PESQUISAS / RESEARCH / INVESTIGACIÓN
Reforma psiquiátrica: percepção da família do portador de transtorno
mental
Psychiatric reform: familiar perception of mentally ill
Reforma psiquiátrica: percepción de la familia del enfermo mental
Márcia Astrês Fernandes
Márcia Astrês Fernandes – Professora
Adjunta da Universidade Federal do Piauí-UFPI.
Mestre em Enfermagem/UFRJ .Doutoranda da
Universidade de São Paulo- USP. Teresina -Pi. Brasil.
E-mail: [email protected]
Maria Alice Bastos Maia
Maria Alice Bastos Maia – Enfermeira da MDER e
da Clínica Santa Fé. Especialista em Saúde Mental.
Teresina -Pi. Brasil. E-mail: [email protected]
Patrícia Carvalho Joca Meireles
Patrícia Carvalho Joca Meireles - Enfermeira Graduada
pela Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e
Tecnológicas do Piauí – UNINOVAFAPI. Teresina -Pi.
Brasil. E-mail: [email protected]
RESUMO
Estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa, cujos objetivos foram descrever e analisar a percepção da família do portador de transtorno mental frente à Reforma Psiquiátrica e discutir
como essa percepção pode influenciar no alcance dos objetivos propostos pelo modelo da desinstitucionalização. Esta pesquisa foi realizada em um hospital psiquiátrico do município de Teresina e
os sujeitos do estudo foram os familiares de portadores de transtornos mentais, que se encontravam
em tratamento ambulatorial no hospital. A partir da análise das entrevistas realizadas com os sujeitos
da pesquisa construíram-se duas categorias relacionadas à percepção do familiar do portador de
transtorno mental e concluiu-se que as famílias, fontes essenciais no processo de desinstitucionalização, ainda não têm o conhecimento suficiente, nem preparação necessária para assumirem esse
papel tão importante. Portanto, há necessidade de se conhecer a realidade das famílias nas quais se
pretende manter ou reinserir o doente mental, na tentativa de resgatar sua subjetividade e cidadania, para que possamos contribuir efetivamente através de estratégias que facilitem o processo de
reintegração familiar e social do portador de transtorno mental.
Descritores: Enfermagem .Saúde mental. Família.
ABSTRACT
Lara Emanueli Neiva de Sousa
Lara Emanueli Neiva de Sousa – Discente do Curso
em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí.
Participante do Programa de Iniciação Cientifica
Voluntária da Universidade Federal do Piauí. Teresina
-Pi. Brasil. E-mail:[email protected]
This is a descriptive and exploratory research which was developed from a qualitative approach,
whose goals were to describe and analyze the familiar perception of mentally ill about the Psychiatric Reform and also to discuss how this perception may influence the achievement of the proposed
goals by the model of deinstitutionalization. This research was held in a psychiatric hospital in the
city of Teresina and the researched subjects were the relatives of mental patients who were outpatients at the hospital. From the analysis of the held interviews with the researched subjects we constructed two categories related to a familiar perception of mentally ill and concluded that families
are essential sources in the process of deinstitutionalization, however, these families do not have
the necessary knowledge and preparation to assume this so important role. So you need to know
the reality of families in which one wants to maintain or reintegrate the mentally ill in an attempt to
rescue his subjectivity and citizenship, so that we can contribute effectively through strategies that
facilitate the process of family and social reintegration of the bearer mental disorders.
Descriptors: Nursing. Mental health. Family.
RESUMEN
Submissão: 07.02.2012
Aprovação: 10.05.2012
Este es un estudio descriptivo y exploratorio, desarrollado a partir de un enfoque cualitativo, cuyos
objetivos fueron describir y analizar la percepción de la familia del enfermo mental acerca de la
Reforma Psiquiátrica y discutir cómo esta percepción puede influir en el logro de los objetivos propuestos por el modelo de la desinstitucionalización. Esta investigación se llevó a cabo en un hospital
psiquiátrico en la ciudad de Teresina y los sujetos del estudio fueron parientes de los enfermos mentales, que eran pacientes ambulatorios en el hospital. A partir del análisis de estas entrevistas que
construyeron dos categorías relacionadas con la percepción de la familia de los pacientes enfermos
Revista Interdisciplinar UNINOVAFAPI, Teresina. v.5, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2012.
