Restauração de um Receptor National HRO-50T1
Artigo de Saulo Quaggio – PY2KO
Especial para o Site da 813 – Set/2010
www.813am.qsl.br
Vou contar aqui a minha epopéia para restaurar um rádio National HRO50, que deu muito trabalho mas
resultou no gosto de trazer pelas próprias mãos um rádio dos anos 40 de volta ao estado de novo, “na
caixa”, como dizem. Acredito que possamos compartilhar algumas idéias sobre restauração que aprendi no
processo, e quem sabe animar alguns dos colegas para fazer o mesmo.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Os rádios da série HRO sempre foram uma atração para mim desde que o Percival PY2EWP me apresentou
um deles numa viagem que fizemos a Petrópolis atrás de rádios antigos, lá pelo ano de 2002.
Recentemente desenterrei uma história interessante da 2ª. Guerra Mundial envolvendo esse rádio. Em
resumo é o seguinte:
Os alemães usavam uma máquina codificadora de mensagens chamada Enigma para as comunicações entre
o alto comando e os generais em campo, que era uma engenhoca eletromecânica parecida com uma
maquina de escrever e que embaralhava as letras digitadas no teclado, acendendo lâmpadas em um painel
correspondentes às letras codificadas. Esse texto codificado era transmitido em CW e do outro lado era
passado por outra Enigma com as mesmas configurações, que mostrava as letras decodificadas no seu painel
recriando o texto original.
O embaralhamento era feito por uma série de cilindros giratórios com conexões cruzadas e a decodificação
dependia de uma configuração das posições dos cilindros no inicio de cada mensagem, o que possibilitava
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um número enorme de combinações (cada um dos 4 cilindros poderia começar em qualquer das 26 letras do
alfabeto, o que dá 456.976 combinações). Essa configuração mudava todo dia segundo tabelas que os
alemães preparavam com antecedência e distribuíam entre eles, guardando-as com a própria vida. O código
era considerado indecifrável e os alemães estavam sossegados.
Acontece que os ingleses reuniram secretamente um grande número de gênios decifradores de quebracabeças e conseguiram quebrar os códigos da Enigma, usando muita matemática e centenas de máquinas
eletromecânicas enormes chamadas “bombes”, que foram os primeiros computadores da história.
Formaram uma equipe de quase 10.000 pessoas, boa parte delas trabalhando numa mansão vitoriana perto
de Londres chamada Bletchley Park, onde decodificavam praticamente todas as mensagens alemãs,
descobrindo com antecedência os planos e movimentos deles. Isto desequilibrou as batalhas navais do
Atlântico e as campanhas da África e Europa a favor dos aliados, que talvez tenham ganhado a guerra mais
pelos matemáticos do que pela competência dos seus generais!
Logo após a guerra todos os equipamentos foram destruídos e a operação permaneceu ultra-secreta até os
anos 90, mas agora é só procurar no Google que há montanhas de informações a respeito.
Onde entra o HRO nessa, vocês devem estar me perguntando? Ora, os sinais de telegrafia alemães eram
captados em estações espalhadas pela Grã Bretanha e as mensagens codificadas levadas por motoqueiros
para Bletchley Park. Os receptores de rádio, centenas deles, eram todos HRO! Era sem dúvida o melhor
receptor da época, e ainda hoje me espanto com o seu desempenho. Havia bons aparelhos ingleses e
franceses, mas nessa questão vital usaram o norte–americano, que foi projetado em 1935 e continuou
sendo fabricado em seus diversos modelos até os anos 60.
A RESTAURAÇÃO
Há uns 3 anos consegui com o Alexandre PY2DVB um espécime do velho HRO50-1 completo mas num
estado, digamos, menos que ótimo. Justiça seja feita, a parte de baixo do chassi estava impecável. Uma das
fotos aí mostra o bicho antes da reforma, tinha um bocado de ferrugem.
Comecei fazendo uma coisa que me foi ensinada
pelo Neto PY2MCK e que considerei a princípio
puro assassinato radiotécnico: mandar água e
sabão no coitado! Veja a foto do Neto manejando a
mangueira (eu não tive coragem de fazer isso
pessoalmente). Mas não é que deu certo?
