20 INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA Processo de legalização de terrenos para fins agrícolas Guilherme Santos Figura em Destaque Pág. 09 Txaran Basterretxea Entrevista Pág. 14 Constrangimentos no processo de legalização de terrenos para fins agrícolas Reflectindo Pág. 18 índice Mosaiko Inform nº 20 - Setembro 2013 Tema: Processo de legalização de terrenos para fins agrícolas Ficha Técnica PÁG. 03 Propriedade MOSAIKO | Instituto para a Cidadania NIF: 7405000860 Nº de registo: MCS – 492/B/2008 direcção Júlio Candeeiro, op Luís de França, op Mário Rui Marçal, op Redacção Florência Chimuando Maria de Jesus Tavares Colaboradores Barros Manuel Hermenegildo Teotónio Montagem Gráfica Gabriel Kahenjengo Contactos Bairro da Estalagem - Km 12 | Viana Fax: (00244) 222 371 598 TM: (00244) 912 508 604 TM: (00244) 923 543 546 Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola E-mail: [email protected] www.mosaiko.op.org PÁG. 04 PÁG. 08 PÁG. 09 PÁG. 10 PÁG. 14 PÁG. 18 Impressão Damer gráficas SA – Luanda Tiragem: 2500 exemplares PÁG. 20 editorial Júlio Candeeiro, op informando Como legalizar terrenos para fins agrícolas Barros Manuel estórias da história Uso tradicional da terra figura em destaque Guilherme Santos Hermenegildo Teotónio construindo Experiências de comunidades em legalização de terrenos para fins agrícolas (ADRA) | Maria de Jesus Tavares entrevista Experiência do projecto da FAO em legalização de terrenos / concessão de títulos |Maria de Jesus Tavares reflectindo Constrangimentos no processo de legalização de terrenos para fins agrícolas | Barros Manuel breves Distribuição Gratuita Os artigos publicados expressam as opiniões dos seus autores, que não são necessariamente as opiniões do Mosaiko | Instituto para a Cidadania. Com o APOIO “ Garantir às pessoas pobres e vulneráveis direitos seguros e equitativos no acesso à terra e a outros recursos naturais é uma condição essencial na luta contra a fome e a pobreza. É um avanço histórico que os países tenham chegado a acordo sobre estas primeiras diretrizes globais de posse de terra. José Graziano da Silva ” 03 editorial PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DE TERRENOS PARA FINS AGRÍCOLAS Estimado leitor/a Segundo a CRA- Constituição da Republica de Angola a “terra é propriedade originária do Estado” (Art 15º, 1.). E o nº 2 do mesmo artigo diz que “são reconhecidas às comunidades locais o acesso e o uso das terras nos termos da lei.” Em várias comunidades agrícolas este desiderato da nossa CRA tem provocado bastantes preocupações, causando inclusivamente um certo medo aos camponeses. Diga-se, em abono da verdade, que a confusão a que nos referimos é, antes de mais, derivada da forma como alguns representantes do Estado abusam do seu poder, e não tanto pelo conteúdo da lei em si. A terra, enquanto recurso necessário a todos, constitui-se num dos principais direitos fundamentais que o Estado tem o dever de assegurar. Entretanto, já desde os tempos de ocupação colonial, os terrenos para fins agrícolas, mais do que os terrenos urbanos, foram sempre objecto de polémica. Hoje, passados 11 anos desde o fim do conflito armado, em 2002, face aos problemas que subsistem o tema das terras para fins agrícolas deveria estar no topo da Agenda Nacional. Segundo o relatório conjunto ADRA e Rede Terra “A estrutura de produção defeituosa do tempo colonial, assente em dois tipos agrários, o familiar ou “tradicional” e o empresarial ou “moderno” pode estar a reconstituir- se. Tudo isto traduz-se numa situação de grande vulnerabilidade para aqueles cidadãos que não conhecem o caminho das instituições e não podem fazer valer os seus direitos e a probabilidade de ocorrência de conflitos entre quem ocupa a terra de facto e quem dispõe de um título” (Sistemas de uso da terra agrícola em Angola: Estudos de caso nas províncias do Huambo, Lunda Sul e Uíge, 2004:11). Ora, a presente Lei de Terras é, por um lado, desconhecida pela grande maioria da população, sobretudo camponeses; por outro, e bastantes vezes, violada, atropelada por decisores públicos. Neste número do boletim, o Mosaiko pretende trazer ao conhecimento dos seus leitores, reflexões sobre o tema em análise, mas sobretudo, oferecer um guia prático para pessoas e comunidades que queiram obter parcelas de terras para fins agrícolas ou legalizar as suas terras, no caso dos que já as possuem. Este número apresenta-se em complementaridade com a próxima edição do Mosaiko Inform dedicada ao processo de legalização e do direito ao terreno urbano. As duas questões são interligadas; os dois assuntos afectam milhões de angolanos e para mudar a situação para melhor, o contributo de todos e de cada um é fundamental. Boa leitura! Júlio Gonçalves Candeeiro, op NOVA PUBLICAÇÃO Adquir a já! ACESSO À JUSTIÇA FORA DOS GRANDES CENTROS URBANOS RELATÓRIO DE PESQUISA Angola | 2012 www.mosaiko.op.org 04 informando Como legalizar terrenos para fins agrícolas? Barros Manuel O processo de legalização de terrenos para fins agrícolas obedece a certos passos que vêm descritos neste texto através dos quatro pontos centrais que passamos a desenvolver de seguida. 1. Conceitos operacionais Em Angola, a terra é propriedade do Estado. A lei angolana permite ao cidadão pedir diante da Administração do Estado: o direito de propriedade de um terreno; o direito de superfície; o domínio útil civil; o domínio útil consuetudinário e o direito de ocupação precária. w Direito de propriedade: diz-se que o cidadão tem o direito de propriedade, quando o Estado lhe “vende” o terreno e este pode usá-lo como quiser, sem ser incomodado por outro. Nesta situação, o cidadão é dono do terreno. w Direito de superfície: diz-se que o cidadão tem o direito de superfície, quando o Estado o autoriza a construir ou a manter uma obra no terreno e fazer ou manter plantações, por um prazo de 60 anos renováveis. w Domínio útil civil: diz-se que o cidadão possui o domínio útil civil, quando o Estado o autoriza a usar o terreno como se fosse o dono, esta autorização tem duração contínua. No domínio útil civil é permitido ao requerente ou seus herdeiros se tornarem proprietários completos do terreno, ao fim de determinado tempo, pagando um preço. w Domínio útil consuetudinário: o Estado dá às famílias camponesas o direito de usar a terra, continuamente, como se fossem donos, de acordo com o costume da comunidade. w Direito de ocupação precária: diz-se que existe um direito de ocupação precária, quando o Esta- do autoriza o cidadão a construir instalações não definitivas para apoiar outras actividades como a construção de edifícios de carácter definitivo, actividades de prospecção de curta duração, actividades de investigação científica, actividades de estudo da natureza, etc. A prática entre nós consiste em o cidadão requerer da Administração do Estado o direito de propriedade ou de superfície de um terreno para fins agrícolas. 