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Fernandes, M. A. et al.
mentales y llegó a la conclusión de que las familias son una fuente esencial
en el proceso de desinstitucionalización, sin embargo , estas famílias no
tienen los conocimientos y preparación necesarios para asumir este papel
tan importante. Así que hay que conocer la realidad de las familias en las
que se quiere mantener o reintegrar a los enfermos mentales en un intento de rescatar a su subjetividad y la ciudadanía, de manera que podamos
contribuir de manera efectiva a través de estrategias que faciliten el proceso de reintegración familiar y social del portador trastornos mentales.
Descriptores: Enfermería. Salud mental. Familia.
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A história da psiquiatria brasileira vem sendo marcada por profundas mudanças, sendo a Reforma Psiquiátrica vista como um marco
fundamental da política de assistência à saúde mental. Paulatinamente, o
modelo hospitalocêntrico vem sendo substituído por uma rede integrada
de atenção à saúde mental voltada para um paradigma de assistência comunitária sustentada pelo respeito aos direitos humanos e de cidadania.
Segundo o Ministério da Saúde, o processo de Reforma Psiquiátrica
é um conjunto de transformações de práticas, saberes, valores culturais e
sociais em torno do “louco” e da “loucura”, mas especialmente em torno
das políticas públicas para lidar com a questão (BRASIL, 2007).
Estudiosos do assunto relatam que com a Lei 10.216 de 2001, que
dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, houve
uma redução do número de leitos em hospitais psiquiátricos e ampliação
da rede de serviços substitutivos, garantindo assim uma assistência mais
humanizada a estes pacientes, bem como a sua recuperação pela inserção
na família, no trabalho e na comunidade (GONÇALVES; SENA, 2001).
Baseado nessa linha de raciocínio percebe-se que não apenas os
serviços de saúde mental passam por um processo de reestruturação, mas
também a assistência ao indivíduo em sofrimento psíquico está sendo
marcada por profundas mudanças, com o intuito de melhorar o atendimento a essa clientela e a seus familiares.
Por sua proximidade com famílias e comunidades, as equipes da
Atenção Básica se apresentam como um recurso estratégico para o enfrentamento de importantes problemas de saúde pública, em especial os
relacionados à saúde mental, tendo em vista que a Reforma Psiquiátrica
busca um cuidado que não afaste o portador de transtornos mentais do
seu espaço social (BRASIL, 2005).
Todavia, nem sempre a Atenção Básica apresenta suporte para a
execução desta importante tarefa. Percebe-se que a própria consolidação
deste modelo vem enfrentando um número crescente de obstáculos,
dentre eles, a falta de preparo que a família apresenta na interação com
o portador de transtorno mental o que resulta numa má recuperação do
mesmo, e consequentemente, seu retorno ao hospital psiquiátrico - comprometendo assim o modelo assistencial da desinstitucionalização.
Estudiosos afirmam que a família é constituída de pessoas com
personalidades e objetivos de vida diferentes. Por isso é importante, dentro desse todo, estar atentos à individualidade e unicidade de cada um.
No caso de doença psiquiátrica, percebemos que o impacto da doença
na família é devastador visto que, os familiares e o paciente sofrem não
só pelo diagnóstico em si, mas pela expectativa de vida que terão a partir
da doença, além da necessidade de alterar a sua forma de funcionamento
para se adaptar à pessoa doente (SILVA; SADIGURSKY, 2008).
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Diante desse panorama fica evidente que a desinstitucionalização
e, consequentemente, a reinserção social do doente mental na comunidade, somente acontecerá se houver investimento em serviços alternativos
que apoiem, suportem e ajudem o doente e sua família. Sabemos, porém,
que a presença destes serviços, no Brasil, ainda é tímida, pois em relação
à grandeza deste país, poucas são as instituições que apresentam essa iniciativa.
