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INFORMAÇÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
E O TRABALHO DO MOSAIKO | INSTITUTO PARA A CIDADANIA
Processo de
legalização de
terrenos para
fins agrícolas
Guilherme Santos
Figura em Destaque Pág. 09
Txaran Basterretxea
Entrevista Pág. 14
Constrangimentos no processo
de legalização de terrenos para
fins agrícolas
Reflectindo Pág. 18
índice
Mosaiko Inform nº 20 - Setembro 2013
Tema: Processo de legalização de terrenos para fins agrícolas
Ficha Técnica
PÁG. 03
Propriedade
MOSAIKO | Instituto para a Cidadania
NIF: 7405000860
Nº de registo: MCS – 492/B/2008
direcção
Júlio Candeeiro, op
Luís de França, op
Mário Rui Marçal, op
Redacção
Florência Chimuando
Maria de Jesus Tavares
Colaboradores
Barros Manuel
Hermenegildo Teotónio
Montagem Gráfica
Gabriel Kahenjengo
Contactos
Bairro da Estalagem - Km 12 | Viana
Fax: (00244) 222 371 598
TM: (00244) 912 508 604
TM: (00244) 923 543 546
Caixa Postal 2304 - Luanda | Angola
E-mail: [email protected]
www.mosaiko.op.org
PÁG. 04
PÁG. 08
PÁG. 09
PÁG. 10
PÁG. 14
PÁG. 18
Impressão
Damer gráficas SA – Luanda
Tiragem: 2500 exemplares
PÁG. 20
editorial
Júlio Candeeiro, op
informando
Como legalizar terrenos para fins agrícolas
Barros Manuel
estórias da história
Uso tradicional da terra
figura em destaque
Guilherme Santos
Hermenegildo Teotónio
construindo
Experiências de comunidades em legalização de terrenos para
fins agrícolas (ADRA) | Maria de Jesus Tavares
entrevista
Experiência do projecto da FAO em legalização de terrenos /
concessão de títulos |Maria de Jesus Tavares
reflectindo
Constrangimentos no processo de legalização de terrenos para
fins agrícolas | Barros Manuel
breves
Distribuição Gratuita
Os artigos publicados expressam
as opiniões dos seus autores, que não
são necessariamente as opiniões do
Mosaiko | Instituto para a Cidadania.
Com o APOIO
“
Garantir às pessoas pobres e
vulneráveis direitos seguros e
equitativos no acesso à terra e a
outros recursos naturais é uma
condição essencial na luta contra
a fome e a pobreza. É um avanço
histórico que os países tenham
chegado a acordo sobre estas
primeiras diretrizes globais de
posse de terra.
José Graziano da Silva
”
03
editorial
PROCESSO DE LEGALIZAÇÃO DE TERRENOS PARA FINS AGRÍCOLAS
Estimado leitor/a
Segundo a CRA- Constituição da Republica de Angola a
“terra é propriedade originária do Estado” (Art 15º, 1.).
E o nº 2 do mesmo artigo diz que “são reconhecidas às
comunidades locais o acesso e o uso das terras nos termos
da lei.” Em várias comunidades agrícolas este desiderato
da nossa CRA tem provocado bastantes preocupações,
causando inclusivamente um certo medo aos camponeses.
Diga-se, em abono da verdade, que a confusão a que nos
referimos é, antes de mais, derivada da forma como alguns
representantes do Estado abusam do seu poder, e não
tanto pelo conteúdo da lei em si. A terra, enquanto recurso
necessário a todos, constitui-se num dos principais direitos
fundamentais que o Estado tem o dever de assegurar.
Entretanto, já desde os tempos de ocupação colonial,
os terrenos para fins agrícolas, mais do que os terrenos
urbanos, foram sempre objecto de polémica.
Hoje, passados 11 anos desde o fim do conflito armado,
em 2002, face aos problemas que subsistem o tema das
terras para fins agrícolas deveria estar no topo da Agenda
Nacional.
Segundo o relatório conjunto ADRA e Rede Terra “A
estrutura de produção defeituosa do tempo colonial,
assente em dois tipos agrários, o familiar ou “tradicional”
e o empresarial ou “moderno” pode estar a reconstituir-
se. Tudo isto traduz-se numa situação de grande
vulnerabilidade para aqueles cidadãos que não conhecem
o caminho das instituições e não podem fazer valer os seus
direitos e a probabilidade de ocorrência de conflitos entre
quem ocupa a terra de facto e quem dispõe de um título”
(Sistemas de uso da terra agrícola em Angola: Estudos de
caso nas províncias do Huambo, Lunda Sul e Uíge, 2004:11).
Ora, a presente Lei de Terras é, por um lado, desconhecida
pela grande maioria da população, sobretudo camponeses;
por outro, e bastantes vezes, violada, atropelada por
decisores públicos.
Neste número do boletim, o Mosaiko pretende trazer ao
conhecimento dos seus leitores, reflexões sobre o tema
em análise, mas sobretudo, oferecer um guia prático para
pessoas e comunidades que queiram obter parcelas de terras
para fins agrícolas ou legalizar as suas terras, no caso dos
que já as possuem.
Este número apresenta-se em complementaridade com a
próxima edição do Mosaiko Inform dedicada ao processo de
legalização e do direito ao terreno urbano. As duas questões
são interligadas; os dois assuntos afectam milhões de
angolanos e para mudar a situação para melhor, o contributo
de todos e de cada um é fundamental.
Boa leitura!
Júlio Gonçalves Candeeiro, op
NOVA PUBLICAÇÃO
Adquir
a já!
ACESSO À JUSTIÇA
FORA DOS GRANDES CENTROS URBANOS
RELATÓRIO DE PESQUISA
Angola | 2012
www.mosaiko.op.org
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informando
Como legalizar terrenos
para fins agrícolas?
Barros Manuel
O processo de legalização de terrenos para fins agrícolas obedece a certos passos que vêm descritos neste texto através dos quatro pontos centrais que passamos a desenvolver de seguida.
1. Conceitos operacionais
Em Angola, a terra é propriedade do Estado. A lei
angolana permite ao cidadão pedir diante da Administração do Estado: o direito de propriedade de um
terreno; o direito de superfície; o domínio útil civil; o
domínio útil consuetudinário e o direito de ocupação
precária.
w Direito de propriedade: diz-se que o cidadão tem o
direito de propriedade, quando o Estado lhe “vende” o terreno e este pode usá-lo como quiser, sem
ser incomodado por outro. Nesta situação, o cidadão é dono do terreno.
w Direito de superfície: diz-se que o cidadão tem o
direito de superfície, quando o Estado o autoriza a
construir ou a manter uma obra no terreno e fazer
ou manter plantações, por um prazo de 60 anos
renováveis.
w Domínio útil civil: diz-se que o cidadão possui o
domínio útil civil, quando o Estado o autoriza a
usar o terreno como se fosse o dono, esta autorização tem duração contínua. No domínio útil civil
é permitido ao requerente ou seus herdeiros se
tornarem proprietários completos do terreno, ao
fim de determinado tempo, pagando um preço.
w Domínio útil consuetudinário: o Estado dá às famílias camponesas o direito de usar a terra, continuamente, como se fossem donos, de acordo com o
costume da comunidade.
w Direito de ocupação precária: diz-se que existe
um direito de ocupação precária, quando o Esta-
do autoriza o cidadão a construir instalações não
definitivas para apoiar outras actividades como
a construção de edifícios de carácter definitivo,
actividades de prospecção de curta duração, actividades de investigação científica, actividades de
estudo da natureza, etc.
