PARECER TÉCNICO
Atendendo à solicitação da Procuradora de Justiça Coordenadora do Núcleo de
Apoio à Vítima de Estupro (NAVES), Dra. Rosângela Gaspari, eu, Erica A. C. M. Eiglmeier,
psicóloga, venho apresentar um parecer técnico a respeito da sintomatologia e das
consequências psíquicas de um quadro de Transtorno de Estresse Pós Traumático.
Este documento pretende esclarecer aos Promotores de Justiça, e demais
integrantes desta instituição, os sintomas associados à possível existência de uma
psicopatologia, além das consequências que esta trará ao cotidiano da vítima de estupro.
Ressalta-se que o estudo não subsidiará um psicodiagnóstico, pois este só é de competência
dos profissionais da saúde, limitando-se a auxiliar os agentes da justiça para que, no uso de
suas atribuições, possam aplicar os preceitos descritos no Código Penal Brasileiro a respeito
da valoração das consequências do crime.
A vítima de estupro configura-se como sujeito de risco no que concerne ao
desenvolvimento de diversos quadros de alteração psicológica, dentre os quais, o mais comum
é o Transtorno de Estresse Pós Traumático (TEPT), que atinge entre 20% e 70% das mulheres
(BORGES e DELLAGLIO, 2009, p. 89). Diante desses números, entende-se que é
fundamental investigar a presença dos elementos caraterizadores do TEPT, que se estabelece
em função da exposição da vítima a um “Estressor Extremo”, ou seja, a um estímulo que
colocou em risco sua vida ou integridade física, o que invariavelmente acontece em casos de
crime de estupro.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais
(DSM) o quadro é considerado mais grave quando a ameaça/agressão é promovida por outro
ser humano e não derivada de uma catástrofe natural, por exemplo, “O transtorno pode ser
especialmente severo ou duradouro quando o estressor é de origem humana (por ex., tortura,
estupro).” (DSM-IV tr, 4º Ed.p.132).
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Rua Tibagi, 779, Gabinete 803, Centro, Curitiba – PR, telefone 3250-4022.
Deste modo, importa investigar se a vítima de estupro apresenta as seguintes
classes de comportamentos:
a) Revive o evento traumático diversas vezes por meio de: Pesadelos;
Pensamentos intrusivos e persistentes, popularmente conhecidos pelas expressões
“Fica voltando a minha cabeça” ou “Não consigo tirar isso do meu pensamento”;
Reações fisiológicas, como aumento da sudorese, tonturas e alucinações: quando se
percebe diante de um estímulo que remeta a situação de violência, normalmente esses
sintomas são relatados por expressões como “Não posso nem ver uma moto que
minhas pernas já ficam moles” ou “Foi só eu chegar perto de um terreno baldio que já
comecei a suar frio”; Sinais de sofrimento psicológico, como choro compulsivo ou
embotamento afetivo diante de estímulos que anteriormente eram neutros, mas que
uma vez associados à situação de violência adquirem o mesmo caráter aversivo desta.
(SIDMAN, 2011, p.97)
b) Necessidade permanente de evitar qualquer estímulo vinculado à
situação de violência, esquivando-se de assuntos, pensamentos e sentimentos,
normalmente expressados por frases como “Eu não aguento mais sentir essa dor”, “Eu
não quero mais falar sobre isso, mas todos ficam me perguntando se eu estou melhor”;
c) Sensação de anestesia emocional, explicitada por: Reclusão de
atividades
sociais
antes
desenvolvidas;
Incapacidade
de
demonstrar
afeto,
normalmente verbalizada por expressões como “Eu sei que meu marido não tem culpa,
mas não consigo nem olhar mais para ele”; Desesperança na vida futura e sensação de
um futuro encurtado, normalmente indicadas por verbalizações como “Eu estou
acabada, nunca mais vou conseguir”, podendo ser acompanhada de tentativas ou de
ideação suicida.
d) Aumento da excitabilidade, indicado por: Dificuldade de dormir ou
manter o sono; Irritabilidade ausente antes do trauma; Preocupação exacerbada com
estímulos aparentemente inofensivos; Vigilância excessiva, cunhada com frases como
“Agora eu estou prevenida, agora ninguém me pega mais”.
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Para que se constate a instalação de uma patologia é preciso que alguns dos
comportamentos descritos permaneçam por no mínimo um mês. Contudo, independentemente
de um diagnóstico formal, percebe-se que uma pessoa inserida no quadro descrito está em
franco sofrimento psicológico e conviverá com as consequências da violência sofrida por um
período de tempo considerável, talvez para toda a sua vida.
Em resumo, os comportamentos instalados após a situação de violência podem ser
agrupados em três grandes categorias: reminiscência da situação traumática, esquiva ou
embotamento afetivo e hiperestimulação do sistema cognitivo.
Ainda, frise-se que é importante que a vítima seja inquirida com a linguagem mais
informal e acolhedora que a situação possibilitar, pois pesquisas apontam para uma
diminuição significativa da função cognitiva memória, uma vez que: “Em mulheres vítimas de
ASI e com TEPT, pesquisas indicaram a presença de déficits na memória verbal declarativa e
sugeriram que estes prejuízos podem estar associados à redução do volume do hipocampo,
bem
como
a
alterações
no
sistema
hipocampo/córtex
pré-frontal.”
(BORGES,
e DELLAGLIO, p. 102).
Além de todas as consequências já expostas, é preciso atentar para o fato de que a
maioria das vítimas não consegue superar os sintomas do TEPT sem tratamento especializado,
seja esse psicoterápico, medicamentoso ou a combinação de ambos.
Os tratamentos psicoterapêuticos geralmente se utilizam de técnicas como a
Dessensibilização Sistemática, o Treino de Inoculação de Estresse, o Treino de Habilidades
Sociais (KNAPP e CAMINHA, 2003. p.32) ou, como recomenda Vicente Caballo, através da
técnica de Biofeedback e a Inoculação do Stress (CABALLO, 2001, p. 53).
A aplicação psicoterápica dessas técnicas exigem no mínimo 12 encontros entre
paciente e psicólogo, razão pela qual se agregam mais custos à vítima, quais sejam, as despesa
financeiras, a dispensa de tempo para comparecer às consultas, os efeitos colaterais de
possíveis medicações, entre outros.
Após esta breve descrição sobre o quadro de TEPT, sua especial conexão com o
crime de estupro e as consequências que este gera na vítima, conclui-se que é providencial
que a psicologia subsidie operador do direito na coleta de provas e elaboração de suas
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convicções a respeito da gravidade e das consequências da ofensa impingida à vítima e à
sociedade.
Curitiba, 12 de março de 2014.
Erica Angelina Cardoso Mendes Eiglmeier
Psicóloga CRP 08/15479.
Referências Bibliográficas
American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorders-Fourth Edition, Text Revision. Washington, DC: APA 2000. 4a. ed.(Tradução no
Brasil: Artmed; 2003)
CABALLO, Vicente. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São
Paulo: Santos Editora, 2011.
BORGES, Jeane Lessinger; DELLAGLIO, Débora Dalbosco. Funções cognitivas e
Transtorno de Estresse Pós-Traumático(TEPT) em meninas vítimas de abuso
sexual.Aletheia,
Canoas
,
n.
29, jun.
2009
.
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SIDMAN, Murray. Coerção e suas Implicações. São Paulo: Editora Livro Pleno, 1ª. ed 2011.
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