CURADORIA DIGITAL: O CASO DO ACERVO ICONOGRÁFICO DA ESCOLA DE MÚSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE Bruna Laís Campos do Nascimento Sandra de Albuquerque Siebra Carla Beatriz Marques Felipe RESUMO Reflete sobre a rápida obsolescência tecnológica dos suportes informacionais digitais, assim como a necessidade de se criarem métodos para o tratamento, recuperação e preservação da informação digital. Para isso são abordados conceitos de curadoria digital e relacionados os ciclos de vida dos documentos digitais às atividades que estão sendo desenvolvidas na Biblioteca da Escola de Música da UFRN (EMUFRN). Enfatiza o acervo iconográfico da Biblioteca Padre Jaime Diniz e sua importância para a constituição de parte da memória institucional da EMUFRN. Para isso utilizou-se como metodologia a pesquisa exploratória e bibliográfica, nesta última realizou-se levantamento do referencial teórico em fontes de informação impressas e eletrônica para a fundamentação da pesquisa; além disso, fez-se uso da técnica da observação direta para obter às informações necessárias sobre o projeto que está em andamento na Biblioteca da EMUFRN. Conclui-se que o desenvolvimento das atividades de curadoria digital poderá contribuir de maneira efetiva para a preservação da importante massa documental que constitui o acervo iconográfico da Biblioteca da Escola de Música da UFRN. Os ciclos da curadoria digital abrangem toda a vida dos documentos digitais desde as ações para todo o ciclo de vida até as ações ocasionais, e a partir disso é importante salientar que a preocupação em preservar deve partir desde o início para que assim se possa garantir a integridade, veracidade, confiabilidade e acesso a longo prazo. PALAVRAS-CHAVE: Curadoria Digital. Preservação Digital. Acervo Iconográfico. Escola de Música da UFRN. ABSTRACT This article reflects on the rapid obsolescence of digital informational media, as well as the need to create methods for the treatment, recovery and preservation of digital information. For this are discussed concepts of digital curation and related life cycles of digital documents to the activities that are being developed in the Biblioteca da Escola de Música of UFRN (EMUFRN). Emphasizes the iconographic of Biblioteca Padre Jaime Diniz and its importance to the establishment of the institutional memory of EMUFRN. For this we used as exploratory research methodology and literature, in the latter we surveyed the theoretical sources of information in printed and electronic rationale for the research, also made use of the technique of direct observation to obtain the necessary information about the project that is underway at the Library EMUFRN. It is concluded that the development of digital curation activities can contribute effectively to the preservation of important mass of documents that constitute the iconographic collection of the Biblioteca da Escola de Música of UFRN. The cycles of the digital curation life span of digital documents since the actions for the entire life cycle to the occasional actions, and from this it is important to note that the concern to preserve must start from the beginning so that they can ensure the integrity , truthfulness, reliability and longterm access. KEYWORDS:Digital curation. Digital preservation. The iconographic. School of Music UFRN. 1 INTRODUÇÃO Os materiais informacionais que compõem o acervo das bibliotecas reúnem grande parte da memória coletiva, institucional e/ou social, a qual foi resultado de um conjunto de conhecimento acumulado e experiências constituídas ao longo dos anos. Grande parte das informações produzidas atualmente já nasce em meio digital devido ao surgimento das mídias eletrônicas. E com isso há a seguinte preocupação, como preservar essa massa documental para que essa não venha perder-se ao longo do tempo? Para isso faz-se necessário que sejam estabelecidas estratégias, técnicas e políticas para preservá-la e conservá-la. Neste cenário é que estudos vêm sendo desenvolvidos no âmbito da preservação digital, a qual ampliou-se e denomina-se, hoje, de curadoria digital, na qual a