______________________________________________________________Processo de Criação de Produtos: Uma Proposta Didática
PROCESSO DE CRIAÇÃO DE PRODUTOS:
UMA PROPOSTA DIDÁTICA
1
Sandro Valença1
Lívia Valença2
Resumo – O artigo apresenta um processo de criação de produtos proposto pelos autores.
O público-alvo é estudantes e professores de graduações que lidem com disciplinas que
necessitem desenvolver a criatividade em geral, mas, principalmente, a criatividade para criar
produtos. O artigo explica detalhadamente o processo, ilustrando-o com um caso real de
aplicação: a criação de um produto por um grupo de três estudantes, sob a orientação de
professores, em sala de aula.
Palavras-chave: Criatividade; produto; processo.
Abstract – The paper presents a process of creation of products proposed for the authors.
The public-target are students and professors of graduations that deal with subjects which
require from them the development of the creativity in general, but, mainly, the creativity to
create products. The paper explains in detail the process, illustrating it with a real case of
application: the creation of a product by a group of three students, under the orientation of
professors, in classroom.
Key-words: Creativity; product; process.
Doutorando em Recursos Hídricos e Tecnologia Ambiental – PPGEC da Universidade Federal de Pernambuco –
UFPE. E-mail: [email protected]
2
Especialista em Design da Informação – Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. E-mail:
[email protected]
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Diálogos & Ciência –- Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana. Ano II, n. 4, jun.
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1 Introdução
Um dos maiores desafios àqueles que se dedicam ao ensino da administração e
ciências afins é ajudar a desenvolver a capacidade criativa dos estudantes, em particular a
capacidade para criar produtos (bens e serviços). Neste artigo, produto é definido, de forma
restrita, como bens e serviços, por conta de se tratar de um processo de desenvolvimento de
produtos orientado por professores para estudantes iniciantes. Para tais estudantes, quanto
mais simples forem as definições, melhor. Entretanto, observa-se que, de forma ampla,
produto pode também englobar lugares, organizações, idéias e até mesmo pessoas
(MOWEN, 2003).
Alguns estudantes carregam consigo preconceitos contra a própria criatividade,
julgando-se incapazes; outros, vêem-se como fontes inesgotáveis de novas idéias, no entanto
pecando pelo excesso. Cada grupo posiciona-se no extremo oposto de um continuum da
capacidade criativa. O papel do professor é, então, conduzir os estudantes para próximo de
um ponto de equilíbrio.
Aqui se tem como pressuposto que toda pessoa é criativa e original, simplesmente
por ser única (BONO, 2003; ALENCAR, 2000; CLEGG; BIRCH, 2000). Mas também, por
outro lado, que as pessoas não devem gerar idéias novas a todo instante sem pô-las em
prática, sem inovar. Como bem prega Levitt (1962), a criatividade tem que andar
acompanhada pela inovação, e a inovação é a atribuição prática dada à idéia.
Assim, será proposto a seguir um processo didático de criação de produtos, que
vem sendo experimentado e aperfeiçoado pelos autores deste artigo desde 1998, quando
lecionam disciplinas de introdução à administração para estudantes dos cursos de ciências
administrativas, contábeis e econômicas em universidades e faculdades de Pernambuco e da
Paraíba.
Para melhor entendimento do leitor, no final do texto será apresentado, passo a
passo, um exemplo de produto criado a partir da utilização deste processo criativo.
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2 Processo de Criação de Produtos
O processo de criação de produtos proposto se subdivide em dois estágios:
1. Procura de oportunidades através da abordagem racional de solução de
problemas: definição de um problema; busca de uma solução; e
transformação da solução em produto.
2. Planejamento de marketing para a solução: segmentação de mercado; e
análise dos pês (produto, ponto-de-venda, promoção e preço).
2.1 Procura de Oportunidades através da Abordagem Racional de Solução de
Problemas
Certamente, um produto de sucesso é aquele que satisfaz necessidades e desejos.