A prática entre nós consiste em o cidadão requerer da
Administração do Estado o direito de propriedade ou
de superfície de um terreno para fins agrícolas.
2. Classificação dos terrenos
O n.º 1, do artigo 15.º da Constituição da República de
Angola consagra que «a terra, que constitui propriedade originária do Estado, pode ser transmitida para
pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o
seu racional e efectivo aproveitamento, nos termos
da Constituição e da lei». Quer dizer que, existem os
terrenos que fazem parte do domínio público e terrenos do domínio privado do Estado. Os terrenos de
domínio público são propriedade do Estado e como
tal são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis, isto para se salvaguardar o interesse público e
o desenvolvimento económico e social equilibrado do
País. No entanto, os terrenos do domínio privado do
Estado classificam-se em concedíveis e não concedíveis . Os terrenos concedíveis classificam-se em terrenos urbanos e rurais . Os terrenos não concedíveis
são os terrenos rurais comunitários e aqueles que estão integrados no domínio público do Estado.
Em função dessa classificação, o cidadão passa a saber que, antes de adquirir um terreno para fins agrícolas, deve perguntar se esse terreno está integrado
ou não no domínio público do Estado ou nos terrenos
rurais comunitários. Colocar esta pergunta é importante porque esses terrenos não estão a venda, não
podem ser comprados, são intransmissíveis a pessoas singulares e colectivas. Por outro lado, mesmo que
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se esteja a falar de terrenos concedíveis, até nesses
terrenos, também há limitações no processo de transmissão para fins agrícolas porque neles encontramos
os chamados terrenos urbanos que também não são
destinados para fins agrícolas.
Neste contexto, a última opção que resta ao cidadão
interessado é adquirir uma parcela de terra para fins
agrícolas, primeiro, nos terrenos do domínio privado
do Estado; segundo, que esse terreno se enquadre na
classificação dos terrenos concedíveis; terceiro, que
seja um terreno rural e quarto, em função dos fins,
que seja um terreno agrário. Em resumo, sempre que
for terreno de domínio privado do Estado, concedível,
rural e agrário o cidadão pode sim adquirir esse terreno para fins agrícolas observando a lei.
3. Formas de processo de concessão de
terrenos
O artigo 135º n.º 1, do Regulamento Geral de Concessão de Terrenos consagra que «o processo de concessão de terrenos pode ser comum ou especial».
A concessão onerosa e a concessão gratuita são dois
aspectos importantes que ajudam a identificar a for-
ma de processo a aplicar no acto de transmissão de
um terreno ao cidadão requerente. O artigo 47º da Lei
de Terras é muito elucidativo nesse sentido quando
consagra no seu n.º 1 que: «a transmissão ou a constituição dos direitos fundiários previstos na presente
lei só pode ter lugar a título oneroso.» Quer dizer que,
só se aplica a forma de processo comum quando o
cidadão requer o direito de propriedade, domínio útil
civil e o direito de superfície de um terreno. Por sua
vez, a forma de processo especial aplica-se quer no
caso do reconhecimento legal dos terrenos rurais comunitários como no caso de um cidadão que prove a
insuficiência de meios económicos. Essas duas situações constituem excepção à onerosidade das concessões previstas no n.º 1, do artigo 47º da Lei de Terras
porque, nessas situações, se obtém o direito sobre
um terreno sem pagar absolutamente nada.
Assim, os passos que um cidadão que “compra” um terreno (direito de propriedade) deve dar são diferentes
dos passos de um cidadão que adquire a titularidade
de um terreno mediante concessão gratuita feita pela
Administração do Estado (direito de superfície). Por
sua vez, uma comunidade rural para adquirir o
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reconhecimento legal dos terrenos para o cultivo obedece a um conjunto de passos diferentes dos dois casos acima citados. Deste modo, fica claro que os passos
para aquisição de um terreno para fins agrícolas variam em função do tipo de direito fundiário em causa.
4. Fases do processo de concessão de
terrenos
Se a prática entre nós consiste em o cidadão requerer
da Administração do Estado o direito de propriedade ou de superfície de um terreno para fins agrícolas
quer dizer que, nesses casos, deve-se aplicar a forma
de processo comum. Nessa forma de processo, para
obter um terreno do Estado o cidadão precisa de percorrer as seguintes fases:
1. Fase de apresentação do requerimento: fazer requerimento, dirigido a autoridade competente
para autorizar a venda, que deverá ser entregue
nos serviços do Instituto Geográfico e Cadastral de
Angola (IGCA).
a) No requerimento o cidadão deve colocar a sua
identificação; localização, área, confrontações
(limites do terreno); especificação da finalidade
visada pela concessão; indicação do preço ofere-
Os passos que um cidadão que “compra”
um terreno (direito de propriedade)
deve dar são diferentes dos passos de um
cidadão que adquire a titularidade de um
terreno mediante concessão gratuita feita
pela Administração do Estado (direito de
superfície).
cido pelo direito fundiário, nunca inferior as tabelas em vigor; colocar as concessões de que seja
titular em nome próprio ou no do companheiro,
de filhos menores ou com problemas mentais.
b) O requerente deve juntar ao requerimento
fotocópia do bilhete de identidade e assento
(cédula, certidão narrativa integral de nascimento) de nascimento seus; plano de aproveitamento do terreno com a indicação da localização do mesmo; certidão de teor da descrição
do terreno e das inscrições em vigor, passadas
com antecedência não superior a três meses.
2. Fase da demarcação provisória: as autoridades
competentes vão abrir processo e escolher um dia
para a demarcação provisória. As despesas da de-
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informando
Como legalizar terrenos para fins agrícolas?
marcação provisória devem ser suportadas pelos
requerentes, devendo estes pagar o preço e imposto de SISA dos marcos fornecidos pelo Estado
e as despesas de transporte e ajudas de custo.
3. Fase da apreciação: depois da demarcação provisória, segue-se a fase da apreciação na qual
o requerente será notificado para dar a conhecer se aceita ou não a demarcação realizada.