2. Classificação dos terrenos O n.º 1, do artigo 15.º da Constituição da República de Angola consagra que «a terra, que constitui propriedade originária do Estado, pode ser transmitida para pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e efectivo aproveitamento, nos termos da Constituição e da lei». Quer dizer que, existem os terrenos que fazem parte do domínio público e terrenos do domínio privado do Estado. Os terrenos de domínio público são propriedade do Estado e como tal são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, isto para se salvaguardar o interesse público e o desenvolvimento económico e social equilibrado do País. No entanto, os terrenos do domínio privado do Estado classificam-se em concedíveis e não concedíveis . Os terrenos concedíveis classificam-se em terrenos urbanos e rurais . Os terrenos não concedíveis são os terrenos rurais comunitários e aqueles que estão integrados no domínio público do Estado. Em função dessa classificação, o cidadão passa a saber que, antes de adquirir um terreno para fins agrícolas, deve perguntar se esse terreno está integrado ou não no domínio público do Estado ou nos terrenos rurais comunitários. Colocar esta pergunta é importante porque esses terrenos não estão a venda, não podem ser comprados, são intransmissíveis a pessoas singulares e colectivas. Por outro lado, mesmo que 05 se esteja a falar de terrenos concedíveis, até nesses terrenos, também há limitações no processo de transmissão para fins agrícolas porque neles encontramos os chamados terrenos urbanos que também não são destinados para fins agrícolas. Neste contexto, a última opção que resta ao cidadão interessado é adquirir uma parcela de terra para fins agrícolas, primeiro, nos terrenos do domínio privado do Estado; segundo, que esse terreno se enquadre na classificação dos terrenos concedíveis; terceiro, que seja um terreno rural e quarto, em função dos fins, que seja um terreno agrário. Em resumo, sempre que for terreno de domínio privado do Estado, concedível, rural e agrário o cidadão pode sim adquirir esse terreno para fins agrícolas observando a lei. 3. Formas de processo de concessão de terrenos O artigo 135º n.º 1, do Regulamento Geral de Concessão de Terrenos consagra que «o processo de concessão de terrenos pode ser comum ou especial». A concessão onerosa e a concessão gratuita são dois aspectos importantes que ajudam a identificar a for- ma de processo a aplicar no acto de transmissão de um terreno ao cidadão requerente. O artigo 47º da Lei de Terras é muito elucidativo nesse sentido quando consagra no seu n.º 1 que: «a transmissão ou a constituição dos direitos fundiários previstos na presente lei só pode ter lugar a título oneroso.» Quer dizer que, só se aplica a forma de processo comum quando o cidadão requer o direito de propriedade, domínio útil civil e o direito de superfície de um terreno. Por sua vez, a forma de processo especial aplica-se quer no caso do reconhecimento legal dos terrenos rurais comunitários como no caso de um cidadão que prove a insuficiência de meios económicos. Essas duas situações constituem excepção à onerosidade das concessões previstas no n.º 1, do artigo 47º da Lei de Terras porque, nessas situações, se obtém o direito sobre um terreno sem pagar absolutamente nada. Assim, os passos que um cidadão que “compra” um terreno (direito de propriedade) deve dar são diferentes dos passos de um cidadão que adquire a titularidade de um terreno mediante concessão gratuita feita pela Administração do Estado (direito de superfície). Por sua vez, uma comunidade rural para adquirir o 06 reconhecimento legal dos terrenos para o cultivo obedece a um conjunto de passos diferentes dos dois casos acima citados. Deste modo, fica claro que os passos para aquisição de um terreno para fins agrícolas variam em função do tipo de direito fundiário em causa. 4. Fases do processo de concessão de terrenos Se a prática entre nós consiste em o cidadão requerer da Administração do Estado o direito de propriedade ou de superfície de um terreno para fins agrícolas quer dizer que, nesses casos, deve-se aplicar a forma de processo comum. Nessa forma de processo, para obter um terreno do Estado o cidadão precisa de percorrer as seguintes fases: 1. Fase de apresentação do requerimento: fazer requerimento, dirigido a autoridade competente para autorizar a venda, que deverá ser entregue nos serviços do Instituto Geográfico e Cadastral de Angola (IGCA). a) No requerimento o cidadão deve colocar a sua identificação; localização, área, confrontações (limites do terreno); especificação da finalidade visada pela concessão; indicação do preço ofere- Os passos que um cidadão que “compra” um terreno (direito de propriedade) deve dar são diferentes dos passos de um cidadão que adquire a titularidade de um terreno mediante concessão gratuita feita pela Administração do Estado (direito de superfície). cido pelo direito fundiário, nunca inferior as tabelas em vigor; colocar as concessões de que seja titular em nome próprio ou no do companheiro, de filhos menores ou com problemas mentais. b) O requerente deve juntar ao requerimento fotocópia do bilhete de identidade e assento (cédula, certidão narrativa integral de nascimento) de nascimento seus; plano de aproveitamento do terreno com a indicação da localização do mesmo; certidão de teor da descrição do terreno e das inscrições em vigor, passadas com antecedência não superior a três meses. 2. Fase da demarcação provisória: as autoridades competentes vão abrir processo e escolher um dia para a demarcação provisória. As despesas da de- 07 informando Como legalizar terrenos para fins agrícolas? marcação provisória devem ser suportadas pelos requerentes, devendo estes pagar o preço e imposto de SISA dos marcos fornecidos pelo Estado e as despesas de transporte e ajudas de custo. 3. Fase da apreciação: depois da demarcação provisória, segue-se a fase da apreciação na qual o requerente será notificado para dar a conhecer se aceita ou não a demarcação realizada. O silêncio do requerente por muito tempo vale como aceitação da demarcação provisória. terreno, se confirme o pagamento do preço e se declare a data em que o terreno lhe foi concedido. O despacho de adjudicação ou de aceitação da concessão publicado no Diário da República é o título dos contratos de concessão. 4. Fase da aprovação: a autoridade competente vai analisar o requerimento e o deferir ou indeferir. Se a autoridade competente deferir o requerimento, passa-se para a demarcação definitiva. 