Os Modelos de Governança da Região Metropolitana de São
Paulo sob Perspectiva Institucional no Período 1960-2011:
Breve Análise
Autoria: Leonel de Miranda Sampaio
Resumo
O artigo apresenta em linhas gerais os sucessivos instrumentos legais que regem os temas
ligados à gestão da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP). São feitas algumas análises e
críticas quanto à efetividade da legislação, observando desde resultados práticos e possíveis
entraves ao desenvolvimento de políticas públicas até aspectos como participação dos
governos locais e da sociedade civil no processo de governança da RMSP.
Palavras-chave: Região
desenvolvimento urbano
Metropolitana
de
São
Paulo,
governança
metropolitana,
1 1. Introdução
O Brasil vive um dilema institucional quanto à governança de suas regiões
metropolitanas. Sendo um dos únicos países do mundo onde os municípios são entes
federativos de pleno direito, criam-se dificuldades adicionais para encontrar um modelo que
favoreça uma governança metropolitana de fato. Países europeus tentaram ao longo dos anos
1960/70 lidar com a questão metropolitana a partir de soluções institucionais, que careceram
de legitimidade e mesmo aceitação por parte das comunidades e poderes públicos locais. Já a
partir dos anos 1990 vêm sendo testadas soluções mais horizontais, fundadas na participação
da sociedade civil e dos poderes públicos locais - e pautadas na busca por acordos e consensos
(Klink, 2008; Garson, 2009).
A experiência brasileira dos anos 1960/70 em termos de estabelecimento de uma
estrutura institucional responsável pela gestão das regiões metropolitanas (RM) não difere
fundamentalmente da experiência europeia. Por aqui, considerando-se o regime autoritário
daqueles anos, não houve nenhuma preocupação com uma legitimação das regiões
metropolitanas junto à população ou mesmo aos prefeitos, que nem mesmo tinham assento
nos Conselhos Deliberativos das RM.
A seção 2 deste artigo aponta as grandes linhas da arquitetura institucional do
governo federal durante os anos 1960/70, indicando um modelo de administração hierárquico,
centralizado e setorialmente estruturado. A seção 3 trata do exemplo da Região Metropolitana
de São Paulo, apontando o marco legal e os casos dos setores de habitação e transportes.
Mostrar-se-á que na prática as políticas eram elaboradas em nível federal e aplicadas em nível
estadual e municipal. As poucas instituições metropolitanas criadas (como a EMTU) não
lograram êxito em sua missão de gerir setores como os transportes a partir de perspectiva
regional.
A seção 4 passa por diferentes momentos desde a promulgação da Constituição de
1988 até 2011. Nesta seção trata-se primeiramente da exacerbação da autonomia dos
municípios trazida pela Constituição de 1988 - que acabou dificultando qualquer tipo de
concertação entre diferentes municípios visando ao estabelecimento de ações e gestão
conjunta de problemas em comum (como gestão de resíduos sólidos e transportes). A seguir
são indicados os principais itens (mormente da reforma gerencial) dos anos 1990, que
significaram uma atuação do Governo Federal voltada fundamentalmente à estabilização da
economia, cuja grande preocupação estava no combate à inflação e rolagem dos títulos da
dívida externa. Assim, como reação à descentralização de recursos tributários promovidos
pela CF 88, diminuíram os repasses voluntários (Orçamento Geral da União) aos municípios.
Já nos anos 2000 a seção 4 ilustra o surgimento de iniciativas como a Lei dos Consórcios
Públicos, que permite a integração regional integrada em temas específicos (setores), e o
Projeto de Lei do Estatuto da Metrópole no Congresso Nacional. É mostrada ainda a retomada
de atenção do governo estadual paulista para o tema das RM - incluindo a criação da
Secretaria de Negócios Metropolitanos (SNM) e a reformulação dos Conselhos Gestores da
RMSP.
A conclusão é que tem havido progresso no tema da governança metropolitana, mas
muitas das propostas e ações são ainda muito incipientes - de efeito limitado (como a Lei dos
Consórcios Públicos) - ou ainda ignoram a questão da participação da sociedade civil
(exemplo do novo Conselho de Desenvolvimento da RMSP). E ainda não se logrou a
conciliação entre a autonomia dos municípios enquanto entes federativos, de um lado; e a
necessidade de se estabelecer ações e políticas comuns para se combater problemas regionais,
de outro.
2. O modelo de gestão durante o regime militar
2 Após a Constituição de 1824 - que aborda a questão das cidades e dos governos
municipais, e indica que uma lei regulamentar trataria das funções da cidade - somente as
Constituições de 1967/69 voltam a tratar do fenômeno urbano:
Porém, de maneira um tanto curiosa e paradoxal, o fato urbano reconhecido nesses
diplomas corresponde a uma superestrutura urbana (a Região Metropolitana),
enquanto as estruturas básicas da urbanização não são objeto de qualquer inovação no
tratamento jurídico. (Hotz, 2000, p. 92)
Mas a despeito do marco legal, a partir do Estado Novo de Getúlio Vargas o Estado
brasileiro se volta definitivamente para as zonas urbanas, e começa a atuar como agente
promotor da industrialização, via Política de Substituição de Importações - que perdura até os
anos 1970. Neste período o Estado atua em todas as frentes: como regulador (instituição das
leis trabalhistas; política monetária e alfandegária, controle sobre os preços dos bens
agrícolas), como produtor (empresas estatais em setores de infraestrutura como transportes,
energia e comunicações), como financiador (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
– BNDE) (Hermann, 2005, cap. 3).
Por sua vez, a imigração do início do século XX e as altas taxas de crescimento
vegetativo do pós-guerra – acompanhadas de êxodo rural e intensa migração de outras regiões
brasileiras (principalmente nordeste e Minas Gerais) para a cidade de São Paulo e arredores –
contribuíram para que a região que atualmente compõe a RMSP saltasse dos pouco mais de
1,5 milhão de habitantes em 1940 para pouco mais de 8,1 milhões de habitantes em 1970. Ou
seja, a população da RMSP ficou 5,4 vezes maior num período de 30 anos no qual a taxa de
crescimento demográfico estava acima dos 5% ao ano (IBGE, 2011). Neste mesmo período
(1940-70), a população urbana brasileira saltou de 31,2% para 56% dos habitantes. Em 1970 a
indústria na Região Metropolitana de São Paulo era responsável por 58% do valor adicionado
pela produção industrial no país (IBGE, 1970).
