ID: 55405007
24-08-2014
Tiragem: 35060
Pág: 22
País: Portugal
Cores: Cor
Period.: Diária
Área: 27,57 x 30,75 cm²
Âmbito: Informação Geral
Corte: 1 de 3
SUSTENTABILIDADE
SÉRIE ESPECIAL
PORTUGAL UM PAÍS SUSTENTÁVEL
Polvo do Algarve prepara ‘passaporte’
para entrar, vivo, no Japão
Armadores e pescadores estão entusiasmados com a possibilidade de exportar polvo, sem borrifar tinta,
para Tóquio. Desta forma, a espécie — tal como já sucede com o atum — pode ser considerada uma iguaria
FILIPE FARINHA
Pesca
Idálio Revez
Os restaurantes de sushi poderão,
no próximo ano, ter o polvo que sairá directamente do mar do Algarve
para o prato dos consumidores, em
Tóquio. Por enquanto, ainda é um
projecto, mas os pescadores acham
que a ideia, lançada pelo Governo,
tem “tentáculos” para andar.
À Universidade do Algarve foi
encomendado o estudo destinado
a criar as condições necessárias
para que o animal chegue vivo ao
destino, sem borrar o cliente com a
tinta. No sector da pesca artesanal,
esta é uma espécie de significado
histórico em Portugal, mas é, também, aquela de maior valor económico para a sustentabilidade das
comunidades piscatórias da região
algarvia. O volume de negócios, em
lota, no ano passado, aproximou-se
dos 12 milhões de euros — fatia que
representa cerca de 40% da produção nacional. O mercado espanhol
foi aquele que mais fez puxar o preço para cima.
“Trouxeram sacos de plástico?” A
pergunta do pescador de Quarteira,
a sorrir, antes da partida para uma
noite no mar, é feita em jeito de
apresentação de cartão-de-visita:
“O mar está cachão”, avisa. Dentro
de dez minutos, o 24 Horas solta
amarras, e ei-los que partem para
mais uma jornada. Ao leme, José
Agostinho comanda as operações,
deixando atrás de si a marina de
Vilamoura repleta de iates, ancorados no lazer das animadas noites de
Verão. Três pescadores, navegando
num pequeno barco de nove metros
de comprimento, balouçam ao ritmo de uma ondulação que desafia
a perícia do timoneiro. Na manhã
seguinte, os donos dos melhores
restaurantes procuram o produto
da pesca, saído directamente do
mar. A clientela exige qualidade, o
preço não se discute — paga o car-
Cabe à Universidade do Algarve estudar as condições necessárias para que o polvo chegue vivo ao seu destino final
Esta é uma espécie
de grande valor
económico para a
sustentabilidade
das comunidades
piscatórias do
Algarve, com artes
artesanais
tão de crédito.
Ao fim de meia hora de navegação, após saída do porto de Quarteira, começa a haver sinais de que
o polvo está por perto. No fundo
do mar, imagina-se uma estranha
dança do molusco em redor das
presas (crustáceos). O isco ainda
não foi lançado à água. “Só este
cheiro dá para almarear [enjoar]”,
observa Emanuel Dias, pescador
açoriano que trocou a pesca do
atum, nas ilhas, pela do polvo na
costa algarvia. Um quilo de polvo
rende, em lota, nesta altura, cinco
euros — nada que se compara aos
50 euros/quilo, o valor que chega
a atingir o atum que “voa” de Faro para Tóquio, no mesmo dia em
que é capturado. Há cerca de duas
dezenas de anos surgiu, com sucesso, um projecto luso-nipónico de
aquacultura destinado a produzir
atum para a exportação.
O secretário de Estado do Mar,
Manuel Pinto de Abreu, recente-
mente, quando esteve na Festa da
Ria Formosa, em Faro, lançou o
repto aos armadores e pescadores:
“Os japoneses estão interessados
em comprar polvo vivo, são capazes
de responder ao desafio?”. O presidente da Armalgarve, José Agostinho, não esperou pela demora.