5. Fase da demarcação definitiva: a demarcação definitiva apoia-se na demarcação provisória. A demarcação definitiva apenas será feita depois de estar provado que o requerente fez o depósito para pagamento dos preparos com a instrução do processo, demarcação, publicações, título, registo e vistorias; capacidade de trabalho do utente directo e da sua família; da capacidade financeira e técnica para a realização do plano de exploração; e se for caso disso, do aproveitamento útil e efectivo do terreno anteriormente concedido de acordo com os índices fixados. 6. Fase da celebração do contrato de concessão: a venda do terreno é feita em leilão. A autoridade competente deve avisar ao público o dia do leilão, com a antecipação de 10 dias. Durante este prazo a autoridade competente é obrigada a mostrar os terrenos aos interessados. Os terrenos vão a leilão de acordo com o preço de mercado. A venda é realizada na sede dos serviços da autoridade competente. O funcionário inicia o leilão no dia e hora marcados para a venda. 7. Fase da outorga do título de concessão: o terreno é entregue ao arrematante depois de estar totalmente pago ou depositado o preço. Depois da autoridade competente dar despacho de adjudicação do terreno é passado ao adquirente o título de arrematação, no qual se identifique o 8. Fase da inscrição do título, a favor do concessionário, no registo predial: a autoridade competente deve trabalhar a favor do registo da venda ou da concessão de direitos sobre terrenos, na Conservatória do Registo Predial do lugar do terreno, as custas do arrematante. O arrematante, também, tem legitimidade para pedir o registo. Concluindo, a divulgação da legislação fundiária na qual constam os direitos e deveres dos cidadãos em relação à terra reforçaria a consciência cívica e contribuiria em grande medida para a prevenção de conflitos fundiários. 08 estórias da história uso tradicional da terra Um estudo de caso realizado pela ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, em algumas aldeias do município da Caála, na província do Huambo, podem ajudar a ilustrar o uso tradicional da terra nesta região. Salvaguardando, a diversidade cultural dos povos de Angola, e as consequentes diferenças nas práticas tradicionais, o que aqui se relata em relação a esta região tem muitos pontos comuns com o uso tradicional da terra noutras regiões do país. O sistema produtivo é marcado pela agricultura e pelas culturas alimentares de subsistência (milho, feijão, batata doce , abóboras, …) e pelas culturas destinadas ao mercado, onde têm notoriedade a batata, as hortícolas e, em alguns casos, a soja, a ervilha e o trigo. Raramente o milho é vendido, mas é utilizado como meio de pagamento das sachas por aqueles que recrutam mão-de-obra eventual. O feijão ganhou mais notoriedade nos últimos tempos por causa da sua importância na dieta alimentar e do preço atingido no mercado. Naquilo a que se poderá designar por unidade de produção agrícola a terra é muito fragmentada possuindo quase todos os camponeses pelo menos quatro tipos de lavras distintas dispostas ao longo da catena: w Onaka, lavra de baixa, onde se procura conservar ou drenar a humidade através do controle do lençol freático. É trabalhada normalmente a seguir às chuvas, para permitir a cultura de hortícolas (tomate principalmente) e de batata, e também de milho e feijão a partir de Julho ou Agosto, para que possam estar prontos para serem colhidos em Novembro ou Dezembro, quando as reservas da colheita principal (Abril/Maio) já começam a escassear e os preços no mercado atingem valores mais elevados; w Ombanda, lavra instalada na bordadura da baixa, designadamente também por horta, onde se torna mais fácil o maneio da água e consequentemente a drenagem. Pode ser semeada com milho em Setembro para ser colhido em Janeiro/Fevereiro, mas a sua principal utilidade é para a cultura de Naquilo a que se poderá designar por unidade de produção agrícola a terra é muito fragmentada possuindo quase todos os camponeses pelo menos quatro tipos de lavras distintas. batata e hortícolas (cebola, cenoura e repolho); w Ongongo, lavra do alto, geralmente com solos pouco férteis e pobres em matéria orgânica. Designa-se por osende quando se trata de um campo em terras recém-desbravadas, e por epia ou otchipembe no caso de uma lavra já em cultivo há vários anos, e utiliza-se no primeiro caso, principalmente para batata e no segundo, para milho, feijão, trigo, ervilha, tremoço, amendoim e repolho, dependendo os resultados da época de sementeira que deve ser cuidadosamente escolhida; w Ocumbo, lavra de encosta ou do alto instalada junto às residências, de grande importância actual para a segurança alimentar, onde é incorporada a matéria orgânica originada pela criação de animais, pelos dejectos humanos e por outros despojos da actividade doméstica. É utilizada para culturas arvenses alimentares como milho, feijão, massambala, amendoim, gergelim, abóbora, makunde, sempre em consociação, e para árvores de fruto (banana, abacate, goiaba, pêra, etc.). [...] Tendo em conta o estado avançado de degradação da fertilidade dos solos e a necessidade de incorporação de terrenos “descansados” (osende) para o cultivo de batata, essencial para o rendimento económico das famílias, a situação afigura-se muito delicada. Isso explica, de certo modo, o florescimento do mercado de terras na região, que faz com que aqueles que têm mais posses procurem adquirir mais terras, o que vai provocar a sua concentração nas mãos dos agricultores mais dinâmicos e empreendedores e o aumento da pobreza e da vulnerabilidade da maioria da população. 09 Guilherme Santos, activista sociopolítico e presidente do Conselho Directivo da ADRA figura em destaque Guilherme Santos Hermenegildo Teotónio Natural da Província do Huambo, Guilherme Santos, tratado por Tio Guy, em círculos mais restritos, nasceu a 06 de Outubro de 1955. Anda no activismo sócio-político desde 1973. A sua sensibilidade pelas questões de Direitos Humanos e Cidadania virada para o desenvolvimento rural e social nas comunidades começou em 1980 com a sua formação média em engenharia técnica agrária, no Liceu AgroIndustrial de Porta Alta, Constança, República da Roménia. Em 2007, concluiu o Curso Superior de Ciências de Educação, opção de Psicologia educacional no Instituto Superior Ciências de Educação (ISCED), no Lubango. Fez vários cursos profissionais sobre questões de desenvolvimento, destacando o curso sobre “Género e Desenvolvimento” promovido pelo Centro de Formação de Género & Desenvolvimento da Holanda e o curso “Sistematização enquanto Metodologia de Pesquisa e Acção” promovido pela Universidade de Pernambuco, realizado em Benguela. Em 1985, foi funcionário do Instituto de Investigação Agronómica, na