O silêncio do requerente por muito tempo vale
como aceitação da demarcação provisória.
terreno, se confirme o pagamento do preço e se
declare a data em que o terreno lhe foi concedido. O despacho de adjudicação ou de aceitação
da concessão publicado no Diário da República
é o título dos contratos de concessão.
4. Fase da aprovação: a autoridade competente
vai analisar o requerimento e o deferir ou indeferir. Se a autoridade competente deferir o
requerimento, passa-se para a demarcação definitiva.
5. Fase da demarcação definitiva: a demarcação
definitiva apoia-se na demarcação provisória.
A demarcação definitiva apenas será feita depois de estar provado que o requerente fez o
depósito para pagamento dos preparos com a
instrução do processo, demarcação, publicações, título, registo e vistorias; capacidade de
trabalho do utente directo e da sua família; da
capacidade financeira e técnica para a realização do plano de exploração; e se for caso disso,
do aproveitamento útil e efectivo do terreno
anteriormente concedido de acordo com os índices fixados.
6. Fase da celebração do contrato de concessão: a
venda do terreno é feita em leilão. A autoridade
competente deve avisar ao público o dia do leilão, com a antecipação de 10 dias. Durante este
prazo a autoridade competente é obrigada a
mostrar os terrenos aos interessados. Os terrenos vão a leilão de acordo com o preço de mercado. A venda é realizada na sede dos serviços
da autoridade competente. O funcionário inicia
o leilão no dia e hora marcados para a venda.
7. Fase da outorga do título de concessão: o terreno é entregue ao arrematante depois de estar
totalmente pago ou depositado o preço. Depois
da autoridade competente dar despacho de adjudicação do terreno é passado ao adquirente o
título de arrematação, no qual se identifique o
8. Fase da inscrição do título, a favor do concessionário, no registo predial: a autoridade competente deve trabalhar a favor do registo da venda
ou da concessão de direitos sobre terrenos, na
Conservatória do Registo Predial do lugar do terreno, as custas do arrematante. O arrematante,
também, tem legitimidade para pedir o registo.
Concluindo, a divulgação da legislação fundiária
na qual constam os direitos e deveres dos cidadãos em relação à terra reforçaria a consciência
cívica e contribuiria em grande medida para a
prevenção de conflitos fundiários.
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estórias da história
uso tradicional da terra
Um estudo de caso realizado pela ADRA - Acção para
o Desenvolvimento Rural e Ambiente, em algumas aldeias do município da Caála, na província do Huambo,
podem ajudar a ilustrar o uso tradicional da terra nesta região. Salvaguardando, a diversidade cultural dos
povos de Angola, e as consequentes diferenças nas
práticas tradicionais, o que aqui se relata em relação
a esta região tem muitos pontos comuns com o uso
tradicional da terra noutras regiões do país.
O sistema produtivo é marcado pela agricultura e pelas culturas alimentares de subsistência (milho, feijão,
batata doce , abóboras, …) e pelas culturas destinadas
ao mercado, onde têm notoriedade a batata, as hortícolas e, em alguns casos, a soja, a ervilha e o trigo. Raramente o milho é vendido, mas é utilizado como meio
de pagamento das sachas por aqueles que recrutam
mão-de-obra eventual. O feijão ganhou mais notoriedade nos últimos tempos por causa da sua importância na dieta alimentar e do preço atingido no mercado.
Naquilo a que se poderá designar por unidade de produção agrícola a terra é muito fragmentada possuindo quase todos os camponeses pelo menos quatro
tipos de lavras distintas dispostas ao longo da catena:
w Onaka, lavra de baixa, onde se procura conservar
ou drenar a humidade através do controle do lençol freático. É trabalhada normalmente a seguir às
chuvas, para permitir a cultura de hortícolas (tomate principalmente) e de batata, e também de milho
e feijão a partir de Julho ou Agosto, para que possam estar prontos para serem colhidos em Novembro ou Dezembro, quando as reservas da colheita
principal (Abril/Maio) já começam a escassear e os
preços no mercado atingem valores mais elevados;
w Ombanda, lavra instalada na bordadura da baixa,
designadamente também por horta, onde se torna
mais fácil o maneio da água e consequentemente a drenagem. Pode ser semeada com milho em
Setembro para ser colhido em Janeiro/Fevereiro,
mas a sua principal utilidade é para a cultura de
Naquilo a que se poderá designar por
unidade de produção agrícola a terra é
muito fragmentada possuindo quase todos
os camponeses pelo menos quatro tipos de
lavras distintas.
batata e hortícolas (cebola, cenoura e repolho);
w Ongongo, lavra do alto, geralmente com solos
pouco férteis e pobres em matéria orgânica. Designa-se por osende quando se trata de um campo em terras recém-desbravadas, e por epia ou
otchipembe no caso de uma lavra já em cultivo há
vários anos, e utiliza-se no primeiro caso, principalmente para batata e no segundo, para milho,
feijão, trigo, ervilha, tremoço, amendoim e repolho, dependendo os resultados da época de sementeira que deve ser cuidadosamente escolhida;
w Ocumbo, lavra de encosta ou do alto instalada
junto às residências, de grande importância actual para a segurança alimentar, onde é incorporada a matéria orgânica originada pela criação
de animais, pelos dejectos humanos e por outros
despojos da actividade doméstica. É utilizada para
culturas arvenses alimentares como milho, feijão, massambala, amendoim, gergelim, abóbora,
makunde, sempre em consociação, e para árvores
de fruto (banana, abacate, goiaba, pêra, etc.). [...]
Tendo em conta o estado avançado de degradação da
fertilidade dos solos e a necessidade de incorporação
de terrenos “descansados” (osende) para o cultivo de
batata, essencial para o rendimento económico das
famílias, a situação afigura-se muito delicada. Isso
explica, de certo modo, o florescimento do mercado
de terras na região, que faz com que aqueles que têm
mais posses procurem adquirir mais terras, o que vai
provocar a sua concentração nas mãos dos agricultores mais dinâmicos e empreendedores e o aumento da
pobreza e da vulnerabilidade da maioria da população.
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Guilherme Santos, activista
sociopolítico e presidente do
Conselho Directivo da ADRA
figura em destaque
Guilherme Santos
Hermenegildo Teotónio
Natural da Província do Huambo, Guilherme Santos, tratado por Tio Guy, em círculos mais restritos, nasceu a 06
de Outubro de 1955. Anda no activismo sócio-político
desde 1973.
A sua sensibilidade pelas questões de Direitos Humanos
e Cidadania virada para o desenvolvimento rural e social
nas comunidades começou em 1980 com a sua formação média em engenharia técnica agrária, no Liceu AgroIndustrial de Porta Alta, Constança, República da Roménia. Em 2007, concluiu o Curso Superior de Ciências de
Educação, opção de Psicologia educacional no Instituto
Superior Ciências de Educação (ISCED), no Lubango.
