MEMÓRIAS LITERÁRIAS, MEMÓRIA VIVAS
Ana Paula Sousa Silva (IFPB – Campina Grande)
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Introdução
O presente artigo tem como objetivo apresentar as Memórias Literárias que
nasceram nas aulas de Literatura, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
no Campus de Campina Grande – Paraíba. Em fevereiro de 2011, solicitamos aos alunos
que lembrassem suas histórias de leitura e as narrassem por meio de um texto.
Pretendíamos com isso, identificar e discutir com eles o papel dos diferentes autores que
intervêm na formação de leitor: família, escola, biblioteca e, claro os textos, em sua
variedade e multiplicidade.
A leitura dos textos pelos alunos foi um momento luminoso de conhecimento,
verdade e aproximação. À medida que iam sendo lidos, revelavam afetos, emoções,
sabedorias e vinculações que extrapolavam muito seus aspectos unicamente linguísticos. A
vida se apresentava a nós, desafiando certezas a cada nova leitura deixando clara a
dimensão imensa que o ato de ler pode ter quando vivido em sua complexidade e
plenitude. Da decodificação muitas vezes balbuciante às viagens infinitas, perigosas e
reconfortantes que podem proporcionar a leitura mostrava ali que é dotada de um
esplendor.
Memórias de leituras, memórias de vida
Muito se discute a importância da leitura na vida das pessoas, e que ela deve
começar desde cedo, ainda no seio da família através da contação de histórias, cantigas de
ninar e das brincadeiras de roda. Contudo, essa é uma realidade pouco praticada nos dias
atuais. A família parece que está perdendo essa sensibilidade de participar do
desenvolvimento da criança, visto que ela está cada vez mais ausente das questões afetivas,
do brincar, do acompanhar o crescimento dos filhos e colaborar junto à escola para que
eles tenham um contato efetivo com a leitura, a fim de que obtenham sucesso na escola e
posteriormente na vida.
Toda criança, jovem e adulto têm uma leitura do mundo que os cercam, mesmo que
não saibam ler a palavra, mas consegue ler os objetos, os fatos e os valores que estão a sua
volta. E isso se deve ao contato com o seu meio: a família, a escola e a sociedade, pois
ninguém é desprovido dessas experiências, e ignorá-las é subestimar a capacidade que cada
um de nós tem de ler o mundo, antes de ler a palavra.
O primeiro contato com a leitura, em geral, tem ou deveria ter a participação da
família, que direta ou indiretamente introduz a criança ao mundo mágico da leitura, quer
seja pelas histórias contadas, quer seja pelas cantigas e brincadeiras. É preciso
efetivamente mostrar que ler é, muitas vezes, brincar, divertir-se. Apontar o mundo lúdico
que a leitura pode se transformar, envolvendo a criança no universo da fantasia, e da
invenção, a ponto de despertar a curiosidade e desafiá-la a resolver problemas cujas
soluções dependem de sua habilidade e capacidade criativa para responder a situações
novas.
No seio da família somos implicados nas mais diferentes descobertas. Com ela
aprendemos a falar, a nos comunicar, a caminhar, e consequentemente nós vamos copiando
os modelos, isto é, a criança tende a, normalmente, a se espelhar nas atitudes dos pais. E é
exatamente no âmbito familiar, que somos conduzidos, ou deveríamos ser: ao mundo da
leitura.
A família deve ser a primeira responsável por conduzir as crianças ao mundo da
fantasia pela contação de histórias. Havia sempre um avô, pai, mãe, tio ou tia, que através
da oralidade embalava o sono infantil com as mais variadas histórias. Assim, envolvia a
criança ao maravilhoso e encantado mundo da leitura, possibilitava momentos de pura
magia e descobertas, numa vivência das mais diversas emoções como o riso, o choro, o
medo, o suspense, a alegria e os desejos, descobrindo soluções para os próprios conflitos,
vivendo outros papéis, identificando-se com personagens.
A ambiência do lar e da escola precisa favorecer o contato da criança e do jovem
com a leitura, esses espaços devem envolver e despertar a curiosidade. É importante que
livros, brinquedos e jogos estejam ao seu alcance, para que os mesmos tenha uma relação
permanente com a leitura. Ler é buscar respostas às nossas inquietações e descobrir um
pouco de nós em cada história.
