N E G C I O S Páreo para o petróleo Em expansão acelerada, mercado de biocombustíveis promete lucros crescentes àqueles que investirem em soluções inovadoras para produção. Biodiesel é a principal atração A partir de janeiro de 2008, todos os postos de combustíveis do país serão obrigados a oferecer o B2 – mistura de 2% de biodiesel ao combustível mineral. A demanda por combustíveis renováveis – inexistente há três anos – chegará a 850 milhões de litros por ano e deve alcançar 3 bilhões de litros em 2010, de acordo com relatório divulgado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério das Minas e Energia. Desenvolvido para reduzir a dependência brasileira do petróleo importado, o combustível feito de plantas oleaginosas tornou-se um fenômeno crescente em todo o país. O óleo diesel é o combustível derivado de petróleo mais utilizado no Brasil, somando cerca de 40 bilhões de litros consumidos por ano. A produção de biodiesel, estimada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em 176 milhões de litros anuais, ainda está longe de compensar toda essa demanda, mas o ritmo de crescimento na produção já supera os 1.000% em relação ao ano passado. Além do Brasil, o combustível vegetal é desenvolvido em outros países, como Argentina, Estados Unidos, Malásia, Alemanha, França e Itália. Na Europa, que concentra o maior mercado produtor e consumidor de biodiesel em larga escala, 16 LOCUS • Setembro 2007 com 90% da produção mundial, a fabricação iniciou na década de 1990. A vantagem brasileira é a disponibilidade de terras cultiváveis e a variedade de matérias-primas. Enquanto nos Estados Unidos as usinas só processam soja e na Europa, colza – matéria-prima do óleo de canola –, o Brasil desenvolveu tecnologia para produzir biodiesel a partir de diversas matériasprimas em uma mesma indústria. É o que faz a Tecnologias Bioenergéticas (Tecbio), graduada no Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec). Fundada há cinco anos, a empresa produz biocombustível a partir de uma centena de matérias-primas, como soja, girassol, amendoim, colza, nabo-forrageiro, mamona, pinhãomanso, babaçu, dendê, além de gorduras de animais, como sebo, gordura de frango, óleos de peixes e óleos residuais de frituras e de esgotos. A capacidade de obter biodiesel a partir de tantas bases não se dá por acaso. A primeira patente mundial da transesteriEvolução da produção de biodiesel em m3 FONTE: ANP / ELABORAÇÃO: BIODIESELBR.COM DIVULGAÇÃO\GERAR Francis França ficação – principal processo de produção do biodiesel –, registrada em 1980, pertenceu a Expedito de Sá Parente, presidente da Tecbio. Na época, a inovação não teve viabilidade comercial e 10 anos depois a patente do biodiesel expirou, passando a tecnologia ao domínio público. Em 1994, Parente se aposentou e em 2002 montou a Tecbio, que hoje fornece tecnologia à Brasil Ecodiesel, maior empresa do segmento no país. Crescimento exponencial As pesquisas com óleo vegetal combustível buscavam oferecer alternativas ao petróleo para veículos de grande porte, paralelamente às pesquisas com etanol, que indicavam soluções para veículos leves. De acordo com José Neiva, sócio e Diretor de Planejamento e Novos Negócios da Tecbio, a demanda brasileira por diesel é maior do que por gasolina. “Hoje temos sobra de gasolina, que o Brasil exporta. O diesel é o contrário, nós importamos mais ou menos 8 bilhões de litros por ano”, diz. O desenvolvimento do biodiesel poderia reduzir a necessidade de importação, pois, quando produzido de maneira correta, tem qualidade superior à do combustível mineral, mesmo se comparado aos de elevado grau de pureza. Apesar dos incentivos governamentais, o biodiesel ainda tem custo de produção mais alto do que o do diesel mineral, principalmente porque o derivado do petróleo é subsidiado no Brasil. A tendência, segundo Neiva, é que os custos baixem de acordo com o avanço das tecnologias e a produção em escala. “Nesse momento, temos que fabricar um biocombustível com custo ainda elevado, até atingirmos uma curva de aprendizado, como aconteceu com o etanol, que, há 20 anos, era duas vezes mais caro do que é hoje”, explica. Mesmo com os custos mais altos do que o diesel comum, a busca pela sustentabilidade e independência do petróleo impulsionam a expansão. A Tecbio já assinou contrato com a espanhola Tomsa, metalúrgica com 150 anos de mercado, para a construção de uma planta de biodiesel. “Já estamos negociando várias propostas, tanto na Europa quanto na Ásia e algumas ilhas do Caribe. Temos também Angola e um pé no