Instituto de Relações Internacionais COOPERAÇÃO SUL-SUL ENTRE BRASIL E MOÇAMBIQUE: UMA COMPARAÇÃO ENTRE COBERTURAS JORNALÍSTICAS SOBRE O PROSAVANA E A FÁBRICA DE ANTIRETROVIRAIS. Aluno: Letícia de Souza Gonçalves Orientador: Paulo Estevez Introdução Foi feita uma análise comparativa do conteúdo de reportagens publicadas pelos principais jornais do Brasil e de Moçambique sobre dois importantes projetos realizados pelo Brasil em Moçambique no âmbito da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID): o ProSavana, que visa promover o desenvolvimento da agricultura no Corredor de Nacala; e a construção da Fábrica de Antirretrovirais em Matola, visando o combate aos efeitos da AIDS, no Sul de Moçambique. Considerados projetos estruturantes, isto é, projetos que criam e/ou fortalecem as bases institucionais, tecnológicas e de recursos humanos do país receptor de forma a tornar o projeto sustentável em longo prazo, tais iniciativas, apesar de suas particularidades, se tornam interessantes casos de análise por exemplificarem a estratégia adotada pelo Brasil [1] na CID. Esse tipo de cooperação que vem sido feita pelo Brasil atualmente com países do Sul global no âmbito da Cooperação Sul-Sul [2], pautada na horizontalidade, tem requerido elevados recursos financeiros e maior tempo de execução se comparado a projetos mais pontuais, o que teoricamente atrairia maior atenção da mídia. A análise tem como objetivo revelar as semelhanças e diferenças de cobertura sobre ambos os projetos para entender que tipo de abordagem é feita pela imprensa de cada país e, assim, tornar visível a existência ou não de vieses e debates políticos, deficiências, insuficiências, e direcionamentos na publicação dessas informações. Com tal análise busca-se então compreender o nível de importância que a mídia de cada país dá aos projetos e o que isso representa em termos de política externa e política pública para os países. Ficará visível o modo como as sociedades de cada país encaram os projetos de desenvolvimento no que tange seus impactos e expectativas futuras. Metodologia Utilizando o método comparativo [3], a pesquisa envolverá a coleta e análise do conteúdo das reportagens publicadas pelos maiores jornais do Brasil e Moçambique desde o momento da assinatura dos acordos de cooperação que confirmam o inicio das atividades de execução dos projetos ProSavana e da Fábrica de Antirretrovirais até a data do fim desta pesquisa. O estudo inclui a análise da disponibilidade, diversidade, quantidade e qualidade das informações divulgadas nesses veículos de informação referentes a todo o processo de planejamento e etapas de execução dos projetos bem como as reações que estes provocaram nos diferentes atores da sociedade civil. Será avaliado como os objetivos propostos, os realizadores, as atividades, os desafios, as consequências e os resultados já alcançados pelos projetos são expostos e analisados pela mídia de cada país. Para mais, especial atenção será dada ao modo como o tema da cooperação internacional para o desenvolvimento em geral e, sobretudo, a Cooperação Sul-Sul é abordado, exposto e conceituado pela imprensa brasileira e moçambicana, revelando as diferenças de conceituação entre as reportagens escritas no Brasil e em Moçambique, e entre jornalistas e especialistas/estudiosos do campo da cooperação internacional. Instituto de Relações Internacionais Cobertura jornalística brasileira sobre o ProSavana e a Fábrica de Matola. Dada a relevância dos veículos de comunicação como Folha de São Paulo, O Globo e Estadão [4], sendo estes referências da cobertura jornalística no Brasil, a análise da cobertura jornalística que tais veículos fornecem se torna valiosa amostra de análise para entender mais a fundo como o tema da cooperação sul-sul e, principalmente, os projetos PROSAVANA e a fábrica de antirretrovirais são reportados, retratados e entendidos pela sociedade brasileira. Ao procurar pelo termo “ProSavana” na ferramenta de buscas da página virtual da Folha de São Paulo, a “Folha.com.br”, apenas três reportagens contendo o termo aparecem disponíveis ao leitor até a data de finalização deste relatório. A primeira reportagem, datada em 10/05/2010 intitulada “Para facilitar cooperação externa, Embrapa vai se internacionalizar: Mudança na lei facilitará operações no