Durante a primeira metade do século XX as cidades e principalmente estados
detinham um relativo grau de autonomia, principalmente naquilo que concerne a arrecadação
de alguns tributos e regulação do espaço urbano. Após o golpe militar de 1964 a relativa
autonomia que estados e municípios possuíam foi subtraída:
O endurecimento do regime ocorreu aos poucos. Primeiro, a deposição do presidente e
de alguns governadores; em seguida, a cassação de mandatos eletivos e a suspensão
de direitos políticos; depois, a extinção dos antigos partidos e a suspensão das eleições
diretas. Cumpria-se o mesmo programa autoritário de supressão de garantias,
cerceamento do Congresso, centralização de decisões, concentração de recursos e
esvaziamento da federação.(…) Em 1965 teve início a reforma tributária que se
consolidou com a Constituição de 1967, uniformizando a legislação, simplificando o
sistema e reduzindo o número de impostos. Ela trouxe uma brutal concentração de
recursos nas mãos da União, esvaziando financeiramente estados e municípios que
ficaram dependentes de transferências voluntárias. (Costa, 2008, pp. 850-1)
Nos primeiros anos do regime ditatorial foi feita reforma fiscal pela qual passou a
pertencer ao governo federal quase 70% da receita pública total (Souza, C., 2007, p. 236).
Beatriz Wahrlich (1974) destaca pontos positivos da reforma, lembrando que "o sistema
nacional passou a constituir-se de impostos classificados por tipo de incidência e não mais por
governos tributantes" (Wahrlich, 1974, p. 42), além de citar a criação do Serpro (Serviço
Federal de Processamento de dados) e do antigo CGC (Cadastro Geral de Contribuintes).
Não apenas os outros entes federativos perderam autonomia durante os vinte e um
anos de regime autoritário no Brasil pós-1964: ocorreu também um relativo esvaziamento do
Poder Legislativo e concentração do poder decisório no Poder Executivo – as figuras jurídicas
dos “Atos Institucionais” e “Decretos-Lei” são bons exemplos - estes últimos foram
introduzidos pela Constituição de 1967. Assim é que a Reforma Administrativa de 1967,
consubstanciada no Decreto-lei n° 200, teve as discussões e trâmites relativos à sua aprovação
3 restritos ao poder Executivo (Wahrlich, 1974). Passando ao largo de discussões a respeito do
caráter autoritário da Reforma de 1967, Beatriz Wahrlich (1974) afirma que: O Decreto-lei n°
200 representou a realização de uma reforma que já vinha sendo proposta e discutida desde o
segundo governo Vargas, passando por J. Kubitschek e João Goulart (e sendo adaptada e
aprimorada por diferentes comissões), sem que nenhum destes governos conseguisse aprovála no Congresso.
Entre os princípios que regiam a reforma estavam os do planejamento e da
descentralização. Este último princípio era definido da seguinte forma pelo Decreto-lei 200:
Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente
descentralizada.
§ 1º A descentralização será posta em prática em três planos principais:
a) dentro dos quadros da Administração Federal, distinguindo-se claramente o nível
de direção do de execução;
b) da Administração Federal para a das unidades federadas, quando estejam
devidamente aparelhadas e mediante convênio;
c) da Administração Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões.
(Decreto-lei 200, 1967, art. 10)(grifos meus)
Em 1973 foi formulada como um capítulo do II PND a Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano (PNDU), cujos objetivos eram ajudar os municípios – via órgão
denominado Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serfhau) – a criar Planos de
Desenvolvimento Local Integrados, além de oferecer fundos para alguns setores (ligados a
infraestrutura). (Ipea, 2010; Souza, M., 2010). Citando Bueno e Cymbalista (2007), o estudo
do Ipea aponta que tais planos “privilegiavam, em geral, uma visão setorialista e tendiam a
replicar, no nível local, as diretrizes de planejamento centralmente definidas pelo órgão”
(Ipea, 2010, p. 293). Corroborando este diagnóstico, Maria Adélia A. de Souza, que fazia
parte da equipe técnica responsável pela elaboração da PNDU, afirma em ensaio escrito
“vinte anos depois” que:
Pela instrumentação criada para a efetivação da política urbana (...) pode-se perceber,
com clareza, essa visão setorialista do urbano, ou seja, as prioridades eram
estabelecidas com bases nos setores (transporte urbano, saneamento, drenagem etc.), e
não nos lugares numa perspectiva de promoção do desenvolvimento da totalidade do
território urbano brasileiro. (Souza, M. Adelia, 2010, p. 118)
O item a seguir ilustra com o exemplo da RMSP a forma como os gestores do período
ditatorial trataram questões relativas à política urbano-metropolitana.
3. A criação da RMSP
A Constituição de 1967 (alterada pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969) foi a
primeira a citar, ainda que de forma bastante superficial e genérica, as regiões metropolitanas.
Afirmava a Emenda Constitucional de 1969 em seu artigo 164: "A União, mediante lei
complementar, poderá para a realização de serviços comuns, estabelecer regiões
metropolitanas, constituídas por municípios que, independentemente de sua vinculação
administrativa, façam parte da mesma comunidade sócio-econômica." (Brasil, Emenda
Constitucional nº 1/1969)
Apenas em 1973, a Lei Complementar Federal nº 14 criou as primeiras nove regiões
metropolitanas do Brasil, entre elas a RMSP. Esta Lei Complementar estabeleceu
sucintamente a estrutura de gestão e os serviços de competência das regiões metropolitanas.
As RM seriam geridas cada uma por um Conselho Deliberativo composto por cinco
membros “de reconhecida capacidade técnica” nomeados pelo governador: sendo um deles
indicado a partir de lista tríplice elaborada prefeito da capital, e o outro indicado pelos
prefeitos dos outros municípios componentes da RM. Haveria também um Conselho
4 Consultivo, integrado por prefeitos de cada uma das cidades da região metropolitana.
Delegava-se à esfera estadual a criação de tais conselhos.