preservação é apenas parte de todo o ciclo de vida dos documentos digitais. Assim, o principal objetivo deste trabalho é explorar as etapas da curadoria digital e relacioná-las as atividades que estão sendo desenvolvidas na Biblioteca da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN), especificamente na organização e disponibilização do acervo iconográfico. Ao longo dos 50 anos de história da Escola de Música da UFRN, a Biblioteca Padre Jaime Diniz acumulou um rico acervo composto de fotografias, folders, programas de concerto, desenhos, caricaturas, etc. todos relacionados à Instituição. Este acervo, até então, não havia recebido nenhum tratamento técnico e, recentemente, a partir da iniciativa dos profissionais bibliotecários elaborou-se um planejamento e se iniciou as atividades para disponibilizá-lo à comunidade acadêmica, como também à sociedade em geral. Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizou-se como metodologia a pesquisa exploratória e bibliográfica. Nesta última buscou-se na literatura científica impressa e eletrônica aporte teórico sobre preservação digital, curadoria digital e acervo iconográfico. Além disso, fez-se uso da técnica da observação direta para obter as informações necessárias relativas ao projeto que está sendo desenvolvido na Biblioteca Padre Jaime Diniz. Assim, este artigo aborda a temática curadoria digital, enfatizando as etapas do ciclo de vida dos documentos digitais; logo depois, é contextualizada, brevemente, a Biblioteca da EMUFRN, com ênfase no acervo iconográfico; em sequência são apresentados os procedimentos que estão sendo realizados na experiência em andamento; e, por fim, são apresentadas as considerações finais deste trabalho. 2 CURADORIA DIGITAL A palavra curadoria deriva do substantivo masculino curador, o qual teve origem na palavra latina Curator, que significa aquele que cuida de algo, um guardião. Inicialmente, o conceito era bem conhecido e se referia ao curador das artes, ou seja, aquele profissional capacitado e responsável pela montagem e supervisão de exposição de arte. No entanto, de acordo com Corrêa (2012) atualmente, o termo passou a ter maior amplitude e hoje se tem curadores da informação, curadores digitais, curadores de festas, de músicas, de programação, dentre outros. No contexto deste artigo, o conceito de curadoria digital enfoca sua principal finalidade que é salvaguardar objetos digitais, visando o acesso e o reuso por gerações atuais e futuras de usuários. Com a constante e crescente evolução tecnológica e da criação cada vez mais desenfreada de informações digitais surge a preocupação em garantir o acesso às informações produzidas hoje para as futuras gerações. Atualmente, a preservação digital não se limita apenas as suas estratégias, verificou-se que há algo maior que engloba processos mais ampliados, no qual a preservação digital é apenas parte do ciclo de vida. Esse conjunto de estratégias e processos desenvolvidos é chamado de curadoria digital. Segundo o site oficial do Digital Curation Center (2013) a curadoria digital envolve a manutenção, preservação e agregação de valor aos documentos digitais em todo o seu ciclo de vida. Enfatiza ainda que a gestão ativa reduz as ameaças e o risco de obsolescência tecnológica. Na perspectiva de Abbott (2008) a ideia de curadoria digital se amplia e ele a define como todas as atividades envolvidas na gestão de dados, que inicia-se no planejamento da sua criação – quando os sistemas são projetados – passando pelas boas práticas na digitalização, na seleção dos formatos, na documentação e na garantia de estarem sempre disponíveis e adequadas para serem descobertas e reusadas agora e no futuro. De acordo com Sales e Sayão (2012) os conhecimentos e as práticas acumulados na última década em preservação digital e acesso resultaram em um conjunto de estratégias, abordagens tecnológicas e atividades que agora são coletivamente conhecidas como curadoria digital. Nesta perspectiva pode-se dizer que a curadoria digital é um conjunto de processos que visa garantir a longo prazo: o acesso, a veracidade, a autenticidade, a