Chianga -Huambo, e depois chefe do Departamento de Plantas Autogâmicas, trabalhando em ensaios comparativos de trigos, triticales e leguminosas (feijão e soja). Guilherme Santos é membro co-fundador e, actualmente, Presidente do Conselho Directivo da ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, uma organização virada para acções de desenvolvimento rural, promoção da agricultura familiar, segurança alimentar e nutricional, associativismo e cooperativismo, ambiente e cidadania na perspectiva dos Direitos Humanos. Integra, desde 2008, a equipa de facilitação da formação anual sobre Desenvolvimento Comunitário para os quadros da ADRA e parceiros. A sua vida é marcada ainda pela forte participação associativa como membro e co-fundador de várias Associações e Centros de Pesquisa. É membro fundador da Associação de Apoio de Albinos de Angola, participando ainda na estrutura e definição estratégica da mesma; é membro Fundador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento, com sede no Lubango. As suas experiências em actividades associativas tornaram-no num consultor de questões sociais, educação formal e não formal, desenvolvimento organizacional, institucional, comunitário e dinâmicas da sociedade civil, bem como formação, avaliação, pesquisa/estudos. A figura em destaque é um observador atento às questões relacionadas com a realidade de Angola, facto que se observa através de artigos de opinião no Jornal Angolense, semanário Cruzeiro do Sul e outras revistas sobre questões de desenvolvimento rural e cidadania. Como indicador da sua distinção nas questões relativas ao desenvolvimento rural, social e política do nosso país, em 2012, concedeu à revista “Africa 21” uma entrevista em torno dos 10 anos de paz que se comemoraram a 04 de Abril de 2012. Na ocasião, reportando-se ao processo de reconciliação nacional, considerou que “falta justiça social, económica e jurídica; partilhar melhor os rendimentos da riqueza do país; reduzir as assimetrias e quebrar o ciclo do abandono estrutural do mundo rural; promover mais a participação do cidadão na vida pública; melhorar o acesso à informação plural e adequada; promover uma cultura pública assente na transparência e melhorar a governação; cultivar o respeito pela pessoa humana e pelo cumprimento da lei”. 10 construindo Experiências de comunidades na legalização de terrenos para fins agrícolas Maria de Jesus Tavares Na província do Huambo, os terrenos rurais não são comunitários, são particulares, ou seja cada família tem a sua parcela e conhece os seus limites. Todavia, para facilitar o processo de legalização e proteger as terras da comunidade, algumas comunidades optaram por fazer uma delimitação comunitária, reduzindo assim de forma significativa os custos associados ao processo de legalização. Apesar da protecção colectiva, constata-se a ocorrência de vários conflitos, porque aparece sempre quem queira aproveitar-se da falta de informação ou boa vontade dos camponeses. Com a colaboração da ADRA - Antena Huambo, o Mosaiko Inform visitou três aldeias - Lungongo, Kapingala e Kambembwa - do município da Caála, na província do Huambo, e apresenta aqui a sua experiência de legalização de terrenos rurais. COMUNIDADE DE lungongo A comunidade do Lungongo foi fundada em 1910, mas por causa da guerra, muitas famílias viram-se obrigadas a abandonar as suas terras, começando a regressar depois do fim da guerra. Actualmente, a comunidade do Lungongo é composta por 249 famílias. Não têm um posto de saúde nem escolas. As pessoas têm de caminhar 3 km para ir à escola (apenas para o nível básico) ou ao posto de saúde numa comunidade vizinha. As lavras pertencentes à comunidade totalizam 765 hectares. Na comunidade do Lungongo, o processo de delimitação aconteceu depois de os membros da comunidade estarem congregados em associação. Esta comunidade beneficia do apoio da ADRA - Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, que tem nos seus programas de intervenção palestras de sensibilização, alertando e orientando as pessoas para a necessidade de legalizarem as suas terras, de modo a evitar problemas no futuro. A associação Epinduco, assim se chama a associação dos camponeses da aldeia, foi legalizada em 2003 com o “objectivo de tratar da agricultura e depois procurar mais caminhos, como encontrar a solução para os problemas que surgem na comunidade, entre eles a questão da terra”. Decidiram legalizar as suas terras depois de ouvirem as experiências de outras comunidades, outras províncias que tiveram muitas dificuldades em proteger e recuperar os terrenos depois de invadidos. Informados sobre o processo de legalização, reuniram a comunidade para, em conjunto, discutirem e decidirem como fazer para protegerem os terrenos da comunidade. Alguns membros da associação foram ao encontro da ADRA, solicitando apoio para o processo de delimitação dos terrenos. Com o apoio 11 construindo Experiências de comunidades na legalização de terrenos para fins agrícolas da ADRA e da FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - que tem acordado com o Executivo um programa nacional de delimitação e posterior concessão de títulos aos terrenos rurais - a comunidade fez uma primeira delimitação de terrenos em 2005. Mas infelizmente a delimitação ficou invalidada porque um dos moradores vendeu uma parcela de terreno que fazia parte da área delimitada. Assim, em 2007, a comunidade do Lungongo começou por fazer a segunda marcação dos terrenos a serem legalizados. Para o processo de delimitação fez-se o historial da comunidade, mapas participativos, indicação dos habitantes, mapas de recursos naturais, e na presença dos vizinhos das comunidades limítrofes, dos membros da própria comunidade, a equipa composta por técnicos do IGCA - Instituto Geográfico e Cadastral de Angola , da FAO, das ONG’S e das Administrações procedem a delimitação das áreas assinaladas pelos membros da comunidade. No fim desta primeira fase, os técnicos fazem um relatório que entregam a todos os interessados para reconfirmação das áreas. Só depois, é que se fez o croquis de localização, que se entregou à comunidade beneficiária para a continuidade do processo. Este processo durou quase duas semanas. O documento foi levado à Administração Municipal que passou um aval favorável para o Governo Provincial que tem a competência de emitir o documento definitivo da concessão de terras. O croquis protege toda a comunidade, a declaração é assinada pelo soba, catequista, coordenador e vizinhos e o título da propriedade vem em nome da comunidade. Os custos do processo de legalização dos terrenos rurais são por conta das comunidades interessadas. Deve-se pagar a deslocação do técnico da sede provincial, um valor que, segundo