Eram considerados serviços comuns de interesse metropolitano pela LC 14/1973:
planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; saneamento básico; uso do
solo metropolitano; transportes e sistema viário; produção e distribuição de gás combustível
canalizado; aproveitamento dos recursos hídricos e controle da poluição e; outros serviços
incluídos na área de competência do Conselho Deliberativo por lei federal.
Em São Paulo a Lei Complementar Estadual nº 94/1974 em sua maior parte reproduz
o conteúdo da LC 14/73, instituindo os Conselhos: Deliberativo (Codegran) e; Consultivo
(Consulti) da Região Metropolitana de São Paulo. A Lei Estadual também cria a Empresa
Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S.A. (Emplasa), na forma de uma
sociedade por ações – pertencendo ao Estado a maioria absoluta das ações. A Emplasa seria –
nos termos do Decreto Estadual 6.111/1975 – a unidade técnica e executiva responsável pela
“realização de serviços necessários ao planejamento, programação, coordenação e controle da
execução dos serviços de interesse metropolitano” (LC Estadual nº 94/1974, art. 15).
A LC Estadual nº 94 criou ainda o Fundo Metropolitano de Financiamento e
Investimento (Fumefi), visando financiar e investir em projetos de interesse da RMSP.
Caberia à Emplasa “analisar, acompanhar e fiscalizar, quanto ao aspecto técnico e sua
adequação às diretrizes de interesse metropolitano, os projetos que forem desenvolvidos ou
executados com recursos do Fumefi.” (Decreto Estadual 8.838/1976, art. 11, inciso I).
Finalmente, o Decreto Estadual nº 6.111/1975 criou e institucionalizou a Secretaria de
Estado dos Negócios Metropolitanos (SNM), como unidade coordenadora e operadora de
“todos os assuntos de interesse metropolitano” (art. 12, § 1º).
Os parágrafos anteriores ilustram como o modelo de gestão metropolitana adotado
durante o regime militar possuía viés centralizador e autoritário, tendo sido a
institucionalização das RM realizada “com escassa participação das esferas estaduais e
completa ausência das esferas locais de governo” (Souza, C. 2007, p. 235). O governo federal
era o responsável pela elaboração e desenho das políticas, tendo também papel importante no
aporte de recursos financeiros aos governos locais – a quem cabia sua
implementação/execução.
Portanto, fica claro que o modelo de políticas para áreas metropolitanas do período
ditatorial não privilegiou a participação dos governos locais, e tampouco a cooperação entre
os diferentes entes federativos para a implementação de políticas – o que poderia ter
contribuído para o surgimento de uma cultura de governança compartilhada (entre diferentes
entes) que até os dias de hoje não existe de fato no Brasil.
A seguir serão citados os exemplos das políticas habitacional e de transportes
metropolitanos, que ilustram bem as conclusões dos parágrafos anteriores.
3.1. Política habitacional
Primeiramente, vale notar que o campo da habitação – da maior importância quando
se trata de planejamento e gestão metropolitana – não constava entre os serviços comuns de
interesse metropolitano. O principal responsável pelas políticas habitacional e de saneamento
durante o regime militar era o Banco Nacional de Habitação, instituição financeira criada em
1964, mas que ganhou relevância a partir de 1966, quando foi criado o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS). Este último foi criado como contribuição parafiscal de 8% sobre a
remuneração dos trabalhadores, que era depositada em uma conta vinculada. O FGTS foi
criado originalmente como compensação pela perda da estabilidade decenal¹ dos
trabalhadores, mas logo se converteu na principal fonte de financiamento das políticas
habitacionais e de saneamento básico no Brasil. O fundo garantiu ainda até 1980 excelentes
5 resultados quantitativos para o BNH (Royer, 2010, p. 51). A constituição de diversos
mecanismos de financiamentos e subsídios cruzados a partir do FGTS, somados a recursos da
caderneta de poupança, viabilizou a produção de unidades residenciais em larga escala para a
população de baixa renda (Arretche, 2000, p. 79). Porém:
Com o discurso populista do acesso à “casa própria”, o número de unidades
produzidas – e não a qualidade de vida que propiciavam – era o único índice de
eficiência do modelo. Isso gerou grandes conjuntos-dormitórios, distantes das áreas
centrais e da oferta de emprego, geralmente mal servidos pelo transporte público e
sem quase nenhuma infraestrutura nem serviços urbanos. Além disso, os
financiamentos do sistema nunca conseguiram beneficiar a população realmente
pobre, com renda abaixo de 5 salários mínimos. (Ferreira, 2005, pp. 14-15)
Quanto a esta última afirmação vale esclarecer que a lógica da arquitetura financeira
do BNH era a do retorno sobre o investimento (lógica do capital), e assim famílias com renda
muito baixa tinham maiores dificuldades para obter acesso ao crédito imobiliário. O BNH assumiu um papel que não se restringia à produção habitacional, incluindo o
saneamento básico e diversas modalidades de financiamentos a prefeituras e estados para a
implantação de projetos de infraestrutura urbana. Nas palavras de Maria Adélia Souza (2010,
p. 138) “ele [BNH] era o executor da política urbana de fato”. A estrutura institucional era
hierárquica e centralizada: O BNH era a instituição responsável pela gestão do Sistema
Nacional de Habitação e do Sistema Nacional de Saneamento, contando com os recursos do
FGTS e da poupança. Assim, as políticas habitacional e de saneamento básico dependiam em
última instância da arquitetura financeira do BNH (Royer, 2008), que era o formulador e o
responsável pela oferta de habitação e infraestrutura urbana para estados e municípios, que
assumiam o papel de agências executoras locais (Arretche, 2000, p. 80).
Na RMSP, a principal executora de políticas habitacionais para a população de baixa
renda foi a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo (Cohab-SP), criada pela Lei
Estadual nº 6.738/1965 como Sociedade Anônima que tinha 51% de suas ações pertencentes
ao município de São Paulo. O modelo das Cohab deitava raízes no marco estrutural das
políticas do BNH, tendo sido replicado em diversas cidades e estados.