E, em geral, uma forma fácil de satisfazer uma necessidade ou desejo se dá pela solução de
um problema.
Partindo dessas premissas, quem se propõe a criar um produto deve procurar
oportunidades na forma de demandas insatisfeitas para tentar eliminá-las. Em outras
palavras, deve procurar problemas e tentar solucioná-los. Se conseguir solucionar um, é
possível que tenha em mãos um produto pronto para ser analisado consistentemente.
O exercício de criação do produto exige, naturalmente, um professor para
orientar grupos de três a cinco estudantes. Inicia-se inspirado na abordagem racional para
solução de problemas, exposta, por exemplo, por Hampton (1992), que consiste em: a)
Definir o problema; b) Obter todos os fatos relacionados ao problema; c) Formular
alternativas; e d) Selecionar a alternativa de solução.
a) Definir o problema
Das etapas da abordagem racional de solução de problemas, indubitavelmente a
mais difícil é definir o problema. Para ilustrar tal dificuldade, alguns experts afirmam que
metade da solução de um problema é sua definição. Afirmam ainda que, por definição, todo
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problema tem solução. Portanto, o que não tem solução, não é problema. A sabedoria
popular arbitra que "o que não tem remédio, remediado está".
Posto isso, cada grupo de estudantes deve iniciar seu processo de criação de
produtos procurando problemas.
Aparentemente, arranjar problemas é algo fácil. Porém, só aparentemente, pois a
maioria das pessoas costuma confundir os efeitos dos problemas com suas causas.
Onde, então, os estudantes podem procurar problemas para este exercício? Os
melhores problemas geralmente estão bem próximos de quem os procura. Os problemas
podem ser encontrados no dia-a-dia, dentro de casa, na escola, no trabalho, na roda de
amigos, etc. São coisas comuns, corriqueiras. Um olhar perspicaz decerto os encontra
facilmente.
Uma pesquisa de mercado, por mais simples que seja, é valiosa nesta etapa.
Proprietários-dirigentes de micro, pequenos e médios empreendimentos de Recife, por
exemplo, associam o fator conhecimento sobre o mercado ao sucesso/fracasso empresarial
(VALENÇA, 2003).
b) Obter todos os fatos relacionados ao problema
Definido o problema, deve-se partir para a obtenção dos fatos relacionados a ele.
Se o problema foi mal definido, os estudantes iniciarão uma busca inútil e infinita. Se, ao
contrário, foi bem definido, será fácil obter os fatos que subsidiarão a formulação de
alternativas, haja vista os dados e informações mais importantes estarem quase sempre em
torno do problema. Os fatos são apurados, sobretudo, a partir de questionamentos que
envolvem o problema.
c) Formular alternativas
Definido o problema e obtidos todos os fatos importantes relacionados a ele, é
hora de formular alternativas. As alternativas são opções de escolha e sempre se apresentam
no plural. Um problema que só apresenta uma solução, portanto, não é problema, pois se
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existe uma única saída, não há o que escolher, é seguir por ela. É como dizer, novamente, que
"o que não tem remédio, remediado está".
Esta etapa também serve para testar a precisão da definição do problema. Se a
definição estiver errada, é bem provável que apresente apenas uma saída e não alternativas
para que se selecione a mais adequada.
d) Selecionar a alternativa de solução
Geradas as alternativas — obviamente duas ou mais —, inicia-se a etapa mais fácil
da abordagem racional de solução de problemas, a seleção da alternativa mais adequada.
Antes de iniciada esta abordagem, caso se perguntasse aos estudantes qual o
grande desafio que um problema traz, provavelmente responderiam ser encontrar a solução,
considerando-a prontamente a etapa mais difícil dentre as quatro. Contudo, esta é, na
verdade, a mais fácil, se o problema foi bem definido, os fatos bem apurados e as alternativas
bem geradas.
