UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO – PÓS GRADUAÇÃO EM
CIÊNCIAS DA COMPUTAÇÃO
IVSON HENRIQUE BEZERRA DOS SANTOS
IDENTIFICANDO REQUISITOS EMOCIONAIS PARA CRIAR UM
AMBIENTE EDUCACIONAL BASEADOS EM GAMES
Recife, dezembro de 2013.
2
IVSON HENRIQUE BEZERRA DOS SANTOS
IDENTIFICANDO REQUISITOS EMOCIONAIS PARA CRIAR UM
AMBIENTE EDUCACIONAL BASEADOS EM GAMES
Monografia
apresentada
ao
Programa de Pós-graduação em
Ciência da Computação do Centro de
Informática da Universidade Federal
de Pernambuco como requisito para a
disciplina
de
Engenharia
de
Requisitos sob a orientação do
professor Dr. Jaelson Castro.
Recife, dezembro de 2013
3
“Não esqueçamos de que pequenas emoções são os grandes capitães
de nossas vidas e nós as obedecemos sem perceber”.
- Vincent van Gogh
4
Resumo
Vários estudos mostram que o modelo educacional atual está bastante
defasado: as escolas enfrentam concorrência com vários dispositivos
eletrônicos; o índice de evasão escolar é bastante elevado; os alunos não
conseguem se identificar como sendo parte do ambiente escolar; o aprendizado
é limitado pelo ambiente dentro da sala de aula e não inclui possibilidades de
aprendizado fora dela. Isto tudo faz com que o interesse dos alunos por aprender
em sala de aula venha caindo muito. Algumas linhas de pesquisa afirmam que a
escola deveria possuir um modelo curricular mais atraente, e para isto propõem
vários modelos de reforma educacional, entre eles um modelo em que a escola
possa aproveitar as características dos videogames para funcionar de uma
forma em que o aluno se sinta participando de um game, aumentando assim o
engajamento do mesmo. Porém, este modelos apresentados ainda não
possuem uma definição de quais seriam as características emocionais dos
games que tornariam a participação mais atraente para os alunos. O presente
trabalho tem por objetivo identificar requisitos emocionais que possam ser
utilizadas para criar um ambiente educacional baseado em games que possa
promover a motivação e o engajamento dos alunos.
Será analisado como
funcionam os ambientes educacionais atualmente e quais as propostas de
mudança do modelo educacional que estão em funcionamento e seus resultados
para se propor um ambiente educacional baseado neste novo modelo utilizando
de forma mais sólida os requisitos emocionais.
Palavras-chave: Educação, Flow, Jogos, Motivação, Requisitos Emocionais.
5
Abstract
Several studies show that the current educational model is quite outdated:
schools face competition with various electronic devices, the dropout rate is very
high; students fail to identify themselves as being part of the school environment,
learning is limited by the environment within the classroom and does not include
learning possibilities beyond. This all makes the interest of students to learn in
the classroom has been falling a lot. Some lines of research argue that the school
should have a curriculum model more attractive, and to propose that various
models of educational reform, including a model in which the school can take
advantage of the characteristics of video games to function in a way that the
student feel participating in a game, thus increasing the engagement of it.
However, the models presented do not yet have a definition of what would be the
emotional characteristics of games that would make participation more attractive
for students. This study aims to identify emotional requirements that can be used
to create an educational environment based on games that can promote
motivation and engagement of students. Will be analyzed as educational
environments currently run and what the proposed change of the educational
model that are in operation and its results to propose an educational environment
based on this new model using more solid emotional requirements.
Keywords: Education, Emotional Requirements, Flow, Games, Motivation.
6
SUMÁRIO
Sumário
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8
1 ANÁLISE DO MODELO DE ENSINO ATUAL ................................................. 9
1.1 Introdução ........................................................................................................................... 9
1.2 Referencial Teórico ........................................................................................................... 10
1.3 Escolas com propostas diferentes ..................................................................................... 11
1.3.1 Quest to Learn ............................................................................................................ 12
1.3.2 Projeto Gente ............................................................................................................. 12
1.4 Emoção e motivação nos novos modelos educacionais ................................................... 13
2. O USO DOS GAMES ................................................................................... 14
2.1 Introdução ......................................................................................................................... 14
2.2 Referencial Teórico ........................................................................................................... 15
2.3 Porque as pessoas jogam videogames .............................................................................. 15
2.4 Características educacionais dos games ........................................................................... 17
2.4.1 Identity ....................................................................................................................... 17
2.4.2 Interaction (feedback) ................................................................................................ 17
2.4.3 Production .................................................................................................................. 18
2.4.4 Risk Taking .................................................................................................................. 19
2.4.5 Customization............................................................................................................. 19
2.4.6 Agency ........................................................................................................................ 20
2.4.7 Well-Ordered Problems ............................................................................................. 21
2.4.8 Challenge and Consolidation ...................................................................................... 22
2.4.9 “Just-in-Time” and “On Demand” .............................................................................. 23
2.4.10 Situated Meanings.................................................................................................... 23
2.4.11 Pleasantly Frustrating ............................................................................................... 24
2.4.12 System Thinking ....................................................................................................... 24
2.4.13 Explore, Think Laterally, Rethink Goals .................................................................... 25
2.4.14 Smart Tools and Distributed Knowledge.................................................................. 25
2.4.15 Cross-Functional Teams ........................................................................................... 26
2.5 Emoções e foco nos games ............................................................................................... 26
2.5.1 Lost in The Dark .......................................................................................................... 27
7
2.6 Flow ................................................................................................................................... 27
2.7 Gamificação ....................................................................................................................... 30
2.7.1 Exemplos de uso de Gamificação ............................................................................... 31
3. REQUISITOS EMOCIONAIS PARA OS GAMES ......................................... 31
3.1 Analisando as pesquisas .................................................................................................... 31
3.1.1 Emotional Labor ......................................................................................................... 32
3.1.2 Job Engagement ......................................................................................................... 32
3.1.3 PERMA ........................................................................................................................ 32
3.1.4 Persuasive Technologies ............................................................................................ 33
3.1.5 4 Keys to fun ............................................................................................................... 33
4. ANÁLISANDO OS REQUISITOS EMOCIONAIS PARA UM AMBIENTE
EDUCAIONAL BASEADO EM GAMES ........................................................... 34
4.1 Introdução ......................................................................................................................... 34
4.2 Requisitos emocionais ....................................................................................................... 34
Tabela 1 – Requisitos Emocionais ........................................................................................... 34
5. CONCLUSÃO E TRABALHOS FUTUROS .................................................. 35
5.1 Conclusões......................................................................................................................... 35
5.2 Trabalhos Futuros.............................................................................................................. 36
6. REFERÊNCIAS ............................................................................................ 36
8
INTRODUÇÃO
Vários estudos recentes mostram que o modelo educacional atual está
bastante defasado: as escolas enfrentam concorrência com vários dispositivos
eletrônicos, o índice de evasão escolar é bastante elevado, os alunos não
conseguem se identificar como parte do ambiente escolar, o aprendizado é
limitado pelo ambiente dentro da sala de aula e não inclui possibilidades de
aprendizado fora dela, e o interesse dos alunos por aprenderem em sala de aula
vem caindo muito.
