SILVIA PATRÍCIA DE OLIVEIRA SILVA CONSUMO ENERGÉTICO-PROTÉICO E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS DE MUNICÍPIOS DE BAIXO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) DO NORDESTE RECIFE 2008 SILVIA PATRÍCIA DE OLIVEIRA SILVA CONSUMO ENERGÉTICO-PROTÉICO E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS DE MUNICÍPIOS DE BAIXO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) DO NORDESTE Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de mestre. Área de concentração: Nutrição em Saúde Pública. ORIENTADORA: Doutora Mônica Maria Osório. CO-ORIENTADORA: Doutora Marisilda de Almeida Ribeiro. Professoras adjuntas do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco. RECIFE 2008 Silva, Silvia Patrícia de Oliveira Consumo energético-protéico e estado nutricional de crianças menores de dois anos de municípios de baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) do Nordeste / Silvia Patrícia de Oliveira Silva. – Recife : O Autor, 2008. ix,70 folhas : tab. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco. CCS. Nutrição, 2008. Inclui bibliografia e anexos. 1. Nutrição infantil. 2. Consumo de alimentos. 3. Estado nutricional. 4. Desnutrição. 5. Obesidade I.Título. 613.22 613.0432 CDU (2.ed.) CDD (22.ed.) UFPE CCS2009-026 “Tudo é do Pai, toda honra e toda glória, é dele a vitória alcançada em minha vida”. (Frederico Cruz) IV DEDICATÓRIA A meu pai Djalma (in memoriam), que mesmo não tendo muitas oportunidades na vida, esforçou-se com afinco e dedicou todo o seu suor à educação de seus filhos. À minha mãe Socorro, que com sua sabedoria nos ensina a cada dia a maior virtude do ser humano: a honestidade. Aos habitantes das cidades de Gameleira e São João do Tigre, que nos acolheram de maneira singular em suas residências. V AGRADECIMENTOS A Deus, sempre. Por nunca me abandonar, em nenhum momento de minha vida; A minha mãe Socorro e meus irmãos Rodrigo e Laura, alicerces de minha vida. Amo vocês! A Marcelo, uma pessoa mais que especial que Deus me presenteou e a todos de sua família, que entraram juntamente com ele em meu coração; A minha orientadora Mônica Osório, pela oportunidade que me deu em 2005 para continuar no caminho da pesquisa e por todo apoio, acompanhamento e paciência; Aos professores Marisilda e Pedro, por todo apoio, pelo exemplo de humildade e compromisso. Obrigada pela indescritível ajuda! À professora Sônia Lucena, amiga, confidente e conselheira. Aos professores do laboratório de Saúde Pública, em especial Poliana, Leopoldina, Emilia e Jailma, por estarem sempre disponíveis a ajudar e Ilma, pelas oportunidades oferecidas que foram de grande valia na análise dos dados; Ao Professor Rubem Guedes, quem me introduziu no mundo da pesquisa; A Ana Cristina, pela ajuda de sempre e pela alegria que transmite ao nosso laboratório e à Neci Nascimento, pelo suporte durante todo o período do mestrado; Às colegas de turma, pela companhia e partilha de momentos de felicidade, dúvidas, cansaço e todos os sentimentos que nos envolvem durante toda essa fase; A toda a equipe de trabalho de campo: Rosa, Rosete, Madalena, Albanira, Juci, Liliane, Conceição, Sandra, Juliana, Alexandre, Fabiana, Vanessa, Fernanda, Emilia, Kalina, Aline. Obrigada por transformarem o trabalho em algo tão prazeroso e divertido! A Cristiane Fidélis, Juliana Oliveira e Risia Menezes, por todo o suporte e pela confiança que me transmitiram com suas experiências; A Emilia Chagas Costa, minha companhia durante todo este percurso, nos momentos de alegrias e angústias. Uma amiga que pretendo levar pela vida toda. A Vanessa e Fernanda, exemplos de amizade e de companheirismo. Obrigada pela partilha de felicidade e paz quando estamos juntas! Aos estagiários Rodolfo, Cássia, Beth, Clara, Tereza e Raquel, por toda a ajuda e dedicação; Aos meus grandes amigos Edlene, Juliana Carvalho e Rodrigo. Em vocês eu tenho a certeza do que é uma verdadeira e forte amizade. Às colegas de trabalho do Hospital Universitário Oswaldo Cruz, em especial a Edlene, Regimere, Giselda e Edna, que me ajudaram a conciliar mestrado e emprego. VI LISTA DE TABELAS Página Tabela 1 – Estado nutricional das crianças menores de 2 anos, segundo os índices peso/idade, estatura/idade e índice de massa corporal e por 51 faixa etária. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Tabela 2 – Necessidades médias estimadas de energia (EER), ingestões dietéticas de referência (DRI), consumos energético e protéico médios 52 por faixa etária, em crianças menores de 2 anos. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Tabela 3 – Consumo energético (Kcal) médio de crianças menores de dois anos por faixa etária, de acordo com o Índice de Massa Corporal. 53 Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Tabela 4 – Consumo protéico (g) médio de crianças menores de dois anos por faixa etária, de acordo com o Índice de Massa Corporal. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. VII 54 RESUMO Esta dissertação está estruturada em duas partes: uma revisão de literatura, elaborada segundo artigos publicados nas bases de dados Scielo e Lilacs, livros e relatórios oficiais, e um artigo original. A revisão literária mostra estudos que salientam a importância da nutrição no crescimento e desenvolvimento infantil, bem como a importância da relação entre o consumo alimentar e o estado nutricional da criança, possibilitando averiguar que na maior parte dos estudos o excesso de peso ultrapassa a desnutrição ou o risco nutricional e isto ocorre independente da classe de renda. Esta situação gera uma preocupação do setor saúde pelo fato de que seus efeitos futuros limitam as capacidades físicas e intelectuais do indivíduo, comprometendo a qualidade de vida da população, a produtividade e a economia do país. O artigo original avaliou o consumo energético-protéico e relacionou-o com o estado nutricional segundo o índice de massa corporal de crianças com idade inferior a dois anos, pertencentes aos municípios de Gameleira e São João do Tigre, municípios da Zona da Mata de Pernambuco e do Semi-árido da Paraíba, respectivamente. Os resultados encontrados confirmam aqueles observados na revisão literária: o excesso de peso, segundo o índice de massa corporal, sobrepondo-se ao déficit ponderal. Assim, faz-se necessário um alarme para criação de políticas públicas que visem à prevenção da obesidade infantil, para que a população não sofra com as conseqüências acarretadas por esta patologia. Palavras-chave: criança, consumo alimentar, estado nutricional, desnutrição, obesidade. VIII ABSTRACT This dissertation is divided into two parts: literature revision, elaborated according to articles published in the Scielo and Lilacs data base, books and official reports; and an original article. The literary revision shows studies that emphasize the importance of nutrition on the children’s growth and development, as well as the importance between feeding consumption and children’s nutritional status showing that overweight surpass malnutrition or nutritional risk in most part of studies and that it occurs independently on social class. This situation generates a concern on the health sector by the fact its future effects limit physical and intellectual capacities of individuals, compromising population life quality, productivity and country economy. The original article evaluated the protein-energetic consumption and related it to nutritional state according to the body mass index in children under 2 years old belonging to Gameleira and São João do Tigre, cities in the Zona da Mata – Pernambuco State and Paraiba Semi-Arid, respectively. Results observed in this article confirmed those observed in the literary revision: the overweight, according to the body mass index, putting on the top of pondered deficit. Thus, it is necessary an alarm to creation of public policies aiming o prevent children’s obesity in order the population do not suffer with the consequences of this pathology. Key-words: child, food consumption, nutritional status, malnutrition, obesity. IX SUMÁRIO Página LISTA DE TABELAS RESUMO ABSTRACT VII VIII IX 1. APRESENTAÇÃO 11 2. REVISÃO DE LITERATURA 13 Nutrição x Estado nutricional Inquéritos dietéticos: avaliação do consumo alimentar Referências bibliográficas 14 18 24 3. ARTIGO ORIGINAL - CONSUMO ALIMENTAR E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS EM MUNICÍPIOS DE BAIXO IDH DO NORDESTE. 