2.1 Resultado da aplicação da abordagem racional de solução de problemas
Concluída a abordagem, tem-se um problema definido, uma solução buscada,
selecionada e apresentada, faltando apenas verificar a possibilidade de transformação dela em
produto. Ou seja, ao final deste estágio se tem uma oportunidade, devendo então surgir de
imediato questionamentos do tipo: É possível transformar esta solução em um produto? É
possível segmentar o mercado para a solução? Se houver respostas positivas, mesmo que
remotas, será o momento de iniciar o segundo estágio do processo de criação do produto
para testar a consistência da solução como uma oportunidade de negócio.
2.3 Planejamento de Marketing para a Solução
Identificada e confirmada a oportunidade para criar um produto, deve-se
recomendar a cada grupo de estudantes que faça testes de consistência, antes de investir
recursos e talentos em produção. Este estágio requer que os membros dos grupos tentem
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internamente "derrubar" a idéia de transformar a solução em produto. Deve ser um exercício
realizado sem paixão pela solução em foco. Se possível, a solução pode até ser submetida a
apreciação de pessoas alheias ao exercício.
Se a solução focada resistir a esse primeiro teste, cada grupo deverá simular a
introdução do produto no mercado, primeiramente através de uma rápida segmentação de
mercado; e, depois, através da análise dos quatro pês do marketing (produto, ponto-devenda, promoção e preço), propostos por McCarthy (1985).
2.4 Segmentação de mercado
Segmentar um mercado é dividi-lo em grupos de clientes e consumidores
relativamente homogêneos. Basicamente, a segmentação pode ser geográfica (por estados,
cidades, bairros, etc.), demográfica (por gêneros, idades, níveis de renda, etc.), psicográfica
(por perfis de estilos de vida) e por produto (por benefícios procurados, taxas de uso,
fidelidades à marca, etc.). Mas, os estudantes podem adotar outras formas.
Dividido o mercado em segmentos, seleciona-se o mercado-alvo, de acordo com
seu tamanho e capacidade de consumo, ou outros aspectos que os estudantes julguem
importantes.
2.5 Análise dos quatro pês
Selecionado o mercado-alvo, os grupos de estudantes devem ser orientados a
verificar efetivamente a possibilidade de conversão da oportunidade em produto, mediante a
análise dos quatro pês.
a) Produto
Uma análise restrita da criação do produto implica enfocar as características físicas
e funcionais do bem ou serviço que surgirá. Uma análise ampla, entretanto, se estende para
além dessas características, tentando identificar quais são os desejos insatisfeitos dos clientes
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e consumidores. Analisar um produto apenas de forma restrita é um caso clássico de miopia
de marketing, que certamente empobrecerá sua participação no mercado (LEVITT, 1960).
O conceito do produto inclui também embalagem, rotulação, atendimento aos
clientes e consumidores, etc. É um agregado de atributos físicos, simbólicos e de serviços de
apoio.
Nesta etapa, merece destaque a criação de marca do produto (nome, símbolo,
desenho ou alguma combinação usada para identificá-lo e diferenciá-lo das ofertas
concorrentes), nome da marca (parte constituída de palavras ou letras que identifica o
produto e pode ser vocalizada) e logotipo (parte que não pode ser vocalizada, representada
por símbolo ou desenho pictórico). Adianta-se que, claramente, aqui, há uma interação
íntima com o pê de promoção.