os membros da associação, varia entre 16.000,00 Kz e 20 000,00 Kz e também o croquis de localização que custa cerca de 50 000,00 Kz, mais as despesas com os técnicos durante o tempo de permanência nas comunidades. Neste caso, não houve custos para a comunidade porque ela beneficiou do programa da FAO. O processo foi encaminhado ao Governo Provincial em 2007 e a comunidade continua a espera do título definitivo da concessão, não tendo sido informada das razões pelas quais o título ainda não foi passado. COMUNIDADE DE kAPINGALA A comunidade da Kapingala tem cerca de 180 famílias. A escola - até a 4ª classe - foi construída pela comunidade. Para continuar a estudar ou para aceder a um posto de saúde numa comunidade próxima, as pessoas têm de caminhar cerca de 5 km. Para os casos de saúde mais complicados são obrigados a dirigirem-se até à sede do município. A comunidade apercebeu-se de que um senhor, vindo de fora, comprou uma parcela de terra na área com o objectivo de construir uma loja, segundo disse. Sensibilizados pelo facto de querer poupar à população a maçada de se deslocar até à sede do município para fazer as suas compras, os habitantes da comunidade concordaram em ceder a este senhor uma pequena parcela para a construção da loja. Só que ele foi alargando os seus interesses, pois encontrou algumas famílias que aceitaram dinheiro pela cedência das suas terras. 12 construindo Experiências de comunidades na legalização de terrenos para fins agrícolas A comunidade ficou preocupada e foi-se interrogando sobre as reais intenções do senhor, receando que ele afinal quisesse apoderar-se dos terrenos da comunidade. Decidiram então proteger as suas terras para evitar o pior. Delegaram alguém para se deslocar a Direcção da Agricultura na cidade do Huambo e pedir esclarecimentos sobre o processo de legalização. Chegado ao local, o enviado expôs a sua preocupação e espantado verificou que o técnico que o atendera estava a trabalhar num mapa de localização que correspondia exactamente a área que pertencia a sua comunidade. Procurou saber o porquê da marcação e anexação que estava a ser feita no papel, e explicou que se tinha dirigido até aí para tratar da legalização daquela área, porque esta pertencia à sua comunidade. Depois de alguma discussão, segundo conta o soba da aldeia, o técnico recebeu o bilhete de identidade do enviado e sugeriu que os habitantes da comunidade se deslocassem à Administração para provar que, de facto, eram os donos verdadeiros dos terrenos em causa e não o senhor que já tinha solicitado a delimitação da área. Na manhã seguinte os habitantes da comunidade afectada e da outra comunidade vizinha dirigiram-se à Administração para resolver o conflito. Uma vez provado que eram os donos dos terrenos, o técnico do IGCA rasgou, na presença de todos, o mapa de localização solicitado pelo senhor que se queria apoderar das terras, e orientou os membros da comunidade que já tinham recebido dinheiro pela venda dos terrenos a devolver o dinheiro, e a fazerem eles próprios o seu mapa de localização para legalizar os terrenos. A comunidade reuniu-se uma vez mais, para decidir como pagar os custos da legalização. Foi estipulado um valor entre 500,00 kz e 4.000,00 kz por família dependendo da dimensão dos terrenos e da capacidade financeira de cada uma. Beneficiando do apoio da ADRA solicitaram um técnico da FAO para fazer o mapa o que não acarretou custos, mas as taxas do IGCA, no valor de 140.000,00 kz, tiveram de ser pagas pela comunidade. A delimitação foi feita em 2005, o processo de legalização seguiu para o Governo Provincial em 2006 e até hoje a comunidade continua à espera do título. Neste caso, pelo facto do total da junção de parcelas ultrapassar os mil hectares, o processo teve de seguir para o Ministério da Agricultura que tem o dever de passar o título. A comunidade não foi informada, porque é que tendo cumprido os requisitos da Lei, os títulos continuam sem lhes ser entregue. EXPERIÊNCIA DA KAMBEMBWA A comunidade da Kambembwa é composta por 150 famílias com um total de 620 pessoas. As lavras desta comunidade têm uma extensão de 840 hectares e encontram-se situadas no vale do Calai. A comunidade construiu uma escola de 2 salas, cujo ensino vai até a 4ª classe. Para continuarem a estudar ou ir a um posto de saúde, os habitantes têm de se deslocar para a comunidade vizinha que se encontra a 3 km. ”Não conhecíamos o Bambi, só conhecíamos o Administrador Municipal e o vice-Administrador. Apareceram na comunidade solicitando os alicerces iniciais feitos pelo colono, onde o colono tinha a loja porque queriam construir uma loja. Depois reclamaram terras para o cultivo, quando se aperceberam que o terreno era seco, arranjaram formas de canalizar a água para os seus terrenos”. Foi assim que o Soma da Kambembwa, começou a contar as dificuldades que vivem. Vendo o que se passava, os moradores ficaram inquietos, porque não satisfeitos com o que tinham, os senhores começaram a fazer a lavoura na comunidade vizinha. Desinformada, a comunidade não soube como reagir. Então a invasão continuou, destruindo lavras e não respeitando as culturas que lá estavam. Um dos camponeses afectados decidiu reclamar e foi agredido pelo trabalhador do suposto dono do terreno. Levou uma golpe de catana que foi suturado com oito pontos. Segundo o camponês agredido, depois de ser tratado no hospital foi fazer queixa à Polícia, mas o senhor que o agrediu não respondeu a notificação. Até aquele momento os habitantes da comunidade achavam que os terrenos eram do Administrador Municipal, só depois desse problema se aperceberam que afinal era outra pessoa quem estava por trás, um coronel tinha comprado os terrenos. 13 construindo Experiências de comunidades na legalização de terrenos para fins agrícolas Sentindo-se atacados e injustiçados, decidiram fazer justiça por mãos próprias. Derrubaram as obras feitas pelo coronel, e foram a Administração Municipal onde foram confrontados com o facto de terem destruído a construção que estava feita. Indignados, questionaram sobre quem tinha mais valor, se era a pessoa humana ou os escombros, porque afinal de contas um camponês tinha sido ferido e o Administrador estava mais preocupado com os escombros. O Administrador, depois de informado, decidiu averiguar o que tinha acabado de ouvir. Então dirigiramse todos a casa do coronel para esclarecer o que se tinha passado. Depois de muito tempo de conversa entre ambos, o Administrador saiu e disse que as confusões por causa dos terrenos tinham acabado e que os camponeses podiam retomar as suas lavras, mas que, entretanto, estavam proibidos de falar mal do coronel. Ao que responderam “se ele não voltar nos nossos terrenos, não vamos falar dele”. Segundo