29 Resumo Abstract Introdução Métodos Resultados Discussão Referências bibliográficas 32 34 36 38 43 44 48 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES 55 5. ANEXOS 57 1. APRESENTAÇÃO OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 12 APRESENTAÇÃO O presente trabalho tem como principal objetivo verificar a relação entre o consumo energético - protéico e o estado nutricional em crianças menores de dois anos, de acordo com o índice de massa corporal (IMC), nos municípios de Gameleira-PE e São João do Tigre-PB. Esta dissertação está constituída por uma revisão de literatura e um artigo original. A primeira procurou mostrar estudos que salientam a importância da nutrição no crescimento e desenvolvimento infantil, bem como a importância da relação entre o consumo alimentar e o estado nutricional da criança. A revisão possibilitou averiguar uma modificação no padrão alimentar infantil, que vem interferindo diretamente no estado nutricional da população, onde a incidência do excesso de peso está ultrapassando o número de crianças desnutridas ou em risco nutricional. Esta situação gera uma preocupação do setor saúde pelo fato de que seus efeitos futuros são devastadores, comprometendo a qualidade de vida da população, a produtividade e a economia do país. O artigo original: “Consumo alimentar e estado nutricional de crianças em municípios de baixo IDH do Nordeste” foi organizado de acordo com as normas da Revista de Saúde Pública (Journal of Public Health), periódico ao qual será submetido. O mesmo foi elaborado de acordo com os resultados da pesquisa “Avaliação da situação alimentar e nutricional e seus fatores determinantes em conglomerados urbanos e rurais da Zona da Mata e Semi-Árido do Nordeste”, realizada em Gameleira e São João do Tigre, municípios da Zona da Mata do Estado de Pernambuco e do Semi-árido da Paraíba, respectivamente. Os resultados encontrados neste artigo confirmam aqueles observados na revisão literária: o excesso de peso, segundo o índice de massa corporal, sobrepondo-se ao déficit ponderal. Assim, faz-se necessário um alarme para criação de políticas públicas que visem à prevenção da obesidade infantil, para que a população não sofra com as conseqüências acarretadas por esta patologia. 2. REVISÃO DE LITERATURA OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 14 REVISÃO DE LITERATURA Nutrição x estado nutricional O crescimento humano é um processo contínuo e de natureza multicausal, resultante da interação entre fatores intrínsecos e extrínsecos do organismo (SPYRIDES et al, 2005). Quando o indivíduo é exposto a fatores extrínsecos favoráveis, alcança o pleno crescimento e desenvolvimento que seus genes determinam, porém, quando situações adversas persistem, podem levar à situação contrária, que pode ser irrecuperável caso ocorra precocemente (WESTWOOD et al, 1983). Em 1978, Nelson Chaves escreveu sobre a importância da nutrição no crescimento e desenvolvimento humano, enfatizando a função da mesma no alcance pleno do potencial genético do indivíduo, ressaltando que os fatores do meio, sobretudo os nutricionais, têm maior importância que os genéticos no crescimento e desenvolvimento (CHAVES, 1985). Os fatores genéticos influenciam a velocidade do crescimento e desenvolvimento com mais intensidade a partir dos dois anos de idade, antes disso, os fatores extrínsecos como as condições da gestação e da nutrição ofertada à criança predominam (SPYRIDES et al, 2005). Uma alimentação deficiente na infância causa impacto imediato no peso e mais lentamente na estatura. Todavia, esta quando prejudicada pela má nutrição pode tornar-se irrecuperável, visto que os genes têm sua fase e tempo de manifestação (CHAVES, 1985; VITOLO, 2003; SPYRIDES et al, 2005). A má nutrição causa ainda limitações na capacidade de aprendizagem da criança, comprometendo seu desenvolvimento mental e cognitivo (UNICEF, 1998). O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 1998) sugere um modelo em que determinantes de diferentes níveis hierárquicos podem agir como situações adversas no crescimento infantil. São eles: níveis básicos, intermediários ou subjacentes e imediatos. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 15 Baseando-se neste modelo, um estudo realizado em municípios de São Paulo e Bahia, teve como resultados relações entre o crescimento linear infantil e os fatores referentes aos municípios (Índice de Desenvolvimento Humano, assistência pré-natal), domicílios (escolaridade materna, índices ambiental e econômico) e ligados diretamente à criança (peso ao nascer, idade da criança, vacinação, aleitamento materno, percepção materna sobre a saúde da criança e história de desnutrição), onde os autores observaram que estes fatores são refletidos nas condições de saúde e nutrição na infância. A variabilidade do déficit do crescimento linear das crianças investigadas esteve relacionada aos determinantes do município num percentual de 15,7%, ao domicílio em 33% e aos fatores imediatos, ou seja, aqueles ligados diretamente à criança, em 51,3% (OLIVEIRA et al, 2007). A nutrição sendo atingida gera conseqüências no estado nutricional, daí a importância da monitorização do mesmo. A situação nutricional de um indivíduo é definida através da disponibilidade de nutrientes e a utilização dos mesmos juntamente com a energia a nível celular. Assim, o estado nutricional é considerado normal quando a alimentação supre os nutrientes necessários ao metabolismo, caso contrário, surgem condições para o aparecimento das doenças carenciais ou a instalação dos excessos nutricionais, quando há respectivamente deficiência ou excesso na disponibilidade de energia e nutrientes. Para análise das condições do estado nutricional, as classificações antropométricas são os indicadores mais utilizados na saúde coletiva (BATISTA FILHO, 2003). No Brasil, poucos são os estudos sobre consumo alimentar populacional, principalmente na população infantil. O estudo que apresentou os melhores dados deste tipo aconteceu na década de 70, o Estudo Nacional de Despesa Familiar (IBGE, 1977a; IBGE, 1977b; IBGE, 1978). Após este, foi realizada a Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO, 1990) e as Pesquisas de Orçamentos Familiares (IBGE, 1991; IBGE, 1997; IBGE, 2004), porém todos enfocaram o padrão alimentar familiar, nenhum envolveu exclusivamente o padrão alimentar infantil. Ainda assim, o Estudo Nacional de Despesas OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 16 Familiares (IBGE, 1977a; IBGE, 1977b; IBGE, 1978) que ocorreu em 1974-1975, a Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO, 1990) realizada em 1989 e a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (BRASIL, 1996; SOCIEDADE CIVIL BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997) que aconteceu em 1996, mostraram prevalências de desnutrição em crianças com idade inferior a cinco anos de, respectivamente, 17,9%, 7,4% e 5,7%, considerando o índice peso/idade. Os mesmos estudos ao analisarem a região Nordeste mostraram prevalências de 27,0%, 12,8% e 8,3%, respectivamente (BATISTA FILHO, 2003). Em Pernambuco, segundo resultados da Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição realizada no ano de 1997 (PERNAMBUCO, 1998), a prevalência de desnutrição em crianças com idade inferior a cinco anos foi, de acordo com o índice peso/idade, de 4,9%, sendo o interior rural a área com maior número de desnutridos, apresentando 8,2% da população nas faixas de desnutrição moderada e severa. O perfil nutricional da população brasileira vem passando por substanciais mudanças, é o que mostram os resultados dos estudos populacionais citados anteriormente (ENDEF, PNSN, PNDS) (IBGE, 1977a; IBGE, 1977b; IBGE, 1978; INSTITUTO NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO, 1990; IBGE, 1991; BRASIL, 1996; IBGE, 1997; SOCIEDADE CIVIL BEM-ESTAR FAMILIAR NO BRASIL, 1997; IBGE, 2004). Alterações no estilo de vida da população aconteceram em conseqüência a fatores como a industrialização com conseqüente urbanização, gerando a transição demográfica; a inserção da mulher no mercado de trabalho; a criação da pílula anticoncepcional; melhorias no setor saúde (descobertas de novos diagnósticos, vacinas, tratamentos); melhorias na educação; no saneamento básico etc., resultando em situações como as transições epidemiológica e nutricional. Como características desta última, mudanças importantes como o declínio da desnutrição na infância e