Considerando que as transformações propostas pela Reforma
Psiquiátrica colocam um conjunto de desafios para a família do portador de transtorno mental, que muitas vezes não se encontra preparada
para conviver com o enfermo, apresenta-se como objeto deste estudo, a
percepção da família do portador de transtorno mental frente à Reforma
Psiquiátrica Brasileira.
Em face dessas considerações, os objetivos do presente estudo
consistem em descrever e analisar a percepção da família do portador de
transtorno mental frente à Reforma Psiquiátrica e discutir como essa percepção pode influenciar no alcance dos objetivos propostos pelo modelo
da desinstitucionalização.
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METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa qualitativa com caráter exploratório e
descritivo.
O estudo em descrição foi realizado em um Hospital Psiquiátrico,
situado na cidade de Teresina, Piauí. A referida instituição hospitalar foi
inaugurada em 24 de janeiro de 1907, sendo batizado inicialmente como
Asilo de Alienados Areolino de Abreu. Em 1968, o hospital passa a denominar-se Hospital Colônia de Psicopatas Areolino de Abreu e, somente em
1972, até os dias atuais, Hospital Areolino de Abreu (H.A.A).
Em 2003 o H.A.A contava com 233 leitos para internação integral.
Após a Portaria do MS Nº 52/2004 que trata da redução de leitos, o hospital passou a dispor em 2004 de 200 leitos e a partir de 2005 passou a
contar com 160 leitos integrais direcionados ao SUS, mantidos até a atualidade. A instituição ainda conta com 30 leitos para semi-internação no
Hospital Dia, o Serviço Ambulatorial e o Serviço de Urgência e Emergência
Psiquiátrica que funciona 24 horas aberto à comunidade. São realizados
mensalmente de 4 a 5 mil atendimentos ambulatoriais, cerca de 500 atendimentos de urgência e emergência e 200 internações integrais (FERNANDES, 2011).
O ambulatório do H.A.A conta com uma equipe multiprofissional
(psiquiatria, neurologia , psicologia, enfermagem , serviço social , odontologia, terapia ocupacional, ) com atendimento aos usuários e familiares , que têm acesso por meio da marcação de consultas no horário de
6h30min às 17h.
Os sujeitos do estudo foram os familiares de portadores de transtornos mentais, que se encontrava em tratamento ambulatorial no Hospital Areolino de Abreu no mês de março de 2010. Foram entrevistados 11
familiares, sendo que todos foram consultados se aceitavam ou não participar do estudo e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ou seja, esta pesquisa foi realizada com base na Resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde, que estabelece as diretrizes e normas para
as pesquisas envolvendo seres humanos, garantindo assim o respeito aos
aspectos éticos.
Inicialmente, foi solicitada uma autorização da Direção Geral do
Hospital Areolino de Abreu para que a pesquisa pudesse ser realizada. Em
seguida, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética em
Revista Interdisciplinar UNINOVAFAPI, Teresina. v.5, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2012.
Reforma psiquiátrica: percepção da família do portador de transtorno mental
Pesquisa (CEP) da Faculdade UNINOVAFAPI para apreciação e parecer, sendo aprovado sob o processo CAAE 0038.0.000.043-10 em 2010.
Posteriormente, começou-se a produção dos dados, sendo esta
feita por meio da técnica da entrevista semi-estruturada que, acreditamos
ser instrumento mais viável para atender aos objetivos propostos, pois, a
entrevista é o processo de interação social entre duas pessoas onde o entrevistador tem por objetivo obter informação por parte do entrevistado
através de um roteiro com base na problemática do estudo. Vale ressaltar
que todas as entrevistas foram devidamente gravadas.
A análise dos dados foi feita a partir das transcrições das entrevistas, até o momento em que foi observada a saturação dos dados, seguido
da organização e classificação dos relatos, respondendo aos objetivos do
estudo. Para tal fim, utilizamos o método de categorias de acordo com a
percepção dos familiares.