Várias linhas de pesquisa afirmam que a escola deveria possuir um
modelo curricular mais atraente, e para isto propõem vários modelos de reforma
educacional, entre os quais um modelo em que a escola possa aproveitar as
características dos videogames para funcionar de forma que o aluno se sinta
participando de um game, aumentando assim o engajamento do mesmo. Porém,
estes modelos apresentados ainda não possuem uma definição de quais seriam
os requisitos emocionais dos games que tornariam a participação mais
motivacional para os alunos. O presente trabalho tem por objetivo identificar
requisitos emocionais que possam ser utilizados para criar um ambiente
educacional baseado em games, o qual sirva para promover a motivação e o
engajamento dos alunos.
O
trabalho
está
divido
em
cinco
capítulos/partes,
descritos
resumidamente a seguir: No capítulo I, é apresentado como a escola funciona
atualmente, identificando os pontos que tornam ela desinteressante para os
alunos e algumas propostas de mudança do modelo de ensino atual. No capítulo
II é apresentado o conceito dos games, porque as pessoas jogam videogames,
o que é Gamificação1, as características dos games que atraem a emoção e a
motivação e o conceito cunhado pelo filósofo Csikszentmihalyi de Flow. No
capítulo III é apresentado o que as pesquisas sobre requisitos emocionais
1
Gamificação (Ludificação) é o processo de usar pensamentos dos games e as dinâmicas dos
games para engajar o público e resolver problemas. (Fonte: GCO Gamification Corp.
<http://www.gamification.co/gabe-zichermann/>).
9
conseguiram descobrir até as pesquisas mais atuais. No capítulo IV é
apresentado uma proposta para a construção de um modelo de ensino baseado
em games, de acordo com os estudos e requisitos colhidos até aqui, para ser
aplicado em uma escola que possua a disponibilidade de aceitar e aplicar os
conceitos apresentados. Finalmente no capítulo V é apresentado a conclusão do
trabalho bem como proposto trabalhos futuros para serem melhor aprofundados
em busca de soluções mais adequadas.
1 ANÁLISE DO MODELO DE ENSINO ATUAL
1.1 Introdução
O ambiente educacional atual possui algumas falhas em acompanhar o
ritmo de progresso de nossa sociedade: vivemos em um mundo onde vários
dispositivos e mídias surgem a toda hora, disputando nossa atenção de forma
acirrada, o que nos leva a selecionar em qual atividade iremos manter nosso
foco de atenção. Brown & Thomas (2011) tratam de questões importantes sobre
como precisamos mudar o velho modelo de ensino para uma nova cultura de
aprendizagem, que surge a partir de um ambiente que possui infinitos recursos
capazes de motivar as pessoas a aprenderem despertando a curiosidade.
A escola tradicional, baseada em um modelo antiquado de ensino onde o
professor é o centro das atenções e o aluno o receptor passivo, possui uma
desvantagem em competir pela atenção dos alunos desta nova geração que já
nasce conectada com tecnologias como a internet e os games, e que contam
com vários meios de disputar a retenção da atenção. Como afirmam Gee &
Levine (2009): “nossa era global, que é baseada em inovação, requer de nós
uma reformulação das habilidades literárias e conectar elas com outras
competências como o pensamento crítico, resolução de problemas em
colaboração e a instrução de mídia”.
10
1.2 Referencial Teórico
Grande parte do mundo atual sofre com um problema crescente: o alto
índice de evasão escolar. Este fato se deve em parte à concorrência dos jovens
atuais com muitos mecanismos que aparentemente são mais atraentes que o
ambiente escolar. Os alunos estão disputando a atenção da escola com
dispositivos eletrônicos: computadores, tablets e smartphones possuem um
poder de atração da atenção muitas vezes bem maior do que a sala de aula
tradicional possui. Um estudo da Scholastic Inc. (Scholastic, 2013) nos Estados
Unidos reportou que quase a metade dos pais (49%) sentem que seus filhos não
gastam tempo bastante lendo livros por diversão, contra 36% dos dados
anteriores de 2010. O estudo também descobriu que 33% dos pais dizem que
seus filhos gastam tempo demais jogando videogames.
A grande questão é que muitas das escolas atuais se tornaram apenas
um local onde se prepara para testes como o vestibular e o ENEM, não dando
espaço para preparar os alunos exercitaram suas habilidades e nem buscarem
conhecimento (Gee, 2013, p. XII). De acordo com Gee, muitas faculdades se
tornaram um ponto de encontro social para se reunir com os amigos, beber
cerveja, e outras atividades além da essencial que é o conhecimento. O que nos
leva a entender que estes fatores são bem mais atrativos para os estudantes do
que o modelo de sala de aula atual. O aluno não é preparado para enfrentar o
mundo moderno, e ela tende a exigir que os alunos usem sua memória da
mesma forma que os computadores fazem, ao invés de tratar como humanos.
Pois o modelo de ensino atual tende a tratar a mente humana funcionando da
mesma forma que um banco de dados vazio, onde devemos colocar informação
que possa ser acessada a qualquer momento na memória, resgatada deste
banco de dados e transportada para as provas e testes de forma integral, sem
erros e com uma completude extrema (Gee, 2013).
Voltando novamente a Gee (2013), frisamos sua afirmação de que
vivemos em uma era que ele chama de ‘Anti-Educação’, onde nosso maior foco
é nos testes e nas maiores notas para que a escola ganhe um status de colégio
11
de elite ou ficar entre os colégios medianos. Nesse cenário a própria educação
fica sempre colocada em segundo plano e acaba sendo esquecida como uma
força para tirar de nós mesmos nossas melhores personalidades no serviço de
uma vida melhor tanto moralmente quanto como em sociedade. Não é de
admirar que em um cenário destes, voltado para forçar os alunos a absorverem
conteúdo, muitas vezes sem ter conexão com sua realidade diária, e mantendo
o nível de estresse elevado devido à exigência de notas altas com a punição de
ter um registro negativo no boletim por toda a vida, o desinteresse dos alunos
pela sala de aula esteja aumentando cada vez mais.