o aumento do sobrepeso e obesidade na população adulta, este atingindo inclusive os estratos de renda mais baixa, têm chamado à atenção da comunidade científica. De acordo com os resultados destes estudos, a tendência secular do OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 17 sobrepeso em pré-escolares, mostrava prevalências baixas e estáveis (3 a 4%, utilizando o índice P/E) (MONTEIRO et al, 2002; BATISTA FILHO & RISSIN, 2003). A Pesquisa de Orçamentos Familiares (IBGE, 2004) realizada em 2002/2003 mostrou um declínio na exposição à desnutrição em todo o país e em todas as classes de rendimento, chegando a tornar-se inexistente na população masculina e leve ou inexistente na população feminina. Diferentemente disto, a prevalência do excesso de peso alcançou grande expressão em todas as regiões do país, atingindo todas as classes de rendimento e chegando a superar a prevalência de déficits ponderais numa média de oito vezes no caso da população feminina e quinze vezes na população masculina. Estes resultados correspondem à população adulta brasileira, tornando-se difícil uma extrapolação para a população infantil. Porém, as POF’s são pesquisas que analisam os hábitos de consumo, a alocação de gastos e a distribuição dos rendimentos, segundo as características dos domicílios e das pessoas que nele residem. Isto fornece informações que levam a deduzir que a qualidade da dieta consumida pode estar diretamente relacionada a estes resultados e que isto pode acontecer com toda a família, inclusive as crianças, visto que a partir do primeiro ano de vida as mesmas têm acesso à mesma alimentação da família (MONTE et al, 2002; IBGE, 2004). Segundo Barreto et al (2007), a obesidade na infância em países desenvolvidos acomete mais os que possuem menor renda, onde o aspecto financeiro deixa de ter tanta importância, passando a ser considerados de maior risco os indivíduos com baixo acesso à educação. Já em países em desenvolvimento acomete os que possuem melhor poder aquisitivo. Nos resultados encontrados por Post et (1996) a obesidade apresentou uma tendência crescente nas classes de renda mais baixas. Nesta coorte, os autores mostraram que em 1982 a obesidade aumentava de acordo com a renda, já em 1993, o grupo de renda mais alta apresentou o menor percentual de crianças obesas. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 18 Corso et al (2004) encontraram associação positiva entre sobrepeso e melhor condição socioeconômica da área de residência da criança, ou seja, as crianças que viviam em melhores condições de vida (áreas não carentes) possuíam maior risco de desenvolver sobrepeso quando comparadas com as crianças que residiam em áreas carentes. Assim como esse estudo, a POF 2002/2003 (IBGE, 2004) mostrou uma estreita associação entre a renda familiar e o estado nutricional das crianças e adolescentes. Monteiro e Conde (2000) ao analisarem a tendência secular da desnutrição e da obesidade na infância na cidade de São Paulo (1974-1996) no período de 22 anos observaram que o risco de obesidade permaneceu baixo e restrito às crianças pertencentes às famílias mais ricas, enquanto que a desnutrição tornou-se rara na população estudada. No início da década de 80 a obesidade chamou a atenção nos países desenvolvidos, porém, com o tempo, várias pesquisas mostraram que a mesma também era um problema dos países em desenvolvimento, e não afetava apenas a população de melhor renda, como também aquela de renda mais baixa (ZEFERINO et al, 2003). César et al (2006), ao estudarem crianças da cidade de Rio Grande (RS), mencionaram que todas as classes sociais da localidade estudada precisam ter o problema enfrentado como um desafio em saúde infantil, de maneira imediata. Inquéritos dietéticos: avaliação do consumo alimentar A necessidade de avaliação da dieta tem como finalidade principal a investigação da relação de causalidade entre dieta e doenças carenciais ou doenças crônicas não transmissíveis (BATISTA FILHO, 2003; FISBERG et al, 2005). Os inquéritos dietéticos são metodologias que contribuem para determinação dos alimentos que constituem a dieta de um grupo ou indivíduo. Em complementação à avaliação antropométrica e dosagens bioquímicas, eles ajudam na compreensão da dinâmica e determinação dos agravos nutricionais que atingem a população infantil. Também são importantes no OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 19 conhecimento dos hábitos alimentares e na identificação dos indivíduos em risco de insegurança alimentar (CASTRO et al, 2005; TUMA et al, 2005). Existem vários métodos de investigação do consumo alimentar para estudos epidemiológicos, que diferem de acordo com a maneira de coleta, o tempo dependido e a informação que se deseja coletar (SALVO & GIMENO, 2003). O Recordatório de 24 horas é o método mais comum utilizado para conhecimento, avaliação de hábitos alimentares e descrição do estado nutricional de indivíduos e de populações (SALVO & GIMENO, 2003). Segundo Serra Majem e Ribas Barba (1995) trata-se do método de avaliação de consumo de alimentos e nutrientes mais amplamente utilizado em todo o mundo. Estudos epidemiológicos transversais que pretendem avaliar o consumo de alimentos e nutrientes em uma população, bem como descrever o estado nutricional tanto da população adulta, quanto da população infantil, trabalham com este método, visando o planejamento ou a avaliação de uma política nutricional (SERRA MAJEM & RIBAS BARBA, 1995). O método consiste em uma entrevista pessoal realizada por um nutricionista ou entrevistador bem treinado que coleta informações sobre alimentos, bebidas e suas quantidades consumidas nas 24h anteriores à entrevista, ou, no dia anterior. Por ter a vantagem do questionário aplicado ser do tipo aberto e de ser citada uma variação considerável de alimentos consumidos e hábitos alimentares, esse método retrata bem as diferenças entre grupos de diferentes culturas. É um instrumento de pesquisa simples, de baixo custo, bem aceito pela maioria dos entrevistados, por requerer um curto tempo na aplicação. Uma de suas grandes vantagens é a redução do viés de memória, visto que, o consumo ocorre no dia anterior à entrevista, o que faz com que o entrevistado lembre da maior parte do que consumiu. A vantagem da entrevista ser no dia seguinte também é verificada na nãointerferência no comportamento alimentar do entrevistado (SERRA MAJEM & RIBAS BARBA, 1995; BATISTA FILHO, 2003; SALVO & GIMENO, 2003; FISBERG et al, 2005). Segundo Fisberg et al (2005), a qualidade da informação fornecida depende da memória e da colaboração do entrevistado, bem como do diálogo estabelecido entre o entrevistador e o mesmo. Devido à necessidade de se trabalhar com a memória do indivíduo, OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 20 deve-se considerar que a idade, o sexo e o grau de instrução podem interferir nas respostas. Porém, em estudo realizado por Trigo (1993), onde foi analisado o desempenho do entrevistado no método Recordatório 24h, observou-se melhor desempenho com relação à idade e ao sexo, do que ao grau de instrução e ocupação do indivíduo. Serra Majem e Ribas Barba (1995) ainda citam a inteligência, as características dos alimentos consumidos e o padrão de consumo do entrevistado como fatores que podem interferir nas respostas à entrevista. Para facilitar a quantificação dos alimentos e bebidas, o entrevistador pode fazer uso de álbuns de fotografias, medidas geométricas ou caseiras, que no momento da análise serão convertidos para suas unidades determinadas (mL ou g) com o uso de softwares e tabelas de medidas caseiras (SERRA MAJEM & RIBAS BARBA, 1995; FISBERG et al, 2005). Uma das limitações do Recordatório 24h é a dificuldade enfrentada pelo entrevistado em quantificar o tamanho das porções consumidas, que ocorre principalmente quando não há ajuda de instrumentos visuais. Contudo, a maior limitação do método citado é que apenas um recordatório estima apenas a ingestão atual do indivíduo. Para estimativa da ingestão habitual são necessárias mais de duas repetições do recordatório, sendo assim, são consideradas as variabilidades intra e interpessoal do consumo (FISBERG et al, 2005). A variabilidade intraindividual é aquela relacionada à variação individual da dieta no decorrer dos dias, a mesma pode ser muito elevada, sobretudo para alguns nutrientes (FISBERG et al, 2005). Ao coletar-se recordatórios de um mesmo indivíduo, estes devem ser