exterior, que cresceram na gestão Lula”, menciona o ProSavana como um dos três programas que a Embrapa, junto a ABC e o JICA, planeja realizar em Moçambique. Ressaltando que esses programas movimentarão ao menos US$ 18,2 milhões, mas sem dar mais detalhes sobre a quantia, a reportagem explica o ProSavana como uma tentativa de “replicar o Prodecer, que transplantou culturas de clima temperado ao cerrado brasileiro e teve apoio japonês, nos anos 1980”. A reportagem ainda adiciona que a cooperação técnica, e parece dizer isso no geral, não é condicionada a contratos com empresas e nem a compras de produtos brasileiros mas que acaba por reforçar a presença do país num continente. A questão de ganhos comerciais começa a tomar mais espaço na reportagem e o entrevistado Rubens Ricupero afirma que o governo Lula "teve sensibilidade e senso de oportunidade" ao realizar projetos de cooperação com países africanos pois, de acordo com ele, "Existe ali um capital de boa vontade grande em relação ao Brasil." A reportagem termina por expor os dados de exportações brasileiras para o continente africano, ressaltando o que a tendência ao aumento do comercio com o continente dependerá mais da capacidade produtiva do país do que suas ações diplomáticas. As outras duas reportagens no espaço virtual da Folha de São Paulo são publicadas somente dois anos depois desta primeira, sendo ambas do dia 30/11/2013, parecem complementar uma a outra. A primeira, com a manchete “Projeto agrário apoiado pelo Brasil é alvo de críticas em Moçambique: Entidades e camponeses se preocupam com ProSavana, para agricultura no norte do país”, descreve de forma breve e concisa o ProSavana como um “Um projeto de produção de alimentos em Moçambique, com financiamento do Brasil” que tem por objetivo “[...] aumentar a produção de alimentos para o mercado interno e exportar o excedente”, a reportagem, no entanto, não explica como, especificamente, o Brasil auxiliaria na tentativa de “revolucionar a produção agrícola no Corredor de Nacala ”, apenas que as condições da região, sendo parecidas às do cerrado brasileiro “facilitaram o envolvimento do governo brasileiro”. Dada essa introdução, a reportagem passa a dedicar espaço para expor que críticas estão sendo feitas ao projeto por “[...] estarem interessados apenas em promover o cultivo de produtos para exportação e biocombustíveis - o que os dois países negam”. A reportagem relata o descontentamento por parte de várias entidades moçambicanas com a execução do projeto ProSavana por argumentarem representar “séria e iminente ameaça de usurpação de terras das populações rurais e remoção forçada de comunidades de áreas que atualmente ocupam”. A reportagem então lembra ao leitor que a mineradora brasileira Vale, que no momento vinha atuando no Brasil, contribuíra para a desconfiança da população, que reclamava ter sido retirada de suas casas sem indenização para que a empresa pudesse exercer suas atividades. No caso do ProSavana, diz a reportagem, o medo seria de que multinacionais do agronegócio monopolizassem Instituto de Relações Internacionais a monocultura deixando trabalhadores de pequenas lavouras sem terra. Ressalta haver um atraso no projeto que, segundo elas, surgiu de um acordo de “assistência para produção agrícola" ao país africano em 2009, quando o Brasil estava no “auge de sua política externa de apoio à África”. O projeto, que já deveria estar em execução, segundo elas, já teria custado ao Brasil US$ 13,7 milhões. A reportagem também conta um vídeo de cinco minutos no qual especialistas, pesquisadores e autoridades falam um pouco mais sobre com o projeto foi concebido e diferentes pontos de vista sobre os efeitos que o projeto terá na população local. Na outra reportagem da Folha de São Paulo do mesmo dia, com o título “Ministro vê uma 'conspiração' nas críticas ao plano”, tenta-se mostrar o outro lado da controvérsia sobre o ProSavana. O ministro da Agricultura de Moçambique, José Condungua Pacheco vê uma “conspiração” nas críticas feitas ao projeto como forma de “manter Moçambique dependente da importação de comida” através da deturpação de informação. O ministro ainda negou a "usurpação" de terras de pequenos camponeses. Já o coordenador do projeto, Calisto Bias, defendeu a presença de investidores privados no ProSavana