SOCORRO, TENHO UM FILHO HIPERACTIVO! Patrícia Cabral, In Revista Pais & Filhos, 2003 As baby-sitters despedem-se, os avós e os tios evitam tomar conta deles, os irmãos recusam-se a dividir brincadeiras e, na escola, são uma verdadeira dor de cabeça para os professores. Pais e médicos unem-se para encontrar estratégias de combate ao distúrbio. Mas, afinal, como podemos compreender e tornar mais fácil a vida de uma criança hiperactiva? O Bernardo tem 7 anos e é hiperactivo. As suspeitas partiram da mãe e o diagnóstico confirmou-se. Estava sempre desatento, não parava quieto um minuto, saltava por todo o lado e não tinha qualquer noção de perigo. Um dia, descobriu os fósforos e provocou um incêndio em casa, embora a intervenção da família tivesse impedido o pior. «Foi um grande susto, podia ter ardido o prédio inteiro. Mesmo assim, tivemos um prejuízo material muito elevado», recorda Linda Serrão, mãe do Bernardo. Na escola, o comportamento destas crianças é mais visível e, por vezes, cai-se no erro de estar sempre a ralhar com elas. «A minha professora zanga-se comigo e diz para estar quieto, senão levo uma palmada. Não tenho medo dela, porque não tenho culpa de ser assim», diz Bernardo. Nas brincadeiras, também é notória a impaciência do grupo perante uma criança com estas características. «Quando me porto mal, os meus amigos zangam-se e fazem queixa de mim à professora. Fico triste porque quando eles fazem asneira eu não digo nada». Linda Serrão percebe melhor do que ninguém as dificuldades de integração do filho, uma vez que ainda hoje é hiperactiva. «Estou sempre e rever-me no Bernardo e digo muitas vezes que ele tem sorte por ser devidamente acompanhado por um médico. No meu tempo, as coisas não se passavam assim». De facto, hoje em dia, a hiperactividade merece cada vez mais atenção. Mas, afinal, que patologia é esta, que não se detecta através de nenhuma análise e que deixa baralhados pais e professores? A Perturbação de Hiperactividade com Défice de Atenção (PHDA) é uma perturbação do desenvolvimento infantil com uma base neurológica. «Há zonas dentro do sistema nervoso central que são menos activas e pensa-se que há uns neurotransmissores, pequenas moléculas que enviam as mensagens de uns neurónios para os outros, que funcionam de forma diferente dos da população em geral», explica Paula Pires de Matos, pediatra do desenvolvimento e responsável por uma equipa de acompanhamento de crianças com PHDA. Sintomas de alerta. Na maioria dos casos, o que desperta a atenção dos pais é o comportamento verdadeiramente terrorista que as crianças manifestam, em casa e/ou na escola. Trepam para cima de tudo, correm desalmadamente, não conseguem terminar uma actividade, mexem em tudo e não prestam atenção a nada. «É como se estivessem ligadas a pilhas. São as chamadas crianças hiperactivas ou com excesso de actividade motora. Pensa-se que estas crianças são incapazes de inibir os movimentos desnecessários à actividade que estão a desempenhar», explica Paula Pires de Matos. Dentro do grupo das crianças hiperactivas, existem ainda as que apresentam sintomas de impulsividade, caracterizada por falarem, responderem e agirem sem pensar nas consequências. «Este tipo de meninos apresenta uma impulsividade exagerada e, muitas vezes, têm comportamentos perigosos para eles próprios. Atiram-se para o meio da rua sem verem se vem um carro.» A desatenção é outros dos sintomas da PHDA. Nestes casos as crianças não se concentram, são desorganizadas e não conseguem terminar uma tarefa. «Podem estar à frente do computador imenso tempo, mas saltam de um jogo para o outro sem nunca conseguirem terminar nenhum deles.» Para que seja possível efectuar um diagnóstico preciso, é necessário que os sintomas acima referidos persistam por mais de seis meses e que estejam inseridos num contexto familiar, escolar e extra-escolar. (…) Existem pais, no entanto, que se recordam destes sintomas em crianças mais novas, embora isso nem sem sempre signifique que, mais tarde, venham a desenvolver a patologia. (…) Sabe-se que a hiperactividade é três vezes mais frequente nos rapazes e que, com a idade, os sintomas têm tendência para se atenuarem, embora nalguns casos persistam na adolescência e na idade adulta. (…) Problemas na escola. É, sobretudo, com a entrada para a escola que uma criança com PHDA enfrenta as maiores dificuldades, uma vez que lhe é exigida atenção, pelo menos durante uma hora seguida. (… incluir!!!....) Muitas vezes os educadores têm em perceber se este comportamento se deve a uma educação errada ou se faz parte da sua natureza. «A PHDA não é causada por o pai ou a mãe não saberem educar o filho ou por lhe incutirem maus hábitos», afirma Paula Pires de Matos. «Mas não há dúvida que essas crianças sairão a ganhar se houver uma educação com regras e limites definidos.» Os professores têm assim, a grande responsabilidade de alertar os pais para o problema, bem como a de aprender a lidar com estas crianças. (…) Como podemos tratar estas crianças? As opiniões dividem-se. Por um lado, há quem defenda um acompanhamento que associa psicestimulantes a uma intervenção comportamental. Por outro, há quem aposte numa interacção profunda com a criança e o meio que a rodeia. Para Paula Pires de Matos, a intervenção comportamental, por si só, não funciona, e o mesmo se aplica à medicamentosa – que melhora os níveis de atenção, mas não ensina estratégias. Contudo, as dúvidas dos pais persistem sobre a decisão de dar ou não psicoestimulantes às crianças. Um problema que a pediatra garante não existir no caso do Metilfenidato (vulgarmente conhecido por Ritalina) e que é administrado às crianças com PHDA. A prescrição deste estimulante serve precisamente para aumentar a actividade e melhorar os níveis de atenção. «Este medicamento é das drogas mais bem estudadas para a infância-adolescência. É uma droga muito segura e praticamente não tem efeitos secundários». Quanto à intervenção comportamental nas crianças com PHDA, é feita através de uma «espécie de jogo», no qual há prémios para as atitudes positivas e penalizações para as negativas. . «Nos primeiros anos, fazem-se folhas de comportamentos, sinalizando-se os dois ou três que se trabalham. Quando as crianças são mais velhas, passa-se à técnica cognitivo-comportamental, em que se ensina o auto-controlo». Esta técnica traduz-se numa série de regras básicas como: antes de responder na sala contar até dez, depois pensar na pergunta e, por fim, dizer que não percebeu, se for esse o caso. Sempre que acriança cumpre o objectivo, coloca uma estrelinha de bom comportamento na sua folha, se não cumprir coloca um X. Ao fim de semana, contam-se os pontos e verificam-se os progressos. «Um número de pontos satisfatórios dá direito a um prémio. O contrário dá direito s um castigo», conclui a pediatra. Patrícia Cabral, In Revista Pais & Filhos, 2003