Fez vários cursos profissionais sobre questões de desenvolvimento, destacando o curso sobre “Género e Desenvolvimento” promovido pelo Centro de Formação de
Género & Desenvolvimento da Holanda e o curso “Sistematização enquanto Metodologia de Pesquisa e Acção”
promovido pela Universidade de Pernambuco, realizado
em Benguela. Em 1985, foi funcionário do Instituto de Investigação Agronómica, na Chianga -Huambo, e depois
chefe do Departamento de Plantas Autogâmicas, trabalhando em ensaios comparativos de trigos, triticales e
leguminosas (feijão e soja).
Guilherme Santos é membro co-fundador e, actualmente,
Presidente do Conselho Directivo da ADRA - Acção para
o Desenvolvimento Rural e Ambiente, uma organização
virada para acções de desenvolvimento rural, promoção
da agricultura familiar, segurança alimentar e nutricional, associativismo e cooperativismo, ambiente e cidadania na perspectiva dos Direitos Humanos. Integra, desde
2008, a equipa de facilitação da formação anual sobre
Desenvolvimento Comunitário para os quadros da ADRA
e parceiros.
A sua vida é marcada ainda pela forte participação associativa como membro e co-fundador de várias Associações e Centros de Pesquisa. É membro fundador da
Associação de Apoio de Albinos de Angola, participando
ainda na estrutura e definição estratégica da mesma; é
membro Fundador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento, com sede no Lubango.
As suas experiências em actividades associativas tornaram-no num consultor de questões sociais, educação formal e não formal, desenvolvimento organizacional, institucional, comunitário e dinâmicas da sociedade civil,
bem como formação, avaliação, pesquisa/estudos.
A figura em destaque é um observador atento às questões relacionadas com a realidade de Angola, facto que
se observa através de artigos de opinião no Jornal Angolense, semanário Cruzeiro do Sul e outras revistas sobre
questões de desenvolvimento rural e cidadania.
Como indicador da sua distinção nas questões relativas
ao desenvolvimento rural, social e política do nosso país,
em 2012, concedeu à revista “Africa 21” uma entrevista em torno dos 10 anos de paz que se comemoraram a
04 de Abril de 2012. Na ocasião, reportando-se ao processo de reconciliação nacional, considerou que “falta
justiça social, económica e jurídica; partilhar melhor os
rendimentos da riqueza do país; reduzir as assimetrias e
quebrar o ciclo do abandono estrutural do mundo rural;
promover mais a participação do cidadão na vida pública; melhorar o acesso à informação plural e adequada;
promover uma cultura pública assente na transparência
e melhorar a governação; cultivar o respeito pela pessoa
humana e pelo cumprimento da lei”.
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construindo
Experiências de comunidades
na legalização de terrenos
para fins agrícolas
Maria de Jesus Tavares
Na província do Huambo, os terrenos rurais não são
comunitários, são particulares, ou seja cada família
tem a sua parcela e conhece os seus limites. Todavia, para facilitar o processo de legalização e proteger as terras da comunidade, algumas comunidades
optaram por fazer uma delimitação comunitária, reduzindo assim de forma significativa os custos associados ao processo de legalização.
Apesar da protecção colectiva, constata-se a ocorrência de vários conflitos, porque aparece sempre
quem queira aproveitar-se da falta de informação
ou boa vontade dos camponeses.
Com a colaboração da ADRA - Antena Huambo, o
Mosaiko Inform visitou três aldeias - Lungongo, Kapingala e Kambembwa - do município da Caála, na
província do Huambo, e apresenta aqui a sua experiência de legalização de terrenos rurais.
COMUNIDADE DE lungongo
A comunidade do Lungongo foi fundada em 1910,
mas por causa da guerra, muitas famílias viram-se
obrigadas a abandonar as suas terras, começando
a regressar depois do fim da guerra. Actualmente,
a comunidade do Lungongo é composta por 249 famílias. Não têm um posto de saúde nem escolas. As
pessoas têm de caminhar 3 km para ir à escola (apenas para o nível básico) ou ao posto de saúde numa
comunidade vizinha. As lavras pertencentes à comunidade totalizam 765 hectares.
Na comunidade do Lungongo, o processo de delimitação aconteceu depois de os membros da comunidade estarem congregados em associação. Esta comunidade beneficia do apoio da ADRA - Acção para
o Desenvolvimento Rural e Ambiente, que tem nos
seus programas de intervenção palestras de sensibilização, alertando e orientando as pessoas para a
necessidade de legalizarem as suas terras, de modo
a evitar problemas no futuro.
A associação Epinduco, assim se chama a associação
dos camponeses da aldeia, foi legalizada em 2003
com o “objectivo de tratar da agricultura e depois
procurar mais caminhos, como encontrar a solução
para os problemas que surgem na comunidade, entre eles a questão da terra”.
Decidiram legalizar as suas terras depois de ouvirem as experiências de outras comunidades, outras
províncias que tiveram muitas dificuldades em proteger e recuperar os terrenos depois de invadidos.
Informados sobre o processo de legalização, reuniram a comunidade para, em conjunto, discutirem e
decidirem como fazer para protegerem os terrenos
da comunidade. Alguns membros da associação foram ao encontro da ADRA, solicitando apoio para o
processo de delimitação dos terrenos. Com o apoio
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construindo
Experiências de comunidades na legalização
de terrenos para fins agrícolas
da ADRA e da FAO - Organização das Nações Unidas
para Alimentação e Agricultura - que tem acordado
com o Executivo um programa nacional de delimitação e posterior concessão de títulos aos terrenos rurais - a comunidade fez uma primeira delimitação de
terrenos em 2005. Mas infelizmente a delimitação
ficou invalidada porque um dos moradores vendeu
uma parcela de terreno que fazia parte da área delimitada. Assim, em 2007, a comunidade do Lungongo
começou por fazer a segunda marcação dos terrenos
a serem legalizados.
Para o processo de delimitação fez-se o historial da
comunidade, mapas participativos, indicação dos habitantes, mapas de recursos naturais, e na presença
dos vizinhos das comunidades limítrofes, dos membros da própria comunidade, a equipa composta por
técnicos do IGCA - Instituto Geográfico e Cadastral
de Angola , da FAO, das ONG’S e das Administrações
procedem a delimitação das áreas assinaladas pelos membros da comunidade. No fim desta primeira
fase, os técnicos fazem um relatório que entregam a
todos os interessados para reconfirmação das áreas.
Só depois, é que se fez o croquis de localização, que
se entregou à comunidade beneficiária para a continuidade do processo. Este processo durou quase
duas semanas. O documento foi levado à Administração Municipal que passou um aval favorável para
o Governo Provincial que tem a competência de emitir o documento definitivo da concessão de terras.
O croquis protege toda a comunidade, a declaração
é assinada pelo soba, catequista, coordenador e vizinhos e o título da propriedade vem em nome da
comunidade.