como um programa que beneficia tanto Moçambique quanto as empresas e reconheceu que houve insuficiência na prestação de informações e que por isso foi criado o site prosavana.gov.mz. Ainda, uma reportagem mais recente, do dia 22/03/2015 intitulada “Brasil recua e reduz projetos para a África: Em contraste com expansão da era Lula, cooperação e doações caem, e empresas suspendem atividades no continente” Patrícia Campos Mello cita o ProSavana para exemplificar um dos projetos de cooperação do Brasil que vem encontrando dificuldade para dar continuidade as suas atividades devido a falta de recursos por conta da retração na política externa para com o continente africano. Se a busca na Folha de São Paulo resultou em apenas quatro reportagens citando o ProSavana, no O Globo (oglobo.globo.com) o resultado da busca foi o dobro, somando oito páginas em seu espaço eletrônico contendo o termo que faz referencia ao projeto. Na reportagem de 04/11/2011, intitulada “Lula se despede da África inaugurando fábrica de medicamentos” o ProSavana é citado como uma das iniciativas entre Brasil e Moçambique, um programa que busca desenvolver as capacidades agrícolas de Moçambique liderado pela Embrapa. A reportagem ainda adiciona que não há estatísticas de quanto custaria o ProSavana mas que na fase inicial de pesquisa não ultrapassaria U$ 10mi. Em 2012, cinco reportagens citando o projeto Prosavana foram publicadas pelo O Globo. Em 04/07, a matéria com título “FGV quer captar US$ 2 bi para investimentos em Moçambique: O fundo será usado no programa Prosavana, destinado a investimentos no setor de agronegócios”, o ProSavana é apresentado como um projeto criado e desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas como forma de suporte aos projetos agrícolas do fundo. A reportagem ainda cita o projeto de lançar o fundo Nacala, visando atrair investidores no setor de agronegócios em Moçambique, considerado “sólido” e com bom retorno a longo prazo. Já em 06/10 do mesmo ano, a reportagem intitulada: “Soft Power’ diplomático: parceria com Japão é modelo para o Brasil: ProSavana quer levar à savana de Moçambique o mesmo avanço agropecuário do cerrado brasileiro.”, o modelo de aproximação brasileira com os países africanos é descrito como um modelo que não ignora boas oportunidades de negócios para as empresas de origem brasileira. O ProSavana é citado então como um exemplo de modelo de parceria bilionária. A matéria cita a necessidade de exportação de tecnologia da Embrapa demanda pelo projeto e que o orçamento dos países prestadores de ajuda chega a US$ 500 milhões para o investimento no Corredor de Nacala. Ainda, o fundo Instituto de Relações Internacionais Nacala é citado como um fundo de investimento privado para levantar US$ 2 bilhões para aproveitar os ganhos de produtividade que serão adquiridos com o projeto de cooperação. Ainda em 2012, no dia 11/12 duas reportagens no O Globo foram publicadas contendo o termo ProSavana. A primeira, com o título “Clima e abundância de recursos naturais são traços comuns: Semelhanças entre Brasil e Moçambique aproximam os laços com o continente africano”, faz menção ao projeto ProSavana como um dos maiores projetos de cooperação brasileira no contexto da aproximação de laços entre Brasil e Moçambique fornecendo um pouco mais de detalhes sobre as atividades que a Empraba tem realizado no país africano. A outra reportagem com título “Brasil e Moçambique, uma relação a cada dia mais forte: Empresas verde-amarelas redescobrem o país e, juntas, desbancam Portugal do posto de maior investidor estrangeiro”, argumenta que os investidores brasileiros estão esperançosos pela possibilidade de expansão comercial com o estreitamento das relações com Moçambique e citam o ProSavana como um dos motivos pelos quais os agricultores brasileiros veem a savana moçambicana como “sob medida” para seus investimentos. Em 2013, no dia 18/04 a matéria com a manchete “Fundo Corredor de Nacala inicia road show para captar US$ 500 milhões” menciona o ProSavana como um dos projetos ao qual a FGV desenvolveu o plano direto. Em 2014, com o título “Contexto: Embrapa ajudou no salto da produção agropecuária: Empresa ganhou forte relevância internacional, principalmente por sua atuação em países da África e da América Latina”, a reportagem cita