Cada vez mais as nações estão reconhecendo que a melhor forma de
melhorar a saúde, o bem estar e manter a paz é através da melhoria da educação
(Resnick, 2002). Mas com o modelo atual aplicado para ensino ultrapassado
deveríamos pensar em um currículo no qual o foco seja na “estratégia para
aprender coisas que você ainda não sabe” do que na atual estratégia de
aprender “coisas para se saber”. Poderíamos, para isto, ao invés de dividir o
currículo em disciplinas separadas (português, matemática, física, química)
desenvolver um currículo que foque em temas e projetos que utilizem
cruzamentos entre as disciplinas. De fato já existem algumas escolas que
buscaram utilizar uma abordagem mais aproximada com este modelo aqui
discutido.
1.3 Escolas com propostas diferentes
Algumas linhas de pesquisa afirmam que a escola deveria possuir um
modelo curricular mais atraente, e para isto propõem vários modelos de reforma
educacional, entre eles um modelo em que a escola passa a abordar as
características dos videogames para funcionar de uma forma em que o aluno se
sinta participando de um game, aumentando assim o engajamento do mesmo.
Vários projetos ao redor do mundo já utilizam este modelo educacional, inclusive
no Brasil, onde iremos conhecer alguns destes projetos a seguir.
12
1.3.1 Quest to Learn
A Quest to Learn é um escola pública da cidade de Nova York que foi a
pioneira no reformulação da aplicação de conceitos dos games na estrutura do
currículo escolar (Quest to Learn, 2014a). Ela é dedicada aos estudantes entre
o sexto ano do ensino fundamental e a terceira série do ensino médio. Seu
modelo de currículo é uma imitação dos princípios do design de games, onde
cada parte desde currículo funciona como uma missão de um game, envolvendo
várias estratégias dos games como: simulação, colaboração, resolução de
problemas e perfil de jogador. (Quest to Learn, 2014b).
Um dos objetivos principais da escola é o de promover a resolução de
problemas de forma que estimule os alunos a aprenderem as habilidades do
século XXI, que muitos especialistas afirmam serem necessárias para a
formação de uma carreira de sucesso, como aprender a trabalhar em
colaboração, pensamento sistêmico e a alfabetização digital.
Desta forma esta escola se consagra como um centro educacional que
aplica os conceitos do game design para criar um modelo curricular mais atual
para a sociedade moderna.
1.3.2 Projeto Gente
Gente (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias) é um projeto em uma
escola da Rocinha que não possui salas, turmas nem séries. Sua proposta
é
dar aos seus alunos uma educação que esteja mais alinhada com o século 21,
onde as habilidades de o aluno buscar respostas e saber onde procurar é mais
bem visto do que apenas receber respostas passivamente. Os alunos são
organizados por “famílias” de seis membros onde estes terão afinidades a partir
da escolha deles mesmos. O projeto é explicado desta forma:
“Cada aluno terá um itinerário de aprendizado pessoal, que funciona como uma espécie
de playlist, só que em vez de músicas, estarão os pontos que ele precisa aprender ou
13
desenvolver. Será o jovem o responsável por escolher a forma como o conteúdo lhe será
entregue – videoaulas, leituras, atividades individuais ou em grupo. Todas as semanas
os alunos serão avaliados na Máquina de Testes, um programa inteligente que propõe
questões de diferentes níveis de dificuldade, para garantir a evolução no conteúdo.
Quando ele não chegar ao resultado esperado, o jovem receberá uma atenção
individualizada. Tal atenção é de responsabilidade do mentor da família, o professor. “.
(UOL, 2013)
1.4 Emoção e motivação nos novos modelos educacionais
Estes modelos apresentados até agora, apesar de serem referência em
suas áreas, ainda não possuem uma definição clara de quais seriam as
características emocionais que tornariam a participação mais ativa por parte dos
alunos. E é este um dos aspectos dos games que mais atraem e engajam os
usuários: o apelo emocional. Como diz Gee: “A emoção é essencial para o
pensamento e a simulação porque ela nos auxilia a gerenciar a atenção, persistir
independente da falha e medir os resultados em termos do que nós nos
importamos”. Gee & Levine também afirmam que um passo crucial para
promover o engajamento e a motivação dos estudantes é o de repensar a
literatura para o século 21. Um dos meios que vem sendo estudados por muitos
pesquisadores para reformular a estrutura curricular dos alunos e auxiliar a
manter a motivação dos mesmos é através dos games.
Gee também afirma que a motivação é o fator mais importante que dirige
o aprendizado, e que quando a motivação morre, o aprendizado também morre.
E como os bons games são altamente motivacionais para uma grande parcela
de pessoas, podemos então estudar como a motivação é criada e sustenta pelos
games e aplicar estes conceitos em um ambiente de estudo.
14
2. O USO DOS GAMES
2.1 Introdução
Os games já são uma parte essencial de nossa vida diária: grande parte
dos nossos aparelhos atuais – televisão, smartphones, câmeras digitais, tablets,
notebooks entre outros, atualmente possuem sistemas operacionais como o
Android2 e outros que permitem aos usuários acessarem vários aplicativos (ou
Apps3) incluindo vários games que podem ser adquiridos para estes aparelhos.
Isto faz com que praticamente todas as pessoas tenham contato com algum
aparelho que possua uma interface de facilidade para acessar um game. Os
games, que são extremamente populares entre os jovens e adultos são bem
mais do que simples brinquedos. Eles criam novos mundos sociais e culturais,
onde as pessoas aprendem a pensar de forma integrada, a interagir socialmente
com outras pessoas e com a tecnologia e tudo isto ao mesmo tempo em que
elas estão realizando um trabalho que elas gostam (Schaffer, 2004). Games são
uma atividade voluntária que tendem a compelir o usuário a permanecer na
atividade pelo maior tempo possível.
Figura 1. Câmera da Samsung com sistema operacional Android.
2
Android é um sistema operacional da Google Inc. baseado no núcleo do Linux para
dispositivos móveis (Fonte: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Android>).
3 App (Aplicativo Móvel) é um software desenvolvido para ser instalado em dispositivo
eletrônico móvel. (Fonte: wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/Aplicativo_m%C3%B3vel>).
