UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FELIPE GORGES CORRÊA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS): A ANÁLISE DO CRITÉRIO DA RENDA PER CAPITA FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Biguaçu 2008 2 FELIPE GORGES CORRÊA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS): A ANÁLISE DO CRITÉRIO DA RENDA PER CAPITA FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI , como requisito parcial a obtenção do grau em Bacharel em Direito. Orientador: Prof. MSc. Marcio Roberto Paulo Biguaçu 2008 3 FELIPE GORGES CORRÊA BENEFÍCIO ASSISTENCIAL (LOAS): A ANÁLISE DO CRITÉRIO DA RENDA PER CAPITA FRENTE AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas. Área de Concentração: Biguaçu, 31 de outubro de 2008. Prof. MSc. Marcio Roberto Paulo UNIVALI – Campus de Biguaçu Orientador Prof. MSc. Allexsandre Luckmann Gerent UNIVALI – Campus de Biguaçu Membro Prof. Esp. Roberta Schneider Westphal UNIVALI – Campus de Biguaçu Membro 4 Dedico este trabalho a minha namorada, Samantha, que me deu todo apoio necessário à realização deste trabalho, o qual sem ela não chegaria ao fim, assim como me incentiva e me proporciona dias melhores pelo seu amor, carinho, compreensão e por me fazer feliz. 5 AGRADECIMENTOS A Deus, por tudo... Aos meus pais, Vânia Luzia Gorges Corrêa e Gerson Farias Gorges Corrêa, pela educação, atenção e preocupação em buscar que siga um caminho melhor nas melhores condições. Ao meu irmão, Gerson Farias Corrêa Junior, pela sua amizade e companheirismo, aquele com quem compartilho minhas vitórias e derrotas, bem como é, para mim, um modelo de determinação e responsabilidade. Aos meus padrinhos, por todo carinho e admiração. Ao Leandro Adriano de Barros, pelo grande incentivo a ingressar neste curso, além de sua inestimável amizade. Aos demais amigos, pelo apoio incondicional, pelas boas risadas e momentos de lazer. A minha prima, Mara Gabriela, que me auxiliou na formulação e conclusão desta pesquisa. Aos colegas de trabalho da Turma Recursal, com os quais iniciei minha vida profissional na área do direito, e que me ensinaram, diariamente, algo mais. A Aline por ter sido mais que uma “chefe”, uma amiga e exemplo. Aos colegas de classe que, de certa forma, se fizeram presentes durante estes anos prestando qualquer auxílio quando preciso. A minha tia, Elenice, por se colocar a disposição para ajudar no que fosse preciso quanto a sua alçada. Ao meu orientador, professor Marcio Roberto Paulo pelo auxílio imprescindível à realização deste trabalho. A todos aqueles que acreditaram que este dia chegaria. 6 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, 31 de novembro de 2008. Felipe Gorges Corrêa 7 RESUMO Nesta monografia será apresentado um histórico da seguridade social,desde os primeiros indícios em 1821 até os dias de hoje, tratando também de aspectos gerais da assistência social, sua conceituação, princípios, objetivos e diretrizes, bem como uma abordagem, de forma geral, das suas formas de custeio da seguridade social, com a finalidade de entender como se dá o custeio, especificamente, da assistência social brasileira. Neste sentido, chegaremos ao estudo do benefício assistencial, também conhecido como benefício de prestação continuada, prestado ao idoso e ao deficiente que não possa exercer a sua manutenção ou de tê-la provida pelos seus próprios familiares, assim como uma análise minuciosa quanto ao dos seus requisitos, e, ainda, sua aplicabilidade no ramo previdenciário, buscando, assim, aprimorar o entendimento quanto ao requisito que trata da condição social familiar, em se tratando da renda per capita da família, enfrentando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, percebendo, então, que este critério do benefício assistencial deve ser relativizado, em face da condição social do povo brasileiro e da das poucas oportunidades oferecidas àqueles que fazem jus a tal benefício. Palavra-chave: Assistência Social. Benefício Assistencial. Renda Per Capita. Dignidade da Pessoa Humana. 8 RÉSUMÉ Dans cette monographie il sera présenté une description, ainsi qu'un abordage, de forme générale, de la forme de dépenses de la sécurité sociale, avec la finalité de considérer comme sont les dépenses, spécifiquement, de l'assistance sociale brésilienne.Dans ce sens, nous arriverons à l'étude du bénéfice d'assistance, aussi bien qu’à leurs conditions que à leur application dans la branche de la prévention, cherchant ainsi à a améliorer la compréhension par rapport aux recherches qui traitent sur la condition sociale familiale, affrontant le principe constitutionnel de la dignité de la personne humaine, en percevant, alors, que ce critère du bénéfice d'assistance doit être relativisé. Mot-clé : Bénéfice d'assistance. Revenu Par habitant. Principe de la Dignité de la Personne Humaine. 9 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1 1. SEGURIDADE SOCIAL ...................................................................................... 3 1.1 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL...................................... 3 1.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA............................................................... 9 1.2.1 Histórico........................................................................................................ 9 1.2.2 Conceito ...................................................................................................... 12 1.2.3 Objetivos e diretrizes ................................................................................. 14 1.2.4 Princípios da Assistência Social .............................................................. 16 1.2.4.1 Princípio da supremacia do atendimento às necessidades sociais e sobre exigências de rentabilidade econômica.................................................................17 1.2.4.2 Princípio da universalização dos direitos sociais.......................................18 1.2.4.3 Princípio do respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como a conveniência familiar e comunitária............................................................................................................18 1.2.4.4 Princípio da igualdade de direitos no acesso ao atendimento...................19 1.2.4.5 Princípio da divulgação ampla de benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos ao Poder Público e dos critérios para sua concessão.................................................................................20 1.2.5 Benefícios e programas de Assistência Social ....................................... 21 2 . O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL .......................................... 23 2.1 FONTES DE CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL...................................... 25 2.1.1 Receitas dos Entes Federativos ............................................................... 27 2.1.2 As Contribuições Sociais .......................................................................... 29 2.1.2.1 Natureza Jurídica das Contribuições Sociais ............................................32 2.1.2.1 Teoria do prêmio de seguro ......................................................................33 2.1.2.2 Teoria do salário diferido ...........................................................................34 2.1.2.3 Teoria do salário anual ..............................................................................35 2.1.2.4 Teoria fiscal ...............................................................................................36 10 2.1.2.5 Teoria parafiscal ........................................................................................37 2.1.2.6 Teoria da exação sui generis ....................................................................38 2.1.3 Outras fontes de custeio da previdência social ...................................... 39 2.2 CUSTEIO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA...................................... 41 3. O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, A ANÁLISE DE SEUS REQUISITOS FRENTE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.................................... 43 3.1 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E SEUS REQUISITOS ..................................... 43 3.1.1 Conceito de família..................................................................................... 46 3.1.2 Requisito etário .......................................................................................... 48 3.1.3 Requisito deficiência.................................................................................. 50 3.1.4 Condição socioeconômica ou de miserabilidade ................................... 54 3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................... 59 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 63 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA.......................................................................... 65 1 INTRODUÇÃO O objeto deste trabalho é analisar a concessão do benefício assistencial à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. Propõe-se fazer uma análise crítica do requisito imposto pelo §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, o qual exige a comprovação de renda per capita familiar inferior a ¼ de salário mínimo, de forma a demonstrar sua incompatibilidade com o referido princípio constitucional. Para o desenvolvimento da pesquisa, quanto à metodologia empregada registra-se que, na Fase de Investigação foi utilizado o Método dedutivo, e o Relatório dos Resultados expresso na presente monografia é composto pela base lógica dedutiva. Para demonstrar tal incompatibilidade foram traçados alguns objetivos específicos, tais como: investigar o conceito de proteção social e sua evolução no Brasil; analisar a assistência social; apresentar as fontes de custeio da seguridade social, bem como de modo mais específico, o custeio da assistência social; descrever as características e os requisitos para a concessão do benefício assistencial; abordar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana; além de examinar o entendimento jurisprudencial sobre o tema. Salienta-se que a escolha deste tema é justificada pelo seu largo alcance social e pelo seu fim protetivo, pois tem por fim resguardar a dignidade do idoso e do deficiente que não possua condições de prover a sua própria manutenção, nem de tê-la provida por sua família, bem como pela sua atualidade e pela controvérsia, uma vez que ainda há divergência jurisprudencial sobre o assunto. 2 A pesquisa apresentada neste trabalho não possui o objetivo de esgotar o assunto abordado, tampouco oferecer soluções aos problemas demonstrados, mas sim, suscitar o debate em torno da complexidade envolvida no tema. O desenvolvimento deste trabalho dar-se em três capítulos, sendo que os dois primeiros servem de base para a compreensão do terceiro. O primeiro capítulo tratará da seguridade social, sendo estudada sua conceituação e evolução no Brasil, bem como as categorias da assistência social, suas principais características e a legislação que a rege. No segundo capítulo será abordado o financiamento da seguridade social, estipulando as principais fontes de custeio da seguridade social e seus conceitos, de modo que visa demonstrar como a assistência social é financiada e de onde provém o seu custeio. Finalmente, no terceiro capítulo será abordado o benefício assistencial, apresentando seus requisitos para concessão, sendo feita uma análise crítica do entendimento jurisprudencial acerca das decisões do Superior Tribunal de Justiça, da Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais e do Supremo Tribunal Federal. A conclusão propôs-se a apresentar uma síntese dos resultados obtidos com o trabalho, assim como as verificações deles decorrentes, objetivando-se gerar uma contribuição para a conscientização, o debate e a reflexão deste tema no meio acadêmico. 3 1. SEGURIDADE SOCIAL Ao analisarmos a seguridade social, vislumbra-se a necessidade de buscar as origens históricas dos conceitos e teorias formuladas durante todo o processo, possibilitando entender melhor as necessidades e a evolução teórica ao longo do tempo. 1.1 A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO SOCIAL NO BRASIL O primeiro indício de proteção social no Brasil deu-se com o Decreto de 1o de outubro de 1821, de Dom Pedro de Alcântara, no qual foi concedida aposentadoria aos mestres e professores e assegurou abono de ¼ dos ganhos aos que continuassem na atividade.1 Com o fim do império criou-se o Montepio e a Caixa de Socorro. Sendo que conceitua-se montepio como “instituições em que, mediante o pagamento de cotas, cada membro adquire o direito de, por morte, deixar pensão pagável a alguém de sua escolha” 2, enquanto as caixas de socorro foram criadas através da lei n. 3.397, de 24/11/1888, destinadas aos trabalhadores das estradas de ferro estaduais, e a partir de então, foram criados outros “benefícios” aos trabalhadores. Porém para empregados de empresas privadas, até 1923 nada se era destinado. Neste mesmo ano, criou-se a norma que instituiu no Brasil a previdência social, a denominada Lei Eloy Chaves, pelo Decreto n. 4.682 de 24 de janeiro de 1923. Assim, Ítalo Romano Eduardo, Jeanne Eduardo e Amauri Teixeira dão a devida importância a tal diploma legal ao afirmar em sua obra: 1 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. 