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AVALIAÇÃO DO COMPORTAMENTO INFANTIL: UMA REVISÃO
DA LITERATURA
Dayla Mota de Carvalho (Uni-FACEF)
Gabriel Pogetti Junqueira (Uni-FACEF)
Sofia Muniz Alves Gracioli (Uni-FACEF)
Profª. Drª. Maria Beatriz Machado Bordin (Uni-FACEF)
Introdução
Problemas de comportamento na infância tem sido relatados como uma das
queixas mais freqüentes em clínicas de psicologia, sejam públicas ou privadas,
constituindo-se em desafio para os profissionais da área de Saúde Mental.
Consideram-se
problemas
de
comportamento
aqueles
comportamentos
socialmente inadequados, representando déficitis ou excedentes comportamentais
que prejudicam a interação da criança com pares e adultos de sua convivência.
Esses problemas de comportamento são decorrentes de uma quantidade
significativa de eventos negativos provenientes da família, desencadeando danos
no desenvolvimento da criança, em uma das fases cruciais de sua vida, tornandose assim, fator condicionante para o desenvolvimento de problemas de
comportamento na infância (FERREIRA e MATURANO, 2002).
O DSM-IV (2002) descreve os problemas de comportamento, dividindo-os
em três grupos: a) transtorno desafiador opositivo, b) transtorno da conduta e c)
transtorno do comportamento destrutivo sem outra especificação. O primeiro
grupo refere-se a um padrão persistente de comportamentos negativistas, hostis e
desafiadores, na ausência de sérias violações de normas sociais ou direitos
alheios. O transtorno da conduta, por sua vez, é um padrão repetitivo e persistente
de conduta, no qual os direitos básicos dos outros ou regras sociais apropriadas à
idade são violadas. Por fim, o transtorno do comportamento destrutivo sem outra
especificação é o transtorno que inclui apresentações clínicas que não satisfazem
165
todos os critérios para transtorno desafiador de oposição ou para transtorno da
conduta, mas nas quais existe um comprometimento clinicamente significativo.
Um dos instrumentos de avaliação de comportamento infantil mais citado na
literatura é o CBCL (Child Behavior Checklist), que tem sido considerado um dos
instrumentos mais eficazes para quantificar as respostas de pais e mães em
relação ao comportamento dos filhos. Trata-se de um questionário composto de
138 itens que deve ser respondido pelos pais de crianças na faixa etária de seis a
18 anos, para que esses forneçam respostas referentes aos aspectos sociais e
comportamentais de seus filhos (Achenbach, 2001). Do total de itens, 20 deles
destinam-se à avaliação da competência social da criança, enquanto 118 são
relativos à avaliação de seus problemas de comportamento. Devido ao seu rigor
metodológico, esse inventário é utilizado em diversas culturas, já foi traduzido para
61 línguas e existem estudos publicados em 50 diferentes culturas, demonstrando,
assim, um grande valor em pesquisas e utilidade na prática clínica.
No Brasil, a adaptação do CBCL foi feita por Bordin, Mari e Caeiro (1995) e
o inventário foi dividido em duas partes, destinadas, respectivamente, à avaliação
da competência social e de problemas de comportamento. O instrumento inclui
oito escalas de síndromes: isolamento; queixas somáticas; ansiedade/depressão;
problemas sociais; problemas do pensamento; problemas de atenção; problemas
sexuais; comportamento de quebrar regras; e comportamento agressivo, pode ser
utilizado para avaliação de indicadores de distúrbio que correspondam a qualquer
uma dessas oito escalas (Schneider e Ramires, 2007).
Nesse sentido, o presente artigo tem por objetivo proceder a uma revisão
da literatura, considerando a produção científica no período de 2007 a 2009,
visando verificar a utilização do CBCL (Child Behavior Checklist) enquanto
instrumento de avaliação de aspectos de comportamento em crianças e
adolescentes brasileiros.
166
Material e método
A consulta bibliográfica foi realizada através do indexador Lilacs, utilizandose a palavra-chave CBCL, o que resultou em 37 artigos. Desse total, foram
selecionados artigos de língua portuguesa referentes ao período de 2007 a 2009 e
que utilizaram o CBCL como instrumento de avaliação do comportamento da
criança. A seleção final ficou composta por nove artigos, sendo oito empíricos e
um de revisão. Os artigos empíricos avaliavam o comportamento de crianças
associando-o a variáveis como: adversidade familiar, concordância parental,
violência, estratégias de enfrentamento, transtornos de humor e de ansiedade.