As críticas recorrentes à Cohab (e por extensão ao BNH) apontam para uma forte
concentração de grandes conjuntos habitacionais nas periferias – neste caso, do município de
São Paulo, com destaque para os distritos do extremo leste – em locais carentes de
infraestrutura e transporte público adequados. Além disso, apesar de a expressão
“metropolitana” constar de seu nome, pode-se afirmar que, pelo menos até 1988, a atuação da
Cohab-SP foi quase totalmente restrita ao município de São Paulo.
3.2. Transportes metropolitanos na RMSP
Por sua vez o campo dos transportes e vias urbano-metropolitanas foi considerado
como parte dos serviços comuns de interesse metropolitanos, mas a forma de gestão destes
não diferiu consideravelmente do modo como foram concebidas e administradas as políticas
habitacionais.
Foram instituídos pela Lei nº 6.261/1975: i) o Sistema Nacional de Transportes
Urbanos, que deveria ser gerido em nível nacional pela Empresa Brasileira de Transportes
Urbanos (EBTU), e em nível urbano-metropolitano pelas Empresas Metropolitanas de
Transporte Urbano, a ser criadas pelos Estados e; ii) o Fundo de Desenvolvimento dos
Transportes Urbanos (FDTU), composto por recursos de imposto sobre o consumo de
combustíveis e lubrificantes derivados de petróleo.
A Lei Estadual nº 1.492, de 13 de dezembro de 1977, estabeleceu o Sistema
Metropolitano de Transportes Urbanos e autorizou a criação da Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos de São Paulo S.A. - EMTU. A empresa contaria com recursos do FDTU
6 e do Fumefi (entre outros), e teria a difícil missão de orquestrar verbas e ações das esferas
municipais, estadual e federal para o desenvolvimento dos transportes públicos de passageiros
e das estruturas viárias na RMSP.
A EMTU encontrou muitas dificuldades para sua atuação, tendo sido extinta em 1980
(foi recriada sob legislação diversa em 1986). O antigo presidente da EMTU, Josef Barat,
explica em artigo posterior que a gestão integrada dos recursos para transportes na RMSP:
(...) encontrou forte oposição tanto de organismos municipais, como a CMTC e a
Secretaria dos Transportes do Município, quanto de órgãos estaduais como o Metrô e
a Fepasa. Na verdade, estas entidades queriam manter a sua independência e a sua
capacidade de influenciar separadamente a destinação de recursos para as suas
infraestruturas e instalações, e essa atitude encontrava, sem dúvida, respaldo na
orientação do Governo Federal de financiar projetos numa base de aprovações
específicas e de uma visão compartimentalizada dos projetos que recebiam seu apoio.
(Barat, J. 1984, p. 23)
4. Arcabouço legal e governança das regiões metropolitanas pós-1988
Com os reflexos das crises do petróleo dos anos 70 no Brasil (a partir de 1980), o país
começa a ter dificuldades para rolar sua dívida externa e faltam recursos para dar
continuidade a políticas de infraestrutura, sociais, e outras com caráter desenvolvimentista. Os
anos 1980 merecem o rótulo de década perdida não somente em função do crescimento
econômico errático ou das dificuldades para se controlar a inflação, e rolar a dívida externa;
tal rótulo se deve também à incapacidade de continuar com as políticas (autoritárias ou não)
desenvolvimentistas. As verbas para infraestrutura (viária, de saneamento básico, etc.) e
habitação secaram neste período. E mudanças relevantes no modo de se conceber e implantar
políticas públicas vieram com a democratização e a Constituição de 1988.
Celina Souza (2003; 2007) argumenta que a temática da gestão metropolitana ficou
num vazio institucional a partir da nova Constituição. O motivo seria a autonomia (relativa)
de que gozavam historicamente os municípios brasileiros desde o período colonial, e que foi
perdida durante o regime militar. De acordo com Melo (apud, Souza, C. 2003, p. 141) “a
ideologia municipalista constitui uma das construções discursivo-programáticas mais antigas
e resilientes da cultura política brasileira". Souza utiliza o conceito de path dependency para
explicar que o modelo de gestão metropolitana adotado durante o ciclo autoritário anterior era
incompatível com a transição para um regime democrático. Com isso, a temática da gestão
metropolitana, cuja experiência remetia ao modelo centralizado anterior, foi deixada de lado
(Souza, C. 2003, p. 153; 2007). A nova Constituição, devolveu – maior do que nunca – a
autonomia aos municípios, reconhecendo-os como entes federados plenos.
Gouvêa (2009, p. 48) aponta para uma “euforia municipalista” entre os constituintes.
Este autor critica o fato de a Constituição de 1988 não fazer nenhuma distinção entre os
municípios brasileiros, tenham eles mais de 10 milhões ou menos de mil habitantes, sejam
predominantemente rurais ou urbanos, tenham territórios imensos ou pequenos. Gouvêa
afirma que municípios como São Paulo e Rio de Janeiro, por si sós já compõem “verdadeiras
áreas metropolitanas”. (Gouvêa, 2009, p. 49). A Constituição de 1988 gerou um modelo de
gestão dos municípios que ficou conhecido como "municipalismo autárquico" (Daniel, 2001).
Tal modelo transforma:
(...) os prefeitos nos atores fundamentais da dinâmica local e intergovernamental, cada
qual
defendendo a autonomia de seu município como se esta significasse um
isolamento das demais unidades da federação, ignorando que alguns problemas têm
solução apenas em
âmbitos mais abrangentes como o microrregional, estadual,
ou mesmo federal. (Abrucio & Franzese, 2001, p. 7)
7 A Constituição de 1988 citou as regiões metropolitanas em seu artigo 25, transferindo
da União para os Estados a prerrogativa da instituição de RM:
Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios
limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções
públicas de interesse comum. (CF 1988, Art. 25, § 3º)
No entanto, nenhuma orientação ou diretriz foi dada no sentido de se estabelecer a
estrutura de gestão, os serviços comuns, ou mesmo a obrigação de os estados criarem regiões
metropolitanas. Portanto, além da ausência de recursos específicos, a ausência de
regulamentação acerca das RM “transformou questões de governança urbana/metropolitana
em questões de governança local, deixando os temas metropolitanos em um vazio político e
administrativo” (Souza, C. 2003, p.149). Os estados por sua vez definiram de maneiras
bastante diversas o termo “região metropolitana” (Gouvêa, 2009).