o Soma, cerca de um ano depois “apareceu o senhor que tinha sido ferido com catana a dizer que o tractor estava a arrancar o repolho da lavra dele”, eram dois hectares de couve e uma lavra de milho. O Soma disse que não sabia o que fazer, o que tinham feito antes não podiam voltar a fazer, era preciso fazer outra coisa. Então o camponês afectado decide ir discutir com o coronel que, por sua vez, liga para o município a dizer que tinha sido agredido, de imediato aparece a Polícia que deteve o camponês. Alguns membros da comunidade dirigiram-se à Polícia levando como prova da barbaridade as plantas que tinham sido arrancadas. Confrontaram a Polícia, questionando a atitude dos trabalhadores do coronel. A Polícia concordou em que não era correcto o que tinha acontecido, mas o caso tinha de ser resolvido no Tribunal,. Assim, o caso foi dirigido ao Tribunal Municipal da Caála que deu razão ao lavrador e à comunidade. Com a decisão judicial, ficaram mais tranquilos, achando que o caso tinha terminado por aí. Só que infelizmente algum tempo depois ouviram dizer que o coronel tinha ido fazer queixa no Tribunal Provincial do Huambo, de que um camponês lhe tinha arrancado 1 000 pés de laranja, 1 000 pés de limão. Plantas que segundo testemunham os camponeses nunca existiram. O dono da lavra foi novamente notificado, os Somas da aldeia acompanharam-no ao Tribunal para saber o porquê de ter sido notificado, uma vez que o Tribunal Municipal lhe tinha dado a razão. Sem que a comunidade consiga perceber porquê, o camponês foi preso durante 45 dias e condenado a pagar uma multa de 11 milhões de kwanzas, o que está muito para além das possibilidades económicas do pobre camponês. 14 entrevista Txaran Basterretxea engenheiro agrónomo Maria de Jesus Tavares Txaran Basterretxea, engenheiro agrónomo espanhol, com especialização em meio ambiente, desde o início orientou a sua carreira profissional ao desenvolvimento rural em paises em desenvolvimento. Com uma vasta experiência laboral na área de pesquisa agronómica, é consultor internacional da FAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura em Angola há 3 anos. Neste espaço de entrevista partilha com os leitores do Mosaiko Inform a experiência da FAO na legalização de terrenos rurais nas províncias do Huambo e do Bié. A terra hoje é tida como um dos principais factores de desenvolvimento de um país e desempenha um papel crucial no combate à pobreza, principalmente nas áreas rurais. Em Angola, como é que está a ser garantida, na prática, a posse da terra que é usada pelos membros das comunidades rurais? Angola possui um marco legal (Lei de Terras - Lei 9/04 e o seu Regulamento) onde estão indicados os diferentes direitos fundiários que o Estado pode transmitir ou constituir sobre os terrenos concedíveis. Especificamente para as comunidades rurais, é através do direito útil consuetudinário pelo qual o Estado reconhece os seus direitos fundiários, baseados no uso, nos costumes e na tradição. A realidade é que o nível de implementação da Lei de Terras no que se refere ao direito útil consuetudinário não está ainda normalizado e o nível de implementação 15 entrevista Txaran Basterretxea é muito baixo. Na prática, as comunidades rurais fazem uso das terras baseando-se num uso costumeiro, mas são muito poucas as que tem legalizado este uso. A legalização de terras comunitárias é a melhor forma de prevenir futuros conflitos de terras e constitui uma base fundamental para o desenvolvimento da agricultura familiar e portanto para a Segurança Alimentar de Angola. A FAO está a implementar um projecto que visa a legalização das terras dos camponeses e das comunidades rurais. Concretamente, em que consiste este Projecto? Mais que de um projecto podemos falar de um programa, já que são mais de doze anos que a FAO está a dar apoio técnico e metodológico ao Executivo Angolano em questões fundiárias. Iniciou-se apoiando os processos participativos e jurídicos para a aprovação da actual Lei de Terras e seguidamente apoiou-se a implementação da Lei através de diferentes projectos, financiados por diferentes doadores, mas sempre seguindo uma linha estratégica coerente. Actualmente, o programa Terra está a ser implementado através de um projecto financiado pela Cooperação Espanhola que visa apoiar as instituições públicas encarregadas da gestão e administração de terras. Além do apoio para avançar nos processos de legalização de terras comunitárias, o projecto tem trabalhado em processos de gestão participativa e negociada de recursos naturais com enfoque territorial e na caracterização e valorização da agricultura familiar. Agrário, o IGCA - Instituto de Geodesia e Cadastro de Angola e, a nível municipal, pelos próprios técnicos das Administrações Municipais e as EDA - Estações de Desenvolvimento Agrário. A FAO trabalha directamente com as instituições públicas, que são ao mesmo tempo executoras e beneficiárias. Deste modo, podemos garantir a apropriação dos resultados do projecto. Além disso, temos, por exemplo, na província do Bié um comité de pilotagem, onde participam os chefes e diretores das instituições parceiras, governo provincial e autoridades tradicionais, que serve para planificar actividades e semestralmente avaliar o nível de desempenho do projecto. A legalização de terras comunitárias é a melhor forma de prevenir futuros conflitos de terras e constitui uma base fundamental para o desenvolvimento da agricultura familiar e, portanto, para a Segurança Alimentar de Angola. Também trabalhamos junto dos IMA - Institutos Médios Agrários e FCA - Faculdade de Ciências Agrárias do Huambo com um bom nível de apropriação das actividades realizadas. Qual é o nível de envolvimento do Estado angolano? O projecto actual está a ser desenvolvido a nível provincial e municipal no Huambo e Bié e a nível central junto do Ministério da Agricultura e o Ministério de Urbanismo e Habitação. Falando em termos gerais, o nível de envolvimento é bom, mas temos que ter em conta que a questão fundiária é um tema muito sensível, onde há muitos interesses, pelo que não convém correr para ter resultados visíveis. A importância de todas as actividades do projecto está no processo de criar as capacidades, ter metodologias claras, únicas, rigorosas e objetivas e o Estado angolano está nesse caminho. Quais as organizações ou instituições parceiras do projecto e qual o seu nível de intervenção? Qual é o papel das Autoridades Tradicionais no Projecto? A nível provincial o projecto é implementado pelos próprios parceiros, isto é, a Direcção Provincial da Agricultura, o IDA - Instituto de Desenvolvimento As Autoridades Tradicionais são elementos-chave na administração da terra ao nível local. Por isso, com eles é importante a Quais são as áreas de implementação do Projecto? 