Além disso, a maioria dos artigos empíricos eram descritivos, com amostras
extensas, cujas crianças avaliadas apresentavam idade entre seis e 12 anos. O
artigo de revisão abordava, principalmente, a relação entre tipos de violências
praticadas
no
âmbito
familiar
com
o
desenvolvimento
de
problemas
comportamentais na infância, principalmente comportamentos agressivos.
Caracterização das fontes de análise.
Observou-se que a grande maioria dos artigos tem público alvo de crianças
entre seis e 12 anos de idade, já que o CBCL é especificamente indicado para
essa faixa etária. Destaca-se que a versão para crianças deve ser respondida pelo
responsável pela mesma. Os estudos aconteceram em sua maioria em instituições
públicas, contendo participantes tanto do sexo masculino como do feminino.
Apenas dois dos artigos se focam em um público alvo constituído por
adolescentes.
É importante ressaltar que apesar dos artigos conterem públicos, objetivos
e temáticas distintas, todos tangenciam um tema em comum, que é o
comportamento infantil.
A Tabela 1 apresenta as características das amostras dos artigos
contemplados no estudo, no que se refere ao número de participantes e à idade
dos mesmos.
167
Tabela 1 – Caracterização dos participantes dos artigos analisados.
Referência
Amostra
Sexo
Pesce (2009)
Silva et al (2008)
40
(11 a 18 anos)
Masc. /fem.
Borsa e Nunes (2008)
146 (06 a 10 anos)
Masc. /fem.
Moraes e Enumo (2008)
28
(06 a 12 anos)
Masc. /fem.
Avanci et al. (2009)
479 (06 a 13 anos)
Tanaka e Ribeiro (2009)
411 (05 a 12 anos)
Masc. /fem
.
Masc. /fem.
Ximenes, Oliveira e Assis (2009)
287 (06 a 13 anos)
Masc. /fem.
Schneider e Ramires (2007)
11
(12 a 18 anos)
Masc. /fem.
Schoen-Ferreira et al. (2007)
670
(04 a 18 anos)
Masc. /fem.
Por meio da análise da Tabela 1 verifica-se que mais da metade dos artigos
analisados são constituídos por amostras extensas, em sua maioria composta por
crianças e adolescentes de ambos os sexos. Apenas um dos artigos analisados
trata-se de artigos de revisão (Pesce, 2009).
A Tabela 2 apresenta a caracterização dos artigos obtidos no levantamento
bibliográfico, com relação ao tipo de pesquisa, ao objetivo e às palavras-chave
utilizadas em cada um.
168
Tabela 2 – Caracterização dos artigos quanto ao: tipo, local de realização,
objetivos e palavras-chave utilizadas
Referências
Pesce (2009)
Tipo de
pesquisa
Local da
pesquisa
revisão da
literatura
Objetivo da Pesquisa
Palavras-Chave
realizar revisão da literatura
mundial
sobre
dois
temas
importantes: violência familiar e
problemas de comportamento
agressivo e desafiador opositivo
na infância
revisão bibliográfica;
agressividade;
criança e
adolescente
Silva et al (2008)
exploratória
Centro de
Atenção e
Apoio ao
Adolescente
(UNIFESPSantos)
Comparar adolescentes infratores
e não-infratores com relação a
dois aspectos: grau de
adversidade
familiar, grau de concordância
entre a auto-percepção e a
percepção dos pais sobre
problemas de comportamento dos
jovens
família; adolescentes;
problemas
comportamentais.
Borsa e Nunes (2008)
exploratória
Porto AlegreRS
Analisar a concordância entre
respostas de pais e mães relativas
aos
problemas de comportamento do
mesmo filho através do
instrumento Child Behavior
Checklist
[CBCL-6/18].
relações paiscriança; lista de
verificação
comportamental para
crianças;
CBCL; criançaproblema.
Moraes e Enumo (2008)
exploratória
hospital
público
infantil da
região
sudeste
analisou as estratégias de
enfrentamento da hospitalização
em 28 crianças hospitalizadas
entre 5-20 dias, em hospital
público da região
Sudeste
estratégias de
enfrentamento;
avaliação psicológica
informatizada;
hospitalização
infantil.
Avanci et al. (2009)
estudo
descritivo
escolas
públicas de
um município
do Rio
de Janeiro
investiga a associação entre o
comportamento
retraído/depressivo de crianças
escolares
e a presença/ausência de
violências vividas em casa, na
escola e na comunidade
depressão; violência,
criança.