Na fase escolar da criança, a literatura infantil deve estar ao alcance dos pequenos,
eles precisam ter contato com o livro, folhear, mesmo que não saibam ler a palavra, mas
saberão ler a imagem e criar histórias através da oralidade a partir das mesmas, e
posteriormente passarão a ler a palavra, é quando a criança conhece o mundo da literatura
infantil pela palavra, que seduz e encanta, fazendo do entrelaçamento e do bordado das
páginas um sonho encantado de magia e fantasia, que só a criança é capaz de entender e
inventar novos rumos para as histórias infantis. “A criança encontra na leitura, nos seus
heróis, os seus ideais, os seus modelos. Assimila-os, identifica-se com eles, passa a vivêlos, quando mais não seja, ao menos em sonho...” (FILHO apud Perrotti, 1986).
Antes de comentar a citação de Filho, é necessário compreender o teor das
discussões em torno da literatura infantil enquanto discurso utilitário. Em seu livro O texto
sedutor na literatura infantil, o professor Edmir Perrotti, discute vários aspectos inerentes
à literatura para crianças e jovens, dentre eles a questão do discurso estético e o da
tendência utilitarista predominante na literatura infantil, que objetiva ensinar de forma
pragmática costumes e lição de moral. O autor destaca a renovação da literatura infantil
brasileira a partir de Monteiro Lobato, considerado o precursor da arte de escrever para
crianças e jovens. Segundo ele, durante muito tempo a literatura infantil esteve a serviço de
uma tendência moralista e pedagoga, e que aos poucos vão surgindo autores preocupados
com o valor estético, e cita Lobato como fenômeno, mas que mesmo assim não foi
suficiente para romper com as concepções pragmáticas vigentes.
Vale destacar que o autor reconhece que a obra literária educa, ensina, transmite
valores, mas isso é feito de um modo específico, já que o texto literário possui
especificidades. Contudo, o que se compreende pelas palavras do escritor, é que a obra
literária não deve ser usada como pretexto para ensinar, e que é o leitor com sua
experiência que dará sentido ao texto, é possivelmente ele quem vai descobrir que antes de
assumir um papel utilitário, a literatura é antes de tudo, um prazer estético, que suscita
inquietações, provoca as mais variadas reações no leitor.
“Ler não é decifrar o código escrito, é interagir com o texto de modo a extrair
vários significados” (LAJOLO e ZILBERMAN, 1991). Nessa visão, o leitor muitas vezes
mergulha nas palavras, vivencia o mocinho e/ou o bandido, toma para si a vida daquele
personagem. Perrotti (2008) afirma que:
O leitor que se apaixona por uma história viaja por territórios que se
colam a ele e que ele não quer largar de jeito nenhum. Os sótãos de
Proust, de Bastian são lugares quase sagrados, especiais, superprotegidos
e protetores. Estão longe dos incômodos que às vezes atrapalham a gente
no melhor da história (...)
Para Barthes (1996), “o texto se produz em um entrelaçamento contínuo”. O leitor
mergulha num “tecido” e constrói novas idéias a partir do diálogo constante com o texto.
Nas memórias de leitura de cada aluno, percebe-se que as histórias têm um tempo de
permanência, tempo este que segundo Perrotti (op. cit.) é “aquele que fica guardado não só
na memória, mas no coração, no sangue, nas entranhas feito um sopro (...)”.
Portanto, cada um de nós, com as nossas experiências adquiridas no convívio da
família, da escola, da comunidade, de amigos, está bordando nossa história, quer seja
inicialmente pela literatura infantil, quer seja pelas cantigas de roda, quer seja pelas
brincadeiras, ou outro gênero, o importante é que durante as aulas de Literatura no IFPB –
Campus Campina Grande, fizemos uma rememoração das nossas experiências de leituras,
a partir do gênero memória (memórias literárias) e como era de se esperar, muitos foram
influenciados pelos pais e pelos professores, tiveram uma relação harmoniosa com a
literatura infantil, sobretudo os sonhos e fantasias de Monteiro Lobato, a inventividade de
Cecília Meireles, e muitos outros que aos poucos foram despertando em cada um outras
leituras até chegar ao que se convencionou chamar de clássico ou cânone literário da
literatura brasileira e de outras nações.