confiabilidade, a usabilidade e a integridade dos documentos em meio digital. Segundo Yamaoka (2012) a curadoria digital permite: manter o documento íntegro e acessível, enquanto este possuir valor jurídico (evidência); extrair novos conhecimentos (valor informacional e de pesquisa); preservar a memória da sociedade (valor histórico); e evitar o retrabalho de recriar os dados já produzidos anteriormente. A curadoria envolve ainda o compartilhamento e a interoperabilidade entre sistemas, o reuso da informação digital e a agregação de valor aos documentos digitais. O foco principal da curadoria digital é garantir o acesso à informação pelas gerações atuais e futuras de usuários. O conceito de curadoria digital ainda está em evolução, mas surgiu em um contexto em que a obsolescência tecnológica multiplica-se cada vez mais, e é preciso se preocupar com a fragilidade das mídias digitais e com a ausência de boas práticas básicas de preservação digital. Vale ressaltar que a curadoria é um processo colaborativo, realizado por um conjunto de pessoas, no qual há a presença de um líder, ou seja, o curador que é capaz de fazer uma gestão atuante e coordenar as ações e processos desenvolvidos. Segundo Sayão e Sales (2012) o principal desafio da curadoria digital recai na necessidade de se preservar não somente o conjunto de dados, mas de preservar, sobretudo, a capacidade que ele possui de transmitir conhecimento para uso futuro das comunidades interessadas. Face ao exposto evidencia-se que a curadoria digital envolve um processo complexo de atividades a serem desenvolvidas em todo o ciclo de vida do documento digital. Entretanto, a operacionalização de cada etapa dependerá das necessidades da unidade de informação, ou seja, é preciso adequar o ciclo a realidade e as condições de cada instituição/organização. É importante destacar que, a partir do levantamento bibliográfico realizado em fontes de informação impressas e eletrônicas verificou-se que ainda há pouca literatura acerca da Curadoria Digital. A maior parte das informações encontra-se no site do Digital Curation Center1 (DCC), que é um ponto de difusão de estudos e pesquisas na área de curadoria digital. 2.1 CICLO DE VIDA DA CURADORIA DIGITAL A curadoria digital abrange todo o ciclo de vida dos documentos digitais, o que exige um considerável investimento de tempo e recursos adequados para o efetivo sucesso do processo curatorial. O modelo proposto pelo DCC, conforme Figura 1, apresenta as etapas a serem seguidas e o planejamento das atividades a serem desenvolvidas nas organizações. No 1 Site oficial do Centro de Curadoria Digital (DCC): http://www.dcc.ac.uk/digital-curation/what-digital-curation. entanto, conforme ressaltado anteriormente, nem sempre esses processos são cabíveis a todas as organizações, é preciso adequá-los à realidade de cada instituição. Este modelo proposto pelo DCC (2013) classifica as ações do ciclo em três tipos: ações para todo o ciclo de vida, ações sequenciais e ações ocasionais. Temos no centro do ciclo de vida e de todas estas ações o dado digital, que é qualquer informação codificada em formato binário. Este dado pode já ter sido criado em meio digital ou ter sido migrado a partir do processo de digitalização. Figura 1 – Ciclo de vida da curadoria digital Fonte: (YAMAOKA, 2012). De dentro para fora, primeiro temos as ações para todo o ciclo de vida da curadoria digital, as quais conforme o DCC (2013) são: a) Descrição e representação da informação: efetivada pela atribuição de metadados administrativos, técnicos, estruturais e de representação de acordo com os padrões apropriados; b) Planejamento da preservação: se dá a partir de um plano, cujo espectro englobe todo o ciclo de vida da curadoria do material digital, incluindo a gestão, administração, políticas e tecnologias; c) Participação e o monitoramento: se necessita da participação da comunidade envolvida com o acervo a ser curado, no desenvolvimento de padrões, de ferramentas, de políticas e de softwares adequados ao problema; d) Curadoria e preservação: essas são etapas contínuas e devem estar sempre em alerta para