BRIEFING
O Greenpeace e os Deni
A história entre o Greenpeace e os Deni começou em 1999, quando a organização descobriu que a WTK,
gigante madeireira da Malásia, havia adquirido terras sobrepostas à terra Deni, na Amazônia brasileira.
Devido ao seu histórico de destruição de florestas em outras partes do mundo e por causa da compra de
terras e de uma serraria no estado do Amazonas, a WTK tem estado na mira do Greenpeace desde o início
da Campanha da Amazônia.
Em 1997, uma investigação da Câmara dos Deputados revelou que o empresário amazonense Mário Moraes,
que alegava possuir mais de 1 milhão de hectares de floresta, estava negociando a venda de terras nessa
região. Em 1995, a WTK havia comprado 313 mil hectares de Moraes, dos quais aproximadamente 150 mil ha
se sobrepunham à terra Deni. Entretanto, o povo Deni só foi informado dessa transação dois anos depois,
quando um time do Greenpeace alcançou as remotas aldeias do Rio Cuniuá, na bacia do Rio Purus, no
sudeste da Amazônia. Em maio de 1999, Paulo Adário, coordenador da campanha da Amazônia, esteve com
os líderes Deni. Lutando para superar as barreiras de comunicação, ele informou aos índios que parte de
suas terras haviam sido vendidas para uma madeireira, que viria derrubar as árvores.
Os Deni ficaram chocados. Depois de sofrer com doenças e mortes provocadas pelo contato com as frentes
de colonização nos últimos 60 anos, eles não conseguiam entender como esse último problema poderia ter
ocorrido. Afinal de contas, a primeira vez que eles ouviram falar na demarcação de suas terras foi em 1985,
quando os primeiros representantes da Funai (Fundação Nacional do Índio) chegaram nas aldeias para
discutir a questão com eles.
Durante nossa expedição com o navio MV Amazon Guardian, em 2000, voltamos à terra Deni, em mais uma
das muitas viagens realizadas nos últimos anos. Mas, desta vez foi diferente: estávamos acompanhados
pelos representantes da Funai. Ativistas do Greenpeace e o povo Deni – homens, mulheres e crianças –
uniram-se para mandar uma clara mensagem ao governo brasileiro e ao resto do mundo: WTK fora das terras
Deni.
Os Deni pediram ajuda ao Greepeace para lutar pela demarcação. Eles compreenderam que a demarcação,
isto é, o reconhecimento constitucional dos direitos sobre seu território, era a única maneira de garantir a
integridade do ambiente do qual dependem para sobreviver. Este era o único caminho legal para manter a
WTK – e outros invasores – fora dos limites de sua terra natal. O Greenpeace entrou então em contato com o
Cimi (Conselho Indígena Missionário) e com a Opan (Operação Amazônia Nativa), duas organizações com
grande experiência no trabalho com povos indígenas na Amazônia, propondo uma parceria em um projeto
pioneiro voltado à auto-demarcação da terra Deni. O Projeto para Demarcação da Terra Deni foi então
comunicado ao PPTAL (divisão do PPG7 encarregada das questões indígenas na Amazônia brasileira) e à
Funai, que foram convidadas à participar do planejamento inicial do projeto.
Desde então, encontros, debates, discussões e sessões de trabalho foram realizados. Questões foram postas
em dúvida, analisadas, viradas do avesso e colocadas de uma forma comunicável, visando apressar o
processo de demarcação.
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Ao mesmo tempo, o Greenpeace desenvolveu uma forte campanha junto ao mercado consumidor
internacional da WTK, expondo a companhia pelo seu envolvimento com a extração ilegal de madeira na
Amazônia e a ameaça que a empresa representava para povos indígenas na região, além de alertar os
consumidores sobre as opções sustentáveis disponíveis. Como resultado da nossa campanha, o mercado da
Inglaterra – principal consumidor de compensado amazônico da WTK – foi fechado.
Em abril de 2001, mais de dois anos depois da primeira visita do Greenpeace aos Deni e 16 anos depois de
ouvirem falar pela primeira vez em demarcação, algumas coisas haviam mudado. Por seis meses, uma
equipe multidisciplinar, incluindo antropólogo, especialista em assuntos indígenas, sociólogo e engenheiro
agrônomo, esteve trabalhando diretamente com líderes de todas as oito aldeias Deni, preparando os índios
para assumirem a demarcação de seu território.
A chamada “auto-demarcação” não é comum. Normalmente, o governo federal envia antropólogos, geógrafos
e inspetores para determinar o alcance das terras de uma comunidade indígena, elaborar relatórios e
desenhar um mapa. Todo o trabalho é submetido à Funai, responsável pela aprovação da demarcação física.
Uma vez aprovada, a FUNAI contrata uma empresa para ir ao local e abrir trilhas visíveis na floresta,
marcando os limites externos do território. Geralmente, os índios são envolvidos no processo apenas de
maneira periférica.
O Projeto incluiu workshops sobre interpretação e elaboração de mapas, lições sobre ângulos e graus, além
de aulas teóricas e práticas sobre a demarcação. Os Deni aprenderam a manusear instrumentos como
teodolitos, GPS e bússolas. Ao combinar estas novas habilidades com seu conhecimento tradicional sobre as
fronteiras de sua terras, os Deni se tornaram capazes de realizar, passo-a-passo, o processo da demarcação
física.
“O sentimento dos Deni sobre seu território é muito mais forte agora. Eles entenderam todas as etapas para
realizar a demarcação, tanto física quanto legalmente, e porquê ela é tão importante. Mais do que isso: eles
agora compreendem a ameaça que um projeto industrial como o da WTK representa para seu modo de vida”,
afirmou Nilo D´Avila, coordenador do projeto de auto-demarcação Deni, do Greenpeace.
No dia 11 de setembro de 2001, enquanto o mundo assistia atônito os ataques terroristas nos Estados
Unidos, os Deni tomaram o destino em suas próprias mãos e iniciaram a auto-demarcação de sua terra.
Apesar de ignorados pela mídia e silenciados face aos trágicos eventos internacionais, os Deni continuaram
lutando pela proteção de seu território. Um time de especialistas brasileiros e um time internacional de
voluntários do Greenpeace – do Brasil, Chile, Inglaterra, Holanda, Suécia, Espanha, Grécia, Alemanha,
Áustria, Estados Unidos e China – forneceram apoio logístico ao povo Deni por mais de dois meses em 2001,
enquanto os índios demarcavam as fronteiras mais vulneráveis de sua terra.
Um mês após o início da auto-demarcação, o governo brasileiro assinou a Portaria Demarcatória,
reconhecendo formalmente os direitos do povo Deni sobre sua terra.
O ano de 2002 foi consumido em processos burocráticos, incluindo a licitação aberta pelo governo federal
para escolher a empresa encarregada pela demarcação física da terra Deni.
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Hoje, mais de quatro anos e muito trabalho depois, a demarcação da terra Deni está finalmente saindo dos
mapas e virando realidade no coração da floresta amazônica. A companhia Setag venceu o processo de
licitação e iniciou seu trabalho em maio de 2003.
O final feliz desta estória – marcada por longas esperas, burocracia, batalhas políticas e interesses
econômicos – mostram que é possível reverter a tendência de destruição do patrimônio natural da Amazônia
trabalhando em parceria com as comunidades tradicionais e pelo cumprimento da legislação.
A guerra na floresta continua em várias partes do mundo, mas o povo Deni venceu uma grande batalha que
vai ajudar a salvar a maior floresta tropical do planeta: a Amazônia.
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