15
Na Figura 1 temos a câmera digital Samsung Galaxy da empresa
Samsung, que possui o sistema operacional Android no qual permite adquirir
aplicativos (Apps), navegar na internet e realizar várias outras tarefas, entre as
quais jogar games. Com este exemplo, vemos que os aplicativos estão sendo
adaptados para praticamente todos os nossos aparelhos de tecnologia atuais, e
com isto, se abre a possibilidade para estudar o impacto dos games na nossa
sociedade, em especial, na educação.
2.2 Referencial Teórico
No campo das pesquisas do impacto dos games na educação e da
hipótese de como os videogames são bons para o aprendizado estão vários
pesquisadores, entre os quais podemos destacar as pesquisas de Shaffer que
afirma que os videogames irão mudar a forma como aprendemos. Segundo ele,
nossas atividades são mais poderosas quando elas são pessoalmente
significativas, experimentais, sociais e epistemológicas ao mesmo tempo. Os
videogames assim, podem ser vistos como um vislumbre de como podemos criar
novas formas poderosas de aprender nas escolas, comunidades e ambientes de
trabalho.
2.3 Porque as pessoas jogam videogames
Em 1980 Johan Huizinga publicou um livro chamado Homo Ludens, que
descreve o jogo como um elemento da cultura. Ele chegou à conclusão que o
jogo faz parte da natureza tanto dos homens quanto dos animais, e que as
questões da competitividade e da cooperação sempre estiveram em andamento
com o desenvolvimento da sociedade (Huizinga, 1980).
No livro Regras do Jogo de Katie Salen e Erik Zimmermen (Salen &
Zimmerman, 2012) os autores analisam o papel dos jogos e sua importância
16
para a sociedade, onde afirmam que jogar um game significa ter que fazer
escolhas e tomar medidas para superar os desafios, onde cada uma das ações
realizadas tem como resultado um feedback do e no sistema que afeta o sistema
global como um todo. O jogador com isto, passa a aprender a realizar ações que
resultem em significados, como o movimento de uma peça de xadrez que muda
toda a relação estabelecida até o momento no tabuleiro para outras variáveis
novas. Outro exemplo seria um jogo de futebol, onde cada jogador precisa estar
consciente de seu posicionamento, suas ações, sua visão de jogo e em que cada
ação que ele tomar – seja passar a bola para um companheiro que está perto ou
longe, seja chutar a gol, seja perder a bola, seja correr pelo lado do campo para
receber a bola, irá afetar todo o sistema do jogo, criando várias possibilidades e
tendo a oportunidade de ver em pouco tempo se a sua ação foi benéfica para o
jogo como um todo.
Estas características ajudam a explicar o que torna os games um produto
muito atraente para as pessoas, pois especialmente entre os jovens eles estão
se tornando cada vez mais uma parte de como eles aprendem várias coisas,
especialmente sobre cultura. Visto que apenas a wiki feita para o game World of
Warcraft4, a WoWWiki, possui a segunda maior coleção de verbetes em toda a
internet, perdendo apenas para a própria Wikipedia, conteúdo este que foi todo
escrito e estudado pelos jogadores do game, criando assim, coletivamente, um
universo completamente imenso de características sobre um mundo virtual.
Em Rieber (1996, p.43) encontramos quatro características que fazem as
pessoas jogarem videogames: é uma atividade voluntária, as pessoas não são
obrigadas a jogar, cabe apenas a elas mesmas de irão participar do game; é
uma atividade intrinsicamente motivante, o jogador sente prazer pela ação que
está realizando no game e os games geram emoções para aumentar a
motivação do jogador; ela envolve algum nível de afetividade, sendo
frequentemente física mas podendo muitas vezes ser mental, e engajante; é uma
4
World of Warcraft é um MMORPG (jogo de interpretação de papéis para multijogadores) da
empresa Blizzard. È considerado o game de maior sucesso do mundo e possui milhões de
jogadores ativos até hoje, mesmo após 10 anos de seu lançamento.
17
atividade que se distingue de outras pois tem a qualidade de poder realizar uma
ação e acreditar que vai ter um resultado esperado.
Uma pesquisa conduzida pela professora de psicologia Patricia Marks
Grenfield (Greenfield apud Rabin, 2013 p.40) chegou à conclusão de que os
jogos são atraentes para as pessoas porque, parcialmente, eles oferecem uma
jogabilidade, objetivos, metas e fases em tempo real, e ainda por cima auxiliam
a criar laços sociais e a colaboração. Os games são atraentes tanto para adultos
quanto para crianças, sem distinção de sexo, cor ou nacionalidade.
2.4 Características educacionais dos games
Os
games
apresentam
muitas
das
características
que
muitos
pesquisadores consideram como sendo as ideais para que se possa obter um
aprendizado de forma mais eficaz. Gee (2005) identifica várias princípios de
aprendizado que os games possuem e que podem exploradas para criar uma
ambiente educacional bem mais atraente para as pessoas, que são:
2.4.1 Identity
Não existe realmente um aprendizado profundo se o aprendiz não se
sente fazendo parte do processo de ensino. Os bons games capturam o jogador
através da criação da conexão entre o jogador e o avatar5 do game, apelando
para a conexão emocional entre os dois para criar uma melhor motivação no
jogador.
2.4.2 Interaction (feedback)
Os games possuem um rico sistema de feedback, onde o jogador está
constantemente vendo o resultado de suas ações e em tempo real obtendo uma
resposta do sistema para saber se a sua ação está sendo correta ou não, seja
5
Avatar em videogames é a representação virtual do personagem do jogador dentro do mundo
do game.
18
através da pontuação, de sons, de vibração do controle ou de qualquer outro
meio, os videogames trabalham com um sistema de feedback muito aprimorado.
Como relata Csikszentmihaly (2000): “o que torna o feedback valioso é a
mensagem simbólica que ele contém, é a afirmação de que você conseguiu ser
bem sucedido em seu objetivo”.
Esta experiência que os jogos proporcionam ao mostrar uma reação do
game de uma forma visual, com sons, tamanhos, movimentação e
características ajuda a criar sentimentos nos jogadores à medida que os mesmos
se ambientam no jogo e não apenas informações primárias da forma que os
filmes e livros fazem (Gee, 2006b).
2.4.3 Production
Os jogadores são acima de tudo produtores, pois o mundo em que eles
jogam seria apenas um mundo estático se não fosse pelas suas ações no
mesmo. Nos games, os jogadores também participam de ambientes de
resolução de problemas de uma forma bem diferente do que em qualquer outra
área: os jogadores são as peças principais que fazem as coisas acontecerem no
ambiente, eles não apenas são consumidores estáticos de conteúdo. Os
jogadores estão co-criando o mundo do game junto aos designers e com isto
descobrindo novas formas de experiências.