Os custos do processo de legalização dos terrenos
rurais são por conta das comunidades interessadas.
Deve-se pagar a deslocação do técnico da sede provincial, um valor que, segundo os membros da associação, varia entre 16.000,00 Kz e 20 000,00 Kz
e também o croquis de localização que custa cerca
de 50 000,00 Kz, mais as despesas com os técnicos
durante o tempo de permanência nas comunidades.
Neste caso, não houve custos para a comunidade
porque ela beneficiou do programa da FAO.
O processo foi encaminhado ao Governo Provincial
em 2007 e a comunidade continua a espera do título
definitivo da concessão, não tendo sido informada
das razões pelas quais o título ainda não foi passado.
COMUNIDADE DE kAPINGALA
A comunidade da Kapingala tem cerca de 180 famílias. A escola - até a 4ª classe - foi construída pela
comunidade. Para continuar a estudar ou para aceder a um posto de saúde numa comunidade próxima, as pessoas têm de caminhar cerca de 5 km. Para
os casos de saúde mais complicados são obrigados a
dirigirem-se até à sede do município.
A comunidade apercebeu-se de que um senhor, vindo de fora, comprou uma parcela de terra na área
com o objectivo de construir uma loja, segundo disse. Sensibilizados pelo facto de querer poupar à população a maçada de se deslocar até à sede do município para fazer as suas compras, os habitantes da
comunidade concordaram em ceder a este senhor
uma pequena parcela para a construção da loja. Só
que ele foi alargando os seus interesses, pois encontrou algumas famílias que aceitaram dinheiro pela
cedência das suas terras.
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construindo
Experiências de comunidades na legalização
de terrenos para fins agrícolas
A comunidade ficou preocupada e foi-se interrogando sobre as reais intenções do senhor, receando que
ele afinal quisesse apoderar-se dos terrenos da comunidade.
Decidiram então proteger as suas terras para evitar o
pior. Delegaram alguém para se deslocar a Direcção
da Agricultura na cidade do Huambo e pedir esclarecimentos sobre o processo de legalização. Chegado
ao local, o enviado expôs a sua preocupação e espantado verificou que o técnico que o atendera estava a
trabalhar num mapa de localização que correspondia
exactamente a área que pertencia a sua comunidade. Procurou saber o porquê da marcação e anexação
que estava a ser feita no papel, e explicou que se tinha dirigido até aí para tratar da legalização daquela
área, porque esta pertencia à sua comunidade. Depois de alguma discussão, segundo conta o soba da
aldeia, o técnico recebeu o bilhete de identidade do
enviado e sugeriu que os habitantes da comunidade
se deslocassem à Administração para provar que, de
facto, eram os donos verdadeiros dos terrenos em
causa e não o senhor que já tinha solicitado a delimitação da área. Na manhã seguinte os habitantes da
comunidade afectada e da outra comunidade vizinha
dirigiram-se à Administração para resolver o conflito.
Uma vez provado que eram os donos dos terrenos,
o técnico do IGCA rasgou, na presença de todos, o
mapa de localização solicitado pelo senhor que se
queria apoderar das terras, e orientou os membros
da comunidade que já tinham recebido dinheiro pela
venda dos terrenos a devolver o dinheiro, e a fazerem eles próprios o seu mapa de localização para legalizar os terrenos.
A comunidade reuniu-se uma vez mais, para decidir
como pagar os custos da legalização. Foi estipulado
um valor entre 500,00 kz e 4.000,00 kz por família
dependendo da dimensão dos terrenos e da capacidade financeira de cada uma. Beneficiando do apoio
da ADRA solicitaram um técnico da FAO para fazer
o mapa o que não acarretou custos, mas as taxas
do IGCA, no valor de 140.000,00 kz, tiveram de ser
pagas pela comunidade. A delimitação foi feita em
2005, o processo de legalização seguiu para o Governo Provincial em 2006 e até hoje a comunidade
continua à espera do título. Neste caso, pelo facto
do total da junção de parcelas ultrapassar os mil
hectares, o processo teve de seguir para o Ministério
da Agricultura que tem o dever de passar o título. A
comunidade não foi informada, porque é que tendo
cumprido os requisitos da Lei, os títulos continuam
sem lhes ser entregue.
EXPERIÊNCIA DA KAMBEMBWA
A comunidade da Kambembwa é composta por 150
famílias com um total de 620 pessoas. As lavras desta comunidade têm uma extensão de 840 hectares e
encontram-se situadas no vale do Calai. A comunidade construiu uma escola de 2 salas, cujo ensino vai
até a 4ª classe. Para continuarem a estudar ou ir a
um posto de saúde, os habitantes têm de se deslocar
para a comunidade vizinha que se encontra a 3 km.
”Não conhecíamos o Bambi, só conhecíamos o Administrador Municipal e o vice-Administrador. Apareceram na comunidade solicitando os alicerces iniciais feitos pelo colono, onde o colono tinha a loja
porque queriam construir uma loja. Depois reclamaram terras para o cultivo, quando se aperceberam que o terreno era seco, arranjaram formas de
canalizar a água para os seus terrenos”. Foi assim
que o Soma da Kambembwa, começou a contar as
dificuldades que vivem. Vendo o que se passava, os
moradores ficaram inquietos, porque não satisfeitos
com o que tinham, os senhores começaram a fazer
a lavoura na comunidade vizinha. Desinformada, a
comunidade não soube como reagir. Então a invasão
continuou, destruindo lavras e não respeitando as
culturas que lá estavam. Um dos camponeses afectados decidiu reclamar e foi agredido pelo trabalhador do suposto dono do terreno. Levou uma golpe
de catana que foi suturado com oito pontos. Segundo o camponês agredido, depois de ser tratado no
hospital foi fazer queixa à Polícia, mas o senhor que
o agrediu não respondeu a notificação. Até aquele momento os habitantes da comunidade achavam
que os terrenos eram do Administrador Municipal,
só depois desse problema se aperceberam que afinal era outra pessoa quem estava por trás, um coronel tinha comprado os terrenos.
13
construindo
Experiências de comunidades na legalização
de terrenos para fins agrícolas
Sentindo-se atacados e injustiçados, decidiram fazer justiça por mãos próprias. Derrubaram as obras
feitas pelo coronel, e foram a Administração Municipal onde foram confrontados com o facto de terem
destruído a construção que estava feita. Indignados,
questionaram sobre quem tinha mais valor, se era a
pessoa humana ou os escombros, porque afinal de
contas um camponês tinha sido ferido e o Administrador estava mais preocupado com os escombros.
O Administrador, depois de informado, decidiu averiguar o que tinha acabado de ouvir. Então dirigiramse todos a casa do coronel para esclarecer o que se
tinha passado. Depois de muito tempo de conversa
entre ambos, o Administrador saiu e disse que as
confusões por causa dos terrenos tinham acabado e
que os camponeses podiam retomar as suas lavras,
mas que, entretanto, estavam proibidos de falar mal
do coronel. Ao que responderam “se ele não voltar
nos nossos terrenos, não vamos falar dele”.