empreender as ações administrativas e gerenciais em prol da preservação e gestão dos dados digitais durante todo o ciclo de vida da curadoria. As ações sequenciais são aquelas que devem ser cumpridas repetidamente para assegurar que o dado permaneça em contínuo processo de curadoria. Segundo o DCC (2013) as ações consistem em: a) Conceitualização: conceber e planejar a criação do dado, incluindo os métodos de captura e as opções de armazenamento; b) Criação e/ou recebimento: criação do dado incluindo o elenco de metadados necessários à sua gestão e compreensão, ou seja, metadados administrativos, descritivos, estruturais e técnicos (os metadados de preservação também podem ser incluídos na criação do dado). Nesta etapa é realizada também a representação descritiva e temática dos documentos digitais; c) Avaliação e seleção: avaliar o dado e selecionar o que será objeto dos processos de curadoria e de preservação por longo prazo; aqui é preciso manter-se aderente tanto às boas práticas quanto às políticas pertinentes e também às exigências legais; d) Arquivamento: transferência do dado para um arquivo, repositório, centro de dados ou outro custodiante apropriado; e) Ações de preservação: promover ações para assegurar a preservação de longo prazo e a retenção do dado de natureza oficial; as ações de preservação devem assegurar que o dado permaneça autêntico, confiável e capaz de ser usado enquanto mantém sua integridade; f) Armazenamento: armazenar o dado de forma segura mantendo a aderência aos padrões relevantes; g) Acesso, uso e reuso: garantir que o dado possa ser cotidianamente acessado tanto pela sua comunidade-alvo, quanto pelos demais usuários interessados no reuso do dado; h) Transformação: compreende a criação de novos dados a partir do original. As ações ocasionais são aplicadas eventualmente, quando necessário. De acordo com o DCC (2013) tem-se: a) Eliminação: eliminar os dados que não foram selecionados para curadoria e preservação de longo prazo de acordo com políticas documentadas, diretrizes ou exigências legais; b) Reavaliação: retornar ao dado cujos procedimentos de avaliação foram falhos para nova avaliação e possível seleção para curadoria; c) Migração: migrar os dados para um formato diferente; isto pode ser feito no sentido de compatibilizá-lo com o ambiente de armazenamento ou para assegurar a imunidade do dado contra a obsolescência de hardware e de software. Dada a relevância de todos os processos a serem realizados na curadoria digital verifica-se a complexidade das atividades, assim como os cuidados a serem tomados com o objeto digital. Desta forma, neste estudo de caso pretende-se relacionar algumas etapas do ciclo da curadoria digital com as atividades que estão sendo desenvolvidas na Biblioteca de Música da UFRN que é o objeto de estudo desta pesquisa. 3 BIBLIOTECA DA ESCOLA DE MÚSICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE As bibliotecas desenvolvem um importante papel social, principalmente quando se fala em preservar, organizar e disseminar as informações que foram construídas a partir de uma memória coletiva da sociedade. Essas bibliotecas, também chamadas de lugares de memória2, organizam os registros culturais e intelectuais da sociedade, de modo que estes venham ser acessados posteriormente pelas futuras gerações. Antes de abordar sobre a Biblioteca da EMUFRN faz-se necessário explanar brevemente sobre a Escola de Música da UFRN, a qual foi criada no ano de 1962 e incorporada à UFRN no dia 04 de outubro do mesmo ano. Em 1968 estava inserida no Instituto de Letras e Artes e logo depois passou a ser órgão integrante do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA). Ao longo de sua história a EMUFRN tornou-se uma rica fonte para a música no Rio Grande do Norte, pois a maioria dos músicos do Estado são formados pela Instituição. A Escola de Música é uma instituição bastante importante para a difusão da cultura no Estado, [...] durante as três primeiras décadas de sua atuação, a EMUFRN movimentou a cultura musical no Estado: promoveu seminários, recitais, festivais, encontros de bandas, ciclos de