Ainda, sempre que possível, os grupos deverão ser orientados a preparar
protótipos e fluxogramas dos produtos (bens e serviços). Os protótipos e fluxogramas
servirão como ensaios das dificuldades de produção e operação que os estudantes
encontrarão e, até mesmo, como modelos para apresentação a investidores em potencial.
b) Ponto-de-venda
Analisar o futuro produto sob a perspectiva do ponto-de-venda (ou distribuição),
é pensar como será o fluxo físico e nominal do bem ou serviço desde o produtor até os
clientes e consumidores. Implica projetar onde se produzirá e comercializará o produto
(layout de fábrica ou loja), e como ele será distribuído, grosso modo por atacado ou no varejo,
direto ou indiretamente.
c) Promoção
A promoção é estreitamente ligada ao processo de comunicação. A análise
promocional se preocupará em como comunicar a existência do produto, suas características,
locais de distribuição, preço, etc. Em uma visão mais ampla envolve as mensagens que
circulam nas relações entre vendedores, clientes e consumidores. Em particular, promoção,
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marca, nome da marca e logotipo são variáveis indissociáveis. O objetivo da promoção,
enfim, é fornecer informações sobre o produto, aumentar sua procura, diferenciá-lo dos
concorrentes, acentuar seus valores e equilibrar suas vendas.
d) Preço
Trata-se do valor de troca de um produto, ou seja, o que se poderia dar em troca
no mercado. A análise do preço deverá levar em conta todos os aspectos utilizados pelos três
pês anteriores. Mas o preço não deverá ser determinado apenas pelos custos de produção.
Fatores como quantidade e variedade de ofertas concorrentes, padrões de qualidade do
próprio produto e dos concorrentes, margem de lucro desejada, capacidade de consumo e
formas de pagamentos dos clientes e consumidores, percepção de benefícios por parte dos
clientes e consumidores, etc., são também decisivas para a determinação do preço.
Ainda sobre preço, é indispensável que duas observações sejam feitas aos
estudantes:
1) A tática de competir por preços baixos é, em termos técnicos, a mais pobre,
passível de fácil cópia e sujeita a rápida e violenta retaliação pela concorrência. A
competição por preços faz todo o mercado perder. E, em última instância, até os
clientes e consumidores serão penalizados;
2) A competição empresarial é, sem dúvidas, salutar para clientes e consumidores,
porém deve ser pautada nos melhores atributos de qualidade do produto e em
diferenciais competitivos, não no preço mais baixo.
3 Processo de Criação de Produto: Um Exemplo
O exemplo que será apresentado é baseado em um caso real. É fruto da aplicação
deste processo de criação de produtos como um exercício em sala de aula, coordenado por
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um professor (a exemplo dos autores deste artigo) e realizado por um grupo de três
estudantes do curso de administração da UFPE, em 1998.
Passo 1: Procura de Oportunidades através da Abordagem Racional de Solução
de Problemas
a) Definir o problema
A princípio, o problema analisado pelo grupo de estudantes foi o tempo que
desperdiçavam para tirar cópias reprográficas de documentos solicitados, geralmente em
caráter de urgência, pelos professores.
Na verdade, depois de debaterem cuidadosamente a respeito, os estudantes
concluíram que o desperdício de tempo não era o problema, mas, sim, o efeito. O problema
real era o mal funcionamento do sistema de atendimento da reprografia, agravado pela
extrapolação da capacidade de carga.
Observa-se que definir o problema geralmente é a etapa que mais demora.
b) Obter todos os fatos relacionados ao problema
Definido o problema, os estudantes iniciaram a apuração de todos os fatos
relacionados. Para tal, listaram os dados e informações mais importantes que havia:
•
Eles próprios se queixavam de que em muitas oportunidades, nas
reprografias, tinham que aguardar indefinidamente em filas lentas para tirar cópias.
•
Não raramente o ambiente estava quente, cheio de colegas ansiosos e
não dispunha de assentos.
•
As reprografias estavam instaladas em salas pequenas, pois não havia
espaço disponível na UFPE.
•
As mais espaçosas localizavam-se fora do campus, portanto bastante
inconvenientes para os estudantes.
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•
Os estudantes mais incomodados eram os do turno da noite,
principalmente aqueles que trabalhavam, visto que chegavam em cima da hora e se
dirigiam diretamente às salas de aula.
c) Formular alternativas
Após a análise dos fatos relacionados ao problema, os estudantes listaram três
possíveis alternativas de soluções:
•
Solicitar à UFPE salas mais espaçosas para as reprografia.
•
Solicitar aos donos das reprografias que aperfeiçoassem os sistemas de
atendimento e as instalações e aumentassem a capacidade de carga.
•
Desenvolver um sistema de atendimento eficiente para os estudantes,
paralelo às reprografias.
Então, iniciaram uma apreciação detalhada das alternativas:
•
Solicitar à UFPE salas mais espaçosas para as reprografias e consegui-las
seria dificílimo. Os próprios donos das reprografias faziam isso
constantemente e as respostas sempre eram negativas. A Universidade
realmente não tinha mais espaço disponível, na época.
•
Solicitar aos donos das reprografias que aperfeiçoassem os sistemas de
atendimento e as instalações e consegui-lo dava a parecer que não
funcionaria. Os estudantes já faziam isso há anos, sem resultados. Os
donos das reprografias declaravam não ter dinheiro para investir, e , de
qualquer forma, se tivessem, precisariam de mais espaço físico.
•
Desenvolver um sistema de atendimento eficiente para os estudantes,
paralelo às reprografias, parecia ser o ideal naquele momento. Os três
estudantes poderiam montar uma reprografia em casa (ou utilizar serviços
de terceiros), obter os documentos a serem copiados diretamente dos
professores, procurar saber de antemão quais colegas desejariam cópias e
entregá-las convenientemente, em troca de algum lucro.
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d) Selecionar a alternativa de solução
Não é preciso estender muito o argumento para comunicar que a alternativa
escolhida foi desenvolver um sistema de atendimento eficiente, paralelo ao das reprografias
convencionais, eliminando diversos inconvenientes para todos os estudantes.
Passo 2: Planejamento de Marketing para a Solução
Segmentação de mercado
Em 1998, a UFPE contava, apenas no campus, na Cidade Universitária, com oito
centros científicos e alguns núcleos de ensino. Porém, para efeito deste exercício, o grupo de
estudantes considerou interessar-lhe somente o Centro de Ciências Sociais Aplicadas
(CCSA), que era formado pelos cursos de graduação e pós-graduação em administração,
contabilidade, economia, secretariado e serviço social.
Em particular, o curso de graduação em administração, do qual eles mesmos
faziam parte, tinha mais de mil estudantes (cerca de 900 eram regularmente matriculados),
divididos entre os turnos da manhã e da noite; e cerca de quarenta professores. Somando-se
os estudantes das outras graduações, todos os professores e funcionários, certamente a
população do CCSA ultrapassava quatro mil pessoas, que circulavam diariamente por
corredores e salas.
Depois de segmentarem o mercado (o CCSA) por função (estudantes, professores
e funcionários), por turno (manhã, tarde e noite), por curso (administração, contabilidade,
economia, secretariado e serviço social) e por nível (graduação, especialização e mestrado), o
grupo de estudantes escolheu o mercado-alvo que lhe interessava: estudantes do curso de
graduação em administração (os 900 regularmente matriculados). A escolha se deu porque
conheciam relativamente bem os hábitos de consumo dos colegas. E também porque seria
mais fácil conseguir o apoio dos professores de administração, com os quais conviviam.
Além disso, um estudante de graduação em administração cursava quase quarenta e cinco
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disciplinas diferentes, entre obrigatórias e eletivas, ao longo oito a dez semestres,
configurando um mercado consumidor de cópias convidativo.
Análise dos quatro pês
Definido o mercado-alvo, chegava o momento de analisar o futuro produto sob a
perspectiva dos quatro pês.
a) Produto
O produto seria serviços de cópia reprográfica, com ampliação, redução e
encadernação. O grupo pediria aos professores que passassem para ele os documentos a se
copiar, assim que fossem indicados aos colegas em sala. Caso os professores já tivessem
depositado os documentos na reprografia do CCSA, o grupo se encarregaria de tirar uma
cópia para si, de boa qualidade, deixando o original onde o encontraram. De posse do
documento para cópia, ofereceriam aos colegas os serviços. Os pedidos seriam anotados e as
datas de entrega marcadas, possivelmente para o dia posterior.
Como em quaisquer outros serviços, o grande desafio seria manter elevado os
padrões de qualidade. Sabiam, por experiência própria, que os pontos críticos eram as datas
de entregas, as perdas, extravios e danos aos documentos, além das cópias ilegíveis ou
borradas.
b) Ponto-de-venda
Depois de algumas discussões, o grupo de estudantes decidiu terceirizar os
serviços de preparação das cópias para uma reprografia confiável, próximo à residência dos
três membros. Assim, o grupo não teria que se dedicar a manter e operar as máquinas
reprográficas — que quebravam a todo instante, ficando muito tempo paradas a espera de
assistência técnica.
A estrutura necessária ao negócio do grupo era mínima, resumida a telefones
residenciais e celulares, e contatos pela internet. Recebimentos e entregas de documentos
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seriam feitos em mãos, no CCSA. A vantagem competitiva estaria calcada em uma impecável
gestão de serviços.
c) Promoção
Concluídas as análises preliminares sobre produto e ponto-de-venda, o grupo de
estudantes iniciou a análise promocional. Em vista da escassez de recursos financeiros, a
promoção do produto seria a mais simples — e recomendável à situação — que existia: boca
a boca. Por sinal, a técnica promocional mais eficiente e eficaz dentre todas (KOTLER, 2000;
1998; 1993).
Além disso, planejavam desenvolver: uma marca para o produto; criar uma home
page; preparar alguns cartazes para afixação nos quadros de aviso e na cantina do prédio;
encomendar um carimbo com o logotipo da empresa para marcar discretamente o verso dos
documentos copiados, etc.
O grupo havia descartado terminantemente campanhas com panfletos, que
surtiam poucos resultados positivos, desgastando a imagem do produto e até conquistando a
antipatia do público mais crítico, em especial dos professores e funcionários. O objetivo era
projetar uma imagem de bom gosto, séria e sem exageros.
d) Preço
Por fim, o grupo de estudantes iniciou a análise do preço que seria estabelecido.
Os custos fixos associados aos pês de produto, ponto-de-venda e promoção tendiam a zero.
O processo produtivo implicava apenas custos variáveis, os quais não eram altos.
O que realmente merecia atenção, seriam os custos de oportunidade, ou seja, a
possibilidade dos membros do grupo estarem dedicando seu tempo a atividades diferentes
mais recompensadoras. Contudo, como o grupo, naquela época, estava em fase de formação,
dedicando-se exclusivamente aos estudos, os custos de oportunidade também foram
considerados. A empreitada servia como uma simulação, dentro da escola, dos desafios da
vida profissional no mercado de trabalho. Além do mais — vale observar —, os estudantes
estavam se divertindo com o exercício.
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Com uma rápida enquete pelos corredores do CCSA, o grupo havia confirmado
uma hipótese sobre o preço ideal levantada em discussões internas: os colegas estariam
dispostos a pagar dois ou três centavos a mais por cópia em troca da conveniência de
receberem os documentos em mãos.
Alguns colegas mais atarefados até disseram que, se o grupo pusesse os serviços a
disposição do público, autorizariam antecipadamente a empresa a preparar cópias para eles.
Desejavam apenas receber os documentos copiados e pagar sem maiores preocupações. Era
mais um exemplo de um sistema que logo seria denominado de marketing de permissão
(GODIN, 2000) e se propagaria pelo mundo através da literatura de negócios (VALENÇA;
VALENÇA, 2001).
5 Considerações Finais
Nem toda abordagem de solução de problemas é racional. Na verdade, a maioria
não é. O pensamento racional, ao longo da história, permitiu e ainda permite ao homem
superar desafios quase impossíveis (DESCARTES, 1824), mas processos mentais
excessivamente racionais também podem tolher a criatividade (MINTZBERG, 1998, 1994;
IDENBURG, 1993). A personalidade, a intuição e a inspiração exercem função fundamental
à solução de problemas. Assim, o equilíbrio entre razão e emoção é indispensável ao homem
em qualquer época (SUN TZU apud CLARET, 2002; SUN TZU apud CLAVELL, 2001).
O processo de criação de produtos ora apresentado não é único nem perfeito,
porém tem o mérito de ser simples. É recomendável para aplicação a estudantes que estão
cursando disciplinas que requerem criatividade, como processo decisório, técnicas de
negociação, marketing, produção e operações, organização, sistemas e métodos, só para citar
algumas.
O caso do texto, admite-se, resumiu exercícios que foram realizados
paulatinamente, ao longo de um semestre, com quatro turmas diferentes. O processo foi
aplicado a cerca de cento e cinqüenta estudantes dos cursos de administração, contabilidade e
economia, resultando em aproximadamente cinqüenta protótipos e/ou fluxogramas de
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produtos (bens e serviços), dos quais dois ou três realmente inspiraram, mais tarde, negócios
mais elaborados, a exemplo dos serviços de reprografia apresentados. Levando em
consideração que se trata — reforça-se — de um processo simples, usado pela primeira vez
pelos estudantes, o resultado se mostra excelente.
No entanto, a aplicação do processo exige um professor altamente motivado, nem
tanto por requerer exposições gerais para todos os estudantes em sala, mas, principalmente,
por ser imprescindível o atendimento personalizado aos diversos grupos que trabalham em
diferentes projetos. Além disso, o professor precisa continuamente indicar os pontos de
vulnerabilidade do futuro produto, ao mesmo tempo em que estimula o senso crítico dos
estudantes.
Recomenda-se novamente que o professor oriente os estudantes a formarem
grupos de três a cinco membros. Contudo, a experiência mostrará que os grupo formados
por apenas três estudantes tendem a criar produtos melhores, mais bem constituídos.
Provavelmente porque a interação entre os membros seja mais intensa.
Concluídos os exercícios, o professor poderá organizar uma exposição aberta ao
público para promover os produtos. Grupos que criaram produtos que são bens podem
exibi-los por meio de protótipos; os que criaram serviços, por sua vez, podem exibi-los por
meio de fluxogramas. É importante, outrossim, que todos os grupos tenham em mãos planos
de negócios — documentos escritos e formais que fixam objetivos, analisam o ambiente,
consideram meios para atingir os objetivos fixados e estabelecem mecanismos de
acompanhamento de progresso (VALENÇA, 2003; VALENÇA; FÉLIX, 2001) —, para
apresentar a potenciais investidores que se interessarem pelos produtos.
Ressalta-se que o processo de criação de produtos proposto aqui é para iniciantes,
então caberá ao professor adaptá-lo ao seu programa de ensino e às demandas dos
estudantes. Utilizando o processo, gradualmente será possível apresentar conceitos e
definições de sua disciplina, de forma que os estudantes os apliquem de imediato e
naturalmente.
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É importantíssimo entender que o êxito do exercício não está tanto associado ao
seu resultado final, mas à maneira como é executado. Não é preciso que os estudantes criem
produtos perfeitos — coisa que profissionais passam a vida tentando e muitas vezes não
conseguem —, porém é vital que assimilem a essência do processo e vão se aperfeiçoando.
Assimilar a essência do processo é, notoriamente, um desafio não superado pelos
grupos de estudantes malsucedidos no exercício.
Um produto de sucesso é aquele que soluciona problemas. Se for realmente um
problema o que se tem em mãos, então tem solução. Problemas, por definição, implicam
soluções. E boa parte delas podem ser transformadas em produtos bem-sucedidos. Eis a
essência deste processo de criação de produtos.
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