Segundo o Soma, cerca de um ano depois “apareceu
o senhor que tinha sido ferido com catana a dizer
que o tractor estava a arrancar o repolho da lavra
dele”, eram dois hectares de couve e uma lavra de
milho. O Soma disse que não sabia o que fazer, o que
tinham feito antes não podiam voltar a fazer, era
preciso fazer outra coisa. Então o camponês afectado decide ir discutir com o coronel que, por sua vez,
liga para o município a dizer que tinha sido agredido,
de imediato aparece a Polícia que deteve o camponês. Alguns membros da comunidade dirigiram-se à
Polícia levando como prova da barbaridade as plantas que tinham sido arrancadas. Confrontaram a Polícia, questionando a atitude dos trabalhadores do
coronel. A Polícia concordou em que não era correcto o que tinha acontecido, mas o caso tinha de ser
resolvido no Tribunal,. Assim, o caso foi dirigido ao
Tribunal Municipal da Caála que deu razão ao lavrador e à comunidade. Com a decisão judicial, ficaram
mais tranquilos, achando que o caso tinha terminado por aí.
Só que infelizmente algum tempo depois ouviram
dizer que o coronel tinha ido fazer queixa no Tribunal Provincial do Huambo, de que um camponês lhe
tinha arrancado 1 000 pés de laranja, 1 000 pés de
limão. Plantas que segundo testemunham os camponeses nunca existiram. O dono da lavra foi novamente notificado, os Somas da aldeia acompanharam-no ao Tribunal para saber o porquê de ter sido
notificado, uma vez que o Tribunal Municipal lhe tinha dado a razão.
Sem que a comunidade consiga perceber porquê, o
camponês foi preso durante 45 dias e condenado a
pagar uma multa de 11 milhões de kwanzas, o que
está muito para além das possibilidades económicas
do pobre camponês.
14
entrevista
Txaran Basterretxea
engenheiro agrónomo
Maria de Jesus Tavares
Txaran Basterretxea, engenheiro agrónomo
espanhol, com especialização em meio
ambiente, desde o início orientou a sua
carreira profissional ao desenvolvimento
rural em paises em desenvolvimento.
Com uma vasta experiência laboral na
área de pesquisa agronómica, é consultor
internacional da FAO - Organização
das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura em Angola há 3 anos.
Neste espaço de entrevista partilha com os
leitores do Mosaiko Inform a experiência da
FAO na legalização de terrenos rurais nas
províncias do Huambo e do Bié.
A terra hoje é tida como um dos principais factores
de desenvolvimento de um país e desempenha um
papel crucial no combate à pobreza, principalmente
nas áreas rurais. Em Angola, como é que está a ser
garantida, na prática, a posse da terra que é usada
pelos membros das comunidades rurais?
Angola possui um marco legal (Lei de Terras - Lei
9/04 e o seu Regulamento) onde estão indicados
os diferentes direitos fundiários que o Estado pode
transmitir ou constituir sobre os terrenos concedíveis. Especificamente para as comunidades rurais,
é através do direito útil consuetudinário pelo qual o
Estado reconhece os seus direitos fundiários, baseados no uso, nos costumes e na tradição. A realidade é que o nível de implementação da Lei de Terras
no que se refere ao direito útil consuetudinário não
está ainda normalizado e o nível de implementação
15
entrevista
Txaran Basterretxea
é muito baixo. Na prática, as comunidades rurais
fazem uso das terras baseando-se num uso costumeiro, mas são muito poucas as que tem legalizado
este uso. A legalização de terras comunitárias é a
melhor forma de prevenir futuros conflitos de terras e constitui uma base fundamental para o desenvolvimento da agricultura familiar e portanto para a
Segurança Alimentar de Angola.
A FAO está a implementar um projecto que visa a
legalização das terras dos camponeses e das comunidades rurais. Concretamente, em que consiste
este Projecto?
Mais que de um projecto podemos falar de um
programa, já que são mais de doze anos que a FAO
está a dar apoio técnico e metodológico ao Executivo Angolano em questões fundiárias. Iniciou-se
apoiando os processos participativos e jurídicos
para a aprovação da actual Lei de Terras e seguidamente apoiou-se a implementação da Lei através
de diferentes projectos, financiados por diferentes
doadores, mas sempre seguindo uma linha estratégica coerente.
Actualmente, o programa Terra está a ser implementado através de um projecto financiado pela
Cooperação Espanhola que visa apoiar as instituições públicas encarregadas da gestão e administração de terras. Além do apoio para avançar nos
processos de legalização de terras comunitárias, o
projecto tem trabalhado em processos de gestão
participativa e negociada de recursos naturais com
enfoque territorial e na caracterização e valorização da agricultura familiar.
Agrário, o IGCA - Instituto de Geodesia e Cadastro
de Angola e, a nível municipal, pelos próprios técnicos das Administrações Municipais e as EDA - Estações de Desenvolvimento Agrário. A FAO trabalha
directamente com as instituições públicas, que são
ao mesmo tempo executoras e beneficiárias. Deste
modo, podemos garantir a apropriação dos resultados do projecto. Além disso, temos, por exemplo,
na província do Bié um comité de pilotagem, onde
participam os chefes e diretores das instituições
parceiras, governo provincial e autoridades tradicionais, que serve para planificar actividades e
semestralmente avaliar o nível de desempenho do
projecto.
A legalização de terras comunitárias
é a melhor forma de prevenir futuros
conflitos de terras e constitui uma base
fundamental para o desenvolvimento
da agricultura familiar e, portanto,
para a Segurança Alimentar de
Angola.
Também trabalhamos junto dos IMA - Institutos Médios Agrários e FCA - Faculdade de Ciências Agrárias
do Huambo com um bom nível de apropriação das
actividades realizadas.
Qual é o nível de envolvimento do Estado angolano?
O projecto actual está a ser desenvolvido a nível
provincial e municipal no Huambo e Bié e a nível
central junto do Ministério da Agricultura e o Ministério de Urbanismo e Habitação.
Falando em termos gerais, o nível de envolvimento
é bom, mas temos que ter em conta que a questão
fundiária é um tema muito sensível, onde há muitos
interesses, pelo que não convém correr para ter resultados visíveis. A importância de todas as actividades do projecto está no processo de criar as capacidades, ter metodologias claras, únicas, rigorosas e
objetivas e o Estado angolano está nesse caminho.
Quais as organizações ou instituições parceiras do
projecto e qual o seu nível de intervenção?
Qual é o papel das Autoridades Tradicionais no
Projecto?