As Memórias
Quando nos pusemos a costurar os bordados das nossas histórias de leitura,
percebemos o quanto a família foi importante na nossa formação de leitor. Ao ministrar
aulas sobre leitura (Sim! Aula de leitura, aula sobre leitura, aula para leitura, enfim, tudo
leitura) solicitamos aos alunos que lembrassem suas histórias de leitura e as narrassem por
meio de um texto sobre suas Memórias literárias. Pretendíamos com isso, identificar e
discutir conosco o papel dos diferentes autores que intervêm na formação de leitor: família,
escola, biblioteca e, claro os textos, em sua variedade e multiplicidade já que para nós “os
livros, a literatura e as bibliotecas devem ser para o leitor um refúgio, um mundo pessoal
que o proteja e acenda sua humanidade”.
Dessa maneira, se quisermos conquistar e formar leitores de textos literários é
imprescindível pensarmos a escola como um espaço no qual esses textos devem ser
trabalhados cotidianamente, pois a literatura, vista como arte, desempenha papel
fundamental no que se refere à busca pelas impressões e emoções estéticas e sensibiliza o
leitor para outras etapas do processo cognitivo.
Conscientes de que são muitos os desafios, mas também que eles podem ser
superados é necessário termos uma preparação metodológica fundamentada em leituras
literárias e disponibilidade para novas experiências. Outra questão, não menos relevante, é
nos disponibilizarmos para o diálogo com os textos e com os leitores, permitindo o
desenvolvimento da oralidade, uma vez que a proposta de trabalho com a literatura de um
modo geral tem como objetivo o envolvimento de forma ativa e prazerosa.
Sabemos que o texto literário é capaz de sensibilizar e possibilitar aos leitores
falar e conhecer o próprio “eu”, auxilia na comunicação, funcionando como um “antídoto”
em uma civilização urbana e técnica1.
O texto literário deve instigar o leitor e este deve ser o foco das atenções nas aulas
de literatura. Desse modo, ensinar literatura é pensar essencialmente num trabalho em que
o aluno possa ter o máximo de contato com esses textos e que, desse contato, possam
surgir inúmeros efeitos, causar diferentes reações.
Quando recorremos às nossas memórias de leitura vem em mente tanto a(s)
pessoa(s) que contribuíram para nossa formação leitora quanto os textos que foram atuando
diretamente na formação do gosto literário.
Trata-se, portanto, de um processo que demanda experiências das mais
significativas. O que vem nos instigando é que uma mesma obra lida em diferentes
momentos da vida causa diferentes recepções. Muitas vezes, podemos não gostar de uma
determinada leitura num dado momento e, após algum tempo, depararmo-nos encantados
pelo mesmo texto. Isso acontece porque, como pessoas nós estamos em constante
transformação; e porque essas transformações vão atuar diretamente naquilo que gostamos,
acreditamos, sentimos, enfim.
1
AVERBUCK. Ligia Morrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (Org.) Leitura em crise na
escola: as alternativas do professor. 2. ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p. 69.
Os gêneros textuais e os próprios textos, hoje, assumem vários papéis: são pessoais,
são de reclamação, de opinião, são abertas ao público... São injuntivas, narrativas,
descritivas, dissertativas. Ou simplesmente de memórias, como estes escritos por nossos
alunos, esses textos produzidos por eles chegarão a leitores distantes que também serão
levados a rememorar suas histórias de leitura.
É por meio deles (dos textos) que teceremos um breve comentário para
descobrirmos quem foi o sedutor de cada um desses leitores.
Trechos dos Textos (Memórias Literárias)
T1
A princípio adquiri o hábito de leitura foi bem difícil, pois no ensino fundamental I não fui
incentivada o suficiente e em casa apesar dos meus pais serem educadores e estarem
constantemente fazendo uso da leitura para fins profissionais, me incentivavam através de livros
paradidáticos, CDs, e DVDs com os clássicos da literatura infantis e mesmo assim eu não tinha o
hábito de ler.
T2
Para mim o prazer da leitura foi despertado logo na infância pelos meus pais, que me presenteava
com livros infantis recheados de imagens.
T3
Eu nunca tinha lido um livro até meus onze anos, pois estudava em uma escola de bairro e lá não
tinha uma boa biblioteca. Então, na sétima série fui para a Escola Estadual Solom de Lucena no
centro da cidade (Campina Grande), lá a sala de leitura era muito boa, bem rica em livros de
autores renomados. Foi ai que eu me apaixonei pela leitura e comecei a ler tão rápido que lia um
livro de 150 páginas em um dia.