16 entrevista Txaran Basterretxea sensibilização, que conheçam a Lei de Terras e as diferentes formas de acesso e que saibam que a terra das comunidades rurais não se vende. A implementação do Projecto começava por um estudo de base da situação. Onde e quando foi feito esse estudo? Qual é o nível de envolvimento dos beneficiários neste projecto? Este estudo foi feito a todos os níveis de implementação do projecto, nas comunidades rurais do Huambo e Bié e junto das instituições parceiras (e beneficiárias) ao nível municipal, provincial e central. O estudo contém muita informação sobre a questão fundiária e serviu para ajustar a estratégia e as atividades do projecto. Este estudo e outros documentos do projecto estão disponíveis em: http://www.fao.org/nr/land/projects-programmes/terra/en/ No caso das legalizações de terras, as comunidades sabem muito bem os benefícios da legalização das suas terras comunitárias. Ao nível institucional o envolvimento também é positivo, tendo em conta que muitas instituições sofrem carências importantes ao nível de meios. Mesmo assim, os técnicos participam e pode-se ver a satisfação de muitos deles quando o trabalho é desenvolvido de maneira positiva. Como é que seleccionam as comunidades rurais integradas neste Projecto? Ainda falando das legalizações, é a própria comunidade que tem que manifestar o interesse. Primeiramente são realizadas divulgações da lei de terras e as comunidades que manifestam interesse e que cumprem com os requisitos podem solicitar a sua legalização. Diversas experiências em outros países têm demonstrado que as legalizações massivas de comunidades não atingem os objetivos (que são a segurança fundiária e a valorização dos recurso da comunidade). Quais as principais conclusões desse estudo de base? Neste estudo foi possível constatar que no Huambo e no Bié o contexto fundiário é diferente, já que no Huambo existe uma maior pressão fundiária que no Bié, por isso no Huambo decidiu-se trabalhar com mais força as metodologias de gestão de recursos naturais e no Bié o acesso e legalização de terras. Também em ambas províncias constatou-se a necessidade de continuar com a divulgação da Lei de Terras. Outro aspecto importante constatado é a situação de vulnerabilidade da mulher em relação a este tipo de questões. 17 entrevista Txaran Basterretxea Actualmente, em que fase se encontra a implementação do Projecto? Estamos na fase final do projecto já que o fim do mesmo está previsto para Dezembro deste ano, mas, pela experiência destes últimos anos, o Executivo angolano deve continuar a reforçar as suas instituições de administração e gestão de terras e a FAO continua a manter-se sensibilizada para prestar o apoio técnico e metodológico para este fim. Quais os resultados mais significativos alcançados até ao momento? Os resultados são muitos e a diferentes níveis: diversas formações dirigidas a técnicos em realização de croquis, caracterização da agricultura familiar, metodologias de gestão participativa de recursos naturais, formação de divulgadores da Lei de Terras e sobre a metodologia de delimitação participativa de terras. Além disso, no Bié, foram criadas as condições para a delimitação de terras comunitárias, temos apoiado os Institutos Médios Agráris, a Faculdade de Ciências Agrárias, vários workshops e seminários de alto nível em questões fundiárias e Agricultura Familiar, temos apoiado na planificação de diferentes instituições, formado técnicos de ONG’s e OSC - Organizações da Sociedade Civil, muita sensibilização nas comunidades, etc. Quais as principais dificuldades encontradas na implementação deste Projecto? Este tipo de projectos não é daqueles cujos resultados são muito visíveis já que, como indiquei antes, baseiam-se mais no processo e isto, às vezes, desmotiva um bocado os técnicos que são implementadores e beneficiários ao mesmo tempo. Por outro lado, a questão da terra é muito delicada e sensível, por isso os passos devem ser lentos mas certos, com muita informação, sensibilização e conhecimento por parte de todos. Isto faz com que a implementação seja um bocado mais pesada, mais também faz que os passos dados sejam certos. Como tentaram superar as dificuldades encontradas? Ao nível das províncias e municípios é importante [...] valorizar a Agricultura Familiar já que, como indiquei, é através desta que Angola pode garantir não só a sua Segurança Alimentar de uma forma sustentável, mas também um desenvolvimento económico equilibrado e sustentável baseado em milhões de famílias camponesas... Com muita informação a todos os parceiros, muita participação em todas as decisões e, sobretudo, muita ênfase nos benefícios do trabalho feito para os beneficiários. Em sua opinião, qual deveria ser a acção de cada actor social – entidades do Estado, autoridades tradicionais, organizações da sociedade civil, cidadãos,… - para que o uso da terra se torne cada vez mais um factor de inclusão e de desenvolvimento sustentável de Angola? A questão da terra é multissectorial. Como já foi mencionado, são diversos os níveis que a envolvem, desde as comunidades lideradas pelas suas autoridades tradicionais até aos próprios ministérios responsáveis pela emissão de diretrizes para a implementação efectiva da lei, através de programas (como o programa Terra) e projectos. Ao nível das províncias e municípios é importante continuar rigorosamente com a implementação destes programas, valorizar a Agricultura Familiar já que, como indiquei, é através desta que Angola pode garantir não só a sua Segurança Alimentar de uma forma sustentável, mas também um desenvolvimento económico equilibrado e sustentável baseado em milhões de famílias camponesas gerando economia. Cada um de nós tem o seu papel. Se queremos construir uma Angola melhor, com um desenvolvimento mais equitativo e sustentável temos que estar cientes da importância da terra e da Agricultura Familiar para o desenvolvimento das comunidades rurais e de Angola no seu conjunto. 18 reflectindo Constrangimentos no processo de legalização de terrenos para fins agrícolas Barros Manuel Com o fim da guerra civil, em 2002, houve em Angola o retorno e o reenquadramento de milhares de deslocados internos nas suas terras de origem. Constatou-se também uma batalha por terrenos, entre grandes entidades comerciais nacionais e estrangeiras e camponeses locais. Em 2004, foi aprovada uma nova Lei de Terras (LT) e em 2007 o Regulamento Geral de Concessão de Terrenos (RGCT) especificando os procedimentos para formalizar a posse de terrenos. Nos termos do n.