conferências e apresentações de professores e alunos. A EMUFRN foi de fundamental importância para o desenvolvimento do cenário musical na cidade. (ESCOLA DE MÚSICA DA UFRN, 20133). A EMUFRN dispõe de uma biblioteca setorial especializada, Biblioteca Padre Jaime Diniz, a qual desenvolve uma ação atuante na Escola de Música. Esta Biblioteca é integrada ao Sistema de Bibliotecas da UFRN, é subordinada à direção da EMUFRN e segue diretrizes técnicas da Biblioteca Central Zila Mamede (BCZM). Ela tem como missão dar suporte informacional a comunidade acadêmica, principalmente no desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão. A Biblioteca dispõe de um acervo bastante diversificado, o qual é composto pelos seguintes documentos: obras de referência, livros, folhetos, monografias, teses, dissertações, partituras e materiais multimeios. Além disso, tem-se um acervo sonoro bastante rico, o qual é na maior parte composto por CD’s que estão disponíveis em ambiente on-line para os usuários. Neste sentido verifica-se que os documentos que compõem os acervos das bibliotecas podem variar com relação à tipologia, por exemplo, pode-se ter acervos sonoros, iconográficos, audiovisuais, cartográficos, entre outros. A Biblioteca da EMUFRN sentiu a necessidade de disponibilizar seu acervo iconográfico, que contém grande parte da memória da Instituição, para a comunidade acadêmica de modo a subsidiar o resgate da história institucional, assim como lançar novos olhares sobre a história da música produzida no Estado do Rio Grande do Norte. Esse acervo caracteriza-se como uma importante fonte documental, capaz de auxiliar no resgate da história da Instituição. A temática acervo iconográfico será melhor abordada, conceituada e caracterizada na subseção a seguir. 2 Silveira (2010, p. 68) afirma que “os lugares de memória se configuram assim, como instâncias físicas ou virtuais que se organizam para servir de apoio à salvaguarda da materialidade simbólica concebida como elemento de representação coletiva”. 3 Documento online não paginado. 3.1 ACERVO ICONOGRÁFICO A informação está em toda parte e em vários suportes, Informação trabalha-se com o conceito de informação como materializada e tangível. A imagem ao longo do tempo passou humanidade e à medida que se tornou conhecida ampliou-se a principalmente em ambiente televisivo, web, e publicitário. no âmbito da Ciência da coisa 4 , ou seja, aquela a guardar a memória da todos os setores sociais, A imagem apresenta cada dia mais importância como meio de expressão em nossa sociedade, e por esse motivo o patrimônio gráfico tem aumentado continuamente. Vivemos em uma sociedade cada vez mais voltada à criação e ao uso de imagens – o consumo de imagens tornou-se uma atividade corriqueira, abrangendo diversas áreas: cultural, educacional, científica, comercial etc. (ESTORNIOLO FILHO, 2004, p. 1) Em linhas gerais, quando se fala em acervo iconográfico refere-se aqueles documentos que tem uma representação visual, por exemplo, pinturas, gravuras, fotografias, ilustrações, transparências, desenhos, cartões postais, entre outros. Tais imagens podem estar disponíveis nos mais diversos materiais e suportes. De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)5 define-se como acervo iconográfico o “conjunto de imagens e fotografias que registram as diversidades e mudanças nos modos de representação da figura humana, da natureza e das cidades”. A partir dos acervos iconográficos é possível reconstituir uma realidade e, consequentemente, sua memória. Neste sentido verifica-se a necessidade de salvaguardar, preservar e disseminar esses acervos que compõem parte dos materiais informacionais da Biblioteca Padre Jaime Diniz. Tais considerações podem ser explicitadas por Kossoy (2002, p. 131) ao afirmar que: A imagem fotográfica representada na iconografia “é memória enquanto registro da aparência de cenários, personagens, objetos, fatos: documentos vivos ou mortos são sempre uma memória daquele preciso tema, num dado instante de sua existência/ocorrência”. A memória iconográfica materializada está presente em diferentes setores da