suficientemente distantes entre si, para que não haja influencia na resposta e o dia da coleta deve ser suficientemente próximo ao dia do consumo, para que não haja influencia da memória. O fator sazonalidade pode influenciar os tipos de alimentos relatados nos inquéritos (WEISS, 1994). Para evitar tantos vieses, alguns autores consideram que o Recordatório de 24 horas deve ser aplicado com outro método mais completo ou sofisticado, como por exemplo, o OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 21 método de pesagem, no qual se utilizam refeições duplicadas, para que assim, a informação coletada seja mais próxima do real. Quando o Recordatório de 24 horas é utilizado de maneira isolada, seus consumos médios são mais baixos que os calculados mediante o questionário de freqüência de consumo, considerando-se valores de energia e todos os nutrientes, com exceção do colesterol, vitaminas B2 e B12 (SERRA MAJEM & RIBAS BARBA, 1995). Outra dificuldade pode ocorrer na utilização do Recordatório de 24 horas: conhecida como flat slope syndrome, trata-se de uma tendência a superestimar ingestas baixas e subestimar ingestas elevadas, quando não se tem auxílio de elementos para ajuda visual durante a entrevista (SERRA MAJEM & RIBAS BARBA, 1995; FISBERG et al, 2005). Segundo Majem e Barba (1995), o número de dias de observação necessários para se obter informações sobre o consumo individual de energia e proteínas é de respectivamente 5 e 7 dias. Para a análise dos dados de consumo, recomenda-se a utilização dos valores de referência Dietary Reference Intakes (DRI), do Instituto de Medicina (Institute of Medicine/Food and Nutrition Board). As DRI são um grupo de quatro recomendações de valores de ingestão que analisam e interpretam a ingestão dietética. Estas recomendações resumem-se a valores de referência de ingestão de nutrientes que envolvem conceitos e conhecimentos científicos mais atualizados e, basicamente, são utilizadas no planejamento e avaliação das dietas, estimando a ingestão alimentar de indivíduos e de grupos populacionais. Estas novas recomendações contribuem não apenas na prevenção de deficiências nutricionais, mas também de doenças crônicas não-transmissíveis e riscos de toxicidade, com estabelecimento de limites para ingestão de nutrientes (INSTITUTE OF MEDICINE, 1999; INSTITUTE OF MEDICINE, 2002a; INSTITUTE OF MEDICINE, 2002b; INSTITUTE OF MEDICINE, 2002c; FISBERG et al, 2005; CAVALCANTE et al, 2006). A alimentação tem influência em todas as fases da vida, principalmente nos primeiros meses (SPYRIDES et al, 2005). Assim, compreende-se a grande importância do aleitamento materno e da fase de introdução da alimentação complementar. Este período de transição não OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 22 pode ser adiado para muito além dos seis meses de idade, para não conduzir ao comprometimento do crescimento da criança e ao aparecimento de deficiências nutricionais, nem pode ser introduzido antes deste período, para não expor a criança a agentes infecciosos e proteínas heterólogas, de alto poder antigênico (SUBBULAKSHMI & UDIPI, 1990; ASSIS et al, 2000; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2000). Porém, é comum uma alimentação pouco diversificada e a oferta de leite de vaca à criança antes deste estágio de vida. Farias Júnior e Osório (2005), estudando qualitativamente a dieta de crianças com idade inferior a 6 meses, observaram a oferta de uma alimentação de transição à base de leite de vaca, açúcar e cereais, principalmente o amido de milho, utilizado para o preparo de mingaus e papas. Oliveira et al (2005) e Soares et al (2000) estudando a alimentação de crianças com idades inferiores a dois e um ano, na Bahia e em Fortaleza, respectivamente, encontraram como resultados a substituição do leite materno por fórmulas à base de leite em pó integral, espessante e açúcar. Como a amilase pancreática não existe, ou existe em pequena quantidade no intestino do recém nascido, e sua atividade sendo muito lenta nos primeiros seis meses, a digestão deste tipo de carboidrato é a mais prejudicada. Além de ser um alimento que compõe preparações pobres em energia e micronutrientes, o amido na dieta do recém nascido pode provocar diarréia, cólicas, má nutrição e, ainda, danificar a mucosa intestinal, comprometendo sua função e a absorção de outros nutrientes essenciais ao crescimento e desenvolvimento infantil (VITOLO, 2003). Casos de crianças que têm esse tipo de alimentação deficiente e ainda assim possuem índices antropométricos adequados é comum, porém, uma carência de micronutrientes pode vir a ocorrer. Os micronutrientes não são produzidos pelo organismo e são necessários em quantidades muito pequenas para regulação de diversas funções fisiológicas. Suas deficiências são detectadas principalmente nos exames bioquímicos, o que torna mais complicado o tratamento, já que são mais difíceis de serem descobertas. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 23 Mesmo quando o consumo de energia excede a necessidade, a distribuição desta proveniente dos macronutrientes também pode estar deficiente. Por meio de análise de consumo alimentar de crianças com idades entre 12 e 35 meses atendidas em creches de Minas Gerais, Cavalcante et al (2006) observaram que 81,5% das crianças não alcançaram o limite mínimo recomendado para os lipídios, macronutriente tão importante no crescimento e desenvolvimento infantil. Altas prevalências de inadequação energética e protéica com repercussões negativas no estado nutricional foram encontradas em crianças menores de cinco anos no Estado de Pernambuco (FIDELIS & OSÓRIO, 2007; MENEZES & OSÓRIO, 2007). A carência de nutrientes pode ter sérias repercussões na idade adulta como, por exemplo, a limitação das capacidades físicas e intelectuais, a diminuição dos níveis de produtividade e o aumento dos níveis de incapacitações e doenças crônicas não transmissíveis (UNICEF, 1998; MONTEIRO, 2000; FARIAS JÚNIOR & OSÓRIO, 2005). Porém, mesmo quando os macronutrientes estão proporcionalmente adequados em relação às calorias totais, os micronutrientes não necessariamente estarão. Alguns estudos sugerem que o déficit de crescimento, ou a dificuldade de recuperação do mesmo, podem ocorrer mesmo quando a ingestão de energia e proteínas é adequada, sendo a deficiência dos micronutrientes a principal responsável na deficiência do crescimento linear (ALLEN, 1994). A avaliação nutricional torna-se deste modo um importante instrumento identificador da influência do estado nutricional no crescimento e desenvolvimento infantil (MONTEIRO, 1995). OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 24 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLEN, L. H. Nutritional influences on linear growth: a general review. Eur. J. Clin. Nutr., London, v. 48, Supplement 1, p. 75S-89S, 1994. ASSIS, A. M. O. et al. Condições de vida, saúde e nutrição na infância em Salvador. Salvador: Bureau, 2000. BARRETO, A. C. N. 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OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 30 ARTIGO ORIGINAL: CONSUMO ALIMENTAR E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS EM MUNICÍPIOS DE BAIXO IDH DO NORDESTE. TÍTULO EM INGLÊS: FOOD CONSUMPTION AND NUTRITIONAL STATUS OF CHILDREN IN MUNICIPALITIES OF LOW HDI OF NORTHEAST. Título resumido: NUTRICIONAL. CONSUMO ENERGÉTICO-PROTÉICO E ESTADO Autores: Silva Patrícia de Oliveira Silva – Oliveira-Silva, SP1 Emília Chagas Costa – Costa, EC1 Cássia Gabrielle Barbosa de Albuquerque – Albuquerque, CGB2 Pedro Israel Cabral de Lira – Lira, PIC1 Malaquias Batista Filho – Batista Filho, M1,3 Marisilda de Almeida Ribeiro – Ribeiro, MA4 Mônica Maria Osório – Osório, MM1 1) Programa de Pós-Graduação em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco – Av. Moraes Rego s/nº - CEP: 50670-901 Cidade Universitária, Recife-PE, Brasil. 2) Graduação em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco – Av. Moraes Rego s/nº - CEP: 50670-901 - Cidade Universitária, Recife-PE, Brasil. 3) Instituto Materno Infantil Professor Fernando Figueira - Rua dos Coelhos, 300 – CEP: 50070 – 550 - Boa Vista, Recife-PE, Brasil. 