º 1, do artigo 215º do RGCT a mitigação dos conflitos de terrenos passa em parte por «as pessoas singulares ou colectivas que ocupem, sem qualquer título, terrenos do Estado ou das autarquias locais, devem, no prazo de três anos a contar da data da publicação do presente regulamento, requerer a concessão dos terrenos que ocupem ilegalmente». Apesar dessa moratória, os conflitos de terrenos prevalecem à escala nacional. Por outro lado, para aquisição do título de propriedade de um terreno, a legislação fundiária coloca certos constrangimentos no processo de legalização, que são: w O primeiro constrangimento está relacionado com o tema dos prazos definidos em 2007 pelo RGCT. Naquela época, com a consequência dos efeitos da guerra, muitas instituições formais e informais encontravam-se em fase de restruturação, consolidação institucional, administrativa, funcional e, portanto, menos capazes para dar resposta às solicitações. Logo, o prazo de três anos, em muitas localidades, foi curto para cumprir com todo o processo de legalização. Um outro factor associado a esse constrangimento tem a ver com o elevado número de cidadãos que ocupam terrenos sem título, talvez pelo fra- co nível de envolvimento das instituições do Estado e da Sociedade Civil no processo de divulgação e sensibilização sobre a necessidade de, naquela altura, formalizarem, no prazo definido pelo RGCT, os terrenos ocupados ilegalmente. w O segundo constrangimento prende-se com a competência para as concessões de terrenos. A secção III da LT define quem são as autoridades competentes para conceder terrenos. A nível municipal, a competência para conceder terrenos é da administração municipal que nem sempre tem capacidade para responder as solicitações para legalização de terrenos. Essa incapacidade contribui para que o processo seja moroso. A morosidade, em certos casos, leva a que o cidadão deixe de acreditar nas instituições competentes e recorra para aquelas que, nos termos da lei, não têm competência para conceder terrenos. Por exemplo, os Sobas e Sekulos. Diante dessa limitação, a desconcentração de certos serviços e competências pode ajudar a responder em tempo útil às solicitações dos requerentes. w O terceiro constrangimento está ligado a questão dos limites das áreas dos terrenos rurais a conceder. Nos termos do n.º 1, do artigo 42º do A morosidade em certos casos leva a que o cidadão deixe de acreditar nas instituições competentes e recorra para aquelas que, nos termos da lei, não têm competência para conceder terrenos. Por exemplo, os Sobas e Sekulos. 19 reflectindo Constrangimentos no processo de legalização de terrenos para fins agrícolas RGCT «a área dos terrenos rurais que qualquer pessoa singular ou colectiva pode ter por contrato de concessão não pode ser inferior a dois hectares nem superior a 10 000 hectares». Em Angola, grande maioria dos camponeses e comunidades locais pratica uma agricultura de subsistência familiar. Eles são detentores de lavras de pequena dimensão. Muitos camponeses não têm capacidade financeira para celebrar um contrato dessa dimensão. Mesmo aqueles que eventualmente tenham possibilidades de adquirir o terreno nessas dimensões, o seu tipo de agricultura não permite dar ao terreno um aproveitamento útil e efectivo, correndo o risco de perdê-lo. Essa exigência legal constitui um constrangimento porque pode limitar o acesso dos camponeses locais aos terrenos para o cultivo. w O quarto constrangimento tem a ver com o pagamento do preço ou prestação de caução. À luz do n.º 3, do art. 144.º do RGCT «o requerente deve efectuar o pagamento do preço no prazo de cinco dias a contar da data da publicação do despacho, (…) da autoridade concedente (…)». A partir daqui pode-se inferir que o pagamento da prestação deve ser feito num banco indicado pela autoridade competente. O constrangimento coloca-se para os cidadãos que vivem em localidades onde ainda não existem dependências bancárias. Eles são obrigados a percorrer longas distâncias até aos municípios que tenham dependências bancárias. Essa situação exige a realização de despesas ligadas ao transporte, alimentação, acomodação, ausência no local de serviço, etc. Todas essas exigências associadas a necessidade de cumprir o prazo, que já é curto, desencoraja os cidadãos a legalizarem os terrenos. w O quinto e último constrangimento está relacionado com o tempo de duração do processo de legalização de terreno. A legislação fundiária para certas fases define prazos ao passo que noutras fases não define. Por exemplo, quanto tempo dura o processo da fase de apresentação do requerimento a fase de demarcação provisória? Portanto, quanto menos claro estiver definido o horizonte temporal mínimo para a legalização de um terreno, e tudo depender da capacidade de resposta da administração municipal, menos motivado estará o cidadão para começar o processo de legalização do terreno. 20 breves Mosaiko participa em Curso de Formação sobre Direitos Humanos na Noruega O Mosaiko foi convidado a participar numa formação sobre Direitos Humanos que decorreu de 26 de Agosto a 13 de Setembro no Reino da Noruega. A formação que se inscreve no âmbito da parceria entre o Estado angolano e o Reino da Noruega no domínio dos Direitos Humanos teve uma componente teórica e legal, complementada com visitas de campo a instituições ligadas à promoção e defesa dos Direitos Humanos na Noruega. Contou com a participação de funcionários de alguns ministérios e instituições estatais como o ministério da Justiça e Direitos Humanos, do Ensino Superior, ministério da Família e Promoção da Mulher, Provedoria de Justiça e Ordem dos Advogados de Angola, da Sociedade Civil esteve presente o Conselho de Coordenação dos Direitos Humanos. Em representação do Mosaiko, esteve o frei Júlio Candeeiro, Director geral da Instituição. Mosaiko Facilita seminário sobre Direitos Humanos e Cidadania na Jamba Mineira À convite do Subnúcleo de Direitos Humanos da Jamba- Huíla, o Mosaiko | Instituto para a Cidadania orientou um seminário sobre “Direitos Humanos e Cidadania”, que decorreu de 12 a 17 de Agosto de 2013, nas instalações da Administração Municipal da Jamba Mineira. Com o objectivo “contribuir para uma cultura de Direitos Humanos nos estudantes finalistas do Ensino Médio do município da Jamba”, fizeramse presentes na actividade 190 homens e 58 mulheres. Os 248 participantes foram divididos em oito grupos de 40 participantes por sessão, entre os quais estudantes, professores, representantes da Polícia Nacional, Forças Armadas Angolanas e Bombeiros. “Os Fundamentos dos Direitos Humanos” e os “Fundamentos da Educação para os Direitos Humanos” foram os temas abordados à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Como facilitador do referido seminário esteve o jurista Barros Manuel. Construindo Cidadania Rádio Ecclesia | 97.5 FM Sábado às 08H30 e Domingos às 22H00