Muitos dos jovens de hoje em dia são também produtores de mídia, muitas
vezes trabalhando cooperativamente na realização desta tarefa, seguindo a
tendência da nossa cultura que vem incentivando a produção e participação nos
vários meios de consumo de mídia atuais como as redes sociais e os canais de
vídeo produção independente como o Youtube. Estes jovens já aprendem desde
cedo a não serem apenas consumidores e espectadores de mídia mas sim seus
produtores (Gee & Levine, 2009).
19
2.4.4 Risk Taking
Os games possuem também uma característica muito essencial para o
sucesso dos jogadores: eles foram feitos para serem vencidos. Os jogadores
sabem que os desafios que eles estrão enfrentando possuem alguma forma de
ser resolvido e que se eles falharem poderão repensar a estratégia em uma nova
chance de resolver o problema. Não tendo a pressão de ter que resolver o
problema ou ser punido de forma rigorosa com consequências desastrosas
como é feito, por exemplo, em salas de aula. Isto permite os jogadores a terem
mais confiança em assumir riscos e tentar novas formas criativas de resolver
problemas
Os bons games possuem um método para diminuir a consequência da
falha que é permitir ao jogador reiniciar um nível que ele falhou de um ponto
salvo no nível para poder tentar superar o desafio novamente. Na verdade, é até
bom utilizar esta característica de poder enfrentar um desafio e falhar para tentar
novamente, pois assim o jogador pode observar os padrões do desafio
enfrentado e tentar solucionar o problema com outro ângulo de vista (Gee, 2005).
A escola raramente deixa espaço para o aluno assumir riscos e explorar
novas formas de poder superar os desafios incompletos, com a penalização de
ter que recomeçar do início de todo o ano letivo. Isto impede completamente a
exploração da criatividade individual na resolução do problema e não leva em
conta o fato de que todos nós temos um ritmo de aprendizado único e
capacidade de expressar pensamentos de forma diferente uns dos outros.
2.4.5 Customization
Os jogadores muitas vezes podem customizar um game para o seu ritmo
de aprendizado e de jogatina. Os jogadores podem resolver um mesmo
problema de diferentes formas, e também podem evoluir o seu personagem de
acordo com o que lhes é mais apropriado para se concentrar, como por exemplo
20
em um game de RPG: mais força, mais habilidade com a arma, maior inteligência
para utilizar magias, mais poder de ataque e outros.
Os jogos oferecem um sistema complexo de regras que os jogadores
podem explorar através da experiência e descoberta (Lee & Hammer, 2011).
Cada um dos jogadores irá, ao final de um game, ter feito tudo o que puder ser
feito dentro de um game e todos chegarão ao final do jogo apesar de que
resolverão os mesmos problemas e os mesmos obstáculos de formas diferentes.
O currículo escolar devia ser otimizado para permitir ao aluno escolher
como ele irá customizar o seu aprendizado durante o período em que estiver
estudando, identificando seus interesses particulares.
2.4.6 Agency
Criando um ambiente que una todos os princípios estudados até agora, o
jogador se sente controlando o ambiente e isto ocasiona em um sentimento de
controle real do que ele está fazendo, diferentemente do que ele sente na escola
tradicional.
Os games possuem uma característica interessante que é o de fazer parte
de uma história se passando por outra pessoa, tendo uma visão deste mundo da
perspectiva desta pessoa e aprendendo seus desejos e expectativas. Isto cria
importantes habilidades a serem exploradas: o jogador pode, por exemplo, fazer
o papel de um administrador de empresas e precisar simular e gerenciar várias
empresas verificando o trabalho do administrador de perto e entendendo termos
técnicos que ele trabalha no seu dia a dia. E se os games podem fazer isto, eles
podem falar para um dos maiores problemas da educação atualmente: muitos
estudantes que são capazes de obter êxito em testes e provas escritas mas os
mesmos não conseguem aplicar o seu conhecimento para resolver problemas
no mundo real (Gee, 2006b; Gardner, 1991). Como Gee explica: as pessoas,
quando estão aprendendo ou fazendo ciência, devem descobrir e atingir os
objetivos que são propostos pelo ramo cientifico com um domínio ou uma
21
comunidade social. Estes problemas são equivalentes aos objetivos ‘in game’.
Porém, os alunos mais efetivos são aqueles possam conectar estes objetivos
com os seus objetivos pessoais, que são baseados em seus próprios desejos,
estilos e aspirações.
Os professores não podem simplesmente pôr informações dentro das
cabeças de seus alunos, porque o aprendizado é um processo ativo no qual as
pessoas estão construindo novas compreensões do mundo ao redor através da
exploração, da experimentação, da discussão e da reflexão, ou seja, as pessoas
não apenas recebem ideias, elas criam elas (Resnick, 2002).
2.4.7 Well-Ordered Problems
Os games trabalham com uma escala crescente de aprendizado e de
resolução de problemas baseados nas habilidades aprendidas passo a passo. A
dificuldade encontrada pelo jogador depende do ritmo de aprendizado do
mesmo, pois os games dividem sua exploração através de níveis (levels) ou
missões a serem cumpridas pelo jogador para passar para um nível mais
avançado. Gee (2003) afirma que os bons games confrontam o jogador nos
níveis iniciais com problemas que são desenhados especificamente para permitir
aos jogadores formar uma base geral sobre o que eles irão enfrentar mais tarde
quando encontrarem problemas mais complexos em níveis avançados. Ele
explica que frequentemente os níveis iniciais dos games servem como tutoriais
‘escondidos’ para os aprendizado do game.
22
Figura 2. Exemplo de uma curva de level.
A Figura 2 apresenta uma curva habitual de um game. Vemos que o
desafio aumenta com o tempo, porém o mesmo deve ser balanceado visando
aumentar o desafio de acordo com as habilidades do jogador, testando as
habilidades aprendidas a cada nível em um desafio final ou boss batle6.
2.4.8 Challenge and Consolidation
Bons games oferecem ao jogador um conjunto de problemas desafiadores
e os dá liberdade para que possam resolver estes problemas quantas vezes
acharem necessários até que sua solução se torne visualmente automática.
Então o game coloca mais uma série de problemas exigindo que os jogadores
repensem sua forma de resolução de problemas. Este ciclo de repetição de
6
Boss Batle, batalha com o chefe final da fase ou estágio. Geralmente é um inimigo muito mais
desafiante que todos os oponentes da fase até este momento e requer um domínio de todas as
habilidades para ser superado.
23
estratégias e tentativas serve para o jogador repetir o processo quantas vezes
for necessário até conseguir atingir o domínio na área do problema.