T4
“Vá ler meu filho”, essa foi a frase que mais ouvi em minha infância. Meus pais sempre me
estimularam a ler. A meu ver, meus pais me mandavam ler não para descobrir o prazer em se
folhear um livro, em voar nas asas da imaginação, mas sim para aprender e estudar. Muitas vezes, a
leitura é apresentada a criança de forma tão chata e séria que a mesma não terá interesse pelos
livros.
T5
A minha paixão pela leitura é despertada principalmente quando “esta” se trata de um romance, ou
seja, me chama atenção quando se baseia em uma história romântica, pois é nesses livros que eu
vejo o “verdadeiro amor”, enfim, aquele amor do qual qualquer mulher desejaria viver.
T6
A literatura na minha vida é muito importante, sobretudo por conta da minha espiritualidade e da
minha religião. Não posso dizer que sou fã da leitura, mas ela faz uma diferença em minha vida.
T7
Infelizmente, não leio muitos livros, mas o pouco que li, me dediquei bastante, um exemplo foi o
livro vidas secas de Graciliano ramos, livro muito bom que retrata fielmente a realidade brasileira
não só da época em que o livro foi escrito, mas nos dias atuais tais como injustiças sociais, miséria,
fome, desigualdade, seca, o que nos remete a ideia de que o homem se animalizou sob condições
subumanas de sobrevivência.
T8
Eu só costumo ler artigos, de blogs ou sites com censo jornalístico, que tenham tecnologia ou
viagens psicodélicas e físicas como tema, sinopse de filmes, publicações no Twitter e Mangás.
Gosto de leituras inteligentes como Death Note, Neon Genesis Evangelion ou Furi Kuri. Uma vez
eu tentei ler O Alienista, porém, a linguagem utilizada pelo autor, machado de Assis, é muito
detalhista, como se ele quisesse que imaginássemos o que ele imagina, porém, ele procura tanta
precisão na imaginação de uma pessoa, que acaba fazendo com que se percam em meio a todos os
detalhes dados.
T9
Foi uma coisa impressionante, algo que nunca tinha acontecido comigo, aconteceu quando eu li o
incrível livro: O cortiço de Aluízio de Azevedo, foi uma sensação interessante, parecia que a
história se passava verdadeiramente. Tudo isso foi impulsionado pela leitura, em livros de História,
sobre a existência de cortiços no Brasil.
T10
Leituras já me tiraram lágrimas, sorrisos, sono ou até me deixaram com sono, já fiquei com raiva
de finais como também já os amei, é como assistir filme de forma lenta e mais detalhada. Umas
agradam, outras não, mas leitura é sempre leitura, algo de bom ela sempre trará.
T11
O que resta a dizer é que ler é muito mais do que juntar sílabas, é muito mais do que coesão e
contexto, a leitura é algo que vem do coração, e tudo que vem do coração não se ultrapassa, sempre
esta se renovando em nossa mente, e criando um significado diferente, em cada momento de nossa
vida. Por fim, a leitura é uma fonte inesgotável de prazer, a qual estimula o pensamento humano e
forma de ser.
T12
É algo emocionante e interessante a experiência de ler um livro. Eu sinto a sensação de viajar por
novos lugares, conhecendo a história e as “peripécias” que aconteceram com várias pessoas, sendo
fictícias ou não. Muitas delas são envolventes, como quando li o meu livro preferido “Os irmãos
Corsos”, de Alexandre Dumas.
T13
Na quinta série tive que ler um livro chamado “Tipo Assim Clarice Bean”. Até hoje é um dos meus
livros favoritos. Quando terminei de ler a última página, eu reli novamente. Nas minhas contas o li
umas oito vezes.
T14
Eu não sou muito de ler livros, porém quando pego um para ler e me empolgo, leio-o em poucos
dias. A boa leitura em minha opinião, é aquela em que o leitor se sente dentro da história, se
identifica com os personagens, ou apenas gosta da história a qual está lendo.