24. ed – São Paulo: Atlas, 2007. P. 6. EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. 3.ed – Rio de Janeiro – Elsevier, 2006. P.7. 2 4 A Lei Eloy Chaves é considerada o marco inicial da Previdência Social no Brasil, pois, a partir dela, surgiram dezenas e dezenas de caixas de aposentadorias e pensões, sempre por empresas. Assim, os benefícios da Lei Eloy Chaves foram estendidos aos empregados das empresas portuárias, de serviços telegráficos, de água, energia, transporte aéreo, gás, mineração, entre outras, chegando a atingir o total de cento e oitenta e três caixas de aposentadorias e pensões, que, posteriormente, foram unificadas na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos.3 Explica Sergio Pinto Martins que o objetivo da Lei Eloy Chaves “não era conceder aposentadorias”, mas sim, trazer estabilidade aos trabalhadores que receavam serem dispensados mesmo após dez anos de serviço naquela empresa, e garantir um grande número de segurados para no futuro poder pagar as aposentadorias. A Lei ainda trouxe outros tipos de aposentadorias, como aposentadoria por invalidez, tempo de serviço, pensão por morte e assistência médica.4 Com efeito, foram criadas, após a Lei Eloy Chaves, diversas outras caixas de aposentadorias em outros ramos da atividade econômica, afinal, ficou estabelecido no art. 54, § 29 da Emenda Constitucional de 1926, de 3 de setembro, que o Congresso nacional poderia legislar sobre as licenças, aposentadorias e reformas, e ainda, neste mesmo ano, estendeu-se os benefícios da Lei Eloy Chaves aos empregados portuários e marítimos através do Decreto legislativo n. 5.109 em 20 de dezembro.5 Entretanto, em 1930, surgiu a primeira crise no sistema previdenciário brasileiro, devido a fraudes e denúncias de corrupção, sendo que a concessão de qualquer espécie de benefício ficou suspensa. Assim, o governo procurou reformular o sistema e a partir de então este deixou de ser classificado por 3 EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. p.08. 4 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 07 e 08. 5 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 08. 5 empresas e passou a ser definido por categorias profissionais, garantindo um fundo próprio a cada uma delas, passando a ter uma abrangência nacional.6 A Constituição de 1934 foi a primeira a abranger a seguridade social em seu texto, estabelecendo a forma tríplice de custeio, sobre o ente público, o empregado e o empregador, tornando obrigatória a contribuição, na forma do art. 121, parágrafo 1o, h.7 Com a Constituição de 1937, pouco foi alterado e até mesmo pode se dizer que foi um atraso na evolução do sistema de previdência social, sendo até mesmo denominado de, naquela época, “seguro social”, tratado em apenas duas alíneas no seu texto constitucional.8 Só então, a partir de 1945, buscou-se uma forma de uniformizar a legislação e unificar a administração, ao estabelecer um só tipo de instituição de previdência social que abrangeria todo o sistema: o Instituto de Serviços Sociais do Brasil. 9 Entretanto, aquele não se solidificou por falta de regulamentação, que segundo Carlos Alberto de Castro e João Batista Lazzari, “deveria ter normatizado a organização e funcionamento do que seria o Instituto de Serviços Sociais do Brasil, instituição que nunca chegou a existir”.10 Com a promulgação da Constituição de 1946, em 18 de setembro de 1946, denomina-se de “previdência social” aquilo que se chamava “seguro social”, sendo que o art. 157, XVI, consagrava a previdência, “mediante contribuição da União, do empregado, em favor da maternidade e contra as conseqüências da doença e velhice, da invalidez e da morte”.11 6 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 8 ed.São Paulo:LTr, 2006, p. 66. 7 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 09. 8 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 10. 9 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 10. 10 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 67. 11 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 11. 6 Somente em 1960, com a lei no. 3.807, denominada de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), adicionou-se ao sistema previdenciário o auxílio-reclusão, o auxílio-funeral e o auxílio-natalidade, assegurando assim, um maior número de benefícios e atendendo um público maior de segurados, além dos empregadores e os profissionais liberais, tornando-se unificado em 1966 com o Decreto-lei no. 72. Entretanto, os trabalhadores rurais ainda não disponibilizavam de benefícios, sendo que apenas em 1963, passaram a dispor do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL), implantando, de certa forma, alguns serviços assistenciais.12 Logo, a Constituição de 1967 inova-se ao criar o segurodesemprego, denominando-o como auxílio-desemprego, passando a desenvolver um sistema de seguro social, “abandonando a idéia do contrato de seguro do Direito Civil”, como era tratado nos moldes mais antigos. No mais, Emenda Constitucional n. 1, de 1969, não nos trouxe alterações substanciais.13 Na década de 70, com o surgimento de diversos diplomas legais, surgiu a necessidade de reestruturação, afim de reuni-los, o que por meio do Decreto n. 77.077 de 1976, resultou na Consolidação das Leis da Previdência Social (CLPS).14 Assim, criou-se o SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – a fim de rever as formas de concessão e manutenção de bens e serviços, e reorganizar as gestões administrativas, financeiras e patrimoniais, sendo criada através da Lei n. 6.439, de 1° de julho de 1977, subordinada ao Ministério da Previdência Social – MPS.15 12 EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. p. 08. 13 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 12. 14 EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. p. 09. 15 EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. p. 09. 7 Sobre o tema, os doutrinadores João Batista Lazzari e Carlos Alberto Pereira de Castro citam Antonio Carlos de Oliveira que tece importantes comentários acerca da natureza das alterações obtidas com esta lei: A Lei n. 6.439, que instituiu o SIMPAS, alterou, portanto, apenas estruturalmente a previdência social brasileira, racionalizando e simplificando o funcionamento dos órgãos. Promoveu uma reorganização administrativa, sem modificar nada do que tange a direitos e obrigações, natureza e conteúdo, condições das prestações, valor das contribuições, etc., como ficara bem claro na Exposição de Motivos com que o então Ministro da Previdência, Nascimento e Silva, 16 encaminhara o anteprojeto. A partir de então, definiu-se divisões pré-estabelecidas constituindo as subdivisões: Instituto Nacional de Previdência Social (INPS); Instituto Nacional de Assistência Médica de Previdência Social (INAMPS), Fundação Legião Brasileira de Assistência (LBA); Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM); Empresa de Processamento de Dados de Previdência Social (DATAPREV); Instituto de Administração Financeira da Previdência Social (IAPAS); e Central de Medicamentos (CEME), as quais buscam atender os segurados de uma maneira ampla e ainda prestar auxílios assistenciais.17 A Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988, reservou um capítulo, denominado de ordem social, disposto a tratar somente da seguridade social, garantindo direito aos cidadãos quanto à saúde, previdência e assistência social18. Ressalta-se que esta monografia, apenas se aprofundará na questão da assistência social, aprimorando seus aspectos e funcionalidades. 16 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 70. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 14 e 15. 18 EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. p.10. 17 8 Com efeito, a obra coordenada por Meire Lúcia Gomes Monteiro, nos ensina uma definição sintética e atual sobre a seguridade social ao dispor que “o conjunto de medidas constitucionais de proteção dos direitos individuais e coletivos concernentes à saúde, à previdência e à assistência social”. 19 Em 1990, com a Lei n. 8.029, houve a criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que segundo Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, tem a responsabilidade de “arrecadação, fiscalização, cobrança, aplicação de penalidades e regulamentação da parte de custeio do sistema de seguridade social como pela concessão de benefícios e serviços aos segurados e seus dependentes”, autarquia federal resultante da fusão INPS e IAPAS, vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social.20 Em 1991, houve o surgimento das Leis n. 8.212 e 8.213, que tratavam do Plano de Custeio e Organização da Seguridade Social e do Plano de Benefícios da Previdência Social, que logo foram substituídos pelo Regulamento da Previdência Social – RPS, pelo Decreto n. 3.048 de 1999. Já em 1995 foi publicada a Lei n. 9.032, que foi determinantemente modificada pelas leis 9.528/97, 9.711/98 e 9.732/98, quanto à aposentadoria especial. 21 Visto os elementos determinantes do ordenamento jurídico previdenciário, percebe-se a presença de um sistema de Seguridade composto pelo seguinte tripé: saúde, previdência e assistência social. 19 MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.). Introdução ao Direito Previdenciário. São Paulo: LTr, 1998, p. 40. 20 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 66. 21 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário, Tomo I : Noções de Direito Previdenciário. 2 ed. São Paulo: LTr, 2001, p. 23. 9 De acordo com o tema proposto, faz-se necessária uma análise e um estudo abrangente no tocante à Assistência Social, conforme veremos no decorrer deste capítulo. 1.2 ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA Para que se entenda os objetivos e interesses da política da Assistência Social, é necessário tecer um breve histórico acerca de sua instauração no Brasil. 1.2.1 Histórico É certo afirmar que a Assistência Social acompanhou a evolução da proteção social e da previdência, porém, travou uma luta particular na tentativa de formar suas próprias instituições determinadas a atender e amparar aqueles que dela necessitavam. Todavia, não existia uma compreensão da pobreza enquanto expressão da questão social, que era tratada como uma disfunção individual. Apenas em 1942 criou-se a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que trazia uma idéia de sociedade civil com finalidades não econômicas, voltadas para “congregar as organizações de boa vontade”, ou seja, a assistência social como ação social é ato de vontade e não direito de cidadania22. 22 SPOSATI, A. O. (Coord). A Assistência Social no Brasil 1983-1990. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1991, p. 20. 10 Sendo assim, foi a primeira grande instituição de assistência social, criada em 1977 pela lei n° 6.439, a L.B.A., marcada pela intenção notória de ajudar a população necessitada através de programas sociais e atendimento às pessoas23. Logo, após um período de guerras e ditaduras militares, e com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a assistência social passou a ter uma lei própria. Nas disposições gerais do capítulo que trata da seguridade social, em seu artigo 194 dispôs: Artigo 194 – A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.24 Desta forma, a Constituição dividiu a seguridade social em três esferas independentes, dando autonomia e sendo disciplinada nos seus artigos 203 e 204, traçando seus objetivos principais, disposta a prestar auxílio aos seus cidadãos e traçando diretrizes. E ainda, passou a fazer parte da ordem social que estabelece no seu artigo 193 que tem “como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” e “como base o primado do trabalho”. Conceituam a ordem social os Juízes Federais e doutrinadores Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen: [...] política destinada a impossibilitar, num primeiro momento, efetivo exercício de cidadania e, em seguimento, na medida do possível, 23 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 495. BRASIL. Código de processo civil. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 84. 24 11 habilitar seus beneficiários à inserção no mercado de trabalho, com isso ofertando-lhes a mais abrangente proteção da Previdência Social.25 Em 1990, houve a criação do Instituto Nacional do Seguro Social, conforme já mencionado anteriormente. Somente em 1993 foi encaminhada ao Congresso Nacional a lei n° 8.742, e sancionada pelo presidente Itamar Franco, que tinha por finalidade dispor sobre a organização de Assistência Social e dar outras providências. A denominada Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) veio amparar benefícios em espécie, organização e gestão, programas de Assistência Social, entre outros assuntos. Na referida Lei, houve a criação de um órgão que viria anos depois integrar a estrutura do Ministério da Assistência e Promoção Social. Para explicar melhor a definição deste órgão público, ressaltam em sua obra Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari: O CNAS é o órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional da Assistência Social, composto por dezoito membros e respectivos suplentes, sendo: a) nove representantes governamentais, incluindo um representante do Estados e um dos Municípios; b) nove representantes da sociedade civil, dentre representantes dos usuários ou de organizações de usuários, das entidades e organizações de assistência social e dos trabalhadores do setor, escolhidos em foro próprio sob fiscalização do Ministério Público Federal.26 Após a criação da Lei Orgânica de Assistência Social, pelo Decreto n° 1.330, de 8 de dezembro de 1994, foi regulamentado o benefício de 25 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 264. 