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RESULTADOS E DISCUSSÃO
Todos os entrevistados apresentavam idade superior a 40 anos, dos
quais, a maioria era do gênero feminino (70%). As irmãs foram as principais
responsáveis pelo acompanhamento e assistência ao familiar portador de
transtorno mental, seguido dos pais. Os depoentes foram identificados, no
texto, com a letra “D” e sequencialmente numerados à medida que eram
realizadas as entrevistas.
A partir da análise das entrevistas realizadas com os sujeitos da pesquisa, construíram-se duas categorias: a percepção da família do portador
de transtorno mental acerca da Reforma Psiquiátrica e as implicações da
percepção da família do portador de transtorno mental na consolidação
da Reforma Psiquiátrica.
A percepção da família do portador de transtorno mental acerca
da Reforma Psiquiátrica.
Esta categoria reúne as diversas manifestações dos depoentes sobre o conhecimento que possuem sobre a Reforma Psiquiátrica, nas quais,
alguns dos familiares entrevistados afirmaram desconhecer o processo de
reforma psiquiátrica, e outros demonstram possuir idéias restritas acerca
deste modelo de desinstitucionalização. Essa realidade descrita pode ser
evidenciada nos depoimentos que seguem:
“(...) Pelo que ouvi comentários, parece que é, uns falam que é pra melhorar o trabalho. Cuidar do paciente e atender mais os pacientes” (D.4)
“(...) Eu estou ouvindo falar assim, que vai fechar uns hospitais e vai ter
tratamento em casa e CAPS.” (D.5)
Para as famílias, a Reforma Psiquiátrica traz como proposta básica
eliminar os hospitais psiquiátricos, instituindo mudanças no modo de tratar o paciente, como, propor um novo tipo de tratamento (JORGE; QUEIROZ; RANDERMARK, 2004).
As famílias foram incluídas no processo de desinstitucionalização
como uma fonte essencial de suporte aos pacientes, sem terem, no entanto, nem o conhecimento nem a preparação necessários para esse papel
tão importante (BANDEIRA; BARROSSO, 2003) .
A família é fundamental na manutenção do doente mental fora da
instituição psiquiátrica e no Brasil investe-se muito pouco em trabalhos
que preparem a família para a convivência com o doente mental (MACEDO, 1996).
Diante dessas exposições percebe-se que boa parte dos familiares
não compreende o verdadeiro significado da Reforma Psiquiátrica Brasileira, sendo este desconhecimento uma evidência palpável para tornar-se
Revista Interdisciplinar UNINOVAFAPI, Teresina. v.5, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2012.
visível o despreparo das famílias na inserção e no seu papel dentro dessa
nova reestruturação dos serviços de saúde mental. Portanto, esse estudo
nos chama atenção para este aspecto do assunto em descrição.
Ao citar alguns dos chamados serviços substitutivos às instituições
asilares referendados pela reforma psiquiátrica, como CAPS e Hospital-Dia,
os familiares demonstram um conhecimento ínfimo acerca destes serviços, como podemos constatar nos depoimentos que seguem:
“(...) Já ouvi falar em Hospital Dia, mas não sei onde fica.” (D.2)
“(...) Já ouvi falar em CAPS, mas não sei como funciona.” (D.3)
No entanto, percebemos que outros familiares conhecem o funcionamento e relatam tentativas de acompanhamento nestes serviços,
porém, encontraram dificuldade na resolutividade do tratamento devido
à falta de cooperação do paciente.
“(...) Ela não gostou de lá, não quis ficar.” (D.1)
“(...) Ela não quer fazer as atividades, tem dia que ela está brigando, que
não quer fazer nada!” (D.11)
Na execução da pesquisa percebemos que apenas 10% dos entrevistados demonstraram satisfação com o tratamento oferecido nos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. Desta forma, compreende-se
que a maioria dos sujeitos do estudo prefere que os portadores de transtorno mental sejam assistidos pelos hospitais psiquiátricos.
Uma pequena parcela dos sujeitos do estudo apresenta-se satisfeita com os serviços alternativos propostos pela Reforma Psiquiátrica.
A satisfação no tratamento ofertado pelos CAPS ,quando presente , está
ligada ao reposicionamento dos usuários, pois aprendem atividades nas
oficinas, adquirem maior autonomia e passam a ser pró-ativos, ensinando
atividades aos demais, além da diminuição das crises (em frequência e
duração), da possibilidade de convivência, socialização, enriquecimento
do cotidiano que vai além do transtorno ( KANTORSKI et al., 2009). Desta
forma, no depoimento a seguir podemos observar essa realidade exposta.
“(...) No hospital ela não tem melhora não... volta do mesmo jeito. No
CAPS ... botam ela pra escrever, pra bordar.. pra fazer tudo. Eu achei
melhor.” (D.10)
Nesta perspectiva podemos inferir que a Reforma Psiquiátrica consiste em um movimento social, sendo que o eixo técnico-assistencial está
centrado principalmente nos CAPS. Portanto, essa nova forma de organização da assistência a saúde mental, permite uma maior aproximação
entre usuário, familiar e profissional de saúde (GASTAL, 2009).
Entende-se, portanto, que os obstáculos na implementação efetiva
da Reforma Psiquiátrica perpassam por várias dimensões. Neste contexto,
os profissionais são vistos como viabilizadores da desinstitucionalização,
mesmo em condições adversas, possibilitando aos portadores em sofrimento psíquico o resgate de sua dignidade e a possibilidade de serem
atores da sua própria história (CAETANO, 2011).
As implicações da percepção da família do portador de transtorno
mental na consolidação da Reforma Psiquiátrica.
Considerando que um dos principais pressupostos da Reforma Psiquiátrica é a desinstitucionalização através da desconstrução dos hospitais
psiquiátricos tradicionais, tendo o familiar como o principal responsável
pela manutenção do doente fora da internação observa-se que algumas
famílias demonstram preocupação por não terem as condições necessárias para garantir a permanência do seu parente em domicílio, sendo
acompanhados em serviços comunitários abertos.
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Fernandes, M. A. et al.
Então, alguns depoentes em virtude da sobrecarga familiar imposta pelo cuidado, vêem o hospital psiquiátrico como a única alternativa de
tratamento eficaz para o seu familiar, conforme os depoimentos abaixo.
“(...) Sem o hospital não dá. Até porque pelo próprio conhecimento
que a gente não tem de repente o paciente se transforma e a gente
não sabe o que fazer.” (D.4)
“(...) Tem hora que sai do controle e a gente não consegue controlar e a
gente é obrigada a trazer pra cá. Vem pra cá. Passa um mês, e quando
retorna já tá bem melhor.” (D.8)
“(...) Não dá para ficar sem o hospital. Num pode não... nem ela, nem
os outros” (D.9)
O hospital é visto pelos entrevistados como uma necessidade em
razão da inabilidade dessas famílias para administrar conflitos decorrentes
das tensões geradas pela experiência com o transtorno mental. Portanto,
o hospital, na visão dos familiares, age propiciando-lhes alívio temporário
(JORGE; QUEIROZ; RANDERMARK, 2004).
As famílias por apresentarem carência de informações a respeito
da doença, dificuldades de relacionamento e também devido às precárias condições econômicas percebem o hospital psiquiátrico como a única alternativa de atendimento ao doente mental. Considera que isto se
deva à falta de serviços alternativos que além de tratar o doente mental,
deve oferecer auxilio, apoio e orientação a família (RAMOS; GUIMARÃES;
ENDERS, 2011).
Não foram desenvolvidos os recursos comunitários suficientemente numerosos e adequados para preencher as necessidades múltiplas dos
pacientes, nos âmbitos clínico, social e ocupacional, que permitam assegurar o sucesso de sua integração social. Também não foram desenvolvidos mecanismos de apoio necessários às suas famílias no acompanhamento cotidiano das vidas dos pacientes na comunidade, principalmente
no caso dos que sofrem de distúrbios graves e persistentes (BANDEIRA;
BARROSO, 2003).
Mediante essa conjuntura, compreende-se que um dos maiores
entrave para uma concretização efetiva da Reforma Psiquiátrica consiste
exatamente dessa ausência de preparo da família em como agir dentro
desse novo cenário proposto pela reforma. Além disso, percebe-se que
os profissionais de saúde não inserem e não explicam como os familiares
devem preceder no tratamento oferecido ao enfermo mental, o que resulta uma visão negativa dos serviços alternativos na percepção da família.
Atrelado a essas informações e conceituações, os serviços existentes apresentam dificuldades em fornecer um atendimento completo, integrado e suficiente aos pacientes. Os serviços comunitários de saúde mental em vários países têm sido frequentemente considerados insuficientes e
fragmentados e têm enfrentado dificuldades em fornecer um atendimento que ajude efetivamente os pacientes a viverem de forma satisfatória na
comunidade, o que afeta diretamente as suas famílias.
Portanto, em conseqüência das afirmações feitas constatam-se altas taxas de recaídas, que constituem fonte de estresse para as famílias,
assim como um grande número de re-hospitalizações, o conhecido fenômeno da porta giratória (BANDEIRA; BARROSO, 2003).
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Esse fenômeno mencionado é uma realidade presente nos serviços de saúde mental, tanto em nível local quanto em nível nacional, e
que apresenta relevância e pertinência para os estudos acerca da rede de
atenção em saúde/saúde mental, o que leva fazer uma reflexão sobre a
assistência ao individuo em sofrimento psíquico (RAMOS; GUIMARÃES;
ENDERS, 2011).
A orientação, a informação e o suporte a serem dados às famílias constituem parte integrante do projeto de desinstitucionalização,
necessários ao sucesso da reinserção social dos pacientes, mas que, infelizmente, não está sendo desenvolvida de forma suficiente (JOUCLAS;
STEFANELLI; WAIDMAN, 1999).
Em face do exposto, fica evidente a necessidade de olhar com
maior criticidade os riscos embutidos na ideologia à troca do paradigma
psiquiátrico, mantendo a manutenção da discrepância de poder entre
usuários, familiares e profissionais de saúde vinculados ao tratamento em
saúde mental. Sobretudo porque a reforma psiquiátrica é um passo fundamental para a busca da cidadania das pessoas com transtornos psiquiátricos, ainda que complexa permeada por desafios e estando ainda em
desenvolvimento (BARROSO; SILVA, 2011).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na execução desta pesquisa constatou-se que o modelo de desinstitucionalização pode ter a sua consolidação comprometida devido
à ausência de informação das famílias quanto aos serviços alternativos
aos hospitais psiquiátricos, além da falta de preparo familiar em acolher
o paciente quando retorna da instituição psiquiátrica, aumentando assim
as chances de reinternação – o que compromete o novo paradigma da
assistência a saúde mental.
Importa ressaltar que se faz necessário conhecer a realidade das
famílias nas quais se pretendem manter ou reinserir o doente mental, na
tentativa de resgatar sua subjetividade, para que possamos contribuir com
estratégias que facilitem o processo de reintegração familiar e social do
portador de transtorno mental, visto que a família é parceira importante
no processo de desinstitucionalização psiquiátrica.
Compreendemos que para uma verdadeira reabilitação psicossocial é necessário a atuação de outros atores sociais, além da família, do
usuário e do profissional. São necessárias políticas públicas direcionadas
para a promoção da saúde mental, como também se necessita dizimar o
desejo asilar e o imaginário da periculosidade e da incapacidade do louco. De forma que é imprescindível a continuidade da Reforma Psiquiátrica
com o envolvimento dos mais diversos atores.
Portanto, espera-se que essa pesquisa consiga ampliar os conhecimentos e auxiliar os profissionais de saúde, em especial, a equipe multiprofissional da saúde mental no apoio e na conduta para com a família do
portador de transtorno mental. E socialmente, fornecer uma progressiva
mudança de mentalidade e comportamento da família, da sociedade e
dos profissionais de outras clínicas para com o doente mental, conforme a
grande aspiração da reforma psiquiátrica.
Revista Interdisciplinar UNINOVAFAPI, Teresina. v.5, n.3, p.21-25, Jul-Ago-Set. 2012.
Reforma psiquiátrica: percepção da família do portador de transtorno mental
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