração, alimentação, sono, vestuário, locomoção, linguagem, higiene, perigos, etc.); desenvolvimento da capacidade de relacionamento familiar e social (elaboração da inveja, ciúme e narcisismo; desenvolvimento do amor, respeito, solidariedade, etc.); e o ensinamento das atividades produtivas e recreativas (jogar, brincar; tarefas domésticas, estudos e tarefas escolares entre outras). Enfim, para Soifer (1982) a família representa o lugar onde são experimentados os primeiros sentimentos da vida do ser humano, no qual se inicia a socialização, e é neste contexto que se encontra a base de muitas das atitudes diante da sociedade. Já Osório (1996) considera que as principais funções da família são: biológica, psicológicas e sociais, sendo intrinsecamente relacionadas, às vezes se confundindo entre si. Segundo este autor a função biológica seria o dever de assegurar a sobrevivência da espécie, oferecendo os cuidados básicos para o desenvolvimento dos indivíduos e não compreenderia a função reprodutiva. As funções psicológicas seriam o afeto, o suporte familiar para a superação de crises individuais que ocorrem no ciclo de vida, a transmissão de experiências de vida para os descendentes, a atuação facilitadora da aprendizagem e também a intermediação de informações com o universo extra-familiar. 37 Como funções sociais, Osório destaca a transmissão de valores culturais e a preparação para o exercício da cidadania como cita abaixo: “Á família cabe permitir o crescimento individual e facilitar os processos de individuação e diferenciação em seu seio, ensejando com isso a adequação de seus membros às exigências da realidade vivencial e o preenchimento das condições mínimas requeridas para um satisfatório convívio social” (Osório, 1996, p. 22). Sendo assim, podemos conceber que a família possui um papel fundamental na formação físico, moral, emocional e espiritual do ser humano. A família é o lugar no qual há o encontro das gerações e dos gêneros, onde se aprende a arte da convivência e a prática da tolerância, e entre suas funções pode-se relacionar a promoção e a transmissão de valores, a construção da identidade do indivíduo e o apoio emocional e afetivo aos seus membros. Wagner (2001) compreende que independente da sua estrutura e configuração a família é o palco em que se vive as emoções mais intensas e marcantes da experiência humana. É o lugar onde é possível a convivência do amor e do ódio, da alegria e da tristeza, do desespero e da desesperança. A busca do equilíbrio entre tais emoções, somada às diversas transformações na configuração desse grupo social, tem caracterizado uma tarefa ainda mais complexa a ser realizada pelas novas famílias. 38 CONCLUSÃO Podemos concluir que o conceito de família atual supera os parâmetros da consangüinidade e do parentesco e apresenta um sentido mais amplo, fundamentado na convivência e nas relações mútuas de cuidado e proteção entre indivíduos que constroem laços afetivos entre si. A família, seja ela estruturada pelo casal heterossexual ou homossexual, matriarcal, patriarcal, nuclear, constituída por meios irmãos, ou em diversos outros arranjos familiares, continua a permanecer firme no ideal do ser humano. O importante é compreender que a família é uma organização dinâmica e mutável ao longo dos tempos e que acaba ocupando o lugar que os padrões culturais de uma determinada sociedade lhes indicam. Além disso, as transformações das relações afetivas evoluíram na sua própria interação social, valorizando desta forma os papéis desempenhados com características que são especificas, a uma fusão que torna a família complexa em seu modo de compreensão como um desafio interminável. O conceito de família tornou-se amplo, independente do desejo tradicionalista, religioso, do conservadorismo, dos preconceitos, de estereótipos e de desejos individuais. O profissional que está direta ou indiretamente ligado a essa área de atuação com famílias, terá o desafio e a responsabilidade de se despir cada vez mais de todos esses rótulos, para desenvolver um trabalho satisfatório. Sendo assim, é de suma importância entender as mudanças e os novos arranjos familiares da família brasileira na atualidade, pois compreender este processo nos possibilitará exercer uma atuação profissional de melhor qualidade com essas famílias. 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Leonardo Barreto Moreira. 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