Sujeira para todo lado O Globo - 24 jul 2015 - EMANUEL ALENCAR emanuel. alencar@ oglobo. com. br RENATO GRANDELLE renato. grandelle@ oglobo. com. br Geração de resíduos sólidos aumentou cinco vezes mais que a população em quatro anos A geração de lixo no Brasil avançou cinco vezes mais em relação ao crescimento populacional de 2010 a 2014, mas 38% dos brasileiros ( 78 milhões de pessoas) continuam sem acesso a serviços de tratamento e destinação adequada de resíduos. Os dados estão no novo relatório da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais ( Abrelpe), que será divulgado na segunda- feira, em São Paulo. A edição 2014 do “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil” indica poucos avanços em gestão de resíduos em relação ao ano anterior, e alerta que os lixões a céu aberto ainda desafiam prefeitos de 1.559 cidades, quatro anos após a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos ( Lei 12.305/ 2010). Os vazadouros de lixo sem controle ambiental deviam ter sido erradicados em agosto do ano passado. O estudo foi feito em 400 municípios de todas as regiões do país. Diretor- executivo da Abrelpe, Carlos Silva Filho atribui o descompasso entre crescimento populacional ( 6%) e geração de lixo ( 29%) nos quatro anos à evolução econômica do país. — A geração de resíduos está totalmente atrelada ao crescimento econômico. O aumento do lixo é reflexo de anos de bonança na economia. Tivemos uma curva ascendente maior até 2012. Agora, observamos um crescimento bem menor ( da geração em relação à população), reflexo da estagnação — avalia. Para Silva Filho, a lei de resíduos não tem sido suficiente para garantir avanços significativos. — Apesar de o Brasil ter leis fortes e bem elaboradas sobre resíduos, uma parcela enorme da população ainda sofre com serviços precários — lamenta. — É bastante alarmante o fato de que quase 80 milhões de habitantes não são abastecidos com sistemas adequados. E infelizmente há uma forte pressão no Congresso para prorrogar em cinco anos o encerramento dos lixões. Seria um absurdo e uma punição aos mais de três mil municípios que conseguiram se enquadrar na lei. DIFERENÇAS REGIONAIS A Confederação Nacional de Municípios ( CNM) defende o escalonamento dos prazos para que as prefeituras construam aterros sanitários, considerando as diferentes realidades regionais e o tamanho das populações das 5.570 cidades. — São Paulo e Eirunepé, que fica a dez dias de barco de Manaus, não podem ter os mesmos prazos e obrigações — condena Cláudia Lins, geógrafa e técnica em meio ambiente e saneamento da CNM. — Quase metade das cidades brasileiras tem menos de dez mil habitantes e vive basicamente do Fundo de Participação dos Municípios. Para fazer aterro, elas precisam de recursos. O governo federal lançou o Programa Brasil sem Lixões em 2012, mas 90% da verba foram contingenciados. Cláudia, no entanto, defende que construir instalações em todos os municípios é um desperdício, devido às grandes despesas para manutenção. A solução é formar consórcios entre as cidades, garantindo que muitas de porte pequeno e médio sejam atendidas pelo mesmo aterro. Por enquanto, apenas seis estados — Maranhão, Pernambuco, Sergipe, Rio, São Paulo e Santa Catarina — concluíram seus planos de resíduos sólidos. No Distrito Federal, o programa ainda está em elaboração. O atraso gera críticas de Gustavo Souto Maior, professor do Núcleo de Estudos Ambientais da UnB. — Nem a capital do país dá exemplo. Brasília é um Patrimônio Cultural da Humanidade e tem o Lixão da Estrutural, o maior da América Latina, onde sobrevivem mais de dois mil catadores. É ao lado do parque nacional da cidade, cujas águas abastecem mais de 20% da população — destaca. — A política nacional é investir em obras visíveis, como estradas, e desprezar o tratamento de resíduos. Ninguém está preocupado com o local para onde vai o lixo e o que será feito com ele. O relatório da Abrelpe mostrou discrepâncias entre regiões brasileiras. Enquanto o Sudeste lidera a quantidade per capita de lixo — cada morador gera 1,23 quilo por dia, índice praticamente inalterado desde 2010 —, o Sul tem o menor percentual do Brasil: 0,77 quilo por habitante, uma queda de 11,5% desde 2010. O Nordeste concentra o maior número absoluto de cidades ainda mandando seus resíduos para lixões ( 834), número que representa mais da metade dos municípios brasileiros com esta prática. Já o Sudeste tem 820 cidades enviando seus resíduos para aterros sanitários adequados, liderando neste quesito. — A Região Sul está mais amadurecida em gestão adequada de resíduos sólidos, inserida num processo que ocorre em países da Europa — explica Silva Filho. — Já avançou na universalização e agora tem os maiores índices de coleta seletiva do país. Em coleta, mais realidades díspares. Os 1.668 municípios dos quatro estados do Sudeste geraram, no ano passado, 105.431 toneladas diárias de resíduos sólidos urbanos, das quais 97,3% foram coletadas. Isso indica que a universalização da coleta praticamente foi alcançada na região. Realidade muito diferente no Nordeste, onde os 1.794 municípios dos nove estados geraram, em 2014, 55.177 toneladas/ dia resíduos, das quais 78,5% foram coletadas. Embora 64,8% dos municípios brasileiros tenham apresentado alguma iniciativa de coleta seletiva em 2014 — em 2010, esse número era de 57,6% —, os índices de reciclagem dos principais materiais, como alumínio, ferro, plástico, vidro, papel e papelão, permanecem estagnados há quatro anos. A Abrelpe condena a indústria por não fazer esforços para financiar o sistema. Professor do Departamento de Engenharia Civil da PUC- Rio, José Araruna avalia que a crise econômica fez despencar o valor das commodities e os processos de reciclagem de diversos produtos. — As indústrias do alumínio e do plástico estão se retraindo no país, o que diminui a atratividade de investimentos em reciclagem — revela. — E também há fatores inexplicáveis, como o fato de que o tributo sobre um papel reciclado é maior do que o aplicado a um papel recém- fabricado.