A nível provincial o projecto é implementado pelos
próprios parceiros, isto é, a Direcção Provincial da
Agricultura, o IDA - Instituto de Desenvolvimento
As Autoridades Tradicionais são elementos-chave
na administração da terra ao nível
local. Por isso, com eles é importante a
Quais são as áreas de implementação do Projecto?
16
entrevista
Txaran Basterretxea
sensibilização, que conheçam a Lei de Terras e as
diferentes formas de acesso e que saibam que a
terra das comunidades rurais não se vende.
A implementação do Projecto começava por um estudo de base da situação. Onde e quando foi feito
esse estudo?
Qual é o nível de envolvimento dos beneficiários
neste projecto?
Este estudo foi feito a todos os níveis de implementação do projecto, nas comunidades rurais do
Huambo e Bié e junto das instituições parceiras
(e beneficiárias) ao nível municipal, provincial e
central. O estudo contém muita informação sobre a
questão fundiária e serviu para ajustar a estratégia
e as atividades do projecto. Este estudo e outros
documentos do projecto estão disponíveis em:
http://www.fao.org/nr/land/projects-programmes/terra/en/
No caso das legalizações de terras, as comunidades
sabem muito bem os benefícios da legalização das
suas terras comunitárias. Ao nível institucional o
envolvimento também é positivo, tendo em conta
que muitas instituições sofrem carências importantes ao nível de meios. Mesmo assim, os técnicos
participam e pode-se ver a satisfação de muitos
deles quando o trabalho é desenvolvido de maneira
positiva.
Como é que seleccionam as comunidades rurais
integradas neste Projecto?
Ainda falando das legalizações, é a própria comunidade que tem que manifestar o interesse. Primeiramente são realizadas divulgações da lei de terras
e as comunidades que manifestam interesse e que
cumprem com os requisitos podem solicitar a sua
legalização. Diversas experiências em outros países têm demonstrado que as legalizações massivas
de comunidades não atingem os objetivos (que são
a segurança fundiária e a valorização dos recurso
da comunidade).
Quais as principais conclusões desse estudo de
base?
Neste estudo foi possível constatar que no Huambo
e no Bié o contexto fundiário é diferente, já que
no Huambo existe uma maior pressão fundiária
que no Bié, por isso no Huambo decidiu-se trabalhar com mais força as metodologias de gestão de
recursos naturais e no Bié o acesso e legalização de
terras. Também em ambas províncias constatou-se
a necessidade de continuar com a divulgação da Lei
de Terras. Outro aspecto importante constatado é a
situação de vulnerabilidade da mulher em relação a
este tipo de questões.
17
entrevista
Txaran Basterretxea
Actualmente, em que fase se encontra a implementação do Projecto?
Estamos na fase final do projecto já que o fim do
mesmo está previsto para Dezembro deste ano,
mas, pela experiência destes últimos anos, o Executivo angolano deve continuar a reforçar as suas
instituições de administração e gestão de terras
e a FAO continua a manter-se sensibilizada para
prestar o apoio técnico e metodológico para este
fim.
Quais os resultados mais significativos alcançados
até ao momento?
Os resultados são muitos e a diferentes níveis: diversas formações dirigidas a técnicos em realização
de croquis, caracterização da agricultura familiar,
metodologias de gestão participativa de recursos
naturais, formação de divulgadores da Lei de Terras
e sobre a metodologia de delimitação participativa de terras. Além disso, no Bié, foram criadas as
condições para a delimitação de terras comunitárias, temos apoiado os Institutos Médios Agráris, a
Faculdade de Ciências Agrárias, vários workshops
e seminários de alto nível em questões fundiárias
e Agricultura Familiar, temos apoiado na planificação de diferentes instituições, formado técnicos
de ONG’s e OSC - Organizações da Sociedade Civil,
muita sensibilização nas comunidades, etc.
Quais as principais dificuldades encontradas na
implementação deste Projecto?
Este tipo de projectos não é daqueles cujos resultados são muito visíveis já que, como indiquei antes,
baseiam-se mais no processo e isto, às vezes,
desmotiva um bocado os técnicos que são implementadores e beneficiários ao mesmo tempo. Por
outro lado, a questão da terra é muito delicada e
sensível, por isso os passos devem ser lentos mas
certos, com muita informação, sensibilização e conhecimento por parte de todos. Isto faz com que a
implementação seja um bocado mais pesada, mais
também faz que os passos dados sejam certos.
Como tentaram superar as dificuldades encontradas?
Ao nível das províncias e municípios é
importante [...] valorizar a Agricultura
Familiar já que, como indiquei, é através
desta que Angola pode garantir não só
a sua Segurança Alimentar de uma
forma sustentável, mas também um
desenvolvimento económico equilibrado
e sustentável baseado em milhões de
famílias camponesas...
Com muita informação a todos os parceiros, muita
participação em todas as decisões e, sobretudo,
muita ênfase nos benefícios do trabalho feito para
os beneficiários.
Em sua opinião, qual deveria ser a acção de cada
actor social – entidades do Estado, autoridades
tradicionais, organizações da sociedade civil, cidadãos,… - para que o uso da terra se torne cada vez
mais um factor de inclusão e de desenvolvimento
sustentável de Angola?
A questão da terra é multissectorial. Como já foi
mencionado, são diversos os níveis que a envolvem,
desde as comunidades lideradas pelas suas autoridades tradicionais até aos próprios ministérios
responsáveis pela emissão de diretrizes para a implementação efectiva da lei, através de programas
(como o programa Terra) e projectos. Ao nível das
províncias e municípios é importante continuar rigorosamente com a implementação destes programas,
valorizar a Agricultura Familiar já que, como indiquei, é através desta que Angola pode garantir não
só a sua Segurança Alimentar de uma forma sustentável, mas também um desenvolvimento económico equilibrado e sustentável baseado em milhões
de famílias camponesas gerando economia. Cada
um de nós tem o seu papel. Se queremos construir
uma Angola melhor, com um desenvolvimento mais
equitativo e sustentável temos que estar cientes da
importância da terra e da Agricultura Familiar para
o desenvolvimento das comunidades
rurais e de Angola no seu conjunto.
18
reflectindo
Constrangimentos no
processo de legalização
de terrenos para fins
agrícolas
Barros Manuel
Com o fim da guerra civil, em 2002, houve em Angola o retorno e o reenquadramento de milhares
de deslocados internos nas suas terras de origem.
Constatou-se também uma batalha por terrenos,
entre grandes entidades comerciais nacionais e
estrangeiras e camponeses locais.
Em 2004, foi aprovada uma nova Lei de Terras (LT)
e em 2007 o Regulamento Geral de Concessão de
Terrenos (RGCT) especificando os procedimentos
para formalizar a posse de terrenos.