rapidamente o ProSavana como um dos projetos que exemplificam a forte atuação internacional da Embrapa nos últimos anos. O Estado de São Paulo (estadão.com.br), publicou três reportagens diferentes contendo o termo ProSavana, todas em 2013, a primeira em 03/07, intitulada “Agenda Agro para a Cooperação Brasil-África”, cita, brevemente, o ProSavana como um projeto tripartite entre Brasil, Moçambique e Japão no qual a Embrapa se destaca na execução de cooperação técnica em meio a outros projetos agrícolas em andamento no continente africano. A matéria do dia 05/11 do mesmo ano intitulada “Projeto Agrícola pretende adaptar técnicas do cerrado e divide opiniões Moçambique”, foca nas reações que o projeto do ProSavana tem provocado, mostrando que, dentre os agricultores moçambicanos locais afetados pelo projeto de alguma maneira, há reações positivas e negativas e que isso tem provocado grande debate no país. A reportagem ainda traz dados do censo rural de Moçambique. No final do ano, no dia 29/12, o Prosava é citado como um projeto no norte de Moçambique cuja área foi arrendada por companhias brasileiras e japonesas para a produção de soja e milho. Sobre a fabrica de antirretrovirais em Matola, no site da Folha foram encontradas sete reportagens citando a fábrica de antirretrovirais em Moçambique. Em 2010, superficialmente, a fabrica é citada. Em 09/07 e 08/11, em reportagens diferentes, é anunciado de forma breve que o presidente da época, Lula, iria visitar a fábrica de medicamentos antirretrovirais, executada pela Fundação Osvaldo Cruz, sem dar mais detalhes. Em 09/11, uma outra reportagem cita a viagem do presidente da época a áfrica, no qual pede a agilização da implantação da fábrica que deveria ter sido inaugurada no ano anterior. Em 2012, a matéria “BRICS criam novo modelo de ajuda a países pobres, diz relatório” cita, rapidamente, a decisão do Brasil de construir em Moçambique a fábrica como uma iniciativa que tem ajudado a melhorar a situação dos países mais pobres. No dia 16/07 o jornal anuncia brevemente que o vice presidente Michel Temer iria representar Dilma na inauguração de “uma fabrica de antirretrovirais” em Moçambique. Dois dias depois, em 18/07 traz a informação de que o relatório da Unaids daquele ano citou o Brasil como destaque na ajuda a outros países por haver transferido tecnologia Instituto de Relações Internacionais para a construção da fabrica de antirretrovirais. Por fim, em 08/08 daquele ano, segundo a reportagem intitulada “Brasil 'cheio de charme' oferece ajuda de olho em negócios na África, diz 'NYT' num contexto de busca por maior projeção internacional mais influente no mundo desenvolvido, o fato de o governo brasileiro estar abrindo uma fábrica que produz remédios antirretrovirais para combater a AIDS poderia ser considerada uma iniciativa “cheia de charme”. No O Globo, a fábrica de medicamentos antirretrovirais é citada em quatro reportagens. A reportagem intitulada “Brasil doará R$ 13,6 milhões a Moçambique”, do dia 12/11/2009 traz a noticia de que os senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) aprovaram projeto que autoriza doação de R$ 13,6 milhões à República de Moçambique para a instalação de fábrica de medicamentos e, ainda, as justificativas de alguns senadores para aqueles que possam questionar o fato do Brasil, com tantos problemas na área de saúde, doar tal quantia para outro país. No dia 9/11/2011 duas reportagens mencionam o planejamento e a própria visita do atual presidente do Brasil na época, Lula, a fábrica de antirretrovirais. Em 17/11/2011 uma reportagem intitulada “Em meio à crise dos ricos, Brasil volta-se para a África” reporta que a presidente, no momento, Dilma Rousseff, anunciou que uma fabrica de antirretrovirais seria financiada e assistida cientificamente pelo Brasil em Moçambique. No Estadão, mais de dez reportagens citam a fabrica de antirretrovirais em Moçambique, mas, em muitas delas, de modo superficial como nos outros veículos de informação analisados aqui. Em 06/12/2009 a reportagem intitulada traz apenas a informação de que a instalação da fábrica de medicamentos começou no final dos anos 90 e que as atividades devem ter inicio em 2010. A reportagem do dia 09/11/2010 traz um título sugestivo “Lula desembarca em Maputo sem fábrica prometida”, a reportagem traz