T15
Eu nunca me interessei muito em fazer leituras espontâneas. Lembro que comecei tarde aos 13
anos, influenciado pelo meu irmão, e também por entender a importância da leitura nas nossas
vidas, porém eu sempre fui muito preguiçoso e ao ver a grossura dos livros batia um desânimo,
então, comecei com um livro pequeno que eu pudesse ler aos poucos então li “histórias divertidas”
de vários autores famosos e bons, são livros de histórias curtas e engraçadas que gostei muito.
T16
Leio com a perspectiva da libertação através das palavras. Acredito, no poder pleno e absoluto que
as palavras exercem na vida de um ser humano, seja ele idos, adulto, jovem ou criança. É de
fundamental importância para a formação de um ser de caráter e é a chave para a libertação. Penso
que quando se ler um livro, surgem novas opções de pensamentos, novos caminhos se abrem e
você passa a compreender melhor sua vida ou o meio em que você vive. Através da leitura,
podemos mergulhar em um mundo diferente e enxergar nele uma nova forma de vida,
incorporando os personagens e vivendo a vida deles. A partir desses momentos trazemos pra nossa
vida real, muitas vezes, os ensinamentos proporcionados pelos personagens e assim podemos abrir
novos horizontes e alcançar uma vida diferente.
Analisando os textos, observamos que a família e a escola têm participação efetiva
na formação desses leitores. Segundo (Lourenço Filho Apud Perrotti, 1986) “(...) A criança
encontra na leitura, nos heróis, os seus ideais, os seus modelos. Assimila-os, identifica-se
com eles, passa a vivê-los, quando mais não seja, ao menos em sonho... E, nesse sentido, a
leitura é ‘recreação’, na significação etimológica do termo – a de ‘criar de novo’, a de
‘renascer’”. É essa impressão que temos quando das primeiras experiências com a leitura
destes alunos estão no seio familiar. Na maioria das cartas analisadas, é a família quem
insere as crianças nas práticas letradas. A figura do professor pouco aparece como aquele
que foi agente mediador das práticas de leitura na vida destas crianças.
Em alguns textos analisados, é a família quem os insere nas primeiras práticas
letradas. A figura da escola e especialmente do professor vem em seguida como aquele que
foi agente mediador das práticas de leitura na vida destes.
É importante observarmos que para esses alunos leitores e produtores das
Memórias Literárias, as experiências com a leitura aconteceram e, em sua maioria, foram
experiências que ficaram num “tempo de permanência”. As histórias quando nos
acompanham pelo resto da vida ganham o selo de fantasias bem sucedidas que, de alguma
forma se fortalecem, pois como dizia Proust (Apud Perrotti, 2008) “não existe nada mais
forte que as lembranças da leitura da infância”.
Contribuições da Estética da Recepção
Abordaremos algumas reflexões referentes à teoria da ER que teve seu momento
inicial em 1967 quando Jauss (2002) propôs, ao expor sua teoria, mudanças na forma de
conceber e estudar literatura. Assim adotou como suporte, o conhecimento estético, apara
efetivar uma abordagem metodológica de atividades que envolvam o texto literário. Para o
teórico, o olhar deve estar voltado para o leitor e a recepção, e não apenas para o autor e a
produção. Desse modo, ao ser apresentada como uma teoria na qual o leitor passa a ser o
eixo central, a ER procurou superar a relação autor-texto e privilegiar a relação autor-textoleitor.
Segundo Flory (1997),
A recepção é um processo gerador de significados que realiza as
instruções dadas por um texto num dado momento. A obra literária é vista
em inter-relação com a realidade histórico-cultural do autor e do leitor,
Jauss aponta a necessidade de se elaborar uma nova história da literatura,
baseada nas reconstruções da obra pelos leitores e na sua recepção em
épocas diversas. (p.22-23)
Para a discussão, apresentamos a seguir concepções básicas da Estética da
Recepção (ER) embasadas em Jauss (1979) que são oportunas aos interesses dessa
dissertação. Uma dessas concepções refere-se às categorias fundamentais da experiência
ou fruição estética ou atividades produtiva, receptiva e comunicativa, são elas: poiesis,
aisthesis e katharsis.
A poiesis, segundo Jauss (1979, p.100) baseando-se na concepção aristotélica da
faculdade poética, esclarece que, “[...] o prazer ante a obra que nós mesmos realizamos
[...]”, consiste, portanto, no prazer do leitor na presença da obra, fazendo com que ele
sinta-se co-autor de uma obra. O prazer, nesse caso, estaria relacionado a uma atitude ativa
do leitor em que incluiriam todos os elementos presentes na obra.