4) Graduação em Nutrição, Departamento de Nutrição, Universidade Federal de Pernambuco/Centro Acadêmico de Vitória (CAV) - Rua Alto do Reservatório s/nº CEP: 55608-680 - Bela Vista - Vitoria de Santo Antão-PE – Brasil. Todos os autores participaram da revisão da literatura e da elaboração do manuscrito. Autor para correspondência: Mônica Maria Osório Endereço: Rua Raul Azedo, 205/1801 - Boa Viagem CEP: 51011-610 - Recife - PE e-mail: [email protected] OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 31 Auxilio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processos números 502952/2003-2 e 502955/2003-1. Artigo baseado na dissertação de mestrado de Silvia Patrícia de Oliveira Silva, intitulada “CONSUMO ENERGÉTICO-PROTÉICO E ESTADO NUTRICIONAL DE CRIANÇAS MENORES DE DOIS ANOS DE MUNICÍPIOS DE BAIXO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH) DO NORDESTE”, 2008, Universidade Federal de Pernambuco. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 32 RESUMO Objetivo: Investigar a relação entre o consumo energético-protéico e o estado nutricional de crianças menores de dois anos, de acordo com o índice de massa corporal (IMC), nos municípios de Gameleira-PE e São João do Tigre-PB. Métodos: Estudo transversal com 238 e 207 crianças de Gameleira e São João do Tigre, respectivamente. O consumo alimentar foi registrado utilizando o método recordatório de 24 horas. Para análise de energia e proteína foram utilizadas as Dietary Reference Intakes como referência. Para o IMC foram utilizadas as curvas de referência para avaliação do estado nutricional de crianças menores de cinco anos adotadas pelo Ministério da Saúde, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Resultados: O percentual de desnutrição para o índice estatura/idade foi de 15,6%, enquanto que o índice peso/idade e o IMC apresentaram percentuais de 6,1% e 3,2%, respectivamente. Os desvios negativos para os índices peso/idade e estatura/idade (<-2 escore-Z) prevaleceram sobre os positivos (>2 escore-Z), enquanto em relação ao IMC, observou-se o contrário, com maior prevalência acima de 2 escores-Z (8,2% versus 3,2%). As médias de ingestão energética e, sobretudo de proteína, encontraram-se acima das referências recomendadas. Não foi encontrada tendência estatística de variação das médias de consumo energético e protéico em relação ao estado nutricional das crianças dentro de cada faixa etária. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 33 Conclusões: O “déficit” estatural e a emergência da obesidade, como manifestação recente de tendência do estado nutricional, seria indicativo do acentuado nível de pobreza das populações estudadas, contextualizando uma rápida transição nutricional. Numa situação socioeconômica tipicamente precária, as médias de consumo energético e protéico encontram-se acima das recomendações estabelecidas, o que coloca em discussão pontos cruciais do debate sobre a gênese alimentar da desnutrição energético-protéica. Palavras-chave: criança, consumo alimentar, estado nutricional, desnutrição, obesidade. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 34 ABSTRACT Objective: To investigate the relationship between protein-energy consumption and nutritional status of children under two years, according to body mass index (BMI), in the municipalities of Gameleira-PE and São João do Tigre-PB. Methods: Transversal study with 238 and 207 children from Gameleira and São João do Tigre, respectively. Food intake was recorded using 24-hour recall method. For analysis of energy and protein, the Dietary Reference Intakes was used as reference. For the BMI were used the reference curves for assessing the nutritional status of children under five years taken by the Ministry of Health, following the recommendations of the World Health Organization Results: The percentage of malnutrition in the height/age index was 15.6%, while the weight/age and BMI showed rates of 6.1% and 3.2%, respectively. The negative deviations for weight/age and height/age (<-2 Z-score) prevailed over the positive (> 2 Z-score), while in relation to BMI, it was observed the opposite, with higher prevalence over the 2 Z-scores (8.2% versus 3.2%). The averages of energy intake and especially of protein intake were found above the recommended references. There was no statistical trend of variation for means of energy and protein on the nutritional status of children within each age group. Conclusions: The "deficit" statural and the emergence of obesity as a recent manifestation of the trend of nutritional status would be indicative of the strong level of poverty on the OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 35 populations studied, contextualizing rapid nutritional transition. In a typically poor socioeconomic situation, the averages of energy and protein are found above the recommendations established, which raises key points for discussion of the debate on the food genesis of the protein-energy malnutrition. Key-words: child, food consumption, nutritional status, malnutrition, obesity. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 36 INTRODUÇÃO As alterações ocorridas na alimentação da população brasileira nos últimos anos vêm determinando as mudanças em seu estado nutricional. De um lado, fatores como maior disponibilidade de energia per capita e de alimentos de origem animal, atrelados a uma melhoria no acesso da população aos serviços de saúde, a grande diminuição da natalidade, ao saneamento básico e à educação, favoreceram a redução dos índices de desnutrição. Em contrapartida, o aumento no consumo de gorduras e açúcar, bem como a diminuição na ingestão de cereais, leguminosas, frutas, verduras e legumes contribuíram para a elevação da incidência de sobrepeso e obesidade no país.1,2 Até poucos anos atrás, os males que mais afetavam a população infantil eram as doenças carenciais e as infecções recorrentes. Mais recentemente, esta situação vem sendo sobreposta pelo excesso de peso, que está se convertendo num fator de risco crescente para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis na vida adulta.6,20,21 Este problema chega a ser tanto ou mais preocupante que a própria desnutrição, em razão de suas graves conseqüências no quadro de morbimortalidade, agora dominado pelas doenças cardiovasculares, diabetes, neoplasias, doenças osteoarticulares, dislipidemias e outras comorbidades que caracterizam os processos crônicos não transmissíveis.20 A relação entre consumo alimentar e estado nutricional infantil é bastante estreita. A prevenção dos distúrbios nutricionais ainda na infância tem uma importância consensualmente reconhecida, visto que tanto a desnutrição quanto a obesidade geram conseqüências que podem ser irreversíveis, em termos de sobrevivência e qualidade de vida do indivíduo. Quando o problema atinge populações de baixa OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 37 renda, o fato torna-se ainda mais preocupante, face ao despreparo e à dificuldade de acesso às informações adequadas sobre saúde e nutrição por parte desta população. Neste enfoque, ressaltam-se as crianças do nordeste brasileiro, principalmente aquelas da Zona da Mata e do Semi-Árido, regiões castigadas respectivamente pela monocultura da cana-de-açúcar e pelos grandes períodos de estiagem, onde mais se concentram os municípios classificados por baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do país.a Por outro lado, as informações sobre a relação entre o consumo alimentar e o comportamento antropométrico em crianças são escassas. Estudos com bases nestas informações favorecem a criação e o desenvolvimento de estratégias que promovam políticas públicas de segurança alimentar nestas populações. Com esta perspectiva, visando investigar a relação entre consumo energético e protéico e estado nutricional em crianças com idades entre 0-24 meses, em populações pobres do Nordeste, foram escolhidos os municípios de Gameleira, na Zona da Mata do Estado de Pernambuco, e São João do Tigre, no Semi-Árido da Paraíba, com baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).a Em razão do contexto em que o estudo foi desenvolvido (áreas de reconhecida pobreza, em dois ecossistemas bem diversos entre si, num momento crucial de transição nutricional do Brasil e sua região mais socialmente vulnerável - o Nordeste brasileiro), os resultados da pesquisa se prestam para observações peculiarmente importantes sob vários aspectos: conceituais, epidemiológicos, políticos e programáticos, na área de alimentação e nutrição. Estes aspectos serão analisados separados ou interativamente, na discussão dos resultados. a Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Índice