2.4.9 “Just-in-Time” and “On Demand”
Outro princípio de Gee que significa que as pessoas aprendem palavras
quando tem a oportunidade de relacionar elas com algum contexto, não apenas
a palavra em si. Os games dão as informações verbais “Just-in-Time”, ou seja,
quando os jogadores precisam e podem usar ela, e “on demand” que é quando
o jogador sente uma necessidade de usar ela, quer ela e está pronto para a
informação.
2.4.10 Situated Meanings
As pessoas aprendem o significado das palavras e aprendem novas
quando elas podem conectar as palavras com experiências que elas se referem.
Os games sempre situam o significado das palavras através de ações, imagens
e diálogos, eles não apenas colocam palavras sem uma figura para que o
jogador possa visualizar o seu significado.
A simulação, que também é oferecida pelos games, é muito importante
para que a mente humana possa relacionar contextos com conteúdo. Sua
importância se deve à medida que entendemos que o ser humano pensa e
compreende melhor quando ele pode sentir, ver, imaginar, ou seja, simular uma
experiência (Barsalou, 1999; Clark 1997; Glenberg & Robertson 1999). Assim,
a simulação auxilia o participante a se preparar para realizar suas ações
necessárias e conseguir atingir seus objetivos de forma mais visual.
24
Figura 3. Jogo Castlevania I do NES. (Konami, 1986)
A Figura 3 apresenta o jogo Castlevania do Nintendo Entertainment
System (NES) que foi lançado em 1986. O mesmo mostra em sua interface um
exemplo no qual temos vários objetos que o jogador pode facilmente identificar
as características de cada e associar a forma ao sentido.
2.4.11 Pleasantly Frustrating
Bons games trabalham com os princípios acima para criar no jogador o
sentido de enfrentar um desafio realizável, porém, desafiante. O que é altamente
motivador para aprendizes.
2.4.12 System Thinking
Bons games trabalham encorajando o jogador a pensar sobre os
relacionamentos, e não em eventos isolados, fatos e habilidades. Da mesma
forma que a nossa sociedade atual funciona, onde cada ação deve ser pensada
para não impactar negativamente outro aspecto da sociedade, como temos nas
características do termo Desenvolvimento Sustentável.
25
2.4.13 Explore, Think Laterally, Rethink Goals
Bons games trabalham encorajando o jogador a procurar explorar
bastante o ambiente antes de ir ao seu objetivo principal. Com isto eles
desenvolvem a habilidade de pensar lateralmente, não apenas linearmente,
incentivando os jogadores a querem explorar todas as características que o
ambiente dos games podem oferecer. E podem repensar seus objetivos,
estratégias e interesses a cada interação com novos desafios. Os games da
série Final Fantasy7 funcionam com estas características, onde os jogadores têm
um objetivo claro final e no mundo do jogo eles podem realizar diversas outras
ações, inclusivo algumas que só são acessíveis após a conclusão do game, para
poder evoluir os personagens ou ganhar armas especiais e modificar suas
estratégias. Então cabe ao jogador decidir vai querer tomar estes caminhos
alternativos para buscar outras estratégias de jogo ou seguir pela meta principal.
2.4.14 Smart Tools and Distributed Knowledge
Em muitos games, os jogadores precisam realizar ações em grupo
juntamente com outros personagens, se ele joga sozinho, a inteligência artificial
do game pode auxiliar o jogador a movimentar os outros personagens de acordo
com os comandos pré-estabelecidos pelo jogador. Porém se o mesmo joga com
outras pessoa, como em um MMOG8, cada membro da equipe deve utilizar sua
habilidade distinta para auxiliar o grupo. Estas ferramentas que auxiliam o
jogador ou a forma como ele monta sua equipe e coordena as mesma servem
como um auxílio para testar sua estratégia.
7
Final Fantasy é uma popular série de games estilo RPG da empresa japonesa Square Enix.
MMOG (Massive Multiplayer Online Game) é um jogo para multijogadores em uma ambiente
online onde os mesmos podem jogar simultaneamente. Estes jogos geralmente são jogador na
internet por milhares de pessoas ao mesmo tempo em um mesmo ambiente ou servidor.
(Fonte: Wikipedia <http://pt.wikipedia.org/wiki/MMO>).
8
26
2.4.15 Cross-Functional Teams
Quando jogadores jogam MMOGs como World of Warcraft, eles
frequentemente jogam em equipe com cada um dos personagens possuindo
uma habilidade diferente. Por exemplo, um jogador pode ser um guerreiro, mas
apesar de ele precisar entender tudo que o guerreiro pode fazer, ele deve
entender o papel dos outros tipos de combatentes para poder realizar as ações
em grupo de forma mais coordenada, expandindo assim, o seu conhecimento
como um todo. Isto é a forma como os ambientes de trabalho reais funcionam,
com equipes que dividem o trabalho de acordo com as habilidades individuais
para maximizar a eficiência da equipe como um todo.
2.5 Emoções e foco nos games
A emoção é um dos aspectos mais atraentes para os game designers
explorarem. Os games são artefatos emocionais que evocam sentimentos que a
pessoa irá valorizar (Rabin, 2013, p. 64). Os designers buscam criar experiências
para dar aos jogadores sentimentos que eles desejam que os jogadores
experimentem. A emoção pode ser utilizada para criar um ritmo de jogo mais
bem cadenciado e que se adapte às necessidades de cada usuário individual,
respeitando assim o seu limite e estimulando o participante a continuar
aprendendo mais enquanto participa do jogo. Fica fácil de ver o quão
profundamente motivacional são os videogames para os jogadores. O foco dos
jogadores se mantém por horas e horas, durante as quais o jogador vai
resolvendo problemas complexos no caminho (Gee, 2006b).
Os games também fazem o jogador focar na atividade do game cada vez
mais à medida que o tempo avança, conseguindo fazer o jogador aprender a
gerenciar o tempo, ajudando o jogador a desenvolver a habilidade de manter a
calma e tranquilidade e manter a concentração sobre situações estressantes
(Bernays, 2012). O processo de design de um game sempre teve com um dos
objetivos a imersão do jogador, pois ao se sentir mais conectado com o jogo
27
através da interatividade, informações sensoriais ou até mesmo de um ambiente
que demanda sua atenção inteira, sempre torna mais agradável de participar.
Também temos, como uma explicação para o foco, o que os
pesquisadores chama de atenção seletiva (Rogers, 2013 p. 72), que é o
processo de focar, escolhendo as coisas que você quer e excluído as que não
considera importante para merecer atenção no momento. O nosso cérebro é
especialista em focalizar apenas aquilo que nos parece mais importante.