Dado este cenário, pouco se avançou durante os anos 1990 em termos de gestão
metropolitana. Aos municípios não interessava abrir mão de parte de sua autonomia visando à
gestão compartilhada de temas em comum. Aos governos estaduais era mais interessante
realizar investimentos pontuais em determinados municípios do que tentar compor grandes
coalizões intermunicipais para a realização de projetos e investimentos. Na visão de relatório
do Observatório das Metrópoles (2009, p. 13) “o reconhecimento dos municípios enquanto
entes federados tira a legitimidade dos estados para coordenar as ações metropolitanas”.
Conforme Rolnik & Somekh (2000, p, 83), a descentralização em países que estavam
em processo de redemocratização, como o Brasil: “passou a ser entendida enquanto dimensão
essencial era se superar o regime autoritário anterior”, tendo sido adotada como bandeira por
atores das mais diversas tendências políticas.
Quanto ao governo federal, este é um capítulo a parte. Entre 1980 e o final dos anos
1990 indicadores importantes do desempenho econômico brasileiro, como taxa de inflação e
taxa de crescimento do PIB, estiveram sujeitos a diversas instabilidades. Neste período a
política econômica esteve voltada fundamentalmente a conseguir superávits na balança de
pagamentos, controle da taxa de inflação e redução do déficit público. As políticas
desenvolvimentistas entraram em crise por falta de verbas nos anos 1980, e foram
praticamente abandonadas nos anos 1990.
O BNH foi extinto em 1986, tendo seu fechamento representado um duro golpe na
política habitacional brasileira. Maricato (1998) aponta nos anos 1990 o governo Collor
iniciou e não terminou a construção de 200 mil casas; Collor extinguiu ainda a Empresa
Brasileira de Transportes Urbanos (EBTU). Por sua vez o governo FHC criou uma Secretaria
de Política Urbana no Ministério do Planejamento, a qual produziu propostas interessantes,
mas a prática foi pautada por financiamento quase exclusivo das políticas de habitação com
recursos onerosos (FGTS), dependendo da capacidade de endividamento das famílias e
prefeituras. Foram parcos os recursos do Orçamento Geral da União, "indispensáveis para
atingir a população de baixa renda" (Maricato, 1998, p. 6), para as políticas habitacionais. Em
1998 foi feito um acordo com o FMI pelo qual somente seriam feitos empréstimos com
recursos do FGTS para a área de saneamento básico com aprovação do Ministério da
Fazenda, impondo-se ainda a necessidade de privatização dos serviços (Maricato, 2011, p.
14).
Essa (ausência de) política urbano-metropolitana por parte do governo federal nos
anos 1990 tem diversos condicionantes. Por todo o mundo, o fordismo e as políticas do
estado-providência que o acompanhavam tinham entrado em crise, havia pelo menos dez
anos. A resposta foi conservadora: as mais importantes instituições internacionais financeiras
e de fomento adotaram em meados dos anos 1980 o ideário neoliberal como solução para
colocar os países ‘em desenvolvimento’ de volta nos trilhos do crescimento econômico.
8 Durante os anos 90 o Brasil ainda tinha problemas com pagamento da dívida externa,
inflação, déficit fiscal, tendo adotado então o receituário neoliberal de políticas que
compunham o chamado Consenso de Washington, promovidas via Fundo Monetário
Internacional. A prioridade estava no combate à inflação e na diminuição dos déficits fiscais
do setor público, para o que se operou forte abertura econômica, liberalização e
desregulamentação de fluxos financeiros e privatização de empresas estatais, objetivando-se
diminuir o tamanho do Estado. A brusca abertura econômica acentuou os efeitos da
reestruturação produtiva causada pela crise do fordismo e globalização dos circuitos
produtivos: para sobreviver a indústria nacional correu para cortar custos, e a RMSP, assistiu
a uma debandada de plantas industriais rumo ao interior.
Na administração direta houve a criação do Ministério da Administração e Reforma do
Estado (Mare), cujo ministro Bresser-Pereira visava promover uma ampla “reforma
gerencial” no setor público federal.
O diagnóstico de Bresser-Pereira era que o setor público brasileiro era excessivamente
orientado para o mero cumprimento de regras (rigidez burocrática), estando suas organizações
pouco comprometidas com a obtenção de resultados. As soluções se concentrariam nos
seguintes pontos (Rezende, 2003; Bresser-Pereira, 1998):
i. Introduzir ganhos de racionalidade na gestão financeiro-fiscal do Estado (ajuste fiscal,
privatização, terceirização, desregulamentação, redução do tamanho e grau de
interferência do Estado);
ii. Promover mudanças institucionais visando a transformações nas estruturas de controle,
gestão e delegação entre as diversas partes do sistema burocrático (descentralização
das políticas públicas, empoderamento dos governos e atores locais, garantindo uma
melhor intermediação de interesses e aperfeiçoando a democracia). Em suma,
descentralização das políticas e boa governança local.
Frey (2008, p. 43) sustenta que o segundo grupo de reformas elencados acima
(institucional) tinha função precípua de alicerçar o primeiro grupo de reformas
(fiscais/econômicas) – que seriam o núcleo-duro do neoliberalismo. Ou seja, o
empoderamento dos atores locais e os instrumentos de boa governança seriam pilares
essenciais para garantir o sucesso das reformas neoliberais (por toda a América Latina) –
reduzindo os governos federais à condição de garantidores do cumprimento de contratos e do
funcionamento das leis de mercado.
Passados cinco anos desde sua criação, o Ministério da Administração e Reforma do
Estado (Mare), responsável pela implantação da reforma gerencial no governo FHC, foi
extinto em 1999 e a política de reformas foi substancialmente alterada. A reforma conseguiu
reverter uma tendência expansionista dos gastos públicos, mas teve reduzidos resultados em
sua dimensão central: a mudança institucional. A principal explicação seria a resistência de
atores importantes dentro da própria estrutura do Governo Federal, principalmente os
Ministérios da Fazenda e Orçamento. Segundo Rezende (2003, p. 66) as cúpulas destes
ministérios entendiam que a excessiva descentralização das políticas do Estado brasileiro e a
precariedade dos controles eram nocivas ao ajuste fiscal.