de Desenvolvimento Humano 2000. [acesso em 2007 mar 5]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/tabelas/index.php OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 38 MÉTODOS Este estudo é parte da pesquisa “Avaliação da situação alimentar e nutricional e seus fatores determinantes em conglomerados urbanos e rurais da Zona da Mata e Semi-Árido do Nordeste”, realizada em Gameleira e São João do Tigre, municípios da Zona da Mata do Estado de Pernambuco e do Semi-árido da Paraíba, respectivamente. Estes municípios foram selecionados em função do baixo Índice de Desenvolvimento Humano (0,590 e 0,527, respectivamente)a e da perspectiva posterior de implantação de projeto de intervenção voltado para os objetivos básicos de segurança alimentar e nutricional. A pesquisa constou de levantamento dos dados socioeconômicos, de saúde, nutrição e alimentação da família, mediante a aplicação de questionários em visitas domiciliares realizadas entre janeiro e julho de 2005. O desenho deste estudo foi do tipo transversal e envolveu populações urbanas e rurais dos dois municípios, pertencentes a uma área delimitada, de modo que pudesse representar um sítio sentinela. As populações escolhidas de Gameleira e São João do Tigre pertenciam a áreas críticas com relação à Segurança Alimentar e Nutricional, uma vez que, respectivamente, 92 e 88% das famílias foram enquadradas na condição de insegurança alimentar. Nas idades abaixo de dois anos, objeto deste estudo, as amostras totalizaram 238 crianças em Gameleira e 207 em São João do Tigre, após a exclusão das crianças que estavam em aleitamento materno exclusivo e os casos cujos inquéritos de consumo apresentavam informações inconsistentes (30 casos em Gameleira e 24 em São João do Tigre). a Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Índice de Desenvolvimento Humano 2000. [acesso em 2007 mar 5]. Disponível em: http://www.pnud.org.br/atlas/tabelas/index.php OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 39 O inquérito de consumo alimentar foi realizado pelo método recordatório de 24 horas19 obtido mediante formulário aplicado junto à mãe biológica ou adotiva, ou ao indívíduo adulto responsável pelo cuidado da criança, tendo como referência o que comeu “desde a meia-noite do dia de anteontem até a meia-noite de ontem”. A entrevista incluiu questões sobre todos os horários e refeições (desjejum, lanches, almoço, jantar e ceia), alimentos consumidos, formas de preparo e marcas comerciais (alimentos industrializados), quantidades preparadas, oferecidas e consumidas pela criança, em medidas caseiras e medidas de volume. As quantidades dos alimentos foram perguntadas segundo o tamanho, para frutas e vegetais (pequeno, médio e grande); tamanho do prato (pequeno, médio e grande; fundo ou raso), tamanho da colher (pequena, média e grande) e quantidade de alimento (rasa, normal, cheia), para alimentos preparados, leite em pó, açúcar e massas; tamanho do copo ou xícara e a quantidade de alimentos líquidos neles contida. Para melhor precisão das quantidades consumidas, quantidades de determinados alimentos iguais às utilizadas nas preparações do dia anterior foram pesadas in locu e registradas. Para mensuração destas, foi utilizada uma balança de marca Plena, com capacidade de 5 kg e graduações de 1g. Pelo mesmo motivo, alguns líquidos foram mensurados em proveta de 500 mL. Tendo em vista que as populações dos dois municípios eram semelhantes em condições socioeconômicas e demográficas, mais duas repetições do inquérito recordatório de 24 horas foram realizadas numa subamostra de 19% das crianças do município de Gameleira, com a finalidade de determinar a variação intrapessoal do consumo alimentar da população. Os dois últimos recordatórios foram realizados em dias não consecutivos, repetindo o procedimento adotado no primeiro dia. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 40 As medidas caseiras das porções relatadas nos questionários de consumo alimentar das crianças foram calculadas por técnicos e alunos de iniciação científica do Curso de Nutrição da Universidade Federal de Pernambuco. Posteriormente, os per capita foram digitados, utilizando o software Virtual Nutri.a Para análise da composição química dos alimentos regionais inexistentes neste software, foram usadas como referência a Tabela de Composição de Alimentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10 e a Tabela de Composição Alimentar (TACO)23. O processamento dos dados e a análise estatística foram realizados no programa SPSS, versão 12.0 (Statistical Package for the Social Sciences, Inc, Chicago, IL, USA). A análise da prevalência de inadequação do consumo de energia e proteínas foi realizada de acordo com as Dietary Reference Intakes (DRI), propostas pelo Food and Nutrition Board – FND8,9, onde a população é dividida em três faixas de idade (0-6 meses, 7-11 meses e 12-23 meses). A ingestão habitual de energia e proteínas da população teve a distribuição ajustada pela equação proposta pelo US National Academy of Science Dietary Reference Intake.7 Este ajuste foi realizado por meio das informações coletadas em mais dois inquéritos recordatórios de 24h, em dias da semana não consecutivos, em um subamostra de 45 crianças, do município de Gameleira. A normalidade da distribuição das variáveis foi testada mediante a aplicação do teste de Kolmogorov Sminorf. Os cálculos de Estimated Energy Requirement (EER) foram realizados a partir das equações para predição de gasto energético total nos diferentes estágios de vida, considerando idade, sexo, peso e estatura.9 A prevalência de inadequação energética e protéica correspondeu à proporção de indivíduos cujo consumo estava abaixo da EER e Estimated Average Requirement (EAR), respectivamente.8,9 Para o a Phillippi ST, Szarfac FC, Latterza AR. Virtual Nutri, versão 1.0 para Windows [software]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Saúde Pública, Departamento de Nutrição; 1996. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 41 consumo protéico de crianças cujas idades estavam compreendidas entre 0-6 meses, que ainda não possuem os valores de referência da EAR, a comparação da referência foi realizada com base na Ingestão Adequada (Adequade Intake, AI). A aferição das medidas antropométricas foi baseada nos procedimentos da Organização Mundial da Saúde.25 O peso das crianças foi obtido em uma balança digital eletrônica, de marca Filizola, modelo Personal line E-150, com capacidade de até 150 Kg e precisão de até 100g. O acompanhante responsável e a criança encontravam-se descalços e com indumentária mínima. Inicialmente, pesava-se o responsável pela criança e em seguida obtinha-se o peso do responsável pela criança com ela em seus braços. Para a mensuração do peso da criança, foi anotada a diferença entre estas duas pesagens. O comprimento das crianças era aferido em posição de decúbito dorsal sobre o infantômetro, modelo Rollametre by Raven, produzido por Castlemead Publications (Hertford, UK), com amplitude de 100 cm e subdivisões de 0,1 cm. As leituras de peso e comprimento foram repassadas pelo antropometrista, em voz alta e registradas em questionário específico por seu auxiliar, que repetia os valores, também em voz alta, antes de registrá-los, com finalidade de evitar erros. Duas medidas de peso e comprimento foram aferidas. A média de cada medida foi usada para a análise. Os padrões utilizados para comparação das medidas de peso e comprimento foram os das curvas de referência para avaliação do estado nutricional de crianças menores de cinco anos adotadas pelo Ministério da Saúde4 seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde.24 A avaliação antropométrica foi realizada mediante o software Anthro, versão 2.02 (WHO Anthro 2007, Geneva, Switzerland) sendo utilizados os índices peso/idade, OLIVEIRA SILVA, SP estatura/idade e Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 42 o índice de massa corporal (IMC) segundo a distribuição em escores-Z, onde: escore-Z <-2 DP = desnutrição; escore-Z ≥-2 a <-1 DP = risco de desnutrição; escore-Z ≥-1 a ≤1 DP = eutrofia; escore-Z >1 a ≤2 DP = sobrepeso; escore-Z >2 DP = obesidade. Após a classificação do estado nutricional, foi realizada uma segunda categorização considerando os seguintes critérios: escore-Z <-1 DP = desnutrição/risco de desnutrição; escore-Z ≥-1 a ≤1 DP = eutrofia; escore-Z >1 = sobrepeso/obesidade, para verificar a