“Vamos a isso”, disse. Esta semana,
o investigador da Universidade do
Algarve (Ualg) António Sykes visitou as instalações da Docapesca,
em Quarteira, para estudar c
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O volume de negócios, em lota,
no ano passado, aproximouse dos 12 milhões de euros no
Algarve, equivalente a cerca de
40% da produção nacional
a forma de garantir que o animal
chega vivo e em boas condições ao
destino.
Da análise feita no local, concluiu: o objectivo pode ser alcançado, com investimento. “Desde
que se crie um bom sistema de
refrigeração”, adiantou. A localização da lota, encaixada entre as
praias de Quarteira e Vilamoura,
disse, “oferece uma ligação directa
ao mar, o que é excelente para colocar o animal, sem stress, a viajar
— só precisamos de fazer baixar a
temperatura, para ele adormecer
e não borrifar tinta”. O cientista,
investigador do Centro de Ciências
do Mar da Ualg, é o mesmo que está
a coordenar o estudo para a produção de chocos em cativeiro (PÚBLICO, 10/8/2014).
A experiência adquirida pela
Tunipex, na criação dos atuns em
aquacultura, em Olhão, é o ponto
de referência para o trabalho que a
Armalgarve pretende desenvolver
com o polvo. “Desde que as entidades oficiais cumpram com a parte
que lhes cabe, do nosso lado temos
todo o interesse neste projecto pioneiro — vamos remar todos para o
mesmo lado”, promete o dirigente
associativo, sublinhando a importância da ligação da pesca ao sector
do turismo. “Quem come um pargo como este [mostra], acabado de
pescar, nunca mais se vai esquecer
do sítio onde esteve a passar férias”,
enfatiza.
Quando Manuel Pinto de Abreu
foi ao Japão, recordou José Agostinho, foi-lhe servido um prato de
polvo do Algarve, acompanhado de
elogios à qualidade do pescado. O
que não lhe contaram, disse, foi que
esse animal “foi comprado na lota
de Quarteira, por um comerciante
espanhol, que me pediu [à Armalgarve] que passasse um certificado
com a origem da captura — os espanhóis sabem o que vale dinheiro”,
comentou. Por outro lado, lembra
o armador Jorge Correia, “chega ao
Japão polvo congelado proveniente
de toda a parte do mundo, desde a
Mauritânia até Angola”. O desafio
que agora foi colocado, destaca, é
conseguir que o animal “entre vivo
no mercado, porque assim tem mais
valor comercial para o sushi”.
Polvo “engorda” com a água
A freguesia de Santa Luzia, em Tavira, reivindica para si o título de
“capital do polvo”, embora não detenha a exclusividade. De Caminha
a Vila Real de St.º António, não faltam comunidades que se dediquem
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País: Portugal
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Period.: Diária
Área: 27,28 x 31,11 cm²
Âmbito: Informação Geral
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Foi na lota de Santa Luzia, no
Algarve, que se registou, no
ano passado, o maior volume de
negócio da venda do polvo, ao
atingir os 2,7 milhões de euros
FILIPE FARINHA
Um quilo de polvo rende, em lota, nesta altura, cinco euros
à pesca do molusco. Porém, nesta
localidade, com 1500 habitantes,
colada à ria Formosa, quase todas
as famílias têm ligações à pesca. A
relação com o mar e a ria processa-
se de forma natural e o polvo é a
espécie que cruza a tradição local
com as novas tendências da cozinha de autor. Não por acaso, o livro
Portugal, o melhor peixe do mundo,
de Fátima Moura, inclui um prato
de polvo assado com batata-doce
de Aljezur, criado pelo chef Bertílio
Gomes. No Algarve, revela a Docapesca, a lota de Santa Luzia foi a
A noite do “bailado” no mar
Nesta arte não há lugar para os amadores
C
onversa acabada. A bordo
do 24 Horas, quando chega
a azáfama do lançar e puxar
covos (redes) não há mais
tempo para falar. Dois homens,
José João, de 60 anos, e Emanuel
Dias, de 46, entram em cena.
No “palco” onde se desenrola
uma estranha de dança, com
mãos e pernas moverem-se de
forma sincronizada, não há lugar
para amadores. “Um descuido
pode ser fatal”, lembra o mestre
José Agostinho, manifestando
confiança na equipa. “Não
precisamos de dizer nada uns
aos outros, cada qual sabe o
que tem a fazer para que as
coisas corram bem”. A agitação
marítima não dá tréguas, e o
cair da noite — ao contrário do
previsto — não trouxe a bonança.