Entretanto cabe esclarecer que a “descentralização” pretendida pela reforma gerencial,
coordenada pelo Ministro Bresser-Pereira, não era exatamente essa que transferia
responsabilidades e poderes aos governantes locais. A leitura de Rezende (2003) deixa claro
que as expressões “descentralização” e “reforma institucional” significavam para o Mare a
transferência de funções e responsabilidades da administração direta para Organizações
Sociais e Agências Reguladoras. Eventualmente o ministro Bresser-Pereira em sua defesa da
reforma gerencial (1998) citou a democracia e o interesse dos cidadãos, mas os governos
locais não foram lembrados.
9 Sua argumentação, como era de praxe naqueles anos, partia dos seguintes postulados:
as políticas do Welfare State tornaram o Estado muito grande, e a globalização reduziu sua
autonomia...daí a crise (Bresser-Pereira, 1998, p. 56).
Para que não fiquem dúvidas quanto ao caráter da reforma institucional (gerencial)
que se tentou levar a cabo na segunda metade dos anos 1990, vale a pena citar artigo do
próprio ex-Ministro da Administração e Reforma do Estado, ao listar alguns “componentes
básicos da reforma do Estado dos anos 90”:
(a) a delimitação das funções do Estado, reduzindo seu tamanho em termos
principalmente de pessoal através de programas de privatização, terceirização (...)
(b) a redução do grau de interferência do Estado ao efetivamente necessário através de
programas de desregulação que aumentem o recurso aos mecanismos de controle via
mercado, transformando o Estado em um promotor da capacidade de competição do
país em nível internacional ao invés de protetor da economia nacional contra a
competição internacional. (Bresser-Pereira, 1998, p. 60)
Em suma, as reformas dos anos 1990 significaram a saída do governo federal do papel
assumido durante as décadas anteriores: de promotor e financiador das políticas de habitação,
saneamento básico, transportes e outras ligadas à infraestrutura e desenvolvimento urbano
(Souza, C., 2003).
Este cenário descrito nos parágrafos anteriores ilustra o vácuo institucional pelo qual
passaram as regiões metropolitanas brasileiras desde a Constituição de 1988 até o início do
século XXI: ausência de interesse e de recursos.
Durante esse período as experiências de governança regional e local que surgiram no
Brasil eram independentes do Governo Federal.
O exemplo paradigmático é o do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, que deve
sua origem a fatores relacionados ao histórico local comum, relativo equilíbrio de forças entre
os municípios e existência de capital social (Klink, 2001). Durante os anos 1990 foram
diversas as iniciativas na região do ABC no sentido de se estabelecer uma gestão integrada de
problemas comuns, ou nas palavras de Klink (2008, p. 285), a construção de “novos
consensos sem institucionalidade”.
A experiência do ABC paulista inspirou a lei 11.107/2005 – Lei dos Consórcios
Públicos, que estabelece normas gerais para os poderes públicos contratarem consórcios
públicos para realização de objetivos de interesse comum. A Lei dos Consórcios é um
importante instrumento que traz normas e facilita a articulação e cooperação entre os entes
federativos – sendo também um instrumento de pactuação e cooperação ideal para regiões
metropolitanas. A lei permite uma aliança flexível entre os entes consorciados, sendo que a
gestão pode ser realizada por contratos e projetos. Atualmente existem diversos consórcios
públicos celebrados nas áreas de saúde, gestão de resíduos sólidos e transportes - englobando
os três entes federativos.
A Lei dos Consórcios Públicos certamente é um grande e importante avanço, mas “a
governança metropolitana, no entanto, não se resume à execução de um punhado de políticas
setoriais” (Observatório das Metrópoles, 2009, p. 15).
Gouvêa (2009, p. 65) traz ainda outra importante questão com a qual a Lei dos
Consórcios não lida: como a lei não toca na questão da autonomia municipal (e nem era esse
seu objetivo), somente serão firmados consórcios nas Regiões Metropolitanas – como um
todo – que interessem aos seus municípios mais importantes. Por exemplo, a transformação
de determinados serviços em metropolitanos pode beneficiar muito mais os municípios
menores e mais pobres da RM, ainda que a maior parcela dos recursos venha do município
polo. Ponderando sobre os eventuais ganhos políticos, não é improvável que os gestores do
município polo se esquivem de participar de tal consorciamento (Gouvêa, 2009 apud. Grau,
10 1975, p.35) – e este município tem sua autonomia garantida para uma possível recusa à gestão
compartilhada de recursos e serviços. Na verdade, é difícil imaginar alguma situação em que
um município com maior arrecadação se interesse pela redistribuição de parte das suas
receitas (Maricato, 2011, p. 18; Gouvêa, 2009).
4.1. Iniciativas recentes para a governança metropolitana na RMSP
Neste ponto, coloca-se com clareza o desafio: dado o arcabouço jurídicoconstitucional atual do Brasil, como se estabelecer um marco regulatório para as regiões
metropolitanas? Há ainda a questão dos recursos para garantir esta gestão metropolitana.
4.1.1 Iniciativas dos Governos Estadual e Federal
Com relação ao Governo Estadual, em 2011 aconteceram iniciativas importantes por
parte do governo estadual paulista. Logo no mês de janeiro foi criada a Secretaria de
Desenvolvimento Metropolitano, a quem foi vinculada a Emplasa – que desde 2001 passou a
chamar-se Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A., e atualmente suas funções
incluem abrangem o território denominado Macrometrópole Paulista² – MMP.
Já no mês de junho do ano 2011 foi aprovada a Lei Complementar nº 1.139/2011, que
com mais de vinte anos de atraso em relação à Constituição Federal de 1988 reorganizou a
Região Metropolitana de São Paulo, trazendo mudanças potencialmente relevantes. A LCE nº
1.139/2011 extinguiu os antigos Codegran e Consulti, criando em seus lugares o Conselho de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de São Paulo. O Conselho de desenvolvimento é
composto por prefeitos dos municípios da RMSP (ou representantes designados por estes) e
membros do executivo e legislativo estadual – estando fixada na lei a representação paritária
entre os governos municipais e o governo estadual.