26 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 130. 12 prestação continuada, já previsto na lei. Porém, este decreto acabou sendo revogado pelo Decreto n° 1.744 de 8 de dezembro de 1995, exatamente um ano após sua promulgação, dando uma nova interpretação à regulamentação do benefício, sendo denominado a partir de então, de “benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso”27. Assim, fica caracterizado o rápido crescimento da assistência social no Brasil, sendo ela um direito novo e contemporâneo, que busca, com base na Constituição Federal, uma igualdade social, visando proteger os que dela necessitam. 1.2.2 Conceito A busca pelo conceito de assistência social é interessante para aprimorarmos o entendimento sobre o tema, dando-lhe a devida a importância e correta interpretação da assistência prestada pelo Estado à sociedade. Desde já, destaca Odonel Urbano Gonçalves que a Constituição “nada obstante não traga para o mundo jurídico o conceito de assistência social, delineia sua natureza e especifica seus objetivos”.28 O conceito de assistência social é dado por vários doutrinadores, mas também está regulamentado em suas normas. O art. 4° da lei n° 8.212/199129 e o art. 3° do decreto 3.04830 estabelecem que “a Assistência Social é a política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e a pessoa portadora de deficiência, 27 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 495. GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 21. 29 BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília, DF: Senado Federal,1993. 30 BRASIL. Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999. Regulamento da previdência social. Brasília, DF: Senado Federal,1999. 28 13 independentemente de contribuição à Seguridade social”, enquanto a lei 8.742/1993, a LOAS, dispõe logo em seu art. 1° que “é direito do cidadão e dever do Estado, sendo política de Seguridade Social não-contributiva, que prevê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações da iniciativa pública e da sociedade para garantir o atendimento às necessidades básicas”. Com efeito, pode-se perceber que buscam as leis uma garantia ao cidadão do mínimo necessário a sua subsistência, por meio do Estado, sem que este seja obrigado a contribuir com a Previdência Social. Para Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, que não fogem do conceito estabelecido nas leis que definem a assistência social, assim conceituam: A Assistência Social, portanto, constitui-se em uma das vias do sistema de proteção social, destinada a abarcar os sujeitos não cobertos pela proteção da Previdência Social (cujo caráter, como já se acentuou, é eminentemente contributivo), justamente por sua ausência de inserção no mercado formal de trabalho e de renda mínima, de modo a ofertalhes condições de sobrevivência em enfretamento à miséria, num primeiro momento e, para além disto, também propiciar condições mínimas de sobrevivência com dignidade.31 E por fim, Sergio Pinto Martins cita Wladimir Novaes Martinez, que vai mais a fundo na questão social e define a assistência social desta forma: Um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para o atendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos em pequenos benefícios em dinheiro, assistência à saúde, fornecimento de alimentos e outras pequenas prestações. Não só complementa os 31 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p.264. 14 serviços da Previdência Social, como amplia, em razão da natureza da clientela e das necessidades providas.32 Logo a assistência social visa garantir meios de subsistência às pessoas que não tenham condições de suprir o próprio sustento, dando especial atenção às crianças, velhos e deficientes, como poderemos ver melhor a seguir, ao tratar dos objetivos e diretrizes da assistência social. 1.2.3 Objetivos e diretrizes Os objetivos traçados pela assistência social, são como metas a serem cumpridas, ou seja, são limites impostos pelos conceitos que definem a quem e de que forma será prestada essa assistência. Daniel Machado da Rocha afirma que o objetivo central é “contemplar aqueles que não têm condições de prover seu próprio sustento” 33 , e isso é repetido por outros autores. Todavia, Martins trata deste tema de uma forma mais ampla que os demais. Afirma que “são objetivos porque não informam, não inspiram ou orientam o legislador, mas apenas são situações que a Assistência Social pretende cobrir” 34 , e ainda cita os objetivos principais que são a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes, objetivo este que está disposto no §1° do art. 227 da Constituição; as iniciativas de inserção dos cidadãos ao mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e também a sua integração à sociedade; e por último, o 32 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 495. ROCHA, Daniel Machado da. Temas Atuais de Direito Previdenciário e Assistência Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 143. 34 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 497. 33 15 pagamento de uma renda mensal vitalícia às pessoas portadoras de deficiência ou idosos que não possam manter a própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.35 Como podemos perceber, a Constituição Federal traça tais objetivos e acrescenta em seu artigo 208 que o Estado tem o dever de garantir a educação a todos e até mesmo atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a 6 anos de idade. Importante lembrar é que o pólo ativo ao cumprimento dos objetivos da assistência social tem de ser o Estado, que de forma sólida deve buscar meios necessários ao cumprimento desta obrigação com a sociedade. Entretanto, acrescenta o doutrinador Odonel Urbano Gonçalves ao falar sobre a efetivação do objetivo do trabalho previdenciário: O trabalho assistenciário é efetivado por meio de políticas setoriais, sendo consideradas organizações ou entidades de assistência social aquelas que, sem finalidade lucrativa, prestam atendimento aos beneficiários do sistema.36 As leis que tratam da assistência social ainda falam sobre as diretrizes, que buscam aprimorar a forma de organização desta área. Primeiramente destaca-se a Lei n° 8.742/93 que em seu art. 5°, busca garantir a descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo; a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis, bem como, a primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo. 35 36 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 496. GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. p. 23. 16 Assim, não menos importante, o art. 204 da Constituição nos define que as ações governamentais sobre as assistências sociais usarão recursos do orçamento da seguridade social, além de outras fontes, e assim passa a definir as diretrizes que são: a descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social; e a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. Enfim, necessária é a imposição dessas diretrizes, pois são elas que regulam e dão sentido às ações governamentais que organizam a assistência social. E ainda, ficou demonstrado que o custeio da assistência social é um ônus que a sociedade é quem tem que dispor.37 1.2.4 Princípios da Assistência Social Um bom conceito de princípio jurídico traz Robert Alexy, e assim dispõe em sua obra: Os princípios são normas jurídicas que ordenam que se realize algo na maior medida possível, em relação com as possibilidades jurídicas e fáticas. Os princípios são, por conseguinte, mandados de otimização que se caracterizam por que podem ser cumpridos em diversos graus e porque a medida ordenada de seu cumprimento não depende só de possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O campo das possibilidades jurídicas está determinado por meio de 37 GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. p. 23. 17 princípios e regras que jogam em sentido contrário. (ALEXY, Robert. Derecho y razon practica. México: Distribuciones Fontamara, 1993. p. 14)38 Sendo assim, os princípios serão uma base à assistência social, devendo ser sempre seguidos e cumpridos como se lei fossem. No entanto, a própria lei da assistência social traz cinco princípios básicos dispostos no art. 4° da lei 8.742/93, que defendem a supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; a universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; o respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; a igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais, assim como, a divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão. Wladimir Novaes Martinez busca o entendimento de que os princípios da assistência social “não são desprezíveis para o seguro social. Embora sua influencia seja menor, eles fazem parte do ordenamento científico da Previdência Social e colaboram na compreensão do fenômeno jurídico”.39 Acerca do entendimento de cada princípio, os doutrinadores trazem comentários e conceitos a cada um deles. 1.2.4.1 Princípio da supremacia do atendimento às necessidades sociais e sobre exigências de rentabilidade econômica 38 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_55/Artigos/Art_Fernando.htm acessado em 8 de abril de 2008. 39 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. 4 ed. São Paulo: LTR, 2001, p.205. 18 Este princípio busca o atendimento às ordens sociais. Simone e Leandro entendem que este princípio decorre do princípio da solidariedade social e da próprio conceito de assistência social, e ainda o conceituam: Significa dizer que a Assistência Social incumbe fornecer, pela via de suas prestações, à todos aqueles que se enquadram na faixa de necessidade legalmente determinada, os meios para o envolvimento de sua condição de cidadãos, independentemente do custo financeiro que isto possa importar ao orçamento da Seguridade Social.40 Sendo assim, este princípio dá maior importância às necessidades sociais das pessoas que delas precisam, colocando em segundo plano a rentabilidade econômica ou os argumentos de ordem financeira.41 1.2.4.2 Princípio da universalização dos direitos sociais Segundo Martinez “o esforço do Estado deve ser no sentido de permitir ao cidadão alcançar o estágio de segurado, sem precisar depender das suas ofertas condicionadas”, fazendo parecer como se segurado fosse, pretendendo que o Estado atenda a todos, dando assim o sentido de universal.42 1.2.4.3 Princípio do respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como a conveniência familiar e comunitária 40 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p.268. 41 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p.268. 42 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. p.207. 19 Este princípio básico cabe não só aos que necessitam da assistência social, mas todas as pessoas, como conceitua Simone Barbisan Fortes ao expor em sua obra que: Segundo o principio do respeito à dignidade do cidadão, incumbe à Assistência Social ofertar proteção não vexatória, no que tange à comprovação da situação da necessidade, e, com seus serviços, promover a inclusão social dos beneficiários, isto é, proporcionar-lhes o efetivo exercício de sua cidadania.43 Com base nisto, este princípio garante a todo cidadão que precise da assistência social a dignidade que a Constituição já defende, associada a atitude do estado em fazê-los dispor de direitos à benefícios e prestando serviços. 1.2.4.4 Princípio da igualdade de direitos no acesso ao atendimento Tal princípio busca a satisfação daqueles que necessitam da Assistência Social, sem discriminação, e assim nos ensina Martinez: Diferentemente do seguro social, os beneficiários da assistência social estão na mesma condição, variando apenas a intensidade da necessidade. Não há progresso ba situação; o status permanece o mesmo. Pouco importa qual tenha sido a contribuição para a sociedade, se a necessidade é presente.44 43 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p.269. 44 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. p.214. 20 Acrescenta, ainda, que “os beneficiários da assistência social são todos acessíveis, sem distinção; contribuem indiretamente e na mesma proporção de quanto consomem” 45 , fazendo com que todos se tornem iguais perante a assistência social. 1.2.4.5 Princípio da divulgação ampla de benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos ao Poder Público e dos critérios para sua concessão. Para entender melhor este princípio, Simone Barbisan Fortes explica e assim ensina: Objetiva ele permitir o mais amplo acesso da população ao sistema da Assistência Social, uma vez que não se pode presumir que aqueles que já se encontram em situação de vulnerabilidade social sejam suficientemente instruídos acerca das suas prestações a que possam fazer jus, incumbindo, assim, ao próprio Poder Público alcançar-lhes as necessárias informações sobre pertinentes direitos.46 Com efeito, o conceito deste princípio resolve-se pela sua própria denominação, que explica que o Estado tem o dever que divulgar os benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como os recursos oferecidos ao Poder Público e as formas para serem adquiridos. 