Senegal, onde estamos prospectando”, diz Neiva. A Tecbio também pretende homologar outra invenção desenvolvida por Expedito Parente há 25 anos: o bioquerosene. Feito a partir do biodiesel, com propriedades semelhantes às do querosene utilizado na aviação, a invenção rendeu à Tecbio um convênio com a Boeing e a NASA para estudos de viabilidade do combustível. A matéria-prima é o babaçu, palmeira que ocupa mais de 20 milhões de hectares do Maranhão ao Pará. No mercado doméstico, a Tecbio é responsável pela tecnologia da maior empresa de biodiesel do país. Com seis plantas industriais funcionando, a Brasil Ecodiesel fornece 58% do volume previsto nos leilões da ANP e tem capacidade instalada de 630 milhões de litros por ano. A Brasil Ecodiesel produz a partir das sementes de mamona, soja, girassol e algodão e estuda o uso do pinhão-manso. De acordo com a ANP, existem, atualmente, 36 usinas produzindo biodiesel no país. Se forem levadas em conta as fábricas-piloto, em construção, em fase de planejamento ou que já foram construídas mas ainda não estão produzindo, o número passa de 130, segundo dados do portal BiodieselBR. Brasil Ecodiesel: capacidade para produzir 630 milhões de litros por ano Matéria-prima Perene, de fácil cultivo e com colheita manual, o pinhão-manso é considerado uma das melhores culturas para plantio em pequenas propriedades. Além da boa LOCUS • Setembro 2007 17 N E G C I O S Sem limites para crescer Bioware: objetivo é substituir petróleo em aplicações industriais A Bioware, graduada na Incubadora de Base Tecnológica da Unicamp (Incamp), transforma bagaço de cana-de-açúcar, serragem da madeira, cascas de árvores, de arroz, de café e até capim em energia. Entre os principais produtos comerciais da empresa está o bio-óleo, obtido a partir de resíduos, como a palha da cana-de-açúcar, que pode ser usado como insumo na indústria química e como combustível em alguns sistemas de geração e máquinas térmicas. O bio-óleo não é veicular, serve para substituir o óleo combustível na aplicação na geração de energias térmica e elétrica. “O etanol substitui a gasolina e o biodiesel substitui o diesel mineral. Só que o petróleo é matéria-prima para muitas outras aplicações industriais. O bio-óleo é um potencial substituto do petróleo nessas aplicações”, explica José Dilcio Rocha, diretor da Bioware. A primeira planta industrial da empresa deve começar a operar em 2008, em uma indústria de suco de laranja. Com capacidade para processar uma tonelada de biomassa por hora, a unidade vai substituir 20% do óleo combustível e do gás utilizados pela indústria, empregando como matéria-prima o próprio bagaço da laranja. A biomassa é uma forma indireta de aproveitamento da energia solar absorvida pelas plantas. Estima-se que existam dois trilhões de toneladas de biomassa no planeta, o que corresponde a oito vezes o consumo mundial de insumos para geração de energia – como petróleo, metano, carvão mineral e lenha. “Esse é um negócio que tem potencial ilimitado, porque nossa matéria-prima são os resíduos. Fazemos dinheiro do lixo”, ressalta Rocha. conservação da semente, pode ser plantado com outras culturas, inclusive pastagens, pois os animais não se alimentam dele. O interesse pela matéria-prima está na produtividade: de duas a quatro toneladas de biodiesel por hectare. A Minas Bioenergia, incubada no Centro Gerador de Empresas de Itajubá (Cegeit), Minas Gerais, está concentrada na tecnologia de plantio do pinhão-manso, para aumentar o rendimento da planta. Segundo Daniel Rubim, diretor da empresa, o pinhão-manso deve ser adaptado a cada tipo de solo e clima para que se obtenha o máximo de produtividade. “Tudo com o menor custo de produção possível, para tornar a atividade mais atraente em toda a cadeia de suprimentos, inclusive para o consumidor final”, afirma. A Minas Bioenergia foi criada no final de 2006 e planeja construir sua primeira usina de biodiesel a partir do segundo semestre de 2008. A perspectiva é atingir a produção de 100 mil litros de biodiesel por dia, mas a planta industrial só será construída depois de concluídos os estudos sobre a cadeia de suprimentos. A usina começará com uma planta-piloto, com produção de 3 mil litros por dia, para realização de testes de qualidade e produtividade do pinhão-manso e também de sebo bovino e óleo residual de fritura, coletado na região. 