2.5.1 Lost in The Dark
Em um estudo feito por Bernays (Bernays, 2012) foi apresentado um
projeto de um game chamado Lost in The Dark : Emotion Adaption, que usa a
emoção do usuário para alterar e ajustar o ambiente do game. Neste game as
configurações mudariam de acordo com a emoção apresentada pelo usuário, o
que facilitaria a adaptação ao ritmo individual de cada jogador.
2.6 Flow
Os games permitem ao jogador poder tomar o controle da sequência de
ações e conseguir dominar o game em seu ritmo. Os games possuem um apelo
emocional muito grande, este apelo é o que faz com que os jogadores adquiram
vontade de se manter no ambiente ou mundo de jogo e se sentirem
completamente imersos neste ambiente. Por outro lado a grande liberdade que
o jogador possui no game também pode ser uma dificuldade para a experiência
do game quando a frustração toma conta do jogador. Este balanceamento do
progresso do jogador no nível do game e o os desafios enfrentados pelo mesmo
foi bem estudado pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihaly.
Csikszentmihaly, em seu livro Flow the psychology of optimal experience
(Csikszentmihaly, 2000) define flow como um estado mental de imersão total,
onde o jogador é completamente absorvido e se torna despreocupado com as
28
coisas fora da experiência imediata (Rabin, 2013 p.77). Esta tarefa requer tanta
concentração que somente um conjunto muito seleto de informações pode ser
permitida estar trabalhando ao mesmo momento. Gerando uma experiência
genuinamente satisfatória em um estado de consciência que absorve
completamente o foco do participante na atividade que está realizando no
momento.
O flow deriva do conceito de optimal experience, que é a otimização da
experiência do usuário em sua atividade atual. Uma das características mais
conhecidas universalmente da experiência optimal experience é que a pessoa
se torna tão envolvida no que está fazendo que a atividade se torna espontânea,
realizada quase automaticamente pela pessoa (Csikszentmihaly, 2000). E
através dos estudos sobre a optimal experience, Csikszentmihaly chegou ao
conceito do fluxo como uma atividade que procura manter o jogador no Flow
Channel:
Figura 4. O Flow Channel de Csikszentmihaly. (Konami, 1986)
A Figura 4 apresenta o Flow Channel que é o canal otimizado para a
experiência do flow, é nela que o jogador deve permanecer durante toda a
experiência, do início ao fim, para que a mesma não cause sentimentos
29
negativos como a ansiedade quando o game apresenta muito desafio para pouca
habilidade atual do jogador, e nem cause aborrecimento, que é quando o game
apresenta um desafio muito fácil para um jogador com muita habilidade. Este
balanceamento entre a habilidade e o desafio deve ser procurado para manter o
jogador no canal do fluxo durante toda a experiência no game.
A arte japonesa de tiro com arco e flecha, a cerimônia do chá inglesa e
outros rituais zen budistas tem em suas raízes estados mentais e atitudes que
inspiraram o conceito de flow que Csikszentmihalyi criou (Greene, 2009). A
extinção do ser, do ego e do conceito de passagem do tempo é uma questão
normal no Budismo. Muitas pesquisas anteriores identificaram os momentos de
extinção do sentido do ‘eu’ em várias atividades humanas como: uma vitória
atlética, o aplauso do público, atingir o topo de uma montanha, orgasmo sexual
e meditação profunda. Todos estes são momentos de uma auto satisfação muito
alta e de um aproveitamento da vida extremamente grande. Em todos estes
momentos, o sentido de si mesmo é suspenso momentaneamente (Greene,
2009).
O flow é tão importante para atrair a atenção do jogador que alguns
pesquisadores tentam criar características que façam com que esta experiência
seja repetida por diversas vezes. Grenne (2003) afirma que se pudermos ajustar
como os efeitos de um sistema são afetados em uma situação de game e
combinarmos com algumas características, podemos repetir várias vezes o
estado de flow.
30
Figura 5. Emoções durante a experiência (Csikszentmihaly, 2000)
A figura 5 mostra um estudo de Csikszentmihalyi identificando as
emoções que podem surgir durante uma experiência de acordo com o
balanceamento entre desafio e a habilidade do jogador. Analisando a figura
vemos que as emoções mais positivas surgem quando o jogador experimenta
desafios completáveis com uma alta habilidade se superação, é aí onde surgem
os sentimentos de controle e flow. Por outro lado vemos que se o game
apresenta muito desafio e pouca habilidade temos o oposto – o jogador começa
a desenvolver sentimentos negativos como ansiedade, preocupação e apatia
pela experiência que está tendo.
2.7 Gamificação
Gamificação é o processo de se utilizar as características e dinâmicas dos
videogames para engajar o público e resolver problemas (Zichermann, 2014).
Através da Gamificação podemos utilizar características típicas dos games,
como ranking, perfil e recompensas para aumentar a participação dos jogadores
31
em outros tipos de ambiente que não esteja relacionado diretamente aos games.
A gamificação pode motivar os estudantes a se engajarem dentro da sala
de aula (Lee & Hammer, 2011), pois ela provê aos professores melhores
ferramentas para guiar e recompensar os estudantes, e fazer os estudantes
trazerem os seus melhores em busca de aprendizado.
2.7.1 Exemplos de uso de Gamificação
MacGonigal (2012 p.163) em seu livro A Realidade em Jogo nos dá um
exemplo do uso de gamificação quando ela fala sobre a Nike+ que é um
aplicativo de monitoramento de corrida e uma plataforma emocional muito
popular entre os corredores. Este sistema gera uma quantidade enorme de
estatísticas para comparar a corrida de uma pessoa com outra, e isto faz com
que as pessoas se motivem para correr mais e comparar com outras pessoas de
mesmo objetivo pessoal. Este sistema gera feedback instantâneo para o jogador,
gera ranking com outras pessoas e vários outros elementos típicos dos games
para manter os jogadores envolvidos, e é um aplicativo de muito sucesso.
3. REQUISITOS EMOCIONAIS PARA OS GAMES
3.1 Analisando as pesquisas
A Engenharia de Requisitos, para criar um ambiente de ensino baseado
em um game, deve levar em consideração as respostas emocionais dos
usuários. Estas respostas emocionais são o que levam o jogador a sentir
motivação. Para isto deve ser considerado uma questão muito importante que é
o ritmo. As emoções devem ser liberadas em pequenas doses para manter a
motivação do jogador (Rabin, 2013, p.134).