relação do consumo alimentar com o estado nutricional. Os dados antropométricos foram transferidos para o banco de dados e também analisados pelo programa SPSS, versão 12.0 (Statistical Package for the Social Sciences, Inc, Chicago, IL, USA). As populações dos dois municípios foram analisadas conjuntamente. Inicialmente foram verificadas as prevalências do estado nutricional nas mesmas faixas etárias. O teste Anova foi utilizado para verificar a associação entre o estado nutricional e o valor energético e protéico da dieta. A pesquisa “Avaliação da Situação Alimentar e Nutricional e seus Fatores Determinantes em Conglomerados Urbanos e Rurais da Zona da Mata e Semi-Árido do Nordeste” foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (Processo n° 386/2004), a fim de atender às normas regulamentares de pesquisas envolvendo seres humanos, segundo a Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 43 RESULTADOS Os resultados a seguir apresentam o estado nutricional e sua relação com o consumo energético e protéico da população constituída por 445 crianças menores de 2 anos, das quais 53,5% residiam no município de Gameleira e 46,5%, em São João do Tigre. Descreve-se, na tabela 1, a situação antropométrica das crianças, observando-se a predominância dos déficits na relação estatura/idade (15,6%), decaindo para 6,1% segundo a relação peso/idade e para 3,2% pelo IMC. Os desvios negativos para os índices peso/idade e estatura/idade (<-2 escore-Z) prevaleceram sobre os positivos (>2 escore-Z), enquanto em relação ao IMC, observou-se o contrário, com maior prevalência acima de 2 escores-Z (8,2% versus 3,2%). Nesta última condição, excetuou-se o caso das crianças menores de 7 meses. Os resultados do consumo alimentar, expostos na tabela 2, demonstram que as médias de ingestão energética e, sobretudo, de proteínas, acham-se acima dos referenciais recomendados. Em relação às proteínas, evidenciam-se valores duas a três vezes acima dos requerimentos teóricos. No caso do grupo de 12-24 meses, o consumo protéico (39,3 ± 19,7g) representou 3,5 vezes o valor referencial da EAR. Na tabela 3, não foi encontrada uma tendência estatística de variação das médias de consumo energético em relação ao estado nutricional das crianças em cada faixa etária. Apenas no grupo de 12-24 meses, as médias de energia cresceram no mesmo sentido de deslocamento dos escores-Z do IMC. No entanto, em todas as situações os testes aplicados não assinalaram diferenças estatísticas significativas. Da mesma maneira, o cruzamento dos dados do consumo médio de proteínas com a classificação nutricional expressa em escores-Z do IMC, apresentado na tabela 4, OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 44 não demonstrou associação estatisticamente significativa. No grupo de 7-11 meses, inclusive, o consumo protéico decaiu em valores absolutos, baixando de 33,9g para 26,9g, respectivamente para o grupo com IMC < -1 e ≥ 1 escore-Z, em sentido contrário ao deslocamento positivo do estado de nutrição. DISCUSSÃO Levando em conta as características das populações estudadas (deliberadamente escolhidas por seu acentuado grau de pobreza), o contexto de rápida transição que se desenvolve no país e na região Nordeste2 e os resultados referentes aos aspectos alimentares e à classificação antropométrica do estado de nutrição, vários desdobramentos analíticos podem ser considerados, não apenas em relação à sua validade interna, mas, sobretudo, em referência às suas potenciais implicações em termos de validade externa. Ademais, duas considerações metodológicas devem ser ressaltadas em relação a outros estudos: a primeira se aplica às referências aqui utilizadas, com base nas DRI8,9 enquanto outros trabalhos anteriores à divulgação destas (2001), usaram a RDA.18 Outro aspecto de diferenciação é o uso do índice de massa corporal (IMC), constituindo uma inovação na avaliação do estado nutricional de crianças menores de dois anos (OMS)24, em substituição às curvas e tabelas recomendadas pelo “National Center for Health Statistcs” (NCHS)17 e “Center for Disease Central and Prevention (CDC).5 Diferentemente das referências do NCHS, os novos padrões descrevem o crescimento de crianças que vivem em ambientes socioeconômicos adequados e que foram submetidas a cuidados de alimentação e de saúde compatíveis com o crescimento e desenvolvimento saudáveis. Por ser uma recomendação recente, a utilização do IMC, em menores de dois anos, OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 45 praticamente não é ainda encontrada na literatura, prevalecendo o uso dos índices peso/idade (P/I), estatura/idade (E/I) e peso/estatura (P/E), de acordo com o padrão NCHS.17 No presente estudo, considerando-se o IMC, observa-se que as prevalências de obesidade foram bem superiores aos resultados correspondentes à desnutrição (<-2 escores-Z), atingindo mais de duas vezes na faixa de 7-11 meses e mais de quatro vezes na idade de 12-24 meses. No entanto, este comportamento deixa de ser observado quando se classifica o estado de nutrição das crianças pelos índices peso/idade e estatura/idade, segundo os quais a desnutrição seria mais freqüente, em todos os grupos etários, praticamente invertendo os resultados obtidos com o uso do IMC. São, portanto, situações que modificam significativamente o quadro epidemiológico do estado de nutrição energético-protéica das crianças analisadas. Neste sentido, duas observações conclusivas se ressaltam: de um lado, o “déficit” estatural¸ como característica dominante da desnutrição em crianças no Brasil; de outro, a emergência de obesidade como manifestação recente de tendências que, sendo comuns nos adultos passam a se deslocar na direção dos grupos mais jovens, inclusive de crianças.15,21 O retardo estatural de 17,2%, em crianças de 7 a 23 meses, bem superior ao que ocorre no Brasil e na sua região mais pobre, o Nordeste15, seria indicativo do acentuado nível de pobreza da população das duas localidades, podendo ser interpretado, juntamente com a ocorrência da obesidade, como um evento particularmente interessante da rápida transição nutricional que se encontra em desenvolvimento. Nestas circunstâncias, o inquérito de Gameleira e São João do Tigre, incluindo dois ecossistemas diferentes entre si, mas unificados por sua condição de grande pobreza, poderia ser compreendido como um estudo bem ilustrativo do caso brasileiro, no contexto da transição nutricional. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 46 Tão ou mais ilustrativos que os resultados um tanto surpreendentes do estado nutricional das crianças seriam as informações relativas ao seu consumo alimentar, na passagem de sua alimentação predominante láctea, característica dos seis primeiros meses de vida, para o perfil de ingestão mais habitual da família. Pode parecer curioso o fato de que, numa situação socioeconômica tipicamente precária, as médias de consumo energético e, sobretudo, de proteína, estejam situadas bem acima das necessidades e recomendações energético-protéicas estabelecidas como referências internacionais.8,9 Nestes aspectos, as médias de resultados do consumo alimentar, no inquérito, excedendo entre 12,5% a 65,5% as recomendações de energia, e entre 229% a 291% os requerimentos de proteína, colocam em discussão pontos cruciais do debate sobre a gênese alimentar da desnutrição energéticoprotéica. Não se trata de uma questão a ser discutida apenas no âmbito dos problemas alimentares/nutricionais das duas localidades ou, ainda, do Nordeste e do país: interessa ao campo mais abrangente da discussão conceitual e pragmática do problema da desnutrição em escala internacional. De fato, há um tempo, se questiona sobre a importância relativa da deficiência primária de proteína como fator essencialmente limitante do estado de nutrição da população.14 No caso do inquérito, o acentuado atraso de crescimento estatural não poderia ser explicado, em princípio, pela lógica da carência energética e, menos ainda, da deficiência protéica, já que as médias de consumo e sua dispersão em desvios padrões não favorecem esta hipótese. Ademais, outros estudos efetuados no Brasil11,12, embora raros, como observam Batista Filho et al3, e sem aplicar a metodologia de avaliação aqui adotada, também não apóiam a possível explicação de uma deficiência primária de energia ou proteínas como causa básica da desnutrição, por quaisquer dos indicadores antropométricos utilizados. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 47 Desta forma, o que fica em aberto, como hipótese explicativa, seria o estresse nutricional induzido por processos infecciosos, sobretudo diarréias e infecções respiratórias agudas ou o papel ainda pouco estudado de carências nutricionais mais especificas, como a deficiência de ferro, de zinco e de vitamina A, de forma direta ou indireta, como fator de risco de doenças associadas22, favorecendo a ocorrência, a gravidade ou a duração de morbidades que interferem com a condição nutricional em termos antropométricos. Já em relação ao peso corporal excessivo, a explicação alimentar parece mais consistente. As médias de consumo energético, significativamente acima das recomendações, seriam plenamente compatíveis com a prevalência da obesidade segundo o IMC em quase 10% das crianças com sete e mais meses de idade. Estes resultados, inclusive, concordam com dados relatados em outras localidades brasileiras evidenciando uma tendência crescente de excesso de peso na população infantil.6,21 Convém observar que, historicamente, os primeiros achados sobre obesidade na infância foram encontrados em países desenvolvidos. Posteriormente, várias pesquisas demonstraram que a obesidade era um problema de países em desenvolvimento, acometendo também os mais pobres13,16, repetindo uma tendência que já se observa na população adulta.12 Seria, portanto, uma nova manifestação da própria dinâmica da transição nutricional. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Barreto SM, Pinheiro ARO, Sichieri R, Monteiro CA, Batista Filho M, Schimdt MI, et al. Análise da estratégia global para alimentação, atividade física e saúde, da Organização Mundial da Saúde. Epidemiol Serv Saúde. 2005;14(1):41-68. 2. Batista Filho M, Rissin A. 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OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 50 17. National Center for Health Statistics (NCHS). Growth curves for children, birth-18 years. United States. Department of Health, Education and Welfare (PHS). Hyattsville: NCHS; 1977.(Publ nº 78-1650, Série 11 nº 165). 18. National Research Council. Recommended dietary allowances. Washington: National Academy Press; 1989. 19. Nelson M, Bingham SA. Assessment of food consumption and nutrient intake. In: Margetts BM, Nelson M. Design concepts in nutritional epidemiology. 2ª ed. New York: Oxford New Press; 1997.p.123-69. 20. Pena M, Bacallao J. Obesidade entre os pobres: um problema emergente na América Latina e no Caribe. In: Pena M, Bacallao J, editores. Obesidade e pobreza: um novo desafio de saúde pública. São Paulo: Roca; 2006.p.2-11. 21. Post CL, Victora CG, Barros FC, Horta BL, Guimarães PRV. Desnutrição e obesidade infantis em duas coortes de base populacional no Sul do Brasil: tendências e diferenciais. Cad Saúde Pública. 1996;12Supl 1:S49-57. 22. Romani, SAM, Lira, PIC. Fatores determinantes do crescimento infantil. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2004;4(1):15-23. 23. Tabela Brasileira de Composição de Alimentos / NEPA-UNICAMP. Versão II. 2ª ed. Campinas, SP: NEPA-UNICAMP; 2006. 24. World Health Organization. WHO Child Growth Standards: Length/height-for-age, weight-forage, weight-for-length, weight-for-height and body mass index-for-age. Methods and development. WHO (nonserial publication). Geneva, Switzerland: WHO; 2006. 25. World Health Organization. Working group. An evoluation of infant growth: the use and interpretation of anthropometry in infants. Bulletin of World Health Organization. V.73,n.2,p.165-174;1995. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 51 Tabela 1 - Estado nutricional das crianças menores de 2 anos, segundo os índices peso/idade, estatura/idade e índice de massa corporal e por faixa etária. GameleiraPE e São João do Tigre-PB, 2005. Índices Idade (meses) n Peso/idade <7 7-11 12-24 Estatura/idade Índice de Massa Corporal Estado Nutricional (média em escore-Z) (%) 115 93 233 <-2 7,8 5,4 5,6 ≥-2 a <-1 7,0 14,0 12,0 ≥-1 a ≤1 72,2 54,8 68,7 >1 a ≤ 2 11,3 20,4 10,7 >2 1,7 5,4 3,0 Total 441 6,1 11,1 66,7 12,9 3,2 <7 7-11 12-24 Total <7 7-11 12-24 Total 116 93 233 442 115 93 233 441 11,2 17,2 17,2 15,6 4,3 4,3 2,1 3,2 21,6 15,1 28,8 24,0 12,2 5,4 5,6 7,3 61,2 51,6 50,2 53,4 57,4 57,0 56,7 56,9 4,3 10,8 3,9 5,4 22,6 23,7 25,8 24,5 1,7 5,4 0,0 1,6 3,5 9,7 9,9 8,2 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 52 Tabela 2 - Necessidades médias estimadas de energia (EER), ingestões dietéticas de referência (DRI), consumos energético e protéico médios por faixa etária, em crianças menores de 2 anos. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Idade (meses) EER (Kcal) n <7 117 612 7-11 94 12-24 234 Consumo Energético (Kcal) _ DRI (g) Consumo protéico (g) _ AI EAR 764,61 ± 340,11 9,1 - 20,03 ± 11,80 721 1054,06 ± 525,21 - 10,0 29,84 ± 16,04 1051 1237,99 ± 541,78 - 11,0 39,27 ± 19,71 x ± DP x ± DP EER = estimated energy requirement; AI = adequade intake; EAR = estimated average requirement. OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 53 Tabela 3 - Consumo energético (Kcal) médio de crianças menores de dois anos por faixa etária, de acordo com o Índice de Massa Corporal. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Consumo energético (Kcal) IMC (escore - Z) <7 meses* _ 7-11 meses* _ 12-24 meses* _ n x ± DP n x ± DP n x ± DP < -1 19 660,60 ± 308,36 09 1087,99 ± 529,04 18 1159,44 ± 415,84 ≥ -1 a <1 66 820,96 ± 367,13 53 1106,19 ± 604,19 13 2 1177,93 ± 507,75 ≥1 30 675,52 ± 236,58 31 947,56 ± 359,23 83 1336,32 ± 593,59 *Anova: p>0,05 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 54 Tabela 4 - Consumo protéico (g) médio de crianças menores de dois anos por faixa etária, de acordo com o Índice de Massa Corporal. Gameleira-PE e São João do Tigre-PB, 2005. Consumo protéico (g) IMC (escore - Z) <7 meses* _ 7-11 meses* _ 12-24 meses* _ n x ± DP n x ± DP n x ± DP < -1 19 16,17 ± 9,39 09 33,93 ± 18,24 18 38,34 ± 18,10 ≥ -1 a <1 66 21,88 ± 12,89 53 30,91 ± 17,67 132 36,94 ± 19,47 ≥1 30 17,58 ± 9,61 31 26,86 ± 12,29 83 42,70 ± 19,78 *Anova: p>0,05 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES OLIVEIRA SILVA, SP 56 Consumo energético-protéico e estado nutricional de... CONSIDERAÇÕES FINAIS E RECOMENDAÇÕES A necessidade de prevenir o excesso de peso na infância visa à melhoria da qualidade de vida da população a curto e longo prazo, evitando prejuízos futuros, principalmente com relação à seguridade social. Crianças obesas aumentam a probabilidade de uma população adulta com altos índices de doenças crônicas não transmissíveis, o que ameaça a atividade produtiva do país. O estímulo ao aleitamento materno exclusivo até os 6 meses, a introdução adequada da alimentação complementar tendo o aporte do leite materno até os dois anos de vida, a preparação dos profissionais e dos serviços de saúde para o manejo adequado do excesso de peso na infância são exemplos de ações que podem contribuir na prevenção desta emergente situação. É importante ressaltar que apesar da ascensão do sobrepeso e da obesidade na população infantil, existem subgrupos que ainda são acometidos pela desnutrição. Da mesma forma que o excesso de peso, esta patologia deve ser acompanhada e controlada, visto que suas conseqüências são tão preocupantes quanto. A necessidade de um estudo multicêntrico sobre consumo alimentar na infância é notória, visto que os estudos existentes no país sobre este tema mostram várias metodologias diferentes, o que torna mais complicada a comparação entre eles. Além disso, também existe a necessidade da criação de uma tabela nacional de análise química dos alimentos, para que os resultados dos estudos aqui realizados condigam com a realidade do país. 5. ANEXOS OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 58 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 59 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 60 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 61 OLIVEIRA SILVA, SP Consumo energético-protéico e estado nutricional de... 62 FORMULÁRIO 13 – CONSUMO ALIMENTAR DA CRIANÇA < 5 ANOS (Recordatório das últimas 24 horas) TOMADA 1 2 3 NOME: IDADE _____________________________________________ HORÁRIO/ REFEIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 PREPARAÇÃO / ALIMENTOS Dia da semana _____________ _____________ _____________ Nº DE ORDEM PESO/ MEDIDA VOLUME QTD CASEIRA OFERECIDA Nº INQUÉRITO QST PER CAPITA QTD CONSUMIDA