Tanaka e Ribeiro (2009)
exploratória
UBS na
cidade de
São Paulo
analisou a atenção prestada a 411
crianças de cinco a onze anos em
uma UBS na cidade de São Paulo
atenção básica;
saúde mental infantil,
formação
profissional; políticas
de saúde.
Ximenes, Oliveira e Assis (2009)
exploratória
São Gonçalo,
apresenta a prevalência dos
TEPT; violência;
169
Rio de
Janeiro
sintomas de transtorno de estresse
pós-traumático (TEPT) em
crianças escolares (6-13 anos) do
município
de São Gonçalo, Rio de Janeiro.
Investiga também a associação
entre TEPT, violência e outros
eventos
de vida adversos
criança; eventos
de vida adversos.
Schneider e Ramires (2007)
exploratória
Serviço de
Psicologia
de uma
universidade
do sul do
Brasil
investigar a sintomatologia
depressiva, o estilo de vínculo
parental e a presença de rede de
apoio social em 11 adolescentes
de ambos os sexos, com idades
entre 12 e 18 anos, que
procuraram atendimento ou foram
encaminhados ao Serviço
dePsicologia
de uma universidade do sul do
Brasil
depressão na
adolescência; vínculo
parental; rede de
apoio social.
Schoen-Ferreira et al (2007)
exploratória
município de
São Paulo
fornecer subsídios a pediatras e
educadores para melhor
atenderem à população enurética
enurese; enurese
noturna; critérios
diagnósticos.
No único artigo de revisão obtido por meio de levantamento bibliográfico Pesce
(2009) apresenta a relação entre violência familiar e problemas de comportamento
agressivo e desafiador opositivo na infância. A escolha do CBCL enquanto
instrumento de avaliação de problemas comportamentais na infância justifica-se,
segundo a autora, por tratar-se de instrumento amplamente utilizado e
mencionado na literatura mundial. Entre outros aspectos, o material encontrado,
composto por 17 artigos, mostrou que a violência conjugal predomina nos estudos
como tipo de maus tratos familiar com potencial para causar problemas de
agressividade e transgressão em crianças. Crianças, por sinal, compõem a
maioria dos estudos analisados nessa revisão,sendo a maioria delas selecionadas
através de serviços de saúde de suas comunidades, especialmente serviços de
atenção
psicológica
e
psiquiátrica.
Segundo
a autora,
uma
importante
consideração sobre o CBCL e que justifica a utilização do mesmo em produções
científicas diversa é que, por tratar-se de instrumento com diversas subescalas, é
170
comum que em cada estudo se priorize a utilização de uma delas, considerandose a pertinência das mesmas em relação ao tema a ser investigado.
Com relação aos artigos empíricos que foram objeto de análise do presente
estudo,
algumas
considerações
podem
ser
feitas,
considerando-se,
principalmente, a relação entre o objetivo proposto e os resultados obtidos quando
se considera, primordialmente, o CBCL como instrumento de avaliação do
comportamento ou coadjuvente na busca de compreensão acerca de aspectos do
desenvolvimento.
Silva et al. (2008) compararam o grau de adversidade familiar e o grau de
concordância entre a auto-percepção de adolescentes infratores e não infratores e
a percepção dos pais sobre problemas de comportamento de seus filhos. Os
autores encontraram que, tanto nos grupos de adolescentes infratores, quanto no
de adolescentes não-infratores, os pais reportaram mais problemas de
comportamento em relação aos jovens que se auto - avaliaram. Uma hipótese
levantada pelos autores é que temendo a medida de privação de liberdade, os
pais de jovens infratores tenderiam a minimizar os comportamentos anti-sociais
dos filhos.
Um estudo conduzido por Borsa e Nunes (2008) também objetivou verificar a
concordância entre as respostas de pais e mães quanto aos problemas de
comportamento, a partir da aplicação do CBCL a 146 casais, com filhos de seis a
doze anos, matriculados em uma escola pública de Porto Alegre. Os resultados
encontraram que, no que se refere às respostas dos pais para Problemas Totais
de Comportamento, a concordância entre os mesmos é baixa, ou seja, pais e
mães, mesmo que avaliem a mesma criança, observam as características de
comportamento dessa criança de forma distinta. Esse fato provavelmente está
relacionado tanto com a qualidade da relação parental quanto com a quantidade
de tempo que pais e mães dedicam aos filhos (as).