32
Várias pesquisas procuraram identificar requisitos emocionais que podem
ser utilizados para se criar um sistema ou ambiente que requeria o uso das
emoções como uma das características do sistema.
3.1.1 Emotional Labor
O trabalho emocional (emotional labor) foi proposto primeiramente por
Hochschild (1979, 1983), que o definiu como sendo um método para ser
recompensando no ambiente de trabalho através do gerenciamento do humor.
Em resumo é o gerenciamento das emoções de uma pessoa através do trabalho
para despertar a motivação no mesmo.
3.1.2 Job Engagement
Em Liu (2010) temos que o trabalho emocional (emotional labor) é um prérequisito do engajamento no trabalho (job engagement), que Khan (1990) definiu
este engajamento no trabalho como o auto controle individual para combinar o
papel no trabalho com o interesse da própria pessoa. Já em Schaufeli (2004)
temos a definição do engajamento no trabalho como um estado emocional
cognitivo, que é relacionado ao trabalho, é afetivo e com sucesso.
3.1.3 PERMA
O psicólogo Martin Seligman cunhou o termo PERMA que define suas
descobertas na área da Psicologia Positiva. Este termo é uma sigla para cinco
características que tornam os humanos felizes, e que são (Greene, 2003):
1. Pleasure (Prazer), atividades como provar comidas, banhos quentes e
etc.
2. Engagement (Engajamento), o envolvimento em uma atividade que seja
desafiante e agradável ao mesmo tempo (flow).
33
3. Relationships (Relacionamentos), as conexões sociais que fazemos
indica um grau da nossa felicidade.
4. Meaning (sentido), um sentido de fazer parte de algo maior.
5. Accomplishments (realizações), conseguir realizar tarefas e metas.
3.1.4 Persuasive Technologies
Sutcliff (2011) afirma que quando consideramos a emoção como um dos
requisitos dos objetivos permite aos designers antecipar as respostas
emocionais e mitigar suas desvantagens, por exemplo, buscando oferecer uma
resposta simpática após um desapontamento. Muitas áreas, como o marketing,
se utilizam deste conceito para criar suas marcas que despertam emoções nos
usuário. Estas aplicações são conhecidas como persuasive technologies
(tecnologias persuasivas), são tecnologias que atuam nas emoções das
pessoas. Os games estão na vanguarda das pesquisas da Engenharia de
Requisitos em emoções, que ainda recebem pouca atenção em outras áreas.
3.1.5 4 Keys to fun
Niccole Lazzaro (2004) pesquisou em seu instituto as quatro chaves do
sucesso para a diversão nos games. Elas são as seguintes:
1. Hard Fun, muitos jogadores tem como prazer superar os obstáculos,
e um game desafiante recompensa criando emoções como a
Frustração e o Fiero – uma palavra italiana para um triunfo pessoal. O
Hard Fun aplicado nos games oferece vários desafios com uma
escolha grande de estratégias.
2. Easy Fun é a que pretende manter o foco do jogador e sua atenção
mais do que uma condição de vencimento. Esta chave aplicada nos
games tenta despertar sempre a curiosidade do jogador, muito
utilizada nos RPGs.
34
3. Serious Fun é quando o game tenta criar significado para o jogador
mudando o jogador e o seu mundo.
4. People Fun quando o game tenta criar laços cooperativos e
competitivos entre seus participantes.
4. ANÁLISANDO OS REQUISITOS EMOCIONAIS PARA UM
AMBIENTE EDUCAIONAL BASEADO EM GAMES
4.1 Introdução
Vimos em todas as pesquisas que existem várias formas de se utilizar as
emoções para se motivar os alunos. Identificaremos agora os requisitos
emocionais que podem ser aplicados na criação e no desenvolvimento de um
ambiente educacional baseado em games.
4.2 Requisitos emocionais
Os requisitos emocionais que podem ser utilizados em um ambiente
educacional baseado em games estão abaixo classificados e organizados por
ordem alfabética:
Tabela 1 – Requisitos Emocionais
Requisito
Características
Aplicação na Educação
Aborrecimento
Afeta negativamente a motivação do
jogador e deve ser evitado acima de
tudo.
Pode ser ajustado para
incentivar o aluno a não entrar
no estado do aborrecimento e
tentar melhorar.
35
Ansiedade
Controla o quanto o jogador está tenso
dentro do ambiente.
Deve ser evitado ao máximo
para não diminuir a motivação.
Apatia
Afeta negativamente o jogador
diminuindo a motivação e o
engajamento do mesmo.
Na educação deve ser evitado o
máximo para que o
desempenho escolar não seja
prejudicado.
Controle
Afeta positivamente o jogador à medida
que lhe dá poder de decidir o ritmo de
seu progresso dentro do ambiente e a
sensação de domínio do sistema.
Ao dar ao aluno o controle de
sua progressão, lhe permite um
poder e autonomia muito
estimulante para avançar no
ambiente.
Prazer
Afeta positivamente o jogador à medida
que o mesmo se sente motivado para
jogar mais quanto maior for o prazer
que está sentindo.
Esta emoção afeta muito
positivamente o aluno pois ao
combinar a prazer com o
aprendizado, o aluno tende
cada vez mais a permanecer no
ambiente.
Preocupação
Afeta negativamente o jogador no
ambiente que está sendo utilizado, deve
ser medido o grau que ele ocorre e deve
ser mantido em um nível baixo.
Um aluno preocupado tende a
perder o foco de atenção se o
grau de preocupação for muito
elevado. Deve ser mantido
baixo para permitir criar um foco
no aluno em relação ao material
sendo estudado.
Relaxamento
Afeta positivamente o jogador
permitindo ao mesmo se sentir tranquilo
e confiante, ajudando a manter o foco
dentro do ambiente.
Os alunos devem ficar o maior
tempo possível sem
preocupações que os façam
desistir de permanecer no
ambiente.
5. CONCLUSÃO E TRABALHOS FUTUROS
5.1 Conclusões
O presente trabalho permitiu conhecer mais a fundo sobre os requisitos
emocionais a serem utilizados por engenheiros de sistemas educacionais. Estes
requisitos podem e devem ser utilizados para que o ambiente educacional a ser
construído se beneficie de suas características. Com estes requisitos
identificados, pode-se ter uma base para a construção de um trabalho na área
36
educacional que esteja proposto a aplicar as características dos games. Mais
estudos poderão ser feitos para identificar requisitos adicionais.
5.2 Trabalhos Futuros
A partir dos dados coletados no presente trabalho, fica-se aberto a
construção e implantação de um sistema de ensino que utilize estes requisitos e
prove sua melhor eficácia.
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