sociedade, especificamente no contexto das universidades estão nas placas de formatura, nas galerias dos reitores, assim como nas diversas bibliotecas que dão suporte aos departamentos. Grande parte desses materiais iconográficos representam eventos e/ou atividades que foram desenvolvidas pela própria instituição. O acervo iconográfico da Biblioteca Padre Jaime Diniz é composto de fotografias dos eventos realizados na EMUFRN, folders, programas de concertos, desenhos, caricaturas, anotações e diversos outros materiais significativos que trazem consigo um pouco da história institucional. Esse acervo é resultado dos 50 anos de história da EMUFRN e, neste contexto, é que verificou-se a necessidade de sua socialização. 4 Conceito utilizado pela primeira vez por Buckland (2011), ele explica que informação como coisa é qualquer coisa percebida como significante, ou seja, é aquela registrada. Por isso é tangível, porque é algo expresso, descrito ou representado de alguma forma física. 5 Informação online não paginada, extraída do site do IPHAN: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=12316&sigla=Institucional&retorno=detalheInst itucional. É obrigação das instituições, principalmente das universidades, preservar e organizar os documentos produzidos no decorrer da sua trajetória, disponibilizando-os para consulta dos seus gestores, de modo a auxiliá-los na tomada de decisão, bem como para a consulta do público interno e externo, viabilizando a realização de pesquisas científicas. (MORENO; LOPES; CHIARA, 2011, p. 9). Tornar disponível a informação contida no acervo iconográfico da EMUFRN contribuirá para a reconstrução da memória institucional, incluindo-se aqueles que fizeram e fazem parte dela. Além disso, pretende-se disseminá-la aos pesquisadores e, também, a sociedade em geral contribuindo assim para a construção da memória musical no Estado do Rio Grande do Norte. 4 EXPERIÊNCIA EM ANDAMENTO Conforme visto anteriormente, o acervo iconográfico da Biblioteca da EMUFRN é bastante diversificado, composto por diferentes materiais informacionais e em diversos suportes. A iniciativa de trabalhar este acervo se deu por parte dos bibliotecários da Biblioteca Padre Jaime Diniz e uma pequena parte do corpo docente da Escola, quando recolheu-se o material para celebrar os 50 anos da EMUFRN. Percebendo-se, então, a relevância do material recolhido para a comemoração, os bibliotecários resolveram transformá-lo em formato digital para posteriormente torná-lo público e ampliar o acesso à sociedade. Assim, estabeleceu-se iniciar o processamento técnico pelas fotografias, as quais apresentam-se em maior quantidade, cerca de 80% do material é fotográfico, e com maior relevância para a história institucional. Essas fotografias retratam fatos, acontecimentos e eventos que marcaram a história da EMUFRN, além disso, tem-se a participação de personagens importantes que compuseram esta história. A primeira etapa realizada foi a reunião e o levantamento das fotografias disponíveis, ou seja, o inventário. Havia muitas fotografias antigas e outras mais recentes. Efetuou-se, deste modo, uma análise para verificar se essas estavam em bom estado de conservação. Logo depois, fez-se a higienização dos documentos, ou seja, retirou as impurezas tais como poeiras e partículas sólidas. Removeu-se ainda qualquer objeto metálico que estivesse nas fotografias, por exemplo, grampos, clipes ou outros materiais que pudessem interferir no processo de digitalização. É importante salientar que antes de realizar a segunda etapa, no caso a digitalização do acervo iconográfico, a comissão responsável composta por bibliotecários preocupou-se em oferecer treinamento aos funcionários para o bom desenvolvimento da atividade. O treinamento foi oferecido pelo Laboratório de Tecnologia da Informação (LIBER) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o qual ensinou alguns métodos e técnicas de digitalização. Este processo foi realizado com o auxílio de aparelho de scanner, de alta qualidade e boa precisão. Atualmente, todo o acervo fotográfico encontra-se digitalizado. Relacionando