Nos termos do n.º 1, do artigo 215º do RGCT a mitigação dos conflitos de terrenos passa em parte por
«as pessoas singulares ou colectivas que ocupem,
sem qualquer título, terrenos do Estado ou das autarquias locais, devem, no prazo de três anos a contar da data da publicação do presente regulamento, requerer a concessão dos terrenos que ocupem
ilegalmente». Apesar dessa moratória, os conflitos
de terrenos prevalecem à escala nacional. Por outro
lado, para aquisição do título de propriedade de um
terreno, a legislação fundiária coloca certos constrangimentos no processo de legalização, que são:
w O primeiro constrangimento está relacionado
com o tema dos prazos definidos em 2007 pelo
RGCT. Naquela época, com a consequência dos
efeitos da guerra, muitas instituições formais e
informais encontravam-se em fase de restruturação, consolidação institucional, administrativa, funcional e, portanto, menos capazes para
dar resposta às solicitações. Logo, o prazo de
três anos, em muitas localidades, foi curto para
cumprir com todo o processo de legalização. Um
outro factor associado a esse constrangimento
tem a ver com o elevado número de cidadãos
que ocupam terrenos sem título, talvez pelo fra-
co nível de envolvimento das instituições do Estado e da Sociedade Civil no processo de divulgação e sensibilização sobre a necessidade de,
naquela altura, formalizarem, no prazo definido
pelo RGCT, os terrenos ocupados ilegalmente.
w O segundo constrangimento prende-se com a
competência para as concessões de terrenos.
A secção III da LT define quem são as autoridades competentes para conceder terrenos. A
nível municipal, a competência para conceder
terrenos é da administração municipal que nem
sempre tem capacidade para responder as solicitações para legalização de terrenos. Essa incapacidade contribui para que o processo seja
moroso. A morosidade, em certos casos, leva a
que o cidadão deixe de acreditar nas instituições competentes e recorra para aquelas que,
nos termos da lei, não têm competência para
conceder terrenos. Por exemplo, os Sobas e
Sekulos. Diante dessa limitação, a desconcentração de certos serviços e competências pode
ajudar a responder em tempo útil às solicitações dos requerentes.
w O terceiro constrangimento está ligado a questão dos limites das áreas dos terrenos rurais a
conceder. Nos termos do n.º 1, do artigo 42º do
A morosidade em certos casos leva a
que o cidadão deixe de acreditar nas
instituições competentes e recorra para
aquelas que, nos termos da lei, não têm
competência para conceder terrenos. Por
exemplo, os Sobas e Sekulos.
19
reflectindo
Constrangimentos no processo
de legalização de terrenos para
fins agrícolas
RGCT «a área dos terrenos rurais que qualquer
pessoa singular ou colectiva pode ter por contrato de concessão não pode ser inferior a dois
hectares nem superior a 10 000 hectares». Em
Angola, grande maioria dos camponeses e comunidades locais pratica uma agricultura de
subsistência familiar. Eles são detentores de lavras de pequena dimensão. Muitos camponeses
não têm capacidade financeira para celebrar
um contrato dessa dimensão. Mesmo aqueles
que eventualmente tenham possibilidades de
adquirir o terreno nessas dimensões, o seu tipo
de agricultura não permite dar ao terreno um
aproveitamento útil e efectivo, correndo o risco
de perdê-lo. Essa exigência legal constitui um
constrangimento porque pode limitar o acesso
dos camponeses locais aos terrenos para o cultivo.
w O quarto constrangimento tem a ver com o pagamento do preço ou prestação de caução. À luz
do n.º 3, do art. 144.º do RGCT «o requerente
deve efectuar o pagamento do preço no prazo
de cinco dias a contar da data da publicação do
despacho, (…) da autoridade concedente (…)».
A partir daqui pode-se inferir que o pagamento
da prestação deve ser feito num banco indicado
pela autoridade competente. O constrangimento coloca-se para os cidadãos que vivem em localidades onde ainda não existem dependências
bancárias. Eles são obrigados a percorrer longas distâncias até aos municípios que tenham
dependências bancárias. Essa situação exige a
realização de despesas ligadas ao transporte,
alimentação, acomodação, ausência no local
de serviço, etc. Todas essas exigências associadas a necessidade de cumprir o prazo, que já é
curto, desencoraja os cidadãos a legalizarem os
terrenos.
w O quinto e último constrangimento está relacionado com o tempo de duração do processo de legalização de terreno. A legislação fundiária para
certas fases define prazos ao passo que noutras
fases não define. Por exemplo, quanto tempo
dura o processo da fase de apresentação do requerimento a fase de demarcação provisória?
Portanto, quanto menos claro estiver definido
o horizonte temporal mínimo para a legalização
de um terreno, e tudo depender da capacidade
de resposta da administração municipal, menos
motivado estará o cidadão para começar o processo de legalização do
terreno.
20
breves
Mosaiko participa em
Curso de Formação
sobre Direitos Humanos
na Noruega
O Mosaiko foi convidado a participar numa formação sobre Direitos Humanos que decorreu de 26 de
Agosto a 13 de Setembro no Reino da Noruega.
A formação que se inscreve no âmbito da parceria
entre o Estado angolano e o Reino da Noruega no
domínio dos Direitos Humanos teve uma componente teórica e legal, complementada com visitas
de campo a instituições ligadas à promoção e defesa dos Direitos Humanos na Noruega.
Contou com a participação de funcionários de alguns ministérios e instituições estatais como o ministério da Justiça e Direitos Humanos, do Ensino
Superior, ministério da Família e Promoção da Mulher, Provedoria de Justiça e Ordem dos Advogados
de Angola, da Sociedade Civil esteve presente o
Conselho de Coordenação dos Direitos Humanos.
Em representação do Mosaiko, esteve o frei Júlio
Candeeiro, Director geral da Instituição.
Mosaiko Facilita
seminário sobre Direitos
Humanos e Cidadania na
Jamba Mineira
À convite do Subnúcleo de Direitos Humanos da
Jamba- Huíla, o Mosaiko | Instituto para a Cidadania orientou um seminário sobre “Direitos Humanos e Cidadania”, que decorreu de 12 a 17 de
Agosto de 2013, nas instalações da Administração
Municipal da Jamba Mineira.
Com o objectivo “contribuir para uma cultura de
Direitos Humanos nos estudantes finalistas do
Ensino Médio do município da Jamba”, fizeramse presentes na actividade 190 homens e 58 mulheres. Os 248 participantes foram divididos em
oito grupos de 40 participantes por sessão, entre
os quais estudantes, professores, representantes
da Polícia Nacional, Forças Armadas Angolanas e
Bombeiros.
“Os Fundamentos dos Direitos Humanos” e os
“Fundamentos da Educação para os Direitos Humanos” foram os temas abordados à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Como facilitador do referido seminário esteve o jurista Barros Manuel.
Construindo
Cidadania
Rádio Ecclesia | 97.5 FM
Sábado às 08H30 e Domingos às 22H00
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PRocEsso dE lEgalização dE tERREnos PaRa Fins