Conforme Artigo 12 da LCE 1.139/11, as possibilidades para atuação do Conselho de
Desenvolvimento são bastante amplas:
O Conselho de Desenvolvimento especificará as funções públicas de interesse comum
ao Estado e aos Municípios da Região Metropolitana de São Paulo, dentre os
seguintes campos funcionais: i) planejamento e uso do solo; ii) transporte e sistema
viário regional; iii) habitação; iv) saneamento ambiental; v) meio ambiente; vi)
desenvolvimento econômico; vii) atendimento social; viii) esportes e lazer. (...)
§ 3º (...) os campos funcionais indicados nos incisos v, vi e vii deste artigo
compreenderão as funções saúde, educação, planejamento integrado da segurança
pública, cultura, recursos hídricos, defesa civil e serviços públicos em regime de
concessão ou prestados diretamente pelo Poder Público, sem prejuízo de outras
funções a serem especificadas pelo Conselho de Desenvolvimento. (LCE 1.139/2011,
art. 12)
Os municípios da RMSP foram agrupados em cinco sub-regiões, sendo que cada uma
destas poderá criar um conselho consultivo – e apenas neste último conselho está prevista a
presença de representantes da sociedade civil.
Foi ainda prevista a criação de autarquia para exercer a organização, o planejamento e
a execução das funções públicas de interesse comum da Região Metropolitana de São Paulo.
Enquanto não se cria tal autarquia, a Emplasa vem exercendo a função de Secretaria
Executiva do Conselho de Desenvolvimento (Decreto Estadual 57.349/2011).
Finalmente, foi prevista a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Região
Metropolitana de São Paulo – ainda não instituído no início de 2012 – e que deverá ter entre
suas fontes de recursos verbas dos municípios da RMSP, destinadas “por disposição legal”
(LCE 1.139/2011, art. 21, § 1º). Vale lembrar que tal ‘dispositivo legal’ sempre poderá
esbarrar na questão da autonomia municipal, sendo este um nó jurídico de difícil solução.
11 Certamente há avanços com a aprovação da Lei Complementar em questão,
principalmente se for levada em consideração a estrutura anterior herdada do regime militar.
Contudo, existem lacunas importantes que devem ser apontadas: a emenda nº 57 ao então
Projeto de Lei Complementar nº 6/2005 (que originou a LCE 1.139/11), por exemplo,
propunha o Conselho de Desenvolvimento contasse com representação paritária entre os
municípios, estado e representantes da sociedade civil (39 membros), além de 1 (um)
representante do governo federal. O conteúdo desta emenda não foi incluído na redação final
da lei, ficando a representação da sociedade civil restrita aos conselhos consultivos subregionais, e ainda assim não está prevista a paridade.
Acrescenta-se que na redação final da LCE nº 1.139/11 o governo federal somente é
citado como uma possível fonte de recursos para o Fundo de Desenvolvimento da RMSP.
Não é o caso de defender que a esfera federal tivesse paridade de representação ou
determinasse os rumos do desenvolvimento regional, mas a ausência da União no Conselho
de Desenvolvimento de um território com a importância econômica, demográfica – e
portanto, política – da RMSP também não é desejável. Ideal seria que este Conselho
comportasse a possibilidade de concertação entre as três esferas de governo, contando ainda
com a presença de representantes da sociedade civil organizada.
Um problema que constava na própria proposta de emenda nº 57 era a exigência de
que os “representantes da sociedade civil organizada” fossem parte de entidades sindicais, de
associações patronais, universidades ou institutos de pesquisa. A afirmação que se segue é de
difícil comprovação, mas no entendimento do autor do presente artigo, a exigência de que o
representante da sociedade civil pertença a entidades classistas contribui para que o cidadão
comum permaneça excluído e alheio às discussões que digam respeito aos rumos de sua
localidade e região.
Quanto ao Governo Federal, a aprovação da Lei nº 10.257/2001 (Estatuto das Cidades)
e a criação do Ministério das Cidades (2003) representaram a volta do governo federal ao
tratamento de questões relacionadas ao desenvolvimento urbano, o que não se dava desde os
anos 1980. A própria Constituição Federal de 1988 e o Estatuto das Cidades trouxeram
grandes avanços no sentido de se instituir (CF/88) e regular (EC/2001) instrumentos
importantes para a gestão urbana (função social da propriedade, outorga onerosa, IPTU
progressivo) – ainda que tais instrumentos dependam dos Planos Diretores e de vontade
política para serem efetivamente aplicados (Maricato, 2003). Contudo a questão da gestão e
desenvolvimento metropolitanos continua sem tratamento do ponto de vista da União.
O Ministério das Cidades lançou no final de 2004 uma publicação (Cadernos
MCidades) sobre a então recém-lançada Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, em
que eram apresentados diversos diagnósticos e propostas de ação do governo federal. Quanto
à questão metropolitana, havia alguns diagnósticos e três propostas de ação:
1) Parcerias com universidades de todo o país reunidas no Observatório da Metrópoles
para elaboração de um marco legal nacional que oriente a delimitação das regiões
metropolitanas pelos estados; 2) O levantamento das políticas, ações e investimentos
do Governo Federal nas regiões metropolitanas (...) 3) A realização de estudos para a
elaboração de planos metropolitanos em parceria do Ministério das Cidades com
estados e municípios (Mcidades, 2004, p. 42)
Passados seis anos, pode-se afirmar com certeza que os itens 1 e 3 ainda não se
concretizaram, ao menos não em sua forma final, ou seja, na criação de marco legal que
oriente a delimitação das RM pelos estados, ou na forma de planos de desenvolvimentos
metropolitanos³.
Essa ausência de uma coordenação vertical (via regulação; via uma política nacional
para as áreas metropolitanas; via mecanismos de indução e incentivos seletivos nos macrofinanciamentos etc.) dificulta trajetórias “virtuosas” de governança colaborativa horizontal
(via consórcios, por exemplo).