esta atividade com os ciclos da curadoria digital percebe-se que a digitalização do dado digital abrangeu as etapas de conceitualização, criação e recebimento. A terceira etapa do processo consiste na identificação das pessoas, dos locais e dos eventos ali retratados. Uma das estratégias utilizadas para o efetivo desenvolvimento desta etapa consiste no recolhimento de depoimentos e entrevistas das pessoas que participaram e participam da história da EMUFRN. Este processo está sendo realizado com o auxílio de uma comissão, a qual coleta informações dos ex-professores, ex-alunos e, principalmente, as pessoas que colaboraram na doação do material para o acervo são peças fundamentais nesta etapa. Logo após a coleta desses dados serão analisadas as fotografias e serão selecionados os descritores mais adequados para representar tematicamente a imagem. O próximo passo a ser realizado é o tratamento técnico iniciando-se pela representação descritiva (catalogação) e representação temática (indexação) das fotografias, essas atividades são realizadas no Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (SIGAA), que é o Sistema automatizado de gerenciamento de bibliotecas utilizado pela Rede de Bibliotecas da UFRN. Após realizar a catalogação e a indexação da fotografia, o arquivo digital será anexado ao sistema, sendo assim, quando o usuário fizer a busca no catálogo online da Biblioteca, que encontra-se na página da Escola de Música, ele poderá escolher o tipo de material que deseja recuperar e assim poderá visualizar a fotografia. É importante salientar que essa etapa somente irá ocorrer quando as identificações das fotografias forem feitas. Na representação descritiva além das informações básicas (autor, título, data, local, dimensão) será necessário elaborar um resumo, o qual descreverá as informações presentes na fotografia, por exemplo, evento e pessoas retratadas para que assim possa facilitar a compreensão ao recuperar esta informação. Como a indexação da imagem é mais complexa do que em documentos textuais, os bibliotecários buscaram qualificar-se para trabalhar com este tipo de material fazendo cursos sobre indexação de imagens, para que assim viessem a fazer uma indexação eficiente, facilitando, desta forma, a recuperação eficaz da informação. Esta etapa consiste na descrição e representação da informação, ou seja, o segundo ciclo da curadoria digital, na qual se atribui metadados para representar descritivamente ou tematicamente a informação. Concluído o processamento técnico, as fotografias passarão a estar disponíveis no catálogo que está inserido no website da Biblioteca para os discentes, docentes, pesquisadores e para o público em geral. A busca a ser realizada no Sistema poderá ser temática e/ou textual, também será possível obter a visualização das imagens digitais. Em relação ao ciclo da curadoria as atividades não se encerram por aqui é necessário realizar um contínuo planejamento da preservação dos objetos digitais. Para isso, sugere-se a elaboração de um plano que descreva as práticas, as diretrizes, as medidas e as técnicas a serem adotadas durante a realização dos processos. É importante que se tenha definido: os objetos digitais que passarão pelos processos de curadoria e de preservação a longo prazo; o custodiante para o qual o dado será transferido, seja para um arquivo, repositório ou outros; as ações de preservação a serem adotadas; os padrões a serem utilizados; é necessário ainda assegurar que o objeto digital seja acessado pela sua comunidade alvo e pelos seus demais usuários; e por fim, é preciso transformar o dado digital original em outros formatos de modo que caso haja alguma perda há vários outros formatos referente ao original. Além disso, faz-se necessário ainda que se tenha documentado os critérios para eliminação dos dados que não foram selecionados para curadoria e preservação a longo prazo, as diretrizes para reavaliação e migração para formatos diferentes de modo a assegurar a obsolescência de hardware e software. É relevante frisar aqui a participação ativa dos funcionários no conhecimento dessas políticas para que assim os ciclos da curadoria venham ser efetivados com sucesso. Mediante tais considerações é pertinente afirmar que com a informatização desse acervo poderá difundir-se a história institucional da Escola de Música da UFRN através das imagens transmitidas pelas fotografias. Para complementar, sugere-se que a Biblioteca faça exposições abertas ao público, das fotografias, para promover parte da história da música no Estado do Rio Grande do Norte. Além disso, é importante que este processo seja contínuo e que as futuras fotografias também sejam inseridas nas ações esporádicas de migração, para que assim venham a ser posteriormente inseridas no sistema e disponibilizadas para a sociedade. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A quantidade de informações produzidas atualmente em meio digital, especificamente textos, áudios, vídeos, filmes, etc. têm aumentado exponencialmente. No entanto, grande parte dos hardwares e softwares em que essas informações estão armazenadas tornam-se obsoletos e/ou incompatíveis no decorrer do tempo. Assim, a urgência em salvaguardar tais materiais é constante, e estudos cada vez mais se voltam as estratégias e políticas de preservação digital, com o intuito de garantir o acesso ao patrimônio digital produzido hoje às gerações futuras. A curadoria digital traz consigo uma nova forma de preservar esses objetos digitais, os quais cada vez estão mais vulneráveis a alterações e passíveis de ficarem obsoletos e inacessíveis. No caso da Escola de Música, as atividades ainda estão sendo desenvolvidas e o ciclo da curadoria digital poderá contribuir de maneira efetiva para a preservação da importante massa documental que constitui o acervo iconográfico. Resgatar a memória de uma instituição é sempre muito difícil devido ao fato de como se dará este resgate. A Biblioteca Padre Jaime Diniz optou pela organização e disponibilização do acervo iconográfico para promover parte da memória institucional da EMUFRN. Quando as instituições compartilham suas memórias com a sociedade, essas tem a oportunidade de se mostrarem e partilharem um pouco de sua história. Ao se falar em ‘memória’ e ‘acesso’ verifica-se que ambas são partes integrantes de um processo, pois sem o acesso torna-se nula a função social do registro. A digitalização e, consequentemente, a disponibilização dos documentos digitais permitem que a informação chegue a lugares, no qual o acesso a documentos físicos é bastante restrito, facilitando assim o acesso e salvaguardando o material físico que esteja com um grau de desgaste acentuado, prevenindo que outros possam ser danificados. Com a migração do formato físico para o digital percebe-se que a Biblioteca da EMUFRN tem uma nova preocupação no que diz respeito à preservação de ambos os documentos. O principal objetivo desta pesquisa foi explanar sobre algumas das etapas do ciclo de vida da curadoria digital na Biblioteca de Música da UFRN. E a partir disto averiguou-se que ainda há muitos procedimentos a serem realizadas e um longo caminho a ser percorrido para a conclusão de todas as etapas do ciclo de vida da curadoria digital. Acredita-se que as ações desenvolvidas no ciclo da curadoria poderão contribuir para a preservação e o acesso a um acervo bastante importante para a história da música no Rio Grande do Norte. REFERÊNCIAS ABBOT, Daisy. What is digital curation?. Digital Curation Center, 2008. Disponível em: <http://www.era.lib.ed.ac.uk/bitstream/1842/3362/3/Abbott%20What%20is%20digital%20cu ration_%20_%20Digital%20Curation%20Centre.doc> Acesso em: 16 jun. 2013. ALBUQUERQUE, Ana Cristina de; MURGUIA, Eduardo Ismael. A descrição de documentos fotográficos através da ISAD (G) e AACR2: aproximações e diferenças. Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação, v. 24, n. 2, p. 25-41, jul./dez. 2010. BUCKLAND, Michael. What kind of science can information science be?. Journal of the American Society for Information Science and Technology, 2011. CORRÊA, Elizabeth Nicolau Saad. Curadoria Digital e o campo da comunicação. São Paulo: ECA-USP, 2012. 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