Já apliquei essa técnica depois em mais de um
rádio sem nenhuma consequência funesta!
Transformadores de força e áudio, soquetes,
bobinas, filtro a cristal... tudo esfregado com uma
escova de dentes, encharcado de água e
detergente, e milagrosamente voltando a funcionar
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depois de passar duas semanas dentro de uma caixa de papelão com uma lâmpada de 100 watts acesa e
coberta por uma toalha.
O próximo passo foi desmontar o máximo possível. Não considerei desmontar totalmente a fiação porque
estava em boas condições, o chassi embaixo inclusive, e aí o trabalho seria maior do que a minha paciência
seria capaz de suportar. Mas arranquei fora o transformador e choque, o capacitor variável e as canecas de
blindagem, parafusos, dial e tudo o que deu para
tirar sem desmanchar muito a fiação.
Aí começou o tratamento para retirar a ferrugem
do chassi, usando Ferrox e raspadeira. Ferrox à
vontade com um pincel, tomando cuidado para
não atingir as partes de alumínio, espera secar,
raspa, e ferrox de novo até ficar no metal limpo.
O acabamento original é um zincado muito claro e
brilhante, ainda intacto em alguns pontos, que
mais parece alumínio do que ferro zincado
convencional.
Seguindo uma dica dos amigos, comprei uma lata de tinta spray de alta temperatura cor alumínio, cortei os
pelos de um pincel deixando apenas meio centímetro e comecei a esfregação que durou uns três fins de
semana:
Primeiro uma demão uniforme de Ferrox em toda a área de ferro exposto, espera secar (o ferrox dá uma cor
cinza ao ferro), espirra um pouco da tinta numa tampinha, molha o pincel e esfrega sem dó em cima da
parte metálica, repetindo-se o processo quantas vezes for preciso. Aos poucos a peça inicialmente opaca vai
adquirindo aquele aspecto de alumínio brilhante!
Não me pergunte por que acontece isso, mas fica
bem melhor do que a simples pintura cor de
alumínio, que costuma dar um aspecto meio
porco.
Nas partes em que o zincado original estava bom,
usei o truque de esfregar a tinta mas sem passar o
ferrox, e bem de leve só para uniformizar e tirar as
manchas.
As canecas de alumínio foram lavadas com água e
detergente e recuperaram um brilho bastante
razoável.
Haviam algumas inscrições carimbadas nas peças que preservei, outras desapareceram e que recuperei
desenhando ao contrário no computador e imprimindo com uma impressora inkjet numa folha sulfite, e
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transferindo em seguida sobre o tratamento aluminizado descrito acima enquanto ainda úmido. Para
transferir, é segurar a folha sobre o local e esfregar fortemente por cima com uma tampa de caneta Bic.
O capacitor variável e seu mecanismo foi um caso à parte. Desmontei (com grande preocupação) tudo o que
deu, tirando fora os conjuntos de placas que são parafusados e que depois deu um trabalho considerável
para alinhar novamente.
Submeti as partes em ferro do variável ao mesmo processo de “aluminização”, limpei, ajustei e engraxei as
engrenagens, e reduzi a força da mola que elimina as folgas, trocando-a por outra, o que suavizou bastante o
mecanismo de sintonia. A montagem dos dois discos do dial é crítica, existem duas marquinhas triangulares
quase invisíveis que tem de ser alinhadas ou nada dá certo depois.
Outro caso foi o painel do S-meter. Estava feio e desbotado, o jeito foi escaneá-lo, passar para o computador
e refazer o desenho usando Corel Draw. Imprimi em papel fotográfico numa impressora laser a cores,
recortei e colei sobre o painel original, ficou perfeito, como você pode conferir na foto.
O medidor também estava enroscando, foi desmontado, limpo e alinhado. Esses medidores antigos
costumam enroscar devido à atração de limalhas metálicas no espaço entre os pólos do ímã e a bobina
móvel, mas com uma agulha e muita paciência deu para limpar.
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Simultaneamente a essas operações, mandei o gabinete metálico (inclusive os frontais das gavetas e o altofalante) para uma oficina boca-de-porco, especializada em pintura de carros.
Os caras decaparam a tinta Duco metálica original, que até não estava tão ruim mas tinha muitos riscos.