18 LOCUS • Setembro 2007 Promessa social As pesquisas sobre processos de produção e certificação de qualidade do biodiesel são contempladas por recursos previstos pelos fundos setoriais CT-Energ e CT-Petro, do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Desde 2005, os investimentos somam R$ 64 milhões, dos quais R$ 16 milhões foram aprovados no orçamento de 2007/2008. De acordo com Andriano Duarte, Coordenador de Políticas Setoriais do MCT, além dos incentivos do governo em relação a pesquisa e redução de impostos, os investimentos em biocombustível são atraentes por questões de mercado, com a vantagem de um crescimento amparado legalmente. “O mercado brasileiro de biocombustíveis está regulado por leis que obrigam a mistura do biodiesel ao combustível tradicional em percentuais crescentes. Isso cria uma situação estável. Vários países estão fazendo o mesmo tipo de legislação”, afirma. A política de incentivo do governo federal à produção de biocombustíveis foi planejada para promover inclusão social e participação da agricultura familiar na cadeia produtiva do biodiesel. Para participar dos leilões da ANP e se beneficiar dos incentivos fiscais, as empresas precisam ter o “Selo Combustível Social”, comprovando que o biodiesel produzido tem FONTE: ANP / ELABORAÇÃO: BIODIESELBR.COM Participação dos estados em 2007 origem em projetos de inclusão social. Conquistar o selo exige que os produtores de biodiesel atendam alguns critérios, como comprar matéria-prima produzida pela agricultura familiar. No Nordeste e região do semi-árido, a proporção mínima é de 50%. Nas regiões Sul e Sudeste, 30%, e, no Norte e no Centro-Oeste, pelo menos 10% da matéria-prima deve vir de pequenas propriedades. Também é necessário firmar contratos e fornecer assistência e capacitação técnica aos agricultores. De acordo com dados do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), já foram assinados mais de 68 mil contratos com a agricultura familiar. Os agricultores devem produzir 112 milhões de litros de biodiesel, em aproximadamente 245 mil hectares de área plantada. O caráter de inclusão social do biodiesel é questionado quando se fala na possibilidade de a produção reduzir o cultivo de alimentos e ficar concentrada nas mãos de poucas empresas. “Haverá, sim, uma certa competição pelos melhores índices de produção e, evidentemente, as melhores terras serão mais disputadas. O governo precisa fazer um zoneamento para disciplinar o uso da terra e garantir a produção de alimentos”, diz Antônio Euzébio Goulart Santana, professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e conselheiro da CTNBio. Diversidade energética A produção de todas as usinas de biodiesel no país corresponde hoje a 10% da capacidade autorizada pelo governo, que é de aproximadamente 2 bilhões de litros por ano. Dentro da margem disponível para exploração, há espaço para todo tipo de tecnologia. O Grupo Bertin, holding que atua nos segmentos de agroindústria, infra-estrtura e energia, inaugurou em agosto a planta com maior capacidade já instalada no mundo para a fabricação de biocombustível a partir do sebo bovino. Com investimento total de R$ 42 milhões, a unidade instalada em Lins (SP) comporta um pro- O fenômeno do etanol Mesmo com todo o avanço do biodiesel, o etanol continua sendo o grande líder quando se fala em biocombustíveis. Trinta anos depois do início do Proálcool (veja box na página 20), o Brasil vive agora uma nova expansão dos canaviais. O plantio avança além das áreas tradicionais, do interior paulista e do Nordeste, e espalha-se pelos cerrados. A tecnologia dos motores flex impulsionou o consumo interno de álcool. O carro, movido a álcool, gasolina, ou ambos, foi introduzido no país em março de 2003 e conquistou o consumidor. Hoje, a opção já é oferecida para quase todos os modelos das indústrias, e os automóveis bicombustível ultrapassaram pela primeira vez os movidos a gasolina na corrida do mercado interno. A indústria automobilística mundial também aderiu aos bicombustível, e, do ponto de vista tecnológico, as condições para o sucesso do etanol estão equacionadas. Diferente do movimento vivido pelas usinas nas décadas de 70 e 80, quando o governo brasileiro subsidiava a produção de etanol, hoje é o setor privado que impulsiona o mercado. A exportação de álcool brasileiro subiu de 95 milhões de litros no ano 2000 para 2,5 bilhões no ano passado. Até 2012, o mercado brasileiro de etanol deve movimentar mais de US$ 15 bilhões. Os Estados Unidos são hoje os maiores produtores mundiais de álcool, com 37% do total produzido. O Brasil vem em segundo lugar, com 35%. No mundo todo, a produção de etanol não pára de crescer e deve saltar dos 50 bilhões de litros fabricados em 2006 para mais de 110 bilhões