os motivos domésticos e internacionais para que o projeto prometido não tenha ficado pronto ainda. Já 2012 trazem a notícia de que a Fabrica é inaugurada, dando mais detalhes sobre o projeto e ressaltando que houve atraso e que, mesmo inaugurada, a fábrica poderá apenas rotular as embalagens de um tipo de antirretroviral produzido em solo brasileiro. A ultima reportagem sobre a fábrica do dia 02/11/2013 com o título “Depois de 10 anos, fabrica de remédios contra Aids começa a produzir na Africa”, anuncia que em Agosto daquele ano foi produzido pela primeira vez um remédio genérico na fábrica, ao fim da reportagem é ressaltado que nenhum projeto de cooperação entre Braisl e Africa consumiu tantos recursos e tempo. Cobertura jornalística moçambicana sobre o ProSavana e a Fábrica de Matola. Jornais bastante acessados pela população Moçambicana, o “@Verdade” e o “O País” fazem coberturas que apresentam semelhanças e diferenças à abordagem brasileira sobre os projetos. Em contraste à mínima cobertura da mídia brasileira sobre os projetos de ProSavana e da Fábrica de medicamentos, a busca pelo termo ProSavana no jornal @Verdade (verdade.com.mz) resultou em mais de 50 reportagens mencionando o termo. Não é possível detalhar aqui o conteúdo de todas essas reportagens por conta de sua extensão, mas pode-se argumentar que o escopo de abrangência e detalhes de informações das mesmas é bem maior do que aquelas encontradas em jornais brasileiros. As mais de 50 reportagens abrangem detalhes de diferentes etapas da implementação do projeto como por exemplo, como se deu as reuniões e articulações dos setores da sociedade envolvidos e/ou afetados direta ou indiretamente pelo projeto Instituto de Relações Internacionais ProSavana como por exemplo. As matérias apresentaram o decorrer dos drafts do Plano de ação para o projeto e denunciam veementemente a falta de transparência e acesso as informações passadas advinda das autoridades sobre o plano do projeto. As reportagens criticam o tempo entre a assinatura do memorando de entendimento assinado entre os países e o início de fato das atividades do projeto. Em duras críticas aos governos e aos investidores, as reportagens assumem tom informal, por vezes irônico, e argumentam que muitos camponeses moçambicanos, por serem iletrados, estão sendo ludibriados por estrangeiros e tendo suas terras usurpadas. Manchetes fortes como “Camponeses exigem a verdade sobre o ProSavana”, “Os investidores estrangeiros agudizam a pobreza dos camponeses”. “Prosavana – que de Pro não tem nada....” e “Não há espaço para o ProSavana” são algumas frases de demonstram a postura adotada pelo jornal @Verdade. Apesar das publicações abrirem espaço para que as partes criticadas defendam o projeto ProSavana como demonstra a reportagem com manchete ““Os camponeses estão a dizer não” ao ProSAVANA, “qualquer obstáculo que apareça vamos atropelar”, responde o Governo de Moçambique””, o jornal não se limita aceitar as defesas e argumentos expostos por líderes, criticando-os duramente pela falta de espaço para que membros da sociedade civil tomem parte nas negociações e planejamentos do projeto. No que toca a fábrica de antirretrovirais, a quantidade de reportagens no jornal @Verdade é bem reduzido se comparado as abordagens do projeto ProSavana. Há relatos sobre a visita de Lula à fabrica em 2010. Algumas reportagens, com detalhes mais específicos da construção e funcionamento da fabrica, descrevem melhor em que fase de implementação está o projeto e as expectativas para os próximos anos. Curioso é notar que não houve crítica de qualquer tipo ao projeto e sua implementação, nem mesmo a demora e atraso para o funcionamento da fábrica, de fato. O jornal “O país” (opais.sapo.mz) também traz um número considerável de reportagens citando o projeto ProSavana sobre o projeto traz mais detalhes técnicos sobre o projeto e sobre as especificidades do local onde será implementado o projeto. Essa abordagem se assemelha mais a cobertura brasileira abordando alem de detalhes técnicos, o fato de o projeto ser uma iniciativa de cooperação trilateral entre Brasil, Japão e Moçambique, citando o impulso comercial que a agricultura de Moçambique vem ganhando nos últimos anos ressaltando o potencial econômico dos projetos. Diferente da cobertura brasileira e do jornal @Verdade, em nenhum momento foi destacado o fato de haverem críticas e rejeições ao projeto por parte da sociedade civil moçambicana, principalmente por parte dos camponeses. Sobre a fábrica de antirretrovirais, o jornal moçambicano O País se iguala bastante ao jornal @Verdade, dando detalhes técnicos e informações sobre as etapas da instalação da fábrica de medicamentos. Ressalta-se a boa relação entre Brasil e Moçambique e a situação precária em que se encontra Moçambique no tratamento de AIDS. As criticas ao atraso da implementação do projeto não são mencionadas. Algumas considerações na comparação entre a cobertura brasileira e moçambicana sobre os projetos de cooperação Feita a análise das informações reportadas por jornais brasileiros e moçambicanos, é possível fazer uma comparação que revela falhas, silêncios e direcionamentos que afetam a cobertura feita sobre esses projetos de cooperação brasileira e impossibilitam a sociedade civil leitora de tais jornais a melhor compreensão da situação dos projetos, seus impactos e o que eles representam para o país em termos de política externa e política doméstica. Instituto de Relações Internacionais Apesar de ambas as coberturas, tanto brasileira quanto moçambicana, fornecerem dados básicos sobre os projetos, cada um a sua maneira, possibilitando que o leitor tenha contato com informações que o façam tomar ciência de que o Brasil de alguma maneira está envolvido em projetos de cooperação com Moçambique e vice-versa, ainda há silêncios, confusões e contradições na publicação dessas informações. Os valores divulgados sobre o custo do projeto para o Brasil e para os envolvidos em geral não são os mesmos entre as reportagens. Ainda, não é relatado mais informações que permitam saber quando e como esses recursos serão empregados. Além disso, ambas as coberturas não incluem a fonte da qual o valor dos recursos foi extraída. Obviamente, não há a expectativa que os jornais divulguem reportagens com informações minimamente detalhadas sobre os projetos de cooperação, já que tais meios de comunicação se propõem a informar e não a ensinar didaticamente determinado tópico a seus leitores. No entanto, a cobertura brasileira fica aquém da cobertura moçambicana, principalmente em relação ao jornal @Verdade no que tange o acompanhamento e detalhamento do desenrolar dos acontecimentos referentes aos projetos, principalmente ao ProSavana que tem demandado muitos recursos e é alvo de muitas críticas por parte da população camponesa moçambicana. O largo espaço de tempo entre as reportagens no Brasil demonstra a falta de interesse nos projetos de cooperação, mesmo com tantos aspectos importantes sendo contestados e debatidos ao longo dos anos de implementação do projeto. Outro ponto importantíssimo e que tem grande potencial de confundir o leitor sobre a estruturação e caráter dos projetos de cooperação brasileira é a falta de definição clara sobre quais entidades, de fato, tem participação no projeto e que tipo de participação elas tem. Por vezes, nas reportagens, tanto do Brasil quanto de Moçambique hora atribui-se a criação e desenvolvimento do projeto ao governo, hora a setores privados, levando o leitor a confundir a cooperação brasileira com investimento privado. Não há uma delimitação clara do papel de cada ator nesses projetos: os papeis da ABC, da Embrapa ou Fiocruz, dos governos brasileiro, moçambicano e japonês, dos investidores privados e de outras entidades do setor publico ou privado acabam por se confundirem e muitas vezes são apresentados como se fossem equivalentes ou intercambiáveis. Para mais, as reportagens superficiais brasileiras não permitem que o leitor se sinta engajado com a situação dos projetos e muito menos promove debate na sociedade, talvez por conta da tentativa de se mostrar imparcial na divulgação de informações. Alem disso, em nenhum momento os jornais brasileiros tentam mostrar o ponto de vista da sociedade brasileira diante dos gastos do país em projetos de cooperação e diante das vantagens e desvantagens levantadas pela população moçambicana fortemente afetada pelos projetos. Essa é uma questão que contrasta bastante com a cobertura moçambicana, nesse caso, com o jornal @Verdade que, além de expor as crítica e denúncias da população civil, toma partido em favor dos camponeses que se opõe ao projeto. Diferente das reportagens brasileiras que divulgam informações com “lacunas” de informação e dados contraditórios, o @Verdade critica a falta de transparência e acesso as informações que deveriam ser prestadas pelos responsáveis em tocar o projeto adiante, como os governos, as agências com conhecimento técnico e as agências de cooperação. No entanto, por demonstrar claramente um viés a favor dos camponeses, o @Verdade não pode ser considerado totalmente confiável no sentido de fornecer informações sobre as partes envolvidas que são favoráveis ao projeto, incluindo suas justificativas. Dessa forma, tanto a cobertura brasileira quanto moçambicana se mostram insuficientes para fornecer aos leitores Instituto de Relações Internacionais informações que os permitam tomar ciência da dimensão dos projetos e seu posicionamento diante deles. Conclusão A comparação da cobertura jornalística de jornais brasileiros e moçambicanos tornou visível a falta de interesse por parte da mídia brasileira no que tange a cooperação para o desenvolvimento. Somado aos silêncios e confusões na reportagem sobre as especificidades dos projetos de cooperação, o resultado é o de uma população que, em parte, lê jornais, procura estar atualizado sobre as ações do governo e o uso dos recursos públicos, mas que acaba por não ter interesses e nem conhecimento de fato sobre os projetos de cooperação brasileira. Isso acaba por dificultar que o cidadão comum, que não tem acesso a estudos mais detalhados sobre os projetos de cooperação, exerça sua cidadania no que tange tomar conhecimento e opinar sobre como se governo está agindo ou deveria agir. Importante salientar que, no caso do projeto ProSavana, o jornal @Verdade tem um incentivo maior por publicar reportagens que relatem sobre o projeto porque há uma demanda maior por discussão por parte da sociedade civil, que se vê diretamente afetada negativamente pelo projeto. Por não causar tantas controvérsias quanto o ProSavana, o projeto da Fábrica de Matola acaba por receber menos atenção tanto da mídia brasileira quanto de Moçambique. Mesmo sendo o projeto brasileiro de cooperação que consumiu mais recursos e tempo, além de se tratar da fabricação de medicamentos importantíssimos para o combate a AIDS num país que tem mais de 1,5 milhões de pessoas infectadas, o projeto não ganha a atenção merecida se comparada ao também importantíssimo ProSavana. Isso demonstra que tanto a mídia quanto a população em geral ainda não consegue entender a importância e efeitos, tanto positivos quanto negativos que tais projetos têm, não só na vida diária dos que recebem e são afetados diretamente pelos projetos quanto daqueles que fazem parte da sociedade que contribui para que os recursos e técnicos sejam destinados ao projeto. Todos as questões aqui levantadas passam por um ponto crucial na divulgação das informações sobre os projetos e que afeta todo o modo com a cobertura sobre tais programas é feito: a transparência e acesso as informações sobre todas as etapas, custos, esforços e envolvidos nos projetos. Essas informações, que deveriam ser divulgadas pelas entidades, sejam elas públicas ou privadas, que estão de alguma forma envolvidas ativamente com o projeto, muitas vezes encontram-se incompletas, confusas e, em parte, indisponíveis. O motivo pelo qual as agencias de cooperação, as entidades do governo e órgãos técnicos não divulgam determinadas informações é algo que deve ser alvo de pesquisas futuras. No entanto, cabe tanto à mídia, que necessita dessas informações para fazer um trabalho mais completo e prestativo; quanto aos pesquisadores, centros de pesquisas e think tanks, que dependem desses dados para análises mais precisas; e, principalmente, a sociedade civil, que deve estar a par de como o governo que a representa utiliza os recursos para fins de política externa, fazer pressão e reivindicar para que o direito de acesso a informação seja garantido. Referências 1 – MILLHORANCE, C. A política de cooperação do Brasil com a África Subsaariana no setor rural: transferência e inovação na difusão de políticas pública. Revista Brasileira de Política Internacional, vol.56, n.2, Jul/Dez. 2013. Instituto de Relações Internacionais 2 – GOMES, G. Z. 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