A aisthesis é mais relacionada à experiência estética em si, pois, constitui o efeito
provocado pela obra literária e que possibilita ao leitor renovar sua percepção de mundo.
A katharsis, por sua vez, é das atividades apresentadas até o momento, a que
mais influencia de forma emocional o leitor, pois, ao ler uma obra, ele, geralmente, busca
alguma identificação com os personagens ou com outras situações presentes nos textos.
Observamos que a “comunicação” é algo indispensável na referida teoria, Jauss
(2002) esclarece isso ao afirmar que, para a análise da experiência do leitor ou da
sociedade de leitores de um tempo histórico determinado, é necessário diferenciar e
estabelecer a comunicação entre os dois lados da relação texto-leitor. Esse fato evidencia
como o efeito refere-se ao momento determinado pelo texto, enquanto que a recepção
refere-se ao momento determinado pelo destinatário.
Desse modo, Jauss (op.cit) procura mostrar como expectativa e experiência se
unem para serem os responsáveis pelo processo de significação. O maior problema para a
concretização dessa análise é o fato de que o horizonte de expectativas de uma dada
sociedade, num determinado tempo, nem sempre é evidenciada pelas análises históricas.
Ao refletir sobre o horizonte de expectativa Campos (2003) afirma que:
O horizonte de expectativa é tudo o que pode ser vislumbrado a partir de
uma dada perspectiva. É composto por experiências de leitura
condicionadas pelas leituras passadas, que criam uma idéia de herói,
narrador, enredo etc. As expectativas do leitor podem ser o repertório de
referências literárias que lhe servem de fundamento e sobre o qual ele
reconstrói sua leitura e expectativas no momento em que a obra aparece.
(p.142)
Zilberman (2004) procura fazer uma leitura esclarecedora dos principais textos e
pressupostos da estética da recepção. Segundo a referida autora, Jauss (2002) confere à
leitura natureza emancipatória, visto que “a experiência da leitura pode liberá-lo [o leitor]
de adaptações, prejuízos e apertos de sua vida prática, obrigando-o a uma nova percepção
das coisas”. (p. 54)
Assim, o que Jauss (op. cit) propõe é que a leitura literária seja realizada de
forma mais completa e, dessa maneira, contribuir para o processo emancipador, o que
constitui a função social da literatura.
Ainda conforme Zilberman (2004), “[...] o único temor que a leitura pode
inspirar é o de que seus usuários sejam levados a alterar sua visão de mundo, sonhem com
as possibilidades de transformar a sociedade e não se conformem ao já existente” (p. 54).
Percebemos que a teoria da recepção concede ao leitor um importante espaço de
liberdade para interpretar. Contudo, devemos comentar que, apesar do destaque conferido
ao papel do leitor pela Teoria Recepcional, a interpretação do texto não é um ato subjetivo,
livre de imposições textuais. Mesmo o texto sendo repleto de espaços vazios que o leitor
poderá ou não preencher, esses espaços não podem ser preenchidos de modo aleatório.
Segundo Campos (2003, p. 143), “as possibilidades de diálogo com a obra
dependem, então, do grau de identificação ou de distanciamento do leitor em relação a ela
quanto a convenções culturais a que se vinculam e a sua consciência dela.” Vale salientar
que Jouve (2002) apresenta importantes esclarecimentos, em torno de alguns conceitos
referentes à ER, esclarecendo o valor, tanto da leitura literária, quanto do leitor.
De acordo com Jouve (2002), a formação do leitor deve valer-se de muitos fatores
que vão desde vivências sistemáticas de leituras até a leitura como momento de prazer.
Segundo ele, a leitura é uma atividade complexa e plural que se desenvolve em várias
dimensões, as quais podemos sintetizar da seguinte forma: a primeira como um processo
neurofisiológico quando é necessário que o aparelho visual e as diferentes funções do
cérebro estejam funcionando bem; a segunda diz respeito ao processo cognitivo, quando o
leitor procura entender o texto; a terceira é o processo afetivo, ou seja, as emoções estão,
de fato, na base do princípio de identificação, motor essencial da leitura de ficção; a quarta
é um processo argumentativo, sendo o texto o resultado de uma vontade criadora, conjunto
organizado de elementos, é sempre analisável; a quinta, e última dimensão, é a que vê a
leitura como um processo simbólico, ou seja, toda leitura interage com a cultura e com os
esquemas dominantes de um meio e de uma época.
A leitura afirma sua dimensão simbólica agindo nos modelos do imaginário
coletivo quer os recuse quer os aceite. Ainda na perspectiva de Jouve (2002, p. 107), “a
leitura é, portanto ao mesmo tempo uma experiência de libertação (‘desengaja-se’ da
realidade) e de preenchimento (suscita-se imaginariamente, a partir dos signos do texto, um
universo marcado por seu próprio imaginário)”.
Assim, é imprescindível trazer o texto literário para o cotidiano escolar. É algo
que deve ser feito de maneira planejada visando, especialmente, proporcionar um prazer
estético. Podemos compreender que a principal contribuição da Estética da Recepção para
o ensino, é justamente, trazer esse leitor para o centro das aulas de literatura. Nesse
sentido, Campos (2003) afirma que:
A metodologia proposta por Jauss envolve um complexo sistema teórico
cujo eixo central gira em torno dos conceitos de leitor e de experiência
estética. Para ele, a compreensão do texto literário não se esgota em si
mesmo nem nas circunstâncias históricas da época de sua produção.
Jauss, ao contrário, postula uma relação indissociável entre a experiência
estética e a história, na qual o leitor tem o papel central de atualizar a
dimensão estética e também a dimensão histórica do texto. (p.156)
É importante ressaltar que não existem mágicas ou fórmulas prontas para ensinar
literatura, mas o que podemos fazer é encontrar caminhos que estejam dentro da realidade
de cada escola, na qual alunos e professores estão ávidos a encontrarem o caminho que
leva ao prazer estético e desse modo bordar as suas próprias histórias.
Considerações finais
Assim, entendemos a escola como o lugar ideal para a concretização de
experiências como a descrita neste artigo. Uma escola que possa conceber espaços cada
vez maiores para a leitura literária, uma escola que oportunize ao aluno falar e ouvir,
permitindo que ele possa ampliar a sua capacidade de sonhar, imaginar, criar,
experimentar. Enfim, uma escola em que seja dado o direito ao aluno de vivenciar cada vez
mais a beleza e as ricas experiências que os textos podem proporcionar.
Podemos concluir que a experiência com esses alunos foi a das mais
significativas, para nós, tanto no sentido humano como no profissional. Ao escolhermos
trabalhar com o texto literário, em especial com as Memórias Literárias, assumindo uma
metodologia diferenciada das que são comumente propostas em alguns livros didáticos,
devemos estar preparados para enfrentar desafios como: a falta de contato dos alunos com
a literatura, a falta de tempo para realização das atividades, entre outros fatores.
Assim, estamos conscientes de que todos os desafios podem ser vencidos, se
consideramos como indispensável uma preparação metodológica fundamentada em teorias
significativas e disponibilidade para novas experiências. É necessário também que
estejamos sempre abertos para o diálogo no tocante a ouvir os alunos, explorarem a
oralidade, a escrita e essencialmente promovermos momentos de leitura literária, e termos
como objetivo, o envolvimento dos alunos de forma ativa e prazerosa.
REFERÊNCIAS
AVERBUCK. Ligia Morrone. A poesia e a escola. In: ZILBERMAN, Regina (Org.)
Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. 2. ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1982.
BARTHES, Roland. Aula. 7. ed. São Paulo: Cultrix, 1996.
CAMPOS, Maria Inês Batista. Ensinar o prazer de ler. São Paulo: editora Olho D’água,
2003.
FLORY, Suely Fadul Villibor. O leitor e o labirinto. São Paulo: Arte &Ciência, 1997.
JAUSS, Hans Robert. O prazer estético e as experiências fundamentais da poiesis, aisthesis
e katharsis. In: LIMA, Luiz Costa (Seleção, Coordenação e Tradução). A Literatura e o
leitor: textos da estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
_____. A estética da recepção: colocações gerais. IN: LIMA, Luis Costa (Org). A
literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002
JOUVE, Vincent. A leitura. Tradução: Brigitte Hervor. São Paulo: UNESP, 2002.
PERROTI, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.
ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1988.
______. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 2004.
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Ana Paula Sousa Silva