Procurei a tinta moderna mais parecida, (Duco não existe mais) que é a base de poliéster e foi “temperada”
pelo pessoal da oficina até chegar na cor de um pedaço na parte interna da caixa preservado para esse fim.
O problema foi chegar no brilho acetinado correto, porque a tinta automotiva poliester é completamente
opaca, e depois que se aplica o verniz, completamente brilhante.
Para chegar num meio termo, o cara deu uma demão de verniz muito fina e chegamos no ponto certo,
depois de várias tentativas e muita briga com o pessoal da oficina, que nem digo onde é, porque se vocês
aparecerem por lá com um rádio desses o cara provavelmente vai botá-los pra fora à tapa.
As inscrições em baixo-relevo foram destacadas com esmalte sintético branco fosco, aplicado com um pincel
e passando-se um pano com solvente em cima para tirar o excesso. Muita tentativa e erro nesse processo
também.
As gavetas foram desmontadas (arrancando-se uns rebites e depois os refazendo) para a pintura, as bobinas
e trimmers desmontados e limpos. As inscrições laterais sobre alumínio foram recuperadas desenhando-se
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com caneta de feltro preta não-solúvel, os contatos limpos e alinhados e as inscrições no frontal refeitas com
tinta branca como no restante da caixa. Para dizer a verdade, ainda falta terminar umas gavetas e o altofalante... fica para o dia de São Nunca.
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A ELETRÔNICA
Obtendo o manual do rádio pela Internet, segue aí uma cópia, troquei alguns resistores e capacitores
alterados e um potenciômetro, ressoldei algumas soldas frias (tinha sido bastante mexido), verifiquei as
tensões (os transformadores não entraram em curto com a água!) e passei à calibração, seguindo passo a
passo o procedimento do manual.
Para ajustar os trimmers da gaveta tive de produzir uma chave de boca especial com articulação, porque os
ditos cujos estão em posição inacessível pelas meras chaves comuns. Deu certo, e o rádio passou a funcionar
bastante bem. Mas que grande porcaria em SSB! O único modo de receber SSB nesses rádios de antanho é
ligar o oscilador de batimento para CW.
O problema é que o sinal do oscilador é injetado no detector a diodo (valvulado, claro), é retificado e
provoca uma tensão de AGC que dessensibiliza completamente o rádio. Para evitar isso tem uma chave que
desliga o AGC, mas aí você precisa ficar com uma mão no ganho de RF, outra no oscilador e outra na
sintonia, e como só tenho duas mãos e mesmo que tivesse outra, o sinal distorce à menor variação e fica
imprestável. Resolvi dar um jeito nisso.
E o jeito foi adicionar um detector de produto balanceado, que elimina a presença do sinal do oscilador no
detector do AGC. Também aumentei a constante de tempo do AGC trocando uns resistores.
Como na recepção de AM tudo deveria ficar como estava, fiz as modificações que estão anotadas à mão no
esquema anexo: usei um duplo triodo 6SN7 montado no soquete octal extra destinado originalmente a um
acessório para recepção de FM, e a chave de modo na posição CW agora serve também para SSB. Você pode
ver a modificação na foto do chassi por baixo, o soquete extra fica à direita e abaixo do transformador de
áudio.
Surpresa: o novo detector de produto junto com o arcaico filtro a cristal (que tem um único cristal de
445KHz) funciona maravilhosamente em SSB, tão fácil de sintonizar como qualquer rádio moderno! Nenhum
problema com o AGC nem com estações adjacentes, o áudio ótimo... A estabilidade do rádio, outra surpresa,
é tão boa quanto a dos Collins muito mais recentes, perfeita depois de alguns minutos de aquecimento.
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O HRO acabou sendo o meu receptor favorito para corujar em 40 metros. Se não fosse a chateação de trocar
as gavetas, o seria para outras faixas também.
Se você tem um HRO e quiser modificá-lo para SSB, posso enviar mais detalhes, é bastante fácil e vale a
pena.
Espero ter descrito de maneira satisfatória a minha experiência com essa restauração, e tomara que sirva de
incentivo ou referência para os colegas nessa modalidade do radioamadorismo!
PS - As fotos dão água na boca, hein? Como eram bonitos esses rádios...
73 de Saulo – PY2KO
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