12 A iniciativa nesse sentido que, se aprovada, deixará o Governo Federal mais próximo
de atingir os objetivos expressos na PNDU com relação às RM é o Projeto de Lei nº
3.460/2004 – denominado PL do Estatuto da Metrópole. Neste projeto de lei há, entre outros
tópicos:
i. definição que unifica o conceito de Região Metropolitana (já que atualmente
cada estado adota um conceito diferente);
ii. proposta para criação de uma Política Nacional de Planejamento Regional e
Urbano. Tal Política envolveria a criação de Planos nacional, regionais e
setoriais urbanos – estando seus conteúdos mínimos especificados no PL do
Estatuto da Metrópole;
iii. criação de um Sistema Nacional de Planejamento e Informações Regionais
Urbanas – contendo informações de natureza estatística, físico-territorial,
demográfica, financeira, urbanística, social, cultural ambiental, entre outras,
que subsidiariam os Planos e a Política Nacional de Planejamento Regional e
Urbano;
iv. criação de Fundo Nacional de Planejamento e Informações Regionais
Urbanas.
A própria demora para a tramitação do PL do Estatuto da Metrópole no Congresso
Nacional mostra que o tema é controverso, ou ao menos não é prioritário para alguns setores.
Pode-se afirmar que o país ainda está a procura de um marco regulatório para as regiões
metropolitanas. O que torna esta missão complexa é o fato de que este marco regulatório deve
prever a gestão compartilhada de bens e serviços comuns, de forma que o interesse coletivo
regional não possa ser contrariado por uma ou outra localidade que esteja sendo beneficiada
com a situação atual – ou seja, este marco regulatório necessariamente implica alguma perda
de autonomia local em prol de benefícios regionais.
4. Conclusão
Devido às crises e instabilidades econômicas que acompanharam a economia
brasileira a partir de 1980 – que teve entre suas conseqüências a falência dos Sistemas
Nacionais de Habitação e Saneamento, e a extinção do BNH – as políticas voltadas ao
desenvolvimento urbano e metropolitano foram praticamente abandonadas pelo governo
federal. As prioridades das duas “décadas perdidas” eram o controle da inflação e o equilíbrio
econômico-financeiro do estado (ajuste fiscal). Além disso, como reação à forma autoritária
com que foram estabelecidas as Regiões Metropolitanas nos anos da ditadura, o tema
metropolitano foi relegado a segundo plano na Constituição de 1988 - tanto pelos prefeitos
quanto pelos movimentos sociais - tendo sido priorizada a autonomia municipal.
Entretanto as regiões metropolitanas enfrentam diversos desafios (constituição de uma
rede de transportes públicos intermunicipal, gestão de mananciais, gestão de resíduos sólidos,
questões de zoneamento e ocupação do solo, impacto da reestruturação produtiva causada
pela crise do fordismo, etc.) que somente podem ser equacionados de forma satisfatória a
partir de uma gestão compartilhada, feita sob perspectiva regional.
Com isso, nos últimos dez anos houve um ressurgimento da preocupação com a gestão
metropolitana, sendo um marco importante a Lei dos Consórcios Públicos de 2005. A
temática metropolitana também entrou recentemente na agenda do governo estadual paulista,
que em 2011 criou a Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano, reorganizou a RMSP e
vem dando atenção à região denominada Macrometrópole Paulista, que engloba as RM de
Campinas, da Baixada Santista e a Aglomeração urbana de Jundiaí.
Até o momento a atuação do governo federal vem se restringindo ao financiamento de
iniciativas pontuais nas RM, principalmente via participação em consórcios. Portanto, tem
13 sido mais um patrocinador do que um ente que estabelece diretrizes para o desenvolvimento
das regiões metropolitanas. Conforme ilustrado na seção anterior, está no Congresso Nacional
o PL 3.460/2004, que estabelece o Estatuto da Metrópole. Se aprovado, esse arcabouço legal
dará respaldo a uma atuação mais efetiva do governo federal nas regiões metropolitanas, não
só como co-financiador, mas também como propositor de rumos e políticas.
Restam ainda muitas indefinições com relação a gestão das regiões metropolitanas no
Brasil, e o caso da RMSP não foge à regra. Distanciando-se das experiências mais recentes de
governança compartilhada em outros países (Klink, 2008; Garson, 2009), a estrutura estadual
para governança metropolitana não prevê participação direta da sociedade civil em sua
instância decisória máxima. Também não está claro como será a compatibilização entre a
gestão feita pelo Conselho de Desenvolvimento Metropolitano da RMSP e os consórcios já
existentes com base na Lei Federal 11.107/2005 (Lei dos Consórcios Públicos).
O Estatuto da Metrópole por enquanto é apenas uma possibilidade, e mesmo a
mudança na orientação do governo paulista com relação à gestão da RMSP ainda é muito
recente para se analisar resultados práticos.
A única conclusão possível neste início de 2012 é que mudanças institucionais
importantes estão em curso no que diz respeito à gestão das regiões metropolitanas brasileiras.
Contudo está claro que tais mudanças apontam para um horizonte em que possivelmente: i)
sistemas viários e transportes públicos; ii) zoneamento do solo; iii) gestão de resíduos sólidos;
iii) habitação e fornecimento de equipamentos públicos; iv) etc. – sejam geridos a partir de
um paradigma que transcenda o “municipalismo autárquico”, o qual, sob a máscara da
autonomia, segrega territórios que compartilham vias de transporte, mananciais, atividades
econômicas, problemas ambientais etc.
5. Notas
1
Até a criação do FGTS, os trabalhadores ganhavam direito à estabilidade ao completarem dez anos
de trabalho em uma mesma empresa. A partir da criação do fundo, os trabalhadores tinham direito ao
saque do valor total depositado (8% sobre a remuneração mensal).
2
De acordo com o sítio da Emplasa: “A MMP abrange as quatro regiões metropolitanas do Estado já
institucionalizadas – São Paulo, Campinas, Baixada Santista e Vale do Paraíba e Litoral Norte –, as
aglomerações urbanas não metropolitanas de Sorocaba, Jundiaí e Piracicaba, além das
microrregiões de Bragantina e São Roque.” (Emplasa, 2011)
3
Existe tal plano na RMBH, mas não é possível atribuir sua existência a qualquer tipo de parceria com
o MCidades.
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