45 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de Direito Previdenciário. p.214. 46 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p.270. 21 1.2.5 Benefícios e programas de Assistência Social Com a Lei n. 8.742, de 1993, extinguiu-se as rendas vitalícias de caráter assistencial, denominadas de auxílio-natalidade e auxílio-funeral, previstas nos arts. 140 e 141 da Lei n. 8.213/91 anteriormente, passando a ser revogados pelo art. 15 da Lei n. 9.528/97. Assim, os benefícios da Lei 8.742/93, independem de contribuição do postulante, conforme dispõe o art. 210 da Constituição Federal. Esses benefícios eventuais são classificados por Odonel Urbano Golçalves47 em apenas duas formas: em razão da natalidade e em razão de morte. Embora tenham sido extintos, não deixaram de existir benefícios eventuais ditados pela assistência social, como leciona Martins: Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender as necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. O CNAS poderá propor, ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de benefícios subsidiários no valor de até 25% do salário mínimo para cada criança de até 6 anos de idade, se a família tiver renda mensal familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.48 Neste sentido, com a ajuda do governo, são criados auxílios destinados a atender a população que necessita de determinado fim, com o objetivo de enfrentar a pobreza, como por exemplo, os programas de Bolsa-Família e de BolsaEscola, que objetivam ajudar aqueles que, no caso, não tenham como prover a subsistência de sua família e/ ou a manutenção de seus filhos na escola. 47 48 GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. p. 41. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 496. 22 Quanto aos programas, Martins destaca: Os programas de assistência compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e áreas de abrangência definidos para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e serviços assistenciais. Serão os programas definidos pelos respectivos Conselhos de Assistência Social, com prioridade para inserção profissional e social. 49 Por fim, destaca-se o Benefício de Prestação Continuada, que surge, de certa forma, como um programa voltado ao idoso e a integração da pessoa portadora de deficiência, o qual será tratado posteriormente. Agora, será apresentada as formas de custeio da previdência social, analisando as principais fontes de financiamento da seguridade social buscando entender como acontece o financiamento da Assistência Social brasileira, conforme será visto no próximo capítulo. 49 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 496 23 2 . O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL O financiamento da seguridade é determinado pela Constituição Federal, ao firmar, em seu art. 195, que deve ser “financiada por toda a sociedade, na forma direta ou indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, do Distrito Federal e dos municípios, e das contribuições sociais”. Daniel Machado da Rocha, partindo do preceito do art. 10 da lei 8.212 de 1991, no qual tem como base o texto literal da Constituição, comenta o assunto: O preceito em comento reproduz a idéia nuclear contida no artigo 195 da Lei Fundamental: Ancorada no princípio da solidariedade, e tendo em vista o ônus financeiro necessário para que o Estado possa viabilizar as políticas de seguridade social, toda a sociedade e convocada para colaborar no financiamento da proteção social. Esta participação é 50 realizada de maneira direta e indireta. O financiamento direto é feito através das contribuições sociais, que são instituídas por lei, e sua finalidade específica é o financiamento da seguridade social. Enquanto o indireto é “realizado por meio de dotações orçamentárias fixadas no orçamento fiscal” ou provenientes de arrecadação de impostos pela União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Todavia, os recursos serão sempre oriundos da sociedade, seja direta ou indiretamente, sendo assim, todos os entes são responsáveis pela seguridade e cada um é responsável em fixar os respectivos gastos em seus orçamentos.51 50 VELLOSO, Andrei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da, JUNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei do custeio da seguridade social: Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, atualizada até a LC 118/2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. p. 50. 51 IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2006. p. 72. 24 Na tentativa de especificar e diferenciar os significados de financiamento direto e indireto, Wladimir Novaes Martinez expôs o seu ensinamento: Forma direta significa a contribuição social, descontada do trabalhador ou por ele recolhida enquanto contribuinte individual, sem participação da empresa ou da sociedade. Forma indireta, a parte patronal da empresa, o COFINS, a taxa do Imposto de Renda (Lei 9.249/95) e o resultado operacional do concurso de prognósticos e do Estado.52 Sérgio Pinto Martins afirma, no entanto, que a seguridade social não pode ser financiada, mas sim custeada. Explica que no financiamento deveria ser devolvido o montante com juros e correção monetária, comparando com um empréstimo bancário, enquanto o custeio é feito apenas por contribuição social.53 Miguel Horvath Junior explica do que se trata o plano de custeio em sua obra ao afirmar: É o conjunto de normas as quais codificam as receitas as quais deverão ser auferidas pelo sistema que estabelecem o modo pelo qual essas receitas serão geridas. O plano de custeio nada mais é do que uma previsão do dispêndio do sistema de Seguridade Social. Custeio da Seguridade social é a quantia necessária para pagar as prestações e os gastos da administração do sistema previdenciário.54 Desta forma, vislumbra-se que o sistema depende de contribuição, porém para as prestações de serviços a saúde e a assistência não são necessárias respectivas contribuições, ou seja, os serviços são prestados independentemente de 52 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário.Tomo II: previdência social. 2. ed. – São Paulo: LTr, 2003. p. 228. 53 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. p. 63. 54 JUNIOR, Miguel Horvath. Direito previdenciário. 5. ed. – São Paulo: Quartier Latin,2005. p. 312 25 contribuição aos beneficiários carentes ou necessitados. Assim, a previdência se caracteriza por ser a fonte de custeio de toda a seguridade.55 Ressalvada tal importância, veremos a seguir as fontes de custeio da previdência, elencados pela doutrina e pela Legislação Federal. 2.1 FONTES DE CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL Ao tratar de fontes de custeio, pode ser interpretar que são “os meios econômicos e, principalmente, financeiros obtidos e destinados à concessão e à manutenção das prestações da Seguridade Social”, conforme Martins.56 Para corroborar, Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo, buscam seu entendimento no mesmo sentido: Fontes de custeio da seguridade social, por sua vez, são meios econômicos e, principalmente, financeiros obtidos e destinados à concessão e manutenção da seguridade social. A concepção de custeio da seguridade social, na Constituição Federal, está delineada no art. 195, caput, [...].57 Sérgio Pinto Martins, além de lembrar que as fontes diretas são as contribuições sociais e que as indiretas são os impostos, apresenta também as devidas fontes de custeio da Seguridade Social, da seguinte maneira: 55 OLIVEIRA, Lamaratino França de. Direito previdenciário. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 2006. p. 52. 56 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. p. 63. 57 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. São Paulo: Método, 2008. p. 392. 26 a) dos empregados, incidentes sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro. Sobre o faturamento incide a Confins (Lei complementar n. 170/91) e o PIS (Lei complementar 7/70) . Sobre o lucro incide a tributação social criada pela Lei n. 7. 689/88; b) dos trabalhadores c) sobre a receita de concursos de prognósticos; d) do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei quiser equiparar (Lei n. 10.865/04).58 No entanto, existem outros posicionamentos, como interpretam Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo59, e Marcelo Leonardo Tavares60 que entendem existir apenas três fontes de custeio da previdência social, que seriam os Entes Federativos, compostos por União, Estados, Municípios e Distrito Federal, os quais integram o financiamento com recursos provenientes de seus respectivos orçamentos, as Contribuições sociais, por excelência, e as outras fontes que podem ser criadas com base no art. 195, parágrafo 4o da Constituição Federal. Todavia, João Batista Lazzari e Carlos Alberto Pereira de Castro61, quanto à primeira fonte mencionada, entendem que apenas a União exerce o dever soberano de custeio. Assim dispõe o art. 11 da Lei 8.21262. de 1991, a Lei de custeio da Previdência Social, ao tratar das fontes de custeio no âmbito federativo da seguridade social: MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. p. 63. DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 392 e 393. 60 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário: Regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 8.ed. ver., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 47/2005 – Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2006. p. 311. 61 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 200. 62 BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Lei Orgânica da Seguridade Social. Brasília, DF: Senado Federal,1991. 58 59 27 Art. 11 – No âmbito federal, o orçamento da seguridade social é composto das seguintes receitas: I – Receitas da União; II – Receitas das contribuições sociais III – Receitas de outras fontes. Estas fontes integram o financiamento das três áreas de atuação da seguridade social, provindas unicamente da previdência social, afinal as demais áreas provêm de caráter meramente assistencial. 63 Contudo, não se pode considerar apenas as receitas vinculadas às contribuições sociais como fontes de custeio da previdência social, visto que a União e os outros entes federativos, além de outras fontes de custeio também exercem papel fundamental na totalidade do financiamento social, conforme veremos no decorrer desta pesquisa. 2.1.1 Receitas dos Entes Federativos Os Entes Federativos, a União, os Estados, Municípios e o Distrito Federal, têm o dever de participar do financiamento da seguridade social com os recursos de seus orçamentos. Entretanto, a Lei 8.212/91, em seu texto, não delineia qualquer norma complementar dispondo especificamente sobre este aspecto. Sendo assim, a 63 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 392 e 393. 28 participação fica a mercê dos respectivos orçamentos arrecadados por cada Entidade, sem previsão alguma.64 Quanto à União, será compreendia por três orçamentos anuais, Sendo que um deles trata da seguridade social. O art. 165, III, § 5o, III, da Constituição, garante que a “lei orçamentária anual compreenderá o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público”. Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari traçam a importância do papel da União como fonte de custeio da previdência, definida pelo art. 16 da Lei n. 8.212 de 1991, ao afirmar: Ela participa atribuindo dotações no seu orçamento à Seguridade Social, fixados obrigatoriamente em Lei Orçamentária anual, além de ser responsável pela cobertura de eventuais insuficiências da Seguridade, em razão do pagamento de benefícios de prestação continuada pela previdência social (art. 16 da Lei n. 8.212/91). Não há um percentual mínimo definido para ser destinado à Seguridade Social, tal como ocorre com a educação (art. 212 da Constituição). É, como sempre foi, uma parcela aleatória. 65 Percebe-se que a seguridade social provém de um orçamento próprio, e que, no entanto compreende-se que a União não participa, de certa forma, com uma determinada parcela, e sim com uma parcela fixa que seria acrescida às outras fontes de custeio, ou seja, sua participação fica submetida as dotações previstas na Lei Orçamentária anual.66 64 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário: Regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. p. 282. 65 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 202. 66 VELLOSO, Andrei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da, JUNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei do custeio da seguridade social: Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, atualizada até a LC 118/2005. p. 88. 29 A União exerce a função de suprir as insuficiências financeiras decorrentes do deferimento de benefícios de prestação continuada, pois tem o dever e o comprometimento por zelar e garantir o funcionamento do sistema da seguridade, responsabilizando-se por eventuais défices que possam surgir no Regime Geral.67 Em suma, nos ensina Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo, ao falar deste assunto: [..] No que se refere à ações de previdência social, a União somente irá destinar seus recursos adicionais se houver deficit, ou seja, se as despesas com a previdência social superarem as receitas oriundas das contribuições das empresas sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho e das contribuições dos trabalhadores (art. 167, inciso XI, da CF/1988).68 Isto posto, passaremos a estudar as diversas formas de contribuições sociais, buscando entender seu conceito e a forma com que se propõem a auxiliar no financiamento da seguridade social deste regime previdenciário. 2.1.2 As Contribuições Sociais As contribuições já foram denominadas, na lei n. 3.807/60 e no inciso II do art. 217 do CTN69 de quotas de previdência ou, até mesmo, cotização. No decorrer dos anos foi denominada de contribuição previdenciária, embora a Constituição aplica a expressão contribuição social, em alguns de seus dispositivos. 70 67 GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de Direito Previdenciário. p. 57. DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 394. 69 BRASIL. Código de tributário nacional. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 679. 68 70 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. p. 66. 30 As contribuições sociais estão elencadas na Constituição Federal, no capítulo reservado ao Sistema Tributário Nacional, o qual estabelece em seu art. 149 as normas gerais para sua instituição, e no art. 195 normas especiais em relação as contribuições para a Seguridade Social.71 Para conceituar as contribuições sociais, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, trazem ao estudo dois doutrinadores: Ruprecht e Hugo de Brito Machado. Ruprecht afirma que ”a contribuição pode ser definida como uma obrigação legal se impõe a entidades e indivíduos para que contribuam para as despesas dos regimes de seguridade social, com base em determinados critérios legais”. 72 Enquanto Hugo de Brito Machado entende por contribuição social como “espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social”. Por fim, trazem seu próprio conceito, “a contribuição para a seguridade social é uma espécie de contribuição social, cuja receita tem por finalidade o financiamento das ações nas áreas da saúde, previdência e assistência social”. 73 Sobre a competência para instituir as contribuições, dispõe o art. 149, caput, e parágrafo 1o da Constituição ao firmar: 71 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 203. 72 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 204. 73 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 204. 31 Art. 149 - Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas, como instrumento de atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo ao previsto no art. 195, parágrafo 6o, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. §1o Os Estados, o Distrito federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em beneficio destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos da União. [...] O parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212/91, assinala as principais contribuições sociais destinadas ao financiamento da seguridade social: 74 Art. 11 [...] Parágrafo único. Constituem Contribuições sociais: a) as das empresas, incidentes sobre remuneração paga ou creditada aos segurados a seu serviço; b) as dos empregadores domésticos; c) as dos trabalhadores, incidentes sobre o seu salário-de-contribuição; d) as das empresas, incidentes sobre faturamento e lucro; e) as incidentes sobre a receita de concursos de prognósticos. Logo, analisaremos a natureza jurídica das contribuições sociais, buscando enquadrá-la na categoria a qual pertence no ramo do direito, bem como, compreender as regras que são aplicadas, e em seguida, aprofundaremos o estudo das principais contribuições que financiam a seguridade social. 74 VELLOSO, Andrei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da, JUNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei do custeio da seguridade social: Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, atualizada até a LC 118/2005. p. 50. 32 2.1.2.1 Natureza Jurídica das Contribuições Sociais Pelo texto constitucional do art. 149, entende-se que as contribuições têm natureza tributária e que se dividem em três espécies: “contribuições sociais, contribuição de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas” 75 , conforme classificam Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo. Sendo assim, veremos a natureza jurídica das contribuições sociais. Sobre o tema, Jorge Franklin Alves Felipe ao tratar da natureza jurídica das contribuições sociais no momento da mudança da Constituição de 1967 para a Constituição de 1988, entende que: Com a Constituição de 1988 não vislumbramos razões para deixar de considerar a contribuição previdenciária como tributo. Muito mais do que não própria Constituição de 1967, na Constituição de 1988 a contribuição previdenciária se identifica com os tributos. Está no capítulo do Sistema Tributário, sem qualquer equívoco que justifique uma interpretação restritiva de sua concepção tributária. [...] A contribuição previdenciária sempre foi um tributo, que é, em si mesmo, uma prestação pecuniária, compulsória, exigível daqueles que incorram nas situações legalmente definidas como fato gerador ou hipótese de incidência.76 Assim, a contribuição social se enquadra no conceito de tributo, trazido pelo art. 3°77 do Código Nacional Tributário. Assim, “seja por submeter-se ao 75 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 397. 76 FELIPE, Jorge Franklin Alves. Curso de direito previdenciário. p. 161. 77 Art. 3° do Código Tributário Nacional – Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 33 regime jurídico tributário, seja por amoldar-se à definição legal de tributo, as contribuições sociais da seguridade social iniludivelmente têm natureza tributária”. 78 Enfim, é pacífico nas doutrinas e na jurisprudência nacional a natureza tributária das contribuições sociais, conforme citam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, sobre a orientação firmada pelo STF de que “a contribuição para a seguridade social é modalidade de tributo que não enquadra na espécie de imposto, taxa ou contribuição de melhoria (RE n. 217.252-1 / MG, 2ª Turma, rel. Min. Nelson Jobim, DJU de 16.4.99; AGRAG n. 174.540-2/ AP, 2ªa Turma, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU de 26.4.96)”.79 Sérgio Pinto Martins classifica a natureza jurídica das contribuições sociais à seguridade social dividindo-as em seis “orientações”, que são: a teoria do prêmio de seguro; teoria do salário diferido; teoria do salário anual; teoria fiscal; teoria parafiscal e a teoria da exação sui generis.80 No entanto, Carlos Alberto Pereira de Casto e João Batista Lazzari classificam como sendo as mais importantes a teoria fiscal, a teoria parafiscal e a teoria da exação sui generis.81 2.1.2.1 Teoria do prêmio de seguro Esta teoria também pode ser chamada de “prêmio de seguro público”, visto que há uma obrigatoriedade de contribuição para o custeio da seguridade social, visando proteger os segurados. 82 78 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 398. 79 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 207. 80 MARTINS, Sergio Pinto. Direito da seguridade social. p. 66. 81 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 205. 34 Neste sentido, Sérgio Pinto Martins explica o conceito de prêmio de seguro, distinguindo-o da seguridade social: [...] é a contraprestação devida pelo segurado ao segurador, em razão de risco assumido pelo segundo. A idéia, porém, de prêmio de seguro não se assemelha à previdência social, pois tem por objetivo amparar as pessoas que estejam em situação de necessidade, que não se verifica no segundo se não houver pagamento das prestações. A seguridade social tem também por objetivo distribuir renda, o que não se observa nas empresas de seguro, que inclusive são privadas.83 Há de se ressaltar que Sérgio Pinto Martins equipara a teoria do prêmio de seguro, quanto à natureza jurídica da contribuição à seguridade, com o prêmio de seguro pago pelo beneficiário às companhias seguradoras. Ademais, explica que “não depende da autonomia da vontade”, pois a contribuição social está prevista em lei.84 2.1.2.2 Teoria do salário diferido Na teoria do salário diferido é reservada uma parte do salário do empregado que se destina à seguridade social, com o objetivo de garantir, futuramente, a proteção a um risco social que possa arcar. 85 Sérgio Pinto Martins exemplifica como uma poupança, na qual, preveniria um amparo no caso de algum tipo de aposentadoria, morte, ou invalidez para 82 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 66. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 66. 84 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 66 e 67. 85 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 67. 83 35 esse empregado. Assim como a teoria do premio de seguro, independe da vontade ao pagamento desta contribuição, em virtude de lei.86 Martins ainda defende que não tem natureza salarial ao afirmar: [...] não é salário, pois não é pago diretamente pelo empregador ao empregado (art. 457 CLT), mas pelo INSS, nem o empregado vai receber o mesmo valor que perceberia como salário em caso da aposentadoria, em razão do achatamento dos cálculos do benefício e do estabelecimento de um valor-teto de aproximadamente dez salários mínimos.87 Autônomos e empresários também podem receber os benefícios, mesmo que não recebam salário, desde que contribuam com a seguridade social, conforme previsão na lei. 88 2.1.2.3 Teoria do salário anual Para explicar esta teoria, Martins ressalta que: A contraprestação do trabalho do empregado é retribuída pelo empregador mediante o pagamento de duas quotas: uma que é entregue diretamente ao operário, constituindo-se em retribuição pelos serviços prestados; outra que é imediata e obrigatoriamente destinada aos fins da seguridade social. 89 No entanto, a quota destinada à seguridade social “visa assegurar uma existência digna para a garantia da satisfação de necessidades futuras”, como a 86 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 67. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 67. 88 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 67. 89 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 69. 87 36 aposentadoria, morte, invalidez, ou qualquer outro benefício que ao beneficiário possa ser prestado, sendo que este evento futuro e incerto, venha prejudicar a situação econômica deste beneficiário.90 Ademais, esta teoria é criticada, pois não há lei que a sustente plenamente e o salário não é pago pelo empregador, conforme especifica o art. 457 da CLT91, e dita como ultrapassada.92 2.1.2.4 Teoria fiscal A teoria fiscal afirma que as contribuições estão incluídas no direito tributário, visto que abrangem o conceito de tributo elencado no art. 3° do CTN. Neste sentido, afirmam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari ao tratar sobre o tema e explicam: De acordo com a teoria fiscal, a contribuição para a seguridade social tem natureza tributária, pois se trata de uma prestação pecuniária compulsória instituída por lei e cobrada pelo ente público arrecadador com a finalidade de custear as ações nas áreas da saúde, previdência e assistência social. O fato de não se enquadrar como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, espécies de tributo relacionados no art. 145 da Constituição Federal e no art. 5° do Código Tributário Nacional, não afasta sua natureza tributária, isto porque a instituição das contribuições sociais está prevista no art. 149 da Constituição, que compõe o capítulo “Do Sistema Tributário Nacional”.93 90 91 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 69. BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.761. 92 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 69. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 205. 93 37 Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari citam ainda Roque Antonio Carrazza que defende esta natureza tributária das contribuições sociais ao afirmar que as contribuições são necessariamente tributos por obedecerem ao Sistema Tributário Nacional, bem como aos princípios que nos norteiam.94 Para Sérgio Pinto Martins, a teoria é inadequada, pois não se pode classificar a contribuição social em nenhuma das espécies tributárias, citadas pela Constituição Federal.95 2.1.2.5 Teoria parafiscal Sobre a teoria parafiscal, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari endossam: [...] há que diferenciar os tributos fiscais dos parafiscais. A contribuição para a Seguridade Social teria a natureza da parafiscalidade, pois busca suprir os encargos do Estado, que não lhe sejam próprios, no caso, o pagamento de benefícios previdenciários.96 E ainda, explicam que as receitas têm um orçamento distinto do orçamento da União, um sistema próprio, e os recursos servem basicamente para o atendimento das principais necessidades econômicas e sociais de alguns grupos ou categorias profissionais e econômicas. Por fim, “embora a exigência da contribuição 94 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário p. 206. 95 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 70. 96 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário p. 206. 38 seja compulsória, o regime especial de contabilização financeira afasta a natureza fiscal”. 97 2.1.2.6 Teoria da exação sui generis Ao tratar das exações, Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo, explicam que “são instrumentos da ação estatal na área social e econômica, atendendo também aos interesses de categorias profissionais e econômicas”. 98 Wladimir Novaes Martinez ao tratar sobre este tema ressalta: A natureza jurídica da exação previdenciária é a área na qual o Direito Previdenciário mais se relaciona com o Direito Tributário. Sede de formidáveis divergências entre publicistas e previdenciaristas, tem estimulado enormemente os estudiosos e propiciando respeitável posição doutrinaria. Entretanto, para Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari a exação sui generis não está implícita no Direito Tributário, pois não possui natureza fiscal e muito menos parafiscal, conforme as teorias anteriores demonstraram. De forma que passa a ser interpretada como uma “imposição estatal atípica”, baseada em uma natureza jurídica “especial”.99 Martins, em suma, explica que não é tributo, pois é “uma exação sui gênesis, isto é, uma exigência compulsória, com previsão legal” e afirma que é a 97 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 206. 98 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 396. 99 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 206. 39 tese em que os doutrinadores especializados na área previdenciária se apóiam para explicar a natureza jurídica das contribuições sociais à seguridade social.100 2.1.3 Outras fontes de custeio da previdência social Podem ser instituídas outras fontes de custeio desde que sejam acatados os requisitos “da prévia edição de lei complementar e da não-cumulatividade”, de acordo com o parágrafo 4o, do art. 195 da Constituição, como explica Daniel Machado da Rocha ao tecer os seguintes comentários: Conquanto a Constituição tenha vedado expressamente a bitributação e o chamados bis in idem, em conformidade com a dicção do Pretório Excelso, inexiste vedação entre identidade de fato gerador e base de calculo entre impostos e contribuições de seguridade social. Assim, uma nova contribuição poderia ter a mesma base de cálculo de um imposto já existente, mas não de outra contribuição. 101 Neste sentido, Carlos Alberto Pereira de Casto e João Batista Lazzari interpretam que poderão ser criadas outras fontes de custeio mediante lei complementar, “sendo para financiar novos benefícios e serviços, seja para manter os já existentes”, muito embora esteja o legislador impossibilitado de criar ou estender benefício ou serviço, ou aumentar o seu valor, sem que indique uma fonte de custeio determinada atender as despesas geradas.102 Leciona Marcelo Leonardo Tavares ao citar outras formas de receita da seguridade social, como as multas, a atualização monetária e os juros 100 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 71. VELLOSO, Andei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da, JUNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei do custeio da seguridade social: Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, atualizada até a LC 118/2005. p. 58. 102 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 200. 101 40 moratórios; a remuneração dos serviços prestados de arrecadação, fiscalização, e cobrança a terceiros; receitas da prestação de outros serviços e de fornecimento ou arrendamento de bens; as demais receitas patrimoniais, industriais e financeiras; as doações, legados, subvenções e outras receitas eventuais; cinqüenta por cento da receita arrecadada na forma do parágrafo único do art. 243 da Constituição; quarenta por cento do resultado de leiloes dos bens apreendidos pela Secretaria da Receita Federa (SRF); cinqüenta por cento do valor total do premio recolhido, destinando ao Sistema Único de Saúde (SUS); e outras receitas previstas em legislações específicas, as quais estão dispostas no art. 27 da Lei n. 8. 212/91.103 Sobre estas outras fontes de receitas da seguridade social Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari afirmam: Tais receitas não se constituem contribuições sociais, pois não se revestem das características de tributo. As multas, exigidas por infração à legislação, são penalidades pecuniárias; os juros também se caracterizam como espécie de penalidade pelo inadimplemento; as demais verbas constantes do dispositivo se revelam como transferências de recursos públicos aos cofres da Seguridade Social. 104 Podemos também acrescentar as contribuições dos segurados facultativos, visto que estes não se enquadram em nenhuma das classificações até aqui mencionadas e considerando que se filiam voluntariamente, visto que não obtêm ligação alguma com uma “fonte de rendimentos tributáveis” no âmbito da seguridade social.105 Ante o exposto, será acrescentado o entendimento sobre o custeio da assistência social brasileira. 103 TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário: Regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 8.ed. ver., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 47/2005. p. 311. 104 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 209. 105 OLIVEIRA, Lamaratino França de. Direito previdenciário. p. 53. 41 2.2 CUSTEIO DA ASSISTÊNCIA SOCIAL BRASILEIRA O custeio da assistência social será prestado com recursos da seguridade social, financiada por toda a sociedade direta ou indiretamente, pelos sujeitos já mencionados neste capítulo, conforme dispõe o art. 204 da Constituição: Art. 204 As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, [...] O financiamento da assistência social, quanto aos benefícios, serviços, programas, entre outros projetos que prevê a Lei 8.742 de 1993, será estabelecido pelos Entes Estatais, tais como a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e ainda, pelas contribuições sociais prestadas à seguridade social, elencadas no art. 195 da Constituição, bem como os recursos que compõem o Fundo Nacional da Assistência Social (FNAS), que é gerido pelo “órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, o CNAS”. 106 O FNAS traçou seus objetivos e é definido da seguinte forma: O Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), instituído pela Lei n° 8.742, de 7 de dezembro de 1993, tem por objetivo proporcionar recursos e meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar serviços, programas e projetos de assistência social. Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, como órgão responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência 106 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 488. 42 Social, gerir o Fundo Nacional de Assistência Social, sob orientação e controle do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS).107 Assim, os recursos da “União destinados à assistência social serão automaticamente repassados ao FNAS, à medida que se forem realizando as receitas”, enquanto os recursos que financiam os benefícios assistenciais serão repassados pelo Ministério da Previdência Social para o INSS, que é o “órgão responsável por sua execução e manutenção”.108 Sobre este tema, dispõe Sérgio Pinto Martins: É condição para transferência de recursos do FNAS ao Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a comprovação orçamentária dos recursos próprios destinados à Assistência Social, alocados em seus respectivos fundos de Assistência Social. A partir do exercício de 1999. 109 No capítulo seguinte, será estudado o Benefício Assistencial de Prestação Continuada, foco desta pesquisa, analisando seus requisitos e a sua aplicabilidade no ramo previdenciário à luz do principio da dignidade da pessoa humana. 107 http://www.mds.gov.br/institucional/fundo-nacional-de-assistencia-social-fnas acessado em 4 de outubro de 2008. 108 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 488. 109 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 489. 43 3. O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL, A ANÁLISE DE SEUS REQUISITOS FRENTE AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Em se tratando de prestações assistenciais, ou seja, benefícios prestados pela Assistência Social de uma forma geral, Simone Barbisan Fortes traz o seguinte entendimento: Os benefícios são, portanto, prestações assistenciais de cunho pecuniário, alcançadas aos cidadãos que se encontrem nas situações de necessidade constitucional e legalmente fixadas, com valor variável (conforme a continência enfrentada), nunca superior a um salário mínimo mensal.110 Entendendo o objetivo específico dos benefícios assistenciais, passaremos a nos aprofundar no estudo selecionado do tema proposto por esta monografia, que é o benefício assistencial de prestação continuada e seus requisitos, buscando a sua aplicabilidade no direito perante os Tribunais dos Estados, a Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais, bem como sua relevância frente ao STJ e STF. 3.1 BENEFÍCIO ASSISTENCIAL E SEUS REQUISITOS O benefício quando instituído na forma de renda mensal vitalícia, em 1974 pela lei n. 6.179, era conhecido como “amparo previdenciário”, conforme 110 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p. 274. 44 consta na lei, todavia o termo ainda é utilizado. No entanto, naquela época o benefício era prestado em metade de um salário mínimo.111 Para explicar como funcionava tal benefício àquela época João Ernesto Aragonés Vianna dispõe em sua obra que “era devida ao maior de 70 anos ou ao inválido que não exercesse atividade remunerada e que comprovasse não possuir meios de provar sua própria subsistência ou de tê-la provida por sua família“.112 Primeiramente, foi reconhecido no art. 203, V, da Constituição, a “garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover sua própria manutenção ou de têla provida por sua família, conforme dispuser a lei”. Com a Lei n. 8.213 de 1991, o benefício passou a ser prestado no valor de um salário mínimo, de acordo com o art. 139. Somente foi regulamentado com a Lei n. 8.742 de 1993, nos arts. 20 e 21 e o Decreto n. 1.744 de 1995, implantando assim, o benefício de prestação continuada e passando a ficar extinta a renda mensal vitalícia.113 O art. 20, caput, da Lei Orgânica de Assistência Social assim dispõe, em seu capítulo IV: Art 20 - O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. 111 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 492. VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 2 ed. – São Paulo: LTr, 2007. p. 38. 113 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 492. 112 45 Sobre a importância deste benefício, Simone Barbisan Fortes ressalta que este “é o primeiro dos benefícios garantidos pela Assistência Social, e o único que encontra sua específica previsão na própria Constituição Federal [...]”. A pessoa que percebe outro tipo de benefício pecuniário, não terá direito ao benefício de prestação continuada, em virtude da inacumulatividade com outros benefícios, muito embora, ainda tenha direito à assistência médica prestada pela Assistência Social. De forma que não há período de carência, pois a lei não especifica tal aspecto.114 Sobre o §5° do art. 20, da Lei Orgânica de Assistência Social, Lei n. 8742/93, Simone Barbisan Fortes esclarece: [...] a situação de internato não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao beneficio. Trata-se de importante referencia, já que muitas vezes os indivíduos idosos ou deficientes em situação de miserabilidade acabam sendo abandonados pelas famílias, e recolhidos em abrigos, geralmente municipais (asilos e casas de crianças) e, em tal situação, sem renda alguma, não ficam alijados do direito à prestação.115 Nesses casos nada impede que o valor percebido pelo idoso ou deficiente seja repassado à entidade que os abriga no intuito de que este valor seja utilizado no auxílio a sua subsistência.116 Vislumbra-se até aqui, que os beneficiários são exatamente os idosos e deficientes que comprovem não possuir meios de prover sua própria subsistência ou ao menos tê-la provida por seus familiares, e que se enquadrem nos 114 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 494 e 495. FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p. 276. 116 IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. p. 15. 115 46 requisitos estipulados nos parágrafos do art. 20 da Lei n. 8742/93. Ademais, o beneficiário não precisa ter contribuído para a seguridade social.117 O benefício será concedido apenas aos brasileiros, cidadãos, que não sejam amparados por qualquer outro sistema de previdência social ou ao estrangeiro que seja naturalizado e esteja domiciliado neste país, desde que também não esteja amparado por outro sistema previdenciário, mesmo que estrangeiro.118 Para a concessão deste benefício exige-se o preenchimento dos requisitos de caráter pessoal do requerente, de acordo com os doutrinadores Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari: Comprovação da deficiência ou da idade mínima de 65 anos para o idoso não-deficiente; Renda familiar mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo; 119 Estes requisitos serão aprofundados com base em doutrinas e jurisprudências pesquisadas no âmbito nacional. 3.1.1 Conceito de família A Lei nº. 8.742/93, em seu art. 20, §1º, preceitua que a família incapacitada é o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei nº. 8.213/91, desde que vivam sob o mesmo teto. Dispõe o artigo supra citado: 117 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p. 276. 118 IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. p. 15. 119 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 550. 47 Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido; II - os pais; ou III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de vinte e um anos ou inválido. Assim, sobre o conceito de família, com base no artigo mencionado, Sérgio Pinto Martins traz o seguinte ensinamento, o qual é corroborado por Carlos Alberto Pereira de Casto e João Batista Lazzari: Entende-se por família a unidade mononuclear, vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é mantida pela contribuição de seus integrantes. Unidade mononuclear compreende o cônjuge, companheiro (a), filho (a) menor de 21 anos, pais, irmãos menores de 21 anos.120 Este benefício é intransferível, não podendo ser objeto de pensão por morte, extinguindo-se com a cessação. Entretanto, o valor que o beneficiário deveria receber em vida será pago aos seus herdeiros. Ademais, o benefício pode ser pago a mais de um membro da família, desde que cumpram as condições exigidas pelos seus requisitos.121 Para a comprovação do vínculo familiar das pessoas relacionadas no art. 16 da Lei nº. 8.213/91, exige-se: a. Cônjuge: certidão de casamento; b. Ausência: sentença declaratória de ausência, regularmente inscrita no Registro Civil das Pessoas Naturais (Art. 29, VI, da Lei nº 6.015/73); 120 121 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 493. IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. p. 15. 48 c. Separado judicialmente: certidão de casamento com a averbação desta situação; d. Viúvo: certidão de casamento e certidão de óbito do cônjuge falecido; e. Companheiro: declaração firmada pelo pleiteante ou seu representante legal; f. Pais: certidão de nascimento do requerente e documentos de identidade dos pais; g. Filhos: certidões de nascimento; h. Irmão não emancipado, menor de 21 anos ou inválido: certidão de nascimento; i. Enteado: certidão de nascimento do enteado; certidão de casamento do requerente com a mãe ou pai do seu enteado; j. Menor tutelado: certidão judicial de tutela. Assim, busca-se o estudo do requisito etário, que é destinado apenas à comprovação da idade do idoso, não interferindo no benefício daquele que é portador de deficiência. 3.1.2 Requisito etário O art. 20 da Lei n. 8.742/93 afirma que o benefício assistencial será prestado à pessoa portadora de deficiência ou ao idoso com idade igual ou superior a 70 anos de idade. De uma forma lógica, a apresentação deste requisito não vale para os portadores de deficiência, e sim para os idosos. Todavia, este requisito era aplicável apenas no momento da regulamentação e explicam Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macedo que este requisito obteve três “fases” até chegarmos ao conceito atual, conforme veremos: 49 no período de 1.° de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, vigência da redação original do art. 38 da lei 8.742, de 1993, a idade mínima para o idoso era a de 70 anos; a partir de 1.° de janeiro de 1998, a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 anos, conforme nova redação ai art. 38 (Lei 8.742, de 1993) dada pela MP 1.599-39, de 1997, e reedições, convertida na Lei 9.720, publicada no DOU em 1° de dezembro de 1998; a partir de 1.° de janeiro de 2004, a idade mínima para o idoso passou a ser de 65 anos, conforme o art. 34 da Lei 10.741, de 1.° de outubro de 2003.122 Neste sentido, considerar-se-á pessoa idosa, a qual poderá dispor do benefício assistencial, aquela que se enquadra conforme o art. 34, caput, da Lei n. 10.741123 de 2003, conhecida como Estatuto do Idoso, que dispõe: Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Assim, a comprovação de sua idade se dá por meio da apresentação de alguns destes documentos para que seja cumprida essa condição à concessão do benefício (art. 8º, Decreto nº. 1.744/95): a. certidão de nascimento; b. certidão de casamento; c. certidão de reservista; d. carteira de identidade; 122 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 372. 123 BRASIL. Lei n. 10.741, de 1° de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. DF: Senado Federal, 2003. 50 e. Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) emitida há mais de cinco anos ou certidão de inscrição eleitoral. Quando se tratar de beneficiário idoso naturalizado e domiciliado no Brasil, a prova da idade se dá através dos documentos supra arrolados ou do título declaratório de nacionalidade brasileira; passaporte e certidão ou guia de inscrição consular ou certidão de desembarque devidamente autenticadas (art. 9º, Decreto nº. 1.744/95). 3.1.3 Requisito deficiência O art. 2° da Lei n. 7.853 de 1989, que trata sobre os deficientes dispôe sobre os seus direitos: Artigo 2º - Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. (grifo nosso) Ademais, o §2° do art. 20 da Lei n. 8.742, de 1993, afirma que “para a concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho”. Acrescenta, nestes termos, Sérgio Pinto Martins ao esclarecer seu conceito: Considera-se pessoa portadora de deficiência a incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão das anomalias ou lesões 51 irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida, que empeçam o desempenho de suas atividade e de sua vida diária e do trabalho.124 O site de pesquisa Wikipédia traz um breve conceito para definir o significado de deficiência: Deficiência é o termo usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. Diz respeito à biologia da pessoa. Este conceito foi definido pela Organização Mundial de Saúde. A expressão pessoa com deficiência pode ser aplicada referindose a qualquer pessoa que possua uma deficiência. Contudo, há que se observar que em contextos legais ela é utilizada de uma forma mais restrita e refere-se a pessoas que estão sob o amparo de uma determinada legislação.125 Neste sentido foi editada a súmula 29 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, ao entender que na análise do §2 do art. 20 da Lei n. 8742/93, a “incapacidade para a vida independente não só é aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento”. A jurisprudência pacífica no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que basta a comprovação de que o requerente é incapaz de exercer suas atividades laborativas: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. ANÁLISE DO CRITÉRIO UTILIZADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA AFERIR A RENDA MENSAL. IMPOSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO POR ESTA CORTE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 124 125 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 493. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Deficiencia> Acessado em 20 de outubro de 2008. 52 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. [...] 3. Infere-se dos autos que o Tribunal de origem reconheceu que os autores – comprovadamente portadores de distúrbios mentais – preenchem os requisitos legais para o deferimento do pleito, não só em virtude da deficiência física, da qual decorre a total incapacidade para o trabalho, como também por restar comprovado o seu estado de miserabilidade. [...]126 Eduardo Rocha Dias e José Leandro Monteiro de Macêdo afirmam que para os menores de 16 anos basta atestar a sua deficiência e seu “impacto na limitação do desempenho de atividade e restrição da participação social”, não se fazendo necessária à incapacidade para o trabalho.127 E neste sentido afirma também Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari: Em relação aos menores de dezesseis anos de idade, a avaliação médico-pericial deverá apenas verificar a existência da deficiência, em razão de eu a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, em virtude de tenra idade, é presumida.128 126 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 1025181/RS. Sexta Turma. Rel. Min Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 11 de setembro de 2008. <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=beneficio+assistencial+deficiencia&&b=ACOR&p =true&t=&l=10&i=1> Acessado em 20 de outubro de 2008. 127 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 374. 128 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 550. 53 Para acrescentar tal critério, o voto complementar em seu inteiro teor do Desembargador Federal Rômulo Pozzolatti, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região afirma: Destarte, estando os autores, substituídos na presente ação, incapacitados para o trabalho, também o estão para a vida independente, independentemente do fato de eventual necessidade de auxílio de terceiros para alimentar-se ou mesmo vestir-se, pelo que resta atendido o requisito estabelecido no art. 20 da Lei n.º 8.742/93, para o deferimento do benefício. Como visto, é de ser mantida a sentença recorrida, quando reputa como portador de deficiência, para efeitos da concessão do benefício de prestação continuada, o interessado que apresente dependência qualificada ou grau mais acentuado, assim compreendido "quando o portador de deficiência que decorra de lesão, deformidade, doença congênita ou grave enfermidade, em razão de total incapacidade para o trabalho, constatável ao tempo do exame pericial, tem sujeitada sua manutenção à providência alheia, necessitando ou não de atendimento específico de natureza pedagógica ou terapêutica, e estando ou não em condições de freqüência ou internamento em estabelecimento de educação especial. A possibilidade de habilitação profissional não prejudica sua caracterização.” 129 Nestes termos, Simone Barbisan Fortes afirma que o conceito constitucional tem que ser tratado de forma diferente. Este trata especificamente daqueles não têm meios de prover a sua própria subsistência e nem, ao menos, praticar atos habituais independentemente, sendo que o principal é a incapacidade de exercer atividades laborativas.130 129 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. AC n. 200671170010953/RS. Quinta Turma. Rel Dês. Federal Rômulo Pozzolatti. Julgado em 11 de setembro de 2008. <http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=1&documento=2157974> Acessado em 20 de outubro de 2008. 130 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p. 277. 54 Conclui-se que para os principais tribunais a independência necessariamente para o trabalho, também se faz à vida independente, havendo ou não auxílio de terceiros para as atividades habituais. Ante o exposto, estudar-se-á o requisito de miserabilidade do grupo familiar, conforme trata o art. 20, §3° da Lei Orgânica de Assistência Social. 3.1.4 Condição socioeconômica ou de miserabilidade Nos resta então, avaliar o último requisito, o qual dispõe o art. 20, §3° da Lei n. 8.742, de 1993, “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”, definindo-se, assim, um limite objetivo de forma a interpretar a miserabilidade do grupo familiar. Para explicar, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari afirmam que “o critério estabelecido no dispositivo legal é objetivo, ou seja, uma vez constatada a percepção de valor inferior a ¼ do salário mínimo por cada um dos membros do grupo familiar, a miserabilidade é presumida”.131 Este limite objetivo de renda foi objeto de discussão por parte do Supremo Tribunal Federal e foi declarada a sua constitucionalidade na Ação Direta de Inconstitucionalidade, que contestava a validade do § 3° do artigo já mencionado anteriormente, sendo julgada improcedente e afirmando que a Constituição tem poder para classificar o conceito de miserabilidade, cuja ementa afirma:132 131 CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 551. 132 FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. p. 277. 55 CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.133 Contudo, não é esse o posicionamento prevalecente no Superior Tribunal de Justiça, tampouco nos Tribunais Federais e no âmbito da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, os quais entendem que o critério de aferição da renda mensal, previsto no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93, deve ser tido como um limite mínimo, um valor considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, porém, que o julgador faça uso de outros fatores que digam respeito à situação econômico-financeira do beneficiário e que tenham a finalidade de comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. Nesse sentido, colaciona-se os julgados a seguir elencados do Superior Tribunal de Justiça; PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DA PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS LEGAIS. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. ANÁLISE DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL. I - A assistência social foi criada com o intuito de beneficiar os miseráveis, pessoas incapazes de sobreviver sem a ação da Previdência. 133 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn. n. 1.232/DF, STF, Tribunal Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão e rel. para acórdão Min. Neslson Jobim. Julgado em 27 de agosto de 1998. <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(ADI$.SCLA.%20E%201232.NU ME.)%20OU%20(ADI.ACMS.%20ADJ2%201232.ACMS.)&base=baseAcordaos > acessado em 21 de outubro de 2008. 56 II - O preceito contido no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituada no art. 203, V, da Constituição Federal. A renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo deve ser considerada como um limite mínimo, um quantum objetivamente considerado insuficiente à subsistência do portador de deficiência e do idoso, o que não impede que o julgador faça uso de outros fatores que tenham o condão de comprovar a condição de miserabilidade do autor. Precedentes. (...) Agravo regimental desprovido.134 E, ainda, a jurisprudência da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LIMITE DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO PREVISTO NO § 3°, ART. 20, DA LEI N° 8.742/93. 1. A Turma Recursal de Tocantins negou ao autor o direito ao beneficio assistencial sob o fundamento de sua renda ultrapassar o limite de ¼ (um quarto) de salário mínimo, previsto artigo 20 da Lei 8.742/1993. 2. A questão atinente à comprovação da miserabilidade vem sofrendo modificações jurisprudenciais, para considerar que o preceito contido no art. 20, §3º da Lei nº 8.742/93 não é o único critério válido para comprovar a condição de miserabilidade preceituado no artigo 203, V, da Constituição Federal. 3. Incidente conhecido e parcialmente provido, para anular o acórdão e sentença proferidos.135 134 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 835.439/SP, Quinta Turma, Rel.Min. Felix Fischer. Julgado em 9/10/2006. <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=%28%28%27AGRG+NO+RESP%27.clap.+ou+ %27AGRG+NO+RESP%27.clas.%29+e+%40num%3D%27835439%27%29+ou+%28%27AGRG+NO+R ESP%27+adj+%27835439%27.suce.%29&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1> Acessado em 18 de outubro de 2008. 135 BRASIL. TNU – JEFs. Ped. De Unif. De int. de Lei Federal n. 200543009039683. Rel. Juíza Federal Maria Divina Vitória. Julgado em 13 de agosto de 2007. <http://www.jf.jus.br/juris/?> Acessado em 21 de outubro de 2008. 57 Ademais, a Lei 9533, de 1997, “estabeleceu critério mais vantajoso para a análise objetiva da miserabilidade”, em seu art. 5°, inciso I, ao definir renda familiar per capita inferior a ½ do salário mínimo, abrangendo assim, um maior número de grupos familiares, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.136 Sobreveio então, a Lei. 10.689 de 2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), a qual declarou no §2° do art. 2°, que seus benefícios seriam concedidos àquelas famílias onde a renda mensal per capita fosse inferior a ½ salário mínimo.137 Daí por diante, sem exceção, os programas que tinham o intuito de erradicar a fome e nutrir seus cidadãos, os quais abrangiam também o requisito de renda, passaram a considerar “miserável a pessoa cuja renda per capita de seu grupo familiar fosse inferior a ½ salário mínimo”138 A Súmula 11 da Turma Nacional, dispunha que “a renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão de benefício assistencial previsto no art. 20, §3°, da Lei n. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante”. Porém, foi cancelada na sessão do dia 24 de abril de 2006, no julgamento do PU n. 200470950095456, Rel. Juiz Federal Hélio Silvio Ourem Campos, publicado no DJ de 12 de maio de 2006.139 Cumpre salientar que o estatuto do idoso (Lei n. 10.741/2003) destaca no parágrafo único do art. 34, que a renda do idoso não será computada para 136 CASTRO, 551. 137 CASTRO, 551. 138 CASTRO, 551. 139 CASTRO, 552. Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. p. 58 fins de cálculo da renda per capita do novo benefício requerido, já que este pode ser concedido para mais de um membro da família.140 Para se comprovar a renda familiar per capita é necessária a apresentação dos seguintes documentos de todos aqueles em que se enquadram no conceito de família já especificando anteriormente que exerçam atividade remunerada: a. CTPS com anotações atualizadas; b. Contracheque de pagamento ou documento expedido pelo empregador; c. Carnê de contribuição do INSS; d. Extrato de pagamento de benefício ou declaração fornecida pelo INSS ou outro regime de previdência público ou privado; e e. Declaração de entidade autoridade ou profissional de assistência social.141 Isto posto, através do estudo jurisprudencial realizado, pôde-se perceber uma uniformidade no entendimento do Superior Tribunal de Justiça e da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, no que se refere à possibilidade de flexibilização do requisito esculpido no §3º do art. 20 da Lei 8.742/93, de forma a facultar outros meios probatórios para comprovação da miserabilidade do núcleo familiar. Logo, estas Cortes defendem a possibilidade de o magistrado analisar, no caso concreto, se restou preenchido ou não o requisito da miserabilidade de tal núcleo familiar, mesmo que este apresente renda superior a ¼ de salário mínimo. Desta forma, o que resulta desta divergência do Supremo Tribunal Federal é a transformação do juiz em um mero aplicador estático da lei, sem condições 140 DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. p. 376. 141 MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da Seguridade Social. p. 495. 59 de interagir e de formar seu convencimento, tendo que ignorar substancialmente as particularidades que cada caso venha a apresentar. A seguir buscou-se à definição e o estudo do princípio da dignidade da pessoa humana relacionando-o com o benefício assistencial, mais especificamente quanto ao requisito que trata da condição social da família do postulante. 3.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Enfim, chegou-se à discussão principal do tema, que se dá em virtude da análise do princípio constitucional da dignidade humana em face do requisito que trata da condição socioeconômica ou miserabilidade da família, do benefício assistencial de prestação continuada. O princípio da dignidade da pessoa humana torna-se constitucional por estar disposto no inciso III, do art. 1° da Constituição Federal, o qual traz este como um direito fundamental de cada indivíduo. Para conceituar este princípio constitucional, Alexandre de Moraes enfatiza: A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício 60 dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos142 Maria Celina Bodin de Moraes complementa: O princípio constitucional visa garantir o respeito e a proteção da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e tampouco conduz ao mero oferecimento de garantias a integridade física do ser humano.143 Neste sentido, podemos também afirmar que o direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, entre outros, são inclusos e complementares ao princípio da dignidade da pessoa humana, definindo assim a importância dela ao indivíduo.144 Tanto que está positivado também, indiretamente, nos art. 5°, III, X, XLI, XLIII e XLIX; art. 7°, IV e XXX; art. 182; e art. 186, IV, todos da Constituição, como uma forma de garantir, de forma ampla e específica, os direitos fundamentais ao ser humano.145 Este princípio apresenta dois aspectos distintos. A princípio, podese interpretá-lo como um direito individual protetivo, seja em relação ao Estado ou aos demais indivíduos da sociedade e também como um dever abrangido pelos direitos fundamentais devendo ser comum entre os indivíduos de uma mesma sociedade.146 142 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. 3ª ed.São Paulo. Atlas, 2003. p. 128 e 129. 143 SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto alegre. Livraria do Advogado Editora, 2003. p.116. 144 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. p. 129. 145 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2006. p. 129. 146 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. p. 129. 61 Importante ressaltar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos “reconhece a dignidade como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. 147 O benefício assistencial é caracterizado como um direito fundamental social, havendo uma ligação com o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o benefício assistêncial é prestado as pessoas portadoras de deficiência e aos idosos, que não podem prover sua própria manutenção ou de tê-la provida pela sua própria família. Sendo assim, a Constituição garante que o Estado os amparará, com a finalidade de, ao menos, obter uma vida digna. Ademais, contempla André Ramos Tavares ao dispor sobre a dignidade da pessoa humana na condição da pessoa idosa, que podemos interpretar analogicamente que também serve para as pessoas deficientes: [...] dos direitos dos idosos, entende-se que estes são os direitos decorrentes da previdência social, porque basicamente esta foi concebida como uma das principais dimensões dos direitos dos idosos. Mas os direitos dos idosos também contemplam, atualmente, direitos outros que não apenas aqueles decorrentes da seguridade social. Assim, ao idoso é reconhecido o direito de ser amparado pelo Estado, pela Sociedade e pela família (art. 230 da C.F) [...]148 Tavares cita Paulo Roberto Barbosa Ramos que explica: A sociedade precisa oferecer esses benefícios desde o início da existência das pessoas, porque se assim não agir estará atentando contra o direito à vida destas, uma vez que tivessem uma vida com 147 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. p. 129. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. Ver. E atual. São Paulo. Saraiva, 2007. p. 522. 148 62 dignidade, desde o princípio, teriam oportunidade de ter uma vida mais longeva.149 Contudo, fica claro que o estado detém a responsabilidade de garantir aos indivíduos regidos por esta Constituição, uma vida digna, e neste caso, buscar garantir aos idosos e deficientes uma condição social harmoniosa que fuja da miserabilidade auxiliando-os por meio de seus benefícios assistenciais. O grande problema é a definição do limite objetivo para a renda per capita desse benefício requerido, sendo que está em desacordo com as demais normas que tratam deste assunto e de certa forma, demasiadamente rigoroso, impedindo algumas classes inferiores de se favorecerem do benefício, havendo assim um conflito que fere o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, a consideração do limite objetivo da renda per capita inferior a ½ salário mínimo é importantíssima para haja respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, devendo o Estado abranger um número maior de famílias miseráveis no termo deste dispositivo para a concessão do benefício de prestação continuada (LOAS) que hoje é de 1 (um) salário mínimo para a pessoa idosa ou deficiente. 149 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. p. 523. 63 CONCLUSÃO No primeiro capítulo deste trabalho abordou-se a evolução da proteção social no Brasil, traçando-se um histórico evolutivo da mesma, passando-se a estudar a assistência social, apresentando, também, os princípios que a norteiam. O segundo capítulo, por suas vez, iniciou-se versando sobre o financiamento da seguridade social, trazendo suas principais fontes de custeio, suas funções no ordenamento jurídico, bem como o custeio da assistência social. Por fim, o terceiro e último capítulo, foco desta pesquisa, tratou do benefício assistencial por si só, apresentando seus requisitos, a legislação que o regulamenta e a problemática em torno da concessão deste benefício, no tocante à exigência de comprovação de renda familiar per capita inferior a ¼ de salário mínimo, de forma a situar e introduzir o objeto deste estudo. Na seqüência, tratou-se do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, estabelecendo-se sua íntima relação com o benefício assistencial e sua função constitucional. Defendeu-se, neste capítulo, a possibilidade de o juiz aferir, no caso concreto, a comprovação do requisito de miserabilidade do postulante ao benefício, através da realização de um estudo sócio-econômico, ou de outro meio idôneo de prova. Também, levantou-se a diversidade de critérios para leis de mesma natureza, uma vez que o Programa Federal de Garantia de Renda Mínima - Lei nº 9.533/97, o Bolsa Escola – Lei nº 10.219/01 e o Programa Nacional de Acesso à Alimentação- Lei nº 10.689/03 (todas com caráter assistencial), trouxeram como parâmetro para concessão do benefício, a comprovação de renda per capita familiar 64 não superior a ½ salário mínimo, ou seja, o dobro da prevista pela Lei nº 8.742/93. Realizou-se uma análise crítica do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e do Supremo Tribunal Federal, acerca da observância da comprovação, pelo postulante ao benefício assistencial, de renda per capita familiar inferior a ¼ de salário mínimo. Foi apurado, pela referida análise, que apenas o Supremo Tribunal Federal apresenta entendimentos divergentes, eis que seus ministros defendem que o benefício assistencial só pode ser concedido se o postulante comprovar que possui a renda familiar per capita inferior ao requisito legal, posicionamento este que não demonstra uma efetiva realização de justiça. Ainda, os demais órgãos apresentam uma flexibilização no momento da análise do limite objetivo imposto pelo art. 20, §3° da Lei n. 8.742/93. Por fim, a pesquisa busca uma efetiva contribuição para a conscientização da sociedade sobre o caráter social e propiciador de dignidade humana que deve revestir a concessão do benefício assistencial. 65 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BRASIL. Código de processo civil. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Consolidação das leis do trabalho. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Código de tributário nacional. Vade mecum. 2 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Decreto n. 3.048, de 6 de maio de 1999. Regulamento da previdência social. Brasília, