UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO IVSON HENRIQUE BEZERRA DOS SANTOS IDENTIFICANDO REQUISITOS EMOCIONAIS PARA CRIAR UM AMBIENTE EDUCACIONAL BASEADOS EM GAMES Recife, dezembro de 2013. 2 IVSON HENRIQUE BEZERRA DOS SANTOS IDENTIFICANDO REQUISITOS EMOCIONAIS PARA CRIAR UM AMBIENTE EDUCACIONAL BASEADOS EM GAMES Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência da Computação do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco como requisito para a disciplina de Engenharia de Requisitos sob a orientação do professor Dr. Jaelson Castro. Recife, dezembro de 2013 3 “Não esqueçamos de que pequenas emoções são os grandes capitães de nossas vidas e nós as obedecemos sem perceber”. - Vincent van Gogh 4 Resumo Vários estudos mostram que o modelo educacional atual está bastante defasado: as escolas enfrentam concorrência com vários dispositivos eletrônicos; o índice de evasão escolar é bastante elevado; os alunos não conseguem se identificar como sendo parte do ambiente escolar; o aprendizado é limitado pelo ambiente dentro da sala de aula e não inclui possibilidades de aprendizado fora dela. Isto tudo faz com que o interesse dos alunos por aprender em sala de aula venha caindo muito. Algumas linhas de pesquisa afirmam que a escola deveria possuir um modelo curricular mais atraente, e para isto propõem vários modelos de reforma educacional, entre eles um modelo em que a escola possa aproveitar as características dos videogames para funcionar de uma forma em que o aluno se sinta participando de um game, aumentando assim o engajamento do mesmo. Porém, este modelos apresentados ainda não possuem uma definição de quais seriam as características emocionais dos games que tornariam a participação mais atraente para os alunos. O presente trabalho tem por objetivo identificar requisitos emocionais que possam ser utilizadas para criar um ambiente educacional baseado em games que possa promover a motivação e o engajamento dos alunos. Será analisado como funcionam os ambientes educacionais atualmente e quais as propostas de mudança do modelo educacional que estão em funcionamento e seus resultados para se propor um ambiente educacional baseado neste novo modelo utilizando de forma mais sólida os requisitos emocionais. Palavras-chave: Educação, Flow, Jogos, Motivação, Requisitos Emocionais. 5 Abstract Several studies show that the current educational model is quite outdated: schools face competition with various electronic devices, the dropout rate is very high; students fail to identify themselves as being part of the school environment, learning is limited by the environment within the classroom and does not include learning possibilities beyond. This all makes the interest of students to learn in the classroom has been falling a lot. Some lines of research argue that the school should have a curriculum model more attractive, and to propose that various models of educational reform, including a model in which the school can take advantage of the characteristics of video games to function in a way that the student feel participating in a game, thus increasing the engagement of it. However, the models presented do not yet have a definition of what would be the emotional characteristics of games that would make participation more attractive for students. This study aims to identify emotional requirements that can be used to create an educational environment based on games that can promote motivation and engagement of students. Will be analyzed as educational environments currently run and what the proposed change of the educational model that are in operation and its results to propose an educational environment based on this new model using more solid emotional requirements. Keywords: Education, Emotional Requirements, Flow, Games, Motivation. 6 SUMÁRIO Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8 1 ANÁLISE DO MODELO DE ENSINO ATUAL ................................................. 9 1.1 Introdução ........................................................................................................................... 9 1.2 Referencial Teórico ........................................................................................................... 10 1.3 Escolas com propostas diferentes ..................................................................................... 11 1.3.1 Quest to Learn ............................................................................................................ 12 1.3.2 Projeto Gente ............................................................................................................. 12 1.4 Emoção e motivação nos novos modelos educacionais ................................................... 13 2. O USO DOS GAMES ................................................................................... 14 2.1 Introdução ......................................................................................................................... 14 2.2 Referencial Teórico ........................................................................................................... 15 2.3 Porque as pessoas jogam videogames .............................................................................. 15 2.4 Características educacionais dos games ........................................................................... 17 2.4.1 Identity ....................................................................................................................... 17 2.4.2 Interaction (feedback) ................................................................................................ 17 2.4.3 Production .................................................................................................................. 18 2.4.4 Risk Taking .................................................................................................................. 19 2.4.5 Customization............................................................................................................. 19 2.4.6 Agency ........................................................................................................................ 20 2.4.7 Well-Ordered Problems ............................................................................................. 21 2.4.8 Challenge and Consolidation ...................................................................................... 22 2.4.9 “Just-in-Time” and “On Demand” .............................................................................. 23 2.4.10 Situated Meanings.................................................................................................... 23 2.4.11 Pleasantly Frustrating ............................................................................................... 24 2.4.12 System Thinking ....................................................................................................... 24 2.4.13 Explore, Think Laterally, Rethink Goals .................................................................... 25 2.4.14 Smart Tools and Distributed Knowledge.................................................................. 25 2.4.15 Cross-Functional Teams ........................................................................................... 26 2.5 Emoções e foco nos games ............................................................................................... 26 2.5.1 Lost in The Dark .......................................................................................................... 27 7 2.6 Flow ................................................................................................................................... 27 2.7 Gamificação ....................................................................................................................... 30 2.7.1 Exemplos de uso de Gamificação ............................................................................... 31 3. REQUISITOS EMOCIONAIS PARA OS GAMES ......................................... 31 3.1 Analisando as pesquisas .................................................................................................... 31 3.1.1 Emotional Labor ......................................................................................................... 32 3.1.2 Job Engagement ......................................................................................................... 32 3.1.3 PERMA ........................................................................................................................ 32 3.1.4 Persuasive Technologies ............................................................................................ 33 3.1.5 4 Keys to fun ............................................................................................................... 33 4. ANÁLISANDO OS REQUISITOS EMOCIONAIS PARA UM AMBIENTE EDUCAIONAL BASEADO EM GAMES ........................................................... 34 4.1 Introdução ......................................................................................................................... 34 4.2 Requisitos emocionais ....................................................................................................... 34 Tabela 1 – Requisitos Emocionais ........................................................................................... 34 5. CONCLUSÃO E TRABALHOS FUTUROS .................................................. 35 5.1 Conclusões......................................................................................................................... 35 5.2 Trabalhos Futuros.............................................................................................................. 36 6. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 36 8 INTRODUÇÃO Vários estudos recentes mostram que o modelo educacional atual está bastante defasado: as escolas enfrentam concorrência com vários dispositivos eletrônicos, o índice de evasão escolar é bastante elevado, os alunos não conseguem se identificar como parte do ambiente escolar, o aprendizado é limitado pelo ambiente dentro da sala de aula e não inclui possibilidades de aprendizado fora dela, e o interesse dos alunos por aprenderem em sala de aula vem caindo muito. Várias linhas de pesquisa afirmam que a escola deveria possuir um modelo curricular mais atraente, e para isto propõem vários modelos de reforma educacional, entre os quais um modelo em que a escola possa aproveitar as características dos videogames para funcionar de forma que o aluno se sinta participando de um game, aumentando assim o engajamento do mesmo. Porém, estes modelos apresentados ainda não possuem uma definição de quais seriam os requisitos emocionais dos games que tornariam a participação mais motivacional para os alunos. O presente trabalho tem por objetivo identificar requisitos emocionais que possam ser utilizados para criar um ambiente educacional baseado em games, o qual sirva para promover a motivação e o engajamento dos alunos. O trabalho está divido em cinco capítulos/partes, descritos resumidamente a seguir: No capítulo I, é apresentado como a escola funciona atualmente, identificando os pontos que tornam ela desinteressante para os alunos e algumas propostas de mudança do modelo de ensino atual. No capítulo II é apresentado o conceito dos games, porque as pessoas jogam videogames, o que é Gamificação1, as características dos games que atraem a emoção e a motivação e o conceito cunhado pelo filósofo Csikszentmihalyi de Flow. No capítulo III é apresentado o que as pesquisas sobre requisitos emocionais 1 Gamificação (Ludificação) é o processo de usar pensamentos dos games e as dinâmicas dos games para engajar o público e resolver problemas. (Fonte: GCO Gamification Corp. <http://www.gamification.co/gabe-zichermann/>). 9 conseguiram descobrir até as pesquisas mais atuais. No capítulo IV é apresentado uma proposta para a construção de um modelo de ensino baseado em games, de acordo com os estudos e requisitos colhidos até aqui, para ser aplicado em uma escola que possua a disponibilidade de aceitar e aplicar os conceitos apresentados. Finalmente no capítulo V é apresentado a conclusão do trabalho bem como proposto trabalhos futuros para serem melhor aprofundados em busca de soluções mais adequadas. 1 ANÁLISE DO MODELO DE ENSINO ATUAL 1.1 Introdução O ambiente educacional atual possui algumas falhas em acompanhar o ritmo de progresso de nossa sociedade: vivemos em um mundo onde vários dispositivos e mídias surgem a toda hora, disputando nossa atenção de forma acirrada, o que nos leva a selecionar em qual atividade iremos manter nosso foco de atenção. Brown & Thomas (2011) tratam de questões importantes sobre como precisamos mudar o velho modelo de ensino para uma nova cultura de aprendizagem, que surge a partir de um ambiente que possui infinitos recursos capazes de motivar as pessoas a aprenderem despertando a curiosidade. A escola tradicional, baseada em um modelo antiquado de ensino onde o professor é o centro das atenções e o aluno o receptor passivo, possui uma desvantagem em competir pela atenção dos alunos desta nova geração que já nasce conectada com tecnologias como a internet e os games, e que contam com vários meios de disputar a retenção da atenção. Como afirmam Gee & Levine (2009): “nossa era global, que é baseada em inovação, requer de nós uma reformulação das habilidades literárias e conectar elas com outras competências como o pensamento crítico, resolução de problemas em colaboração e a instrução de mídia”. 10 1.2 Referencial Teórico Grande parte do mundo atual sofre com um problema crescente: o alto índice de evasão escolar. Este fato se deve em parte à concorrência dos jovens atuais com muitos mecanismos que aparentemente são mais atraentes que o ambiente escolar. Os alunos estão disputando a atenção da escola com dispositivos eletrônicos: computadores, tablets e smartphones possuem um poder de atração da atenção muitas vezes bem maior do que a sala de aula tradicional possui. Um estudo da Scholastic Inc. (Scholastic, 2013) nos Estados Unidos reportou que quase a metade dos pais (49%) sentem que seus filhos não gastam tempo bastante lendo livros por diversão, contra 36% dos dados anteriores de 2010. O estudo também descobriu que 33% dos pais dizem que seus filhos gastam tempo demais jogando videogames. A grande questão é que muitas das escolas atuais se tornaram apenas um local onde se prepara para testes como o vestibular e o ENEM, não dando espaço para preparar os alunos exercitaram suas habilidades e nem buscarem conhecimento (Gee, 2013, p. XII). De acordo com Gee, muitas faculdades se tornaram um ponto de encontro social para se reunir com os amigos, beber cerveja, e outras atividades além da essencial que é o conhecimento. O que nos leva a entender que estes fatores são bem mais atrativos para os estudantes do que o modelo de sala de aula atual. O aluno não é preparado para enfrentar o mundo moderno, e ela tende a exigir que os alunos usem sua memória da mesma forma que os computadores fazem, ao invés de tratar como humanos. Pois o modelo de ensino atual tende a tratar a mente humana funcionando da mesma forma que um banco de dados vazio, onde devemos colocar informação que possa ser acessada a qualquer momento na memória, resgatada deste banco de dados e transportada para as provas e testes de forma integral, sem erros e com uma completude extrema (Gee, 2013). Voltando novamente a Gee (2013), frisamos sua afirmação de que vivemos em uma era que ele chama de ‘Anti-Educação’, onde nosso maior foco é nos testes e nas maiores notas para que a escola ganhe um status de colégio 11 de elite ou ficar entre os colégios medianos. Nesse cenário a própria educação fica sempre colocada em segundo plano e acaba sendo esquecida como uma força para tirar de nós mesmos nossas melhores personalidades no serviço de uma vida melhor tanto moralmente quanto como em sociedade. Não é de admirar que em um cenário destes, voltado para forçar os alunos a absorverem conteúdo, muitas vezes sem ter conexão com sua realidade diária, e mantendo o nível de estresse elevado devido à exigência de notas altas com a punição de ter um registro negativo no boletim por toda a vida, o desinteresse dos alunos pela sala de aula esteja aumentando cada vez mais. Cada vez mais as nações estão reconhecendo que a melhor forma de melhorar a saúde, o bem estar e manter a paz é através da melhoria da educação (Resnick, 2002). Mas com o modelo atual aplicado para ensino ultrapassado deveríamos pensar em um currículo no qual o foco seja na “estratégia para aprender coisas que você ainda não sabe” do que na atual estratégia de aprender “coisas para se saber”. Poderíamos, para isto, ao invés de dividir o currículo em disciplinas separadas (português, matemática, física, química) desenvolver um currículo que foque em temas e projetos que utilizem cruzamentos entre as disciplinas. De fato já existem algumas escolas que buscaram utilizar uma abordagem mais aproximada com este modelo aqui discutido. 1.3 Escolas com propostas diferentes Algumas linhas de pesquisa afirmam que a escola deveria possuir um modelo curricular mais atraente, e para isto propõem vários modelos de reforma educacional, entre eles um modelo em que a escola passa a abordar as características dos videogames para funcionar de uma forma em que o aluno se sinta participando de um game, aumentando assim o engajamento do mesmo. Vários projetos ao redor do mundo já utilizam este modelo educacional, inclusive no Brasil, onde iremos conhecer alguns destes projetos a seguir. 12 1.3.1 Quest to Learn A Quest to Learn é um escola pública da cidade de Nova York que foi a pioneira no reformulação da aplicação de conceitos dos games na estrutura do currículo escolar (Quest to Learn, 2014a). Ela é dedicada aos estudantes entre o sexto ano do ensino fundamental e a terceira série do ensino médio. Seu modelo de currículo é uma imitação dos princípios do design de games, onde cada parte desde currículo funciona como uma missão de um game, envolvendo várias estratégias dos games como: simulação, colaboração, resolução de problemas e perfil de jogador. (Quest to Learn, 2014b). Um dos objetivos principais da escola é o de promover a resolução de problemas de forma que estimule os alunos a aprenderem as habilidades do século XXI, que muitos especialistas afirmam serem necessárias para a formação de uma carreira de sucesso, como aprender a trabalhar em colaboração, pensamento sistêmico e a alfabetização digital. Desta forma esta escola se consagra como um centro educacional que aplica os conceitos do game design para criar um modelo curricular mais atual para a sociedade moderna. 1.3.2 Projeto Gente Gente (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias) é um projeto em uma escola da Rocinha que não possui salas, turmas nem séries. Sua proposta é dar aos seus alunos uma educação que esteja mais alinhada com o século 21, onde as habilidades de o aluno buscar respostas e saber onde procurar é mais bem visto do que apenas receber respostas passivamente. Os alunos são organizados por “famílias” de seis membros onde estes terão afinidades a partir da escolha deles mesmos. O projeto é explicado desta forma: “Cada aluno terá um itinerário de aprendizado pessoal, que funciona como uma espécie de playlist, só que em vez de músicas, estarão os pontos que ele precisa aprender ou 13 desenvolver. Será o jovem o responsável por escolher a forma como o conteúdo lhe será entregue – videoaulas, leituras, atividades individuais ou em grupo. Todas as semanas os alunos serão avaliados na Máquina de Testes, um programa inteligente que propõe questões de diferentes níveis de dificuldade, para garantir a evolução no conteúdo. Quando ele não chegar ao resultado esperado, o jovem receberá uma atenção individualizada. Tal atenção é de responsabilidade do mentor da família, o professor. “. (UOL, 2013) 1.4 Emoção e motivação nos novos modelos educacionais Estes modelos apresentados até agora, apesar de serem referência em suas áreas, ainda não possuem uma definição clara de quais seriam as características emocionais que tornariam a participação mais ativa por parte dos alunos. E é este um dos aspectos dos games que mais atraem e engajam os usuários: o apelo emocional. Como diz Gee: “A emoção é essencial para o pensamento e a simulação porque ela nos auxilia a gerenciar a atenção, persistir independente da falha e medir os resultados em termos do que nós nos importamos”. Gee & Levine também afirmam que um passo crucial para promover o engajamento e a motivação dos estudantes é o de repensar a literatura para o século 21. Um dos meios que vem sendo estudados por muitos pesquisadores para reformular a estrutura curricular dos alunos e auxiliar a manter a motivação dos mesmos é através dos games. Gee também afirma que a motivação é o fator mais importante que dirige o aprendizado, e que quando a motivação morre, o aprendizado também morre. E como os bons games são altamente motivacionais para uma grande parcela de pessoas, podemos então estudar como a motivação é criada e sustenta pelos games e aplicar estes conceitos em um ambiente de estudo. 14 2. O USO DOS GAMES 2.1 Introdução Os games já são uma parte essencial de nossa vida diária: grande parte dos nossos aparelhos atuais – televisão, smartphones, câmeras digitais, tablets, notebooks entre outros, atualmente possuem sistemas operacionais como o Android2 e outros que permitem aos usuários acessarem vários aplicativos (ou Apps3) incluindo vários games que podem ser adquiridos para estes aparelhos. Isto faz com que praticamente todas as pessoas tenham contato com algum aparelho que possua uma interface de facilidade para acessar um game. Os games, que são extremamente populares entre os jovens e adultos são bem mais do que simples brinquedos. Eles criam novos mundos sociais e culturais, onde as pessoas aprendem a pensar de forma integrada, a interagir socialmente com outras pessoas e com a tecnologia e tudo isto ao mesmo tempo em que elas estão realizando um trabalho que elas gostam (Schaffer, 2004). Games são uma atividade voluntária que tendem a compelir o usuário a permanecer na atividade pelo maior tempo possível. Figura 1. Câmera da Samsung com sistema operacional Android. 2 Android é um sistema operacional da Google Inc. baseado no núcleo do Linux para dispositivos móveis (Fonte: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Android>). 3 App (Aplicativo Móvel) é um software desenvolvido para ser instalado em dispositivo eletrônico móvel. (Fonte: wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aplicativo_m%C3%B3vel>). 15 Na Figura 1 temos a câmera digital Samsung Galaxy da empresa Samsung, que possui o sistema operacional Android no qual permite adquirir aplicativos (Apps), navegar na internet e realizar várias outras tarefas, entre as quais jogar games. Com este exemplo, vemos que os aplicativos estão sendo adaptados para praticamente todos os nossos aparelhos de tecnologia atuais, e com isto, se abre a possibilidade para estudar o impacto dos games na nossa sociedade, em especial, na educação. 2.2 Referencial Teórico No campo das pesquisas do impacto dos games na educação e da hipótese de como os videogames são bons para o aprendizado estão vários pesquisadores, entre os quais podemos destacar as pesquisas de Shaffer que afirma que os videogames irão mudar a forma como aprendemos. Segundo ele, nossas atividades são mais poderosas quando elas são pessoalmente significativas, experimentais, sociais e epistemológicas ao mesmo tempo. Os videogames assim, podem ser vistos como um vislumbre de como podemos criar novas formas poderosas de aprender nas escolas, comunidades e ambientes de trabalho. 2.3 Porque as pessoas jogam videogames Em 1980 Johan Huizinga publicou um livro chamado Homo Ludens, que descreve o jogo como um elemento da cultura. Ele chegou à conclusão que o jogo faz parte da natureza tanto dos homens quanto dos animais, e que as questões da competitividade e da cooperação sempre estiveram em andamento com o desenvolvimento da sociedade (Huizinga, 1980). No livro Regras do Jogo de Katie Salen e Erik Zimmermen (Salen & Zimmerman, 2012) os autores analisam o papel dos jogos e sua importância 16 para a sociedade, onde afirmam que jogar um game significa ter que fazer escolhas e tomar medidas para superar os desafios, onde cada uma das ações realizadas tem como resultado um feedback do e no sistema que afeta o sistema global como um todo. O jogador com isto, passa a aprender a realizar ações que resultem em significados, como o movimento de uma peça de xadrez que muda toda a relação estabelecida até o momento no tabuleiro para outras variáveis novas. Outro exemplo seria um jogo de futebol, onde cada jogador precisa estar consciente de seu posicionamento, suas ações, sua visão de jogo e em que cada ação que ele tomar – seja passar a bola para um companheiro que está perto ou longe, seja chutar a gol, seja perder a bola, seja correr pelo lado do campo para receber a bola, irá afetar todo o sistema do jogo, criando várias possibilidades e tendo a oportunidade de ver em pouco tempo se a sua ação foi benéfica para o jogo como um todo. Estas características ajudam a explicar o que torna os games um produto muito atraente para as pessoas, pois especialmente entre os jovens eles estão se tornando cada vez mais uma parte de como eles aprendem várias coisas, especialmente sobre cultura. Visto que apenas a wiki feita para o game World of Warcraft4, a WoWWiki, possui a segunda maior coleção de verbetes em toda a internet, perdendo apenas para a própria Wikipedia, conteúdo este que foi todo escrito e estudado pelos jogadores do game, criando assim, coletivamente, um universo completamente imenso de características sobre um mundo virtual. Em Rieber (1996, p.43) encontramos quatro características que fazem as pessoas jogarem videogames: é uma atividade voluntária, as pessoas não são obrigadas a jogar, cabe apenas a elas mesmas de irão participar do game; é uma atividade intrinsicamente motivante, o jogador sente prazer pela ação que está realizando no game e os games geram emoções para aumentar a motivação do jogador; ela envolve algum nível de afetividade, sendo frequentemente física mas podendo muitas vezes ser mental, e engajante; é uma 4 World of Warcraft é um MMORPG (jogo de interpretação de papéis para multijogadores) da empresa Blizzard. È considerado o game de maior sucesso do mundo e possui milhões de jogadores ativos até hoje, mesmo após 10 anos de seu lançamento. 17 atividade que se distingue de outras pois tem a qualidade de poder realizar uma ação e acreditar que vai ter um resultado esperado. Uma pesquisa conduzida pela professora de psicologia Patricia Marks Grenfield (Greenfield apud Rabin, 2013 p.40) chegou à conclusão de que os jogos são atraentes para as pessoas porque, parcialmente, eles oferecem uma jogabilidade, objetivos, metas e fases em tempo real, e ainda por cima auxiliam a criar laços sociais e a colaboração. Os games são atraentes tanto para adultos quanto para crianças, sem distinção de sexo, cor ou nacionalidade. 2.4 Características educacionais dos games Os games apresentam muitas das características que muitos pesquisadores consideram como sendo as ideais para que se possa obter um aprendizado de forma mais eficaz. Gee (2005) identifica várias princípios de aprendizado que os games possuem e que podem exploradas para criar uma ambiente educacional bem mais atraente para as pessoas, que são: 2.4.1 Identity Não existe realmente um aprendizado profundo se o aprendiz não se sente fazendo parte do processo de ensino. Os bons games capturam o jogador através da criação da conexão entre o jogador e o avatar5 do game, apelando para a conexão emocional entre os dois para criar uma melhor motivação no jogador. 2.4.2 Interaction (feedback) Os games possuem um rico sistema de feedback, onde o jogador está constantemente vendo o resultado de suas ações e em tempo real obtendo uma resposta do sistema para saber se a sua ação está sendo correta ou não, seja 5 Avatar em videogames é a representação virtual do personagem do jogador dentro do mundo do game. 18 através da pontuação, de sons, de vibração do controle ou de qualquer outro meio, os videogames trabalham com um sistema de feedback muito aprimorado. Como relata Csikszentmihaly (2000): “o que torna o feedback valioso é a mensagem simbólica que ele contém, é a afirmação de que você conseguiu ser bem sucedido em seu objetivo”. Esta experiência que os jogos proporcionam ao mostrar uma reação do game de uma forma visual, com sons, tamanhos, movimentação e características ajuda a criar sentimentos nos jogadores à medida que os mesmos se ambientam no jogo e não apenas informações primárias da forma que os filmes e livros fazem (Gee, 2006b). 2.4.3 Production Os jogadores são acima de tudo produtores, pois o mundo em que eles jogam seria apenas um mundo estático se não fosse pelas suas ações no mesmo. Nos games, os jogadores também participam de ambientes de resolução de problemas de uma forma bem diferente do que em qualquer outra área: os jogadores são as peças principais que fazem as coisas acontecerem no ambiente, eles não apenas são consumidores estáticos de conteúdo. Os jogadores estão co-criando o mundo do game junto aos designers e com isto descobrindo novas formas de experiências. Muitos dos jovens de hoje em dia são também produtores de mídia, muitas vezes trabalhando cooperativamente na realização desta tarefa, seguindo a tendência da nossa cultura que vem incentivando a produção e participação nos vários meios de consumo de mídia atuais como as redes sociais e os canais de vídeo produção independente como o Youtube. Estes jovens já aprendem desde cedo a não serem apenas consumidores e espectadores de mídia mas sim seus produtores (Gee & Levine, 2009). 19 2.4.4 Risk Taking Os games possuem também uma característica muito essencial para o sucesso dos jogadores: eles foram feitos para serem vencidos. Os jogadores sabem que os desafios que eles estrão enfrentando possuem alguma forma de ser resolvido e que se eles falharem poderão repensar a estratégia em uma nova chance de resolver o problema. Não tendo a pressão de ter que resolver o problema ou ser punido de forma rigorosa com consequências desastrosas como é feito, por exemplo, em salas de aula. Isto permite os jogadores a terem mais confiança em assumir riscos e tentar novas formas criativas de resolver problemas Os bons games possuem um método para diminuir a consequência da falha que é permitir ao jogador reiniciar um nível que ele falhou de um ponto salvo no nível para poder tentar superar o desafio novamente. Na verdade, é até bom utilizar esta característica de poder enfrentar um desafio e falhar para tentar novamente, pois assim o jogador pode observar os padrões do desafio enfrentado e tentar solucionar o problema com outro ângulo de vista (Gee, 2005). A escola raramente deixa espaço para o aluno assumir riscos e explorar novas formas de poder superar os desafios incompletos, com a penalização de ter que recomeçar do início de todo o ano letivo. Isto impede completamente a exploração da criatividade individual na resolução do problema e não leva em conta o fato de que todos nós temos um ritmo de aprendizado único e capacidade de expressar pensamentos de forma diferente uns dos outros. 2.4.5 Customization Os jogadores muitas vezes podem customizar um game para o seu ritmo de aprendizado e de jogatina. Os jogadores podem resolver um mesmo problema de diferentes formas, e também podem evoluir o seu personagem de acordo com o que lhes é mais apropriado para se concentrar, como por exemplo 20 em um game de RPG: mais força, mais habilidade com a arma, maior inteligência para utilizar magias, mais poder de ataque e outros. Os jogos oferecem um sistema complexo de regras que os jogadores podem explorar através da experiência e descoberta (Lee & Hammer, 2011). Cada um dos jogadores irá, ao final de um game, ter feito tudo o que puder ser feito dentro de um game e todos chegarão ao final do jogo apesar de que resolverão os mesmos problemas e os mesmos obstáculos de formas diferentes. O currículo escolar devia ser otimizado para permitir ao aluno escolher como ele irá customizar o seu aprendizado durante o período em que estiver estudando, identificando seus interesses particulares. 2.4.6 Agency Criando um ambiente que una todos os princípios estudados até agora, o jogador se sente controlando o ambiente e isto ocasiona em um sentimento de controle real do que ele está fazendo, diferentemente do que ele sente na escola tradicional. Os games possuem uma característica interessante que é o de fazer parte de uma história se passando por outra pessoa, tendo uma visão deste mundo da perspectiva desta pessoa e aprendendo seus desejos e expectativas. Isto cria importantes habilidades a serem exploradas: o jogador pode, por exemplo, fazer o papel de um administrador de empresas e precisar simular e gerenciar várias empresas verificando o trabalho do administrador de perto e entendendo termos técnicos que ele trabalha no seu dia a dia. E se os games podem fazer isto, eles podem falar para um dos maiores problemas da educação atualmente: muitos estudantes que são capazes de obter êxito em testes e provas escritas mas os mesmos não conseguem aplicar o seu conhecimento para resolver problemas no mundo real (Gee, 2006b; Gardner, 1991). Como Gee explica: as pessoas, quando estão aprendendo ou fazendo ciência, devem descobrir e atingir os objetivos que são propostos pelo ramo cientifico com um domínio ou uma 21 comunidade social. Estes problemas são equivalentes aos objetivos ‘in game’. Porém, os alunos mais efetivos são aqueles possam conectar estes objetivos com os seus objetivos pessoais, que são baseados em seus próprios desejos, estilos e aspirações. Os professores não podem simplesmente pôr informações dentro das cabeças de seus alunos, porque o aprendizado é um processo ativo no qual as pessoas estão construindo novas compreensões do mundo ao redor através da exploração, da experimentação, da discussão e da reflexão, ou seja, as pessoas não apenas recebem ideias, elas criam elas (Resnick, 2002). 2.4.7 Well-Ordered Problems Os games trabalham com uma escala crescente de aprendizado e de resolução de problemas baseados nas habilidades aprendidas passo a passo. A dificuldade encontrada pelo jogador depende do ritmo de aprendizado do mesmo, pois os games dividem sua exploração através de níveis (levels) ou missões a serem cumpridas pelo jogador para passar para um nível mais avançado. Gee (2003) afirma que os bons games confrontam o jogador nos níveis iniciais com problemas que são desenhados especificamente para permitir aos jogadores formar uma base geral sobre o que eles irão enfrentar mais tarde quando encontrarem problemas mais complexos em níveis avançados. Ele explica que frequentemente os níveis iniciais dos games servem como tutoriais ‘escondidos’ para os aprendizado do game. 22 Figura 2. Exemplo de uma curva de level. A Figura 2 apresenta uma curva habitual de um game. Vemos que o desafio aumenta com o tempo, porém o mesmo deve ser balanceado visando aumentar o desafio de acordo com as habilidades do jogador, testando as habilidades aprendidas a cada nível em um desafio final ou boss batle6. 2.4.8 Challenge and Consolidation Bons games oferecem ao jogador um conjunto de problemas desafiadores e os dá liberdade para que possam resolver estes problemas quantas vezes acharem necessários até que sua solução se torne visualmente automática. Então o game coloca mais uma série de problemas exigindo que os jogadores repensem sua forma de resolução de problemas. Este ciclo de repetição de 6 Boss Batle, batalha com o chefe final da fase ou estágio. Geralmente é um inimigo muito mais desafiante que todos os oponentes da fase até este momento e requer um domínio de todas as habilidades para ser superado. 23 estratégias e tentativas serve para o jogador repetir o processo quantas vezes for necessário até conseguir atingir o domínio na área do problema. 2.4.9 “Just-in-Time” and “On Demand” Outro princípio de Gee que significa que as pessoas aprendem palavras quando tem a oportunidade de relacionar elas com algum contexto, não apenas a palavra em si. Os games dão as informações verbais “Just-in-Time”, ou seja, quando os jogadores precisam e podem usar ela, e “on demand” que é quando o jogador sente uma necessidade de usar ela, quer ela e está pronto para a informação. 2.4.10 Situated Meanings As pessoas aprendem o significado das palavras e aprendem novas quando elas podem conectar as palavras com experiências que elas se referem. Os games sempre situam o significado das palavras através de ações, imagens e diálogos, eles não apenas colocam palavras sem uma figura para que o jogador possa visualizar o seu significado. A simulação, que também é oferecida pelos games, é muito importante para que a mente humana possa relacionar contextos com conteúdo. Sua importância se deve à medida que entendemos que o ser humano pensa e compreende melhor quando ele pode sentir, ver, imaginar, ou seja, simular uma experiência (Barsalou, 1999; Clark 1997; Glenberg & Robertson 1999). Assim, a simulação auxilia o participante a se preparar para realizar suas ações necessárias e conseguir atingir seus objetivos de forma mais visual. 24 Figura 3. Jogo Castlevania I do NES. (Konami, 1986) A Figura 3 apresenta o jogo Castlevania do Nintendo Entertainment System (NES) que foi lançado em 1986. O mesmo mostra em sua interface um exemplo no qual temos vários objetos que o jogador pode facilmente identificar as características de cada e associar a forma ao sentido. 2.4.11 Pleasantly Frustrating Bons games trabalham com os princípios acima para criar no jogador o sentido de enfrentar um desafio realizável, porém, desafiante. O que é altamente motivador para aprendizes. 2.4.12 System Thinking Bons games trabalham encorajando o jogador a pensar sobre os relacionamentos, e não em eventos isolados, fatos e habilidades. Da mesma forma que a nossa sociedade atual funciona, onde cada ação deve ser pensada para não impactar negativamente outro aspecto da sociedade, como temos nas características do termo Desenvolvimento Sustentável. 25 2.4.13 Explore, Think Laterally, Rethink Goals Bons games trabalham encorajando o jogador a procurar explorar bastante o ambiente antes de ir ao seu objetivo principal. Com isto eles desenvolvem a habilidade de pensar lateralmente, não apenas linearmente, incentivando os jogadores a querem explorar todas as características que o ambiente dos games podem oferecer. E podem repensar seus objetivos, estratégias e interesses a cada interação com novos desafios. Os games da série Final Fantasy7 funcionam com estas características, onde os jogadores têm um objetivo claro final e no mundo do jogo eles podem realizar diversas outras ações, inclusivo algumas que só são acessíveis após a conclusão do game, para poder evoluir os personagens ou ganhar armas especiais e modificar suas estratégias. Então cabe ao jogador decidir vai querer tomar estes caminhos alternativos para buscar outras estratégias de jogo ou seguir pela meta principal. 2.4.14 Smart Tools and Distributed Knowledge Em muitos games, os jogadores precisam realizar ações em grupo juntamente com outros personagens, se ele joga sozinho, a inteligência artificial do game pode auxiliar o jogador a movimentar os outros personagens de acordo com os comandos pré-estabelecidos pelo jogador. Porém se o mesmo joga com outras pessoa, como em um MMOG8, cada membro da equipe deve utilizar sua habilidade distinta para auxiliar o grupo. Estas ferramentas que auxiliam o jogador ou a forma como ele monta sua equipe e coordena as mesma servem como um auxílio para testar sua estratégia. 7 Final Fantasy é uma popular série de games estilo RPG da empresa japonesa Square Enix. MMOG (Massive Multiplayer Online Game) é um jogo para multijogadores em uma ambiente online onde os mesmos podem jogar simultaneamente. Estes jogos geralmente são jogador na internet por milhares de pessoas ao mesmo tempo em um mesmo ambiente ou servidor. (Fonte: Wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/MMO>). 8 26 2.4.15 Cross-Functional Teams Quando jogadores jogam MMOGs como World of Warcraft, eles frequentemente jogam em equipe com cada um dos personagens possuindo uma habilidade diferente. Por exemplo, um jogador pode ser um guerreiro, mas apesar de ele precisar entender tudo que o guerreiro pode fazer, ele deve entender o papel dos outros tipos de combatentes para poder realizar as ações em grupo de forma mais coordenada, expandindo assim, o seu conhecimento como um todo. Isto é a forma como os ambientes de trabalho reais funcionam, com equipes que dividem o trabalho de acordo com as habilidades individuais para maximizar a eficiência da equipe como um todo. 2.5 Emoções e foco nos games A emoção é um dos aspectos mais atraentes para os game designers explorarem. Os games são artefatos emocionais que evocam sentimentos que a pessoa irá valorizar (Rabin, 2013, p. 64). Os designers buscam criar experiências para dar aos jogadores sentimentos que eles desejam que os jogadores experimentem. A emoção pode ser utilizada para criar um ritmo de jogo mais bem cadenciado e que se adapte às necessidades de cada usuário individual, respeitando assim o seu limite e estimulando o participante a continuar aprendendo mais enquanto participa do jogo. Fica fácil de ver o quão profundamente motivacional são os videogames para os jogadores. O foco dos jogadores se mantém por horas e horas, durante as quais o jogador vai resolvendo problemas complexos no caminho (Gee, 2006b). Os games também fazem o jogador focar na atividade do game cada vez mais à medida que o tempo avança, conseguindo fazer o jogador aprender a gerenciar o tempo, ajudando o jogador a desenvolver a habilidade de manter a calma e tranquilidade e manter a concentração sobre situações estressantes (Bernays, 2012). O processo de design de um game sempre teve com um dos objetivos a imersão do jogador, pois ao se sentir mais conectado com o jogo 27 através da interatividade, informações sensoriais ou até mesmo de um ambiente que demanda sua atenção inteira, sempre torna mais agradável de participar. Também temos, como uma explicação para o foco, o que os pesquisadores chama de atenção seletiva (Rogers, 2013 p. 72), que é o processo de focar, escolhendo as coisas que você quer e excluído as que não considera importante para merecer atenção no momento. O nosso cérebro é especialista em focalizar apenas aquilo que nos parece mais importante. 2.5.1 Lost in The Dark Em um estudo feito por Bernays (Bernays, 2012) foi apresentado um projeto de um game chamado Lost in The Dark : Emotion Adaption, que usa a emoção do usuário para alterar e ajustar o ambiente do game. Neste game as configurações mudariam de acordo com a emoção apresentada pelo usuário, o que facilitaria a adaptação ao ritmo individual de cada jogador. 2.6 Flow Os games permitem ao jogador poder tomar o controle da sequência de ações e conseguir dominar o game em seu ritmo. Os games possuem um apelo emocional muito grande, este apelo é o que faz com que os jogadores adquiram vontade de se manter no ambiente ou mundo de jogo e se sentirem completamente imersos neste ambiente. Por outro lado a grande liberdade que o jogador possui no game também pode ser uma dificuldade para a experiência do game quando a frustração toma conta do jogador. Este balanceamento do progresso do jogador no nível do game e o os desafios enfrentados pelo mesmo foi bem estudado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihaly. Csikszentmihaly, em seu livro Flow the psychology of optimal experience (Csikszentmihaly, 2000) define flow como um estado mental de imersão total, onde o jogador é completamente absorvido e se torna despreocupado com as 28 coisas fora da experiência imediata (Rabin, 2013 p.77). Esta tarefa requer tanta concentração que somente um conjunto muito seleto de informações pode ser permitida estar trabalhando ao mesmo momento. Gerando uma experiência genuinamente satisfatória em um estado de consciência que absorve completamente o foco do participante na atividade que está realizando no momento. O flow deriva do conceito de optimal experience, que é a otimização da experiência do usuário em sua atividade atual. Uma das características mais conhecidas universalmente da experiência optimal experience é que a pessoa se torna tão envolvida no que está fazendo que a atividade se torna espontânea, realizada quase automaticamente pela pessoa (Csikszentmihaly, 2000). E através dos estudos sobre a optimal experience, Csikszentmihaly chegou ao conceito do fluxo como uma atividade que procura manter o jogador no Flow Channel: Figura 4. O Flow Channel de Csikszentmihaly. (Konami, 1986) A Figura 4 apresenta o Flow Channel que é o canal otimizado para a experiência do flow, é nela que o jogador deve permanecer durante toda a experiência, do início ao fim, para que a mesma não cause sentimentos 29 negativos como a ansiedade quando o game apresenta muito desafio para pouca habilidade atual do jogador, e nem cause aborrecimento, que é quando o game apresenta um desafio muito fácil para um jogador com muita habilidade. Este balanceamento entre a habilidade e o desafio deve ser procurado para manter o jogador no canal do fluxo durante toda a experiência no game. A arte japonesa de tiro com arco e flecha, a cerimônia do chá inglesa e outros rituais zen budistas tem em suas raízes estados mentais e atitudes que inspiraram o conceito de flow que Csikszentmihalyi criou (Greene, 2009). A extinção do ser, do ego e do conceito de passagem do tempo é uma questão normal no Budismo. Muitas pesquisas anteriores identificaram os momentos de extinção do sentido do ‘eu’ em várias atividades humanas como: uma vitória atlética, o aplauso do público, atingir o topo de uma montanha, orgasmo sexual e meditação profunda. Todos estes são momentos de uma auto satisfação muito alta e de um aproveitamento da vida extremamente grande. Em todos estes momentos, o sentido de si mesmo é suspenso momentaneamente (Greene, 2009). O flow é tão importante para atrair a atenção do jogador que alguns pesquisadores tentam criar características que façam com que esta experiência seja repetida por diversas vezes. Grenne (2003) afirma que se pudermos ajustar como os efeitos de um sistema são afetados em uma situação de game e combinarmos com algumas características, podemos repetir várias vezes o estado de flow. 30 Figura 5. Emoções durante a experiência (Csikszentmihaly, 2000) A figura 5 mostra um estudo de Csikszentmihalyi identificando as emoções que podem surgir durante uma experiência de acordo com o balanceamento entre desafio e a habilidade do jogador. Analisando a figura vemos que as emoções mais positivas surgem quando o jogador experimenta desafios completáveis com uma alta habilidade se superação, é aí onde surgem os sentimentos de controle e flow. Por outro lado vemos que se o game apresenta muito desafio e pouca habilidade temos o oposto – o jogador começa a desenvolver sentimentos negativos como ansiedade, preocupação e apatia pela experiência que está tendo. 2.7 Gamificação Gamificação é o processo de se utilizar as características e dinâmicas dos videogames para engajar o público e resolver problemas (Zichermann, 2014). Através da Gamificação podemos utilizar características típicas dos games, como ranking, perfil e recompensas para aumentar a participação dos jogadores 31 em outros tipos de ambiente que não esteja relacionado diretamente aos games. A gamificação pode motivar os estudantes a se engajarem dentro da sala de aula (Lee & Hammer, 2011), pois ela provê aos professores melhores ferramentas para guiar e recompensar os estudantes, e fazer os estudantes trazerem os seus melhores em busca de aprendizado. 2.7.1 Exemplos de uso de Gamificação MacGonigal (2012 p.163) em seu livro A Realidade em Jogo nos dá um exemplo do uso de gamificação quando ela fala sobre a Nike+ que é um aplicativo de monitoramento de corrida e uma plataforma emocional muito popular entre os corredores. Este sistema gera uma quantidade enorme de estatísticas para comparar a corrida de uma pessoa com outra, e isto faz com que as pessoas se motivem para correr mais e comparar com outras pessoas de mesmo objetivo pessoal. Este sistema gera feedback instantâneo para o jogador, gera ranking com outras pessoas e vários outros elementos típicos dos games para manter os jogadores envolvidos, e é um aplicativo de muito sucesso. 3. REQUISITOS EMOCIONAIS PARA OS GAMES 3.1 Analisando as pesquisas A Engenharia de Requisitos, para criar um ambiente de ensino baseado em um game, deve levar em consideração as respostas emocionais dos usuários. Estas respostas emocionais são o que levam o jogador a sentir motivação. Para isto deve ser considerado uma questão muito importante que é o ritmo. As emoções devem ser liberadas em pequenas doses para manter a motivação do jogador (Rabin, 2013, p.134). 32 Várias pesquisas procuraram identificar requisitos emocionais que podem ser utilizados para se criar um sistema ou ambiente que requeria o uso das emoções como uma das características do sistema. 3.1.1 Emotional Labor O trabalho emocional (emotional labor) foi proposto primeiramente por Hochschild (1979, 1983), que o definiu como sendo um método para ser recompensando no ambiente de trabalho através do gerenciamento do humor. Em resumo é o gerenciamento das emoções de uma pessoa através do trabalho para despertar a motivação no mesmo. 3.1.2 Job Engagement Em Liu (2010) temos que o trabalho emocional (emotional labor) é um prérequisito do engajamento no trabalho (job engagement), que Khan (1990) definiu este engajamento no trabalho como o auto controle individual para combinar o papel no trabalho com o interesse da própria pessoa. Já em Schaufeli (2004) temos a definição do engajamento no trabalho como um estado emocional cognitivo, que é relacionado ao trabalho, é afetivo e com sucesso. 3.1.3 PERMA O psicólogo Martin Seligman cunhou o termo PERMA que define suas descobertas na área da Psicologia Positiva. Este termo é uma sigla para cinco características que tornam os humanos felizes, e que são (Greene, 2003): 1. Pleasure (Prazer), atividades como provar comidas, banhos quentes e etc. 2. Engagement (Engajamento), o envolvimento em uma atividade que seja desafiante e agradável ao mesmo tempo (flow). 33 3. Relationships (Relacionamentos), as conexões sociais que fazemos indica um grau da nossa felicidade. 4. Meaning (sentido), um sentido de fazer parte de algo maior. 5. Accomplishments (realizações), conseguir realizar tarefas e metas. 3.1.4 Persuasive Technologies Sutcliff (2011) afirma que quando consideramos a emoção como um dos requisitos dos objetivos permite aos designers antecipar as respostas emocionais e mitigar suas desvantagens, por exemplo, buscando oferecer uma resposta simpática após um desapontamento. Muitas áreas, como o marketing, se utilizam deste conceito para criar suas marcas que despertam emoções nos usuário. Estas aplicações são conhecidas como persuasive technologies (tecnologias persuasivas), são tecnologias que atuam nas emoções das pessoas. Os games estão na vanguarda das pesquisas da Engenharia de Requisitos em emoções, que ainda recebem pouca atenção em outras áreas. 3.1.5 4 Keys to fun Niccole Lazzaro (2004) pesquisou em seu instituto as quatro chaves do sucesso para a diversão nos games. Elas são as seguintes: 1. Hard Fun, muitos jogadores tem como prazer superar os obstáculos, e um game desafiante recompensa criando emoções como a Frustração e o Fiero – uma palavra italiana para um triunfo pessoal. O Hard Fun aplicado nos games oferece vários desafios com uma escolha grande de estratégias. 2. Easy Fun é a que pretende manter o foco do jogador e sua atenção mais do que uma condição de vencimento. Esta chave aplicada nos games tenta despertar sempre a curiosidade do jogador, muito utilizada nos RPGs. 34 3. Serious Fun é quando o game tenta criar significado para o jogador mudando o jogador e o seu mundo. 4. People Fun quando o game tenta criar laços cooperativos e competitivos entre seus participantes. 4. ANÁLISANDO OS REQUISITOS EMOCIONAIS PARA UM AMBIENTE EDUCAIONAL BASEADO EM GAMES 4.1 Introdução Vimos em todas as pesquisas que existem várias formas de se utilizar as emoções para se motivar os alunos. Identificaremos agora os requisitos emocionais que podem ser aplicados na criação e no desenvolvimento de um ambiente educacional baseado em games. 4.2 Requisitos emocionais Os requisitos emocionais que podem ser utilizados em um ambiente educacional baseado em games estão abaixo classificados e organizados por ordem alfabética: Tabela 1 – Requisitos Emocionais Requisito Características Aplicação na Educação Aborrecimento Afeta negativamente a motivação do jogador e deve ser evitado acima de tudo. Pode ser ajustado para incentivar o aluno a não entrar no estado do aborrecimento e tentar melhorar. 35 Ansiedade Controla o quanto o jogador está tenso dentro do ambiente. Deve ser evitado ao máximo para não diminuir a motivação. Apatia Afeta negativamente o jogador diminuindo a motivação e o engajamento do mesmo. Na educação deve ser evitado o máximo para que o desempenho escolar não seja prejudicado. Controle Afeta positivamente o jogador à medida que lhe dá poder de decidir o ritmo de seu progresso dentro do ambiente e a sensação de domínio do sistema. Ao dar ao aluno o controle de sua progressão, lhe permite um poder e autonomia muito estimulante para avançar no ambiente. Prazer Afeta positivamente o jogador à medida que o mesmo se sente motivado para jogar mais quanto maior for o prazer que está sentindo. Esta emoção afeta muito positivamente o aluno pois ao combinar a prazer com o aprendizado, o aluno tende cada vez mais a permanecer no ambiente. Preocupação Afeta negativamente o jogador no ambiente que está sendo utilizado, deve ser medido o grau que ele ocorre e deve ser mantido em um nível baixo. Um aluno preocupado tende a perder o foco de atenção se o grau de preocupação for muito elevado. Deve ser mantido baixo para permitir criar um foco no aluno em relação ao material sendo estudado. Relaxamento Afeta positivamente o jogador permitindo ao mesmo se sentir tranquilo e confiante, ajudando a manter o foco dentro do ambiente. Os alunos devem ficar o maior tempo possível sem preocupações que os façam desistir de permanecer no ambiente. 5. CONCLUSÃO E TRABALHOS FUTUROS 5.1 Conclusões O presente trabalho permitiu conhecer mais a fundo sobre os requisitos emocionais a serem utilizados por engenheiros de sistemas educacionais. Estes requisitos podem e devem ser utilizados para que o ambiente educacional a ser construído se beneficie de suas características. Com estes requisitos identificados, pode-se ter uma base para a construção de um trabalho na área 36 educacional que esteja proposto a aplicar as características dos games. Mais estudos poderão ser feitos para identificar requisitos adicionais. 5.2 Trabalhos Futuros A partir dos dados coletados no presente trabalho, fica-se aberto a construção e implantação de um sistema de ensino que utilize estes requisitos e prove sua melhor eficácia. 6. REFERÊNCIAS BARSALOU, LW. 1999b. Perceptual symbol systems. Behavioral and Brain Sciences, vol. 22, pp. 577-660. BERNAYS, Ryan., et al. Lost in the Dark: Emotion Adaption. University of Cambridge,Massachussetts, USA, 2012. BROWN, Jhon Seely, THOMAS, Douglas. A New Culture of Learning. [Livro] – New York : CreateSpace independent Publishing Platform, 2011. CLARK, A. 1997. Being there: Putting brain, body and world together again. MIT Press, Cambridge, Mass. Csikszentmihaly, M. FLOW: The Psychology of Optimal Experience. Global Learning Communities, 2000. DRAPER, Stephen.W. (1999). Analysing Fun as a Candidate Software Requirement. Personal Technologies 3:117-122. GARDNER, H. 1991. 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