A pequena embarcação sobe
e desce, como se fosse uma
montanha russa. “Fixem o olhar
no horizonte, para não enjoar”,
recomenda Agostinho à equipa
de reportagem do PÚBLICO.
Não resultou. Emanuel Dias, a
iscar, José João, a puxar covos,
alargam os passos pendulares
para não perder o equilíbrio.
Por momentos, o barco chega
a uma inclinação de 45 graus.
Não há pingos de insegurança
ou de qualquer receio no rosto
dos três pescadores. “Estamos
habituados”, comentam.
Os sinais dos dentes de
uma moreia, cravados numa
mão do pescador mais velho,
marcam apenas alguns dos
muitos episódios vividos no
mar. “Trabalha comigo há 25
anos, relata Agostinho, de 48
anos, manifestando orgulho
na equipa. “Isto é um bailado”,
diz, brincando com a situação.
É verdade o que dizem: é o
campeão na pesca ao polvo?
“Não, há pelo menos um ou
dois que são valentes”, afirma,
sem revelar o nome dos outros
camaradas. Uma coisa é certa,
”se o mar está a dar peixe, vou
a terra, descarrego, e volto
ao trabalho — não há tempo a
perder, a não ser para comer
uma sandes”. A pescaria
rendeu cerca de uma centena
de quilos — um pouco menos
do que o habitual —, mas nem
tudo o que veio à rede foi polvo.
Alguns safios, moreias e pargos
também viajaram até ao porto de
Quarteira.
que registou, em 2013, o maior volume de negócio da venda do polvo
— 2,7 milhões de euros. Por outro
lado, Quarteira distinguiu-se por
ser aquela onde a espécie obteve,
em média, o melhor preço — 3,29
euros/quilo, seguida da de Santa Luzia, com 3,26 euros. “A procura dos
espanhóis é que faz subir o preço”,
diz o presidente da Associação dos
Pescadores de Tavira (Aptva), Leonardo Diogo, comentando: “Mais
polvo houvesse, mais os espanhóis
comprariam”. E, para espanto de
muitos pescadores, revela, “conseguem vender às grandes superfícies
mais barato do que compram na lota”, e ainda ganhar dinheiro.
A habilidade, confidencia, consiste em colocar o animal em água,
antes de ser congelado. Com a absorção do líquido, “um polvo de
um quilo fica com quilo e meio”. A
verdade, porém, é que o truque deixou de ser exclusivo dos vizinhos
do lado: “Há também quem, por
cá, tenha copiado o estratagema”,
denuncia.
José Agostinho, em Quarteira,
defende — tal como o colega de
Tavira — a valorização do pescado
pela qualidade. “A marca ‘polvo do
Algarve’ tem de ser rentabilizada,
não podemos deixar as mais-valias
nas mãos de revendedores estrangeiros”, enfatiza, para logo a seguir
retomar o projecto de exportação
para o Japão. “Pode vir a mudar
muita coisa”, prevê. No entanto,
reconhece, “ainda há muito por
fazer” no que diz respeito à segurança alimentar. “O consumidor
tem o direito de saber tudo o que
se passa — deste a captura até ao
polvo chegar ao prato”.
Neste domínio, o presidente
da Docapesca, José Apolinário,
adiantou que estão a ser testados
no Algarve uns novos contentores,
a transportar nos barcos, para garantir que a qualidade do pescado
se mantem até à lota. E o que fazer
para garantir a sustentabilidade da
espécie? “Por mais de uma vez, propusemos ao Governo que houvesse um período de defeso” diz Leonardo Diogo, em representação da
comunidade piscatória de Tavira.
Há cerca de uma dezena de anos,
justifica, “por nossa iniciativa, parámos durante um mês. A recompensa chegou no ano seguinte — polvo a
montes”. José Agostinho, em Quarteira, subscreve a mesma tese.
Esta série tem o apoio de
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Universidade estuda
exportação de polvo
vivo para Tóquio
Entusiasmo com possibilidade
de exportar polvo vivo, sem
borrifar tinta p22/24
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Pág: 56
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