de litros em 2012. O Brasil leva vantagem em relação aos outros países em termos de produtividade e custos. De cada hectare de cana plantado no país, produzem-se 6,8 mil litros de álcool. Nos Estados Unidos, que produzem álcool a partir do milho, cada hectare produz apenas 3,2 mil litros. Por causa da energia gerada a partir de biomassa – contra o uso de combustíveis fósseis, nos Estados Unidos – os custos de produção no Brasil também são mais baixos, tornando o produto mais competitivo. Mas ainda é preciso vencer o desafio de manter a oferta do combustível no mercado internacional. As etapas na produção do açúcar e do álcool diferem apenas a partir da obtenção do suco, que poderá ser fermentado para a produção de álcool ou tratado para o açúcar e, historicamente, os usineiros locais reduzem a produção de álcool toda vez que o preço do açúcar sobe. LOCUS • Setembro 2007 19 C I O S Usina da Agropalma: investimento para substituir 100% do diesel usado na companhia cessamento anual de 110 milhões de litros. Para garantir a produção, serão necessárias 300 toneladas de sebo bovino por dia. O biodiesel será usado para abastecer caminhões do frigorífico e o excedente será vendido no mercado nacional. No Rio de Janeiro, a Gerar Tecnologia, residente da Incubadora de Empresas da Coppe/UFRJ, fabrica biodiesel a partir de esgoto sanitário. Criada em 2004, a empresa desenvolveu tecnologia em escala industrial para a extração de graxos presentes em estações de tratamento de esgoto. Atualmente, está construindo três plantas, com volume de produção instalado em torno de 30 milhões de litros por ano. A perspectiva para 2008 é atingir capacidade instalada de 50 milhões de litros, distribuídos em cinco plantas. “Como a maioria das empresas nessa área, o crescimento nos primeiros cinco anos é bastante representativo. A partir do segundo semestre de 2006, nosso volume de negócios triplicou”, diz Andrea Borges, diretora da Gerar. No Pará, o Grupo Agropalma, maior produtor de óleo de palma da América Latina, resolveu construir sua própria usina de biocombustível. Inaugurada em 2005, em Belém, a fábrica custou R$ 3 milhões e tem capacidade de produzir cerca de 8 milhões de litros de biodiesel por ano a partir dos resíduos do refino do óleo de palma. Com o Capacidade Autorizada X Produção FONTE: ANP / ELABORAÇÃO: BIODIESELBR.COM N E G investimento, a empresa produz combustível suficiente para substituir 100% do diesel convencional que a companhia utiliza hoje em seus tratores, veículos e implementos empregados no cultivo da palma, o que representa 3 milhões de litros por ano. O investimento em soluções locais, segundo Adriano Duarte, do MCT, fazem parte de um novo paradigma na produção mundial de combustíveis. “Senão apenas perpetuaríamos a lógica do petróleo, em que a produção fica centralizada nas mãos de poucas empresas e países”, diz. Segundo ele, a tendência do Brasil é atender o mercado interno e exportar o excedente, priorizando as soluções locais. Desde que Expedito Parente descobriu a transesterificação, qualquer tipo de gordura pode virar combustível. Além de alternativa ao petróleo e solução para colaborar com o meio ambiente, o biodiesel mostrou que sua maior vantagem é a possibilidade de ser feito sob medida. Proálcool O Programa Nacional do Álcool, ou Proálcool, foi criado em 1975 para evitar o aumento da dependência externa quando ocorreram os choques de preço de petróleo. De 1975 a 2000, o programa substituiu a importação de aproximadamente 550 milhões de barris de petróleo e proporcionou uma economia de US$ 11,5 bilhões. A dinâmica do mercado teve fases distintas: De 1975 a 1979: surgem os primeiros carros movidos exclusivamente a álcool. A produção alcooleira cresceu de 600 milhões para 3,4 bilhões de litros por ano. De 1980 a 1986: o segundo choque do petróleo triplica o preço do barril de petróleo. A produção alcooleira atinge o pico de 20 LOCUS • Setembro 2007 12,3 bilhões de litros. A proporção de carros a álcool no total de automóveis aumentou de 0,46% em 1979 para 76,1% em 1986. De 1986 a 1995: os preços do barril de petróleo despencam de um patamar de US$ 40 para US$ 20. Na política brasileira segue um período de escassez de subsídios que afeta a credibilidade do Proálcool. De 1995 a 2000: os mercados de álcool combustível passam a ser determinados pelas condições de oferta e procura. Em 28 de maio de 1998, o governo eleva, por meio de uma medida provisória, o percentual de adição de álcool à gasolina obrigatório em 22% em todo o território nacional até o limite de 24%.