POSSO ENTRAR? Levanta-se cedo e vai para a escola. Volta a pé para casa, diz que está cansada, mistura abobrinha refogada com salada de tomate e alface e sai da mesa antes de todos. O telefone toca. - É a Fê – avisa a cozinheira. - Mas, vocês não estavam juntas na mesma sala, na mesma escola até agora mesmo? – pergunta o papai, já nervoso. - Ih, pai, que implicância... Vou atender lá dentro. Aí tranca-se no quarto, seu refúgio, seu altar, seu lar, seu esconderijo. É desligar e o telefone tocar de novo. É o Daniel. Outra vez. É a Diana. Ela com a porta fechada, sempre. Papai e mamãe vão para o serviço, abrem a porta do quarto. - Juízo, filha. Larga o telefone e vai estudar. Por que papai e mamãe sempre acham que ao saírem as coisas vão melhorar? A porta do quarto da adolescente continua fechada. O telefone toca de novo. É a Lilian. A filha vai para a mesa de estudos, abre o caderno, o telefone toca. É o Gu. Pra variar, de vez em quando ela abre a porta do quarto, vai à cozinha, come maçã, sucrilhos, leite, brinca com o cabelo diante do espelho e volta para a fortaleza, o quarto. Porta fechada. Mamãe chega exausta do trabalho, abre a porta do quarto, com saudades. - Olá, cheguei... - Ô mãe, me respeita. To no telefone. Papai chega, promete um dia derrubar aquela porta, diz que não tem paciência com adolescentes e ouve a risada da filha lá dentro, conversando com a filha da vizinha. - Vocês querem sanduíche com Coca? – mamãe vai lá perguntar. - Mãe, que insistência! Não queremos nada. Fecha a porta do quarto... Papai não agüenta. Põe força na maçaneta e escancara a porta. Puxa conversa com a filha da vizinha como se estivesse calmo, calmo. - E então, Laisa, seu pai vai mesmo trabalhar em Ouro Preto? - Acho que vai... Sei não... É... - Pai, dá licença que nós estamos conversando... Não adianta. Naquele quarto ninguém entra sem ser convidado. Nem perdendo a paciência, como agora. - Minha filha – o pai está furioso. Só por curiosidade. Você tem idéia de quantos quartos tem esta casa? Qual a cor da nossa geladeira? Ou não temos geladeira, só quartos, para cada um ficar no seu? A filha da vizinha acha melhor ir embora. Papai escuta a filha falando com a amiga. - Foi mal, hein Laisa! O pai é mesmo meio estúpido. Liga não... Hora de dormir. A filha grita lá do quarto. - Boa noite, pai! Boa noite, mãe! – fecha a porta. Liga o som. O telefone toca. De novo? Mamãe perde o sono. Tem vontade de um dia ser convidada a entrar naquele quarto, sentar naquela cama e jogar conversa fora. Falar de sonhos – e por que não? Aproveita que a filha dorme, tranqüila, para entrar, roubar-lhe um beijo e namorar um pouco este rosto que um dia desses ainda era o de uma criança. Agora é mãe de uma adolescente e graças a Deus existem as madrugadas sem sono para que ela possa ficar perto de sua filha, sem incomodar. Rouba mais um beijo e sai de mansinho, só a lua por testemunha. Ah, mas a lua está cansada de presenciar beijos roubados. Não vai contar para ninguém.