Com o objetivo de analisar as estratégias de enfrentamento de crianças
hospitalizadas, Moraes e Enumo (2008) aplicaram o CBCL a mães de crianças
hospitalizadas em hospital público infantil da região Sudeste, o que permitiu
classificar como clínicas (crianças que necessitam de atendimento para problemas
171
de comportamento) 39,3% do total de crianças por meio da Escala de
Competências, 60,7% nas subescalas da Escala de Síndromes, 57,1% para
problemas internalizantes e 57,1 para problemas externalizantes. Esse dado
permite afirmar que algumas crianças precisam de suporte ou atendimento que
lhes ensinem a lidar com o estresse gerado pela hospitalização.
Visando estudar a associação entre comportamento retraído/depressivo e a
presença/ausência de violências vividas em casa, na escola ou na comunidade,
Avanci et al. (2009) aplicaram a 479 alunos, com idades entre seis a 13 anos, a
subescala de retraimento/ depressão da Escala de Problemas Internalizantes do
CBCL. Os autores encontraram que crianças que não foram vítimas de violência
não apresentavam comportamento retraído/ depressivo. No entanto, embora o
comportamento depressivo esteja mais presente em crianças vítimas de violência,
situações violentas, por isso só, não desencadeiam o quadro depressivo.
Tanaka e Ribeiro (2009), por sua vez, avaliaram a atenção básica de saúde
prestada a 411 crianças de 12 anos em UBS da cidade de São Paulo. O CBCL foi
utilizado para a detecção de problemas de saúde mental na população infantil. Os
resultados desse instrumento, que foi respondido pelos pais ou responsáveis
pelas crianças, foram comparados com as hipóteses de problemas de saúde
mental anotados nos prontuários das crianças pelos pediatras, que mostrou que
apenas 25,3% das crianças com escore clínico no CBCL e, portanto, com
prováveis problemas de saúde mental, foram detectadas pelos pediatras.
No estudo de Ximenes, Oliveira e Assis (2009) o CBCL foi utilizado com o
objetivo de avaliar sintomas do Transtorno de Estresses Pós-Traumático (TEPT)
em 287 crianças, de seis a 13 anos de idade. Dentre os resultados obtidos,
destacam-se prevalências altas de sintomas de ansiedade, do tipo “é nervoso ou
tenso” (58,7%); “é medroso ou ansioso demais” (60,7%).
A sintomatologia depressiva e a relação com o vínculo parental foi
investigada no estudo de Schneider e Ramires (2007). Por meio do CBCL,
respondido por 11 adolescentes com idade entre 12 e 18 anos, os autores
encontraram que seis participantes apresentavam índice clínico de depressão, de
acordo com o escore obtido. É importante destacar que desses jovens, nenhum
172
teve a percepção de “cuidado ótimo” em relação aos cuidados recebidos pela
mãe.
O último estudo empírico analisado, conduzido por Schoen-Ferreira et al.
(2007) visou realizar um levantamento da presença de enurese noturna em 670
crianças e adolescentes de quatro a 18 anos da cidade de São Paulo. Para tal fim,
o CBCL foi respondido pelos pais ou responsáveis pelos mesmos. Encontrou-se
que, do grupo de 670 entrevistados, 93 (13,8%) assinalaram que seus filhos
faziam xixi na cama, às vezes ou freqüentemente. Destes, 43 tinham idades entre
quatro ou cinco anos, portanto, de acordo com o DSM-IV, não satisfaziam o
critério para enurese noturna.
Considerações finais.
Tendo em vista as fontes consultadas, que serviram de base para este
estudo, é possível suscitar questões pertinentes sobre o comportamento infantil.
Primeiramente, trata-se de um tema constante nos artigos, principalmente
entre aqueles que buscam entender a estrutura e dinâmica do funcionamento
familiar. A maioria dos artigos ressalta a importância da família no período de
desenvolvimento da criança, servindo de modelo de conduta para a mesma. A
família, apesar das mudanças sofridas durante o tempo, é uma instituição social
muito importante, no que diz respeito à manutenção da segurança da criança,
suprimento dos recursos e a garantia da educação. Porém, a função da família vai
além de fornecimento de recursos; ela é um porto seguro que fornece energia
para a criança enfrentar os problemas e desafios que muito provavelmente
encontrará durante seu desenvolvimento.
Portanto, torna-se fundamental, ao se analisar o comportamento de
crianças por meio de escalas como o CBCL, buscar a compreensão da relação
dos dados e resultados obtidos em instrumentos específicos de avaliação deste
aspecto do desenvolvimento com aspectos do contexto no qual a criança se
insere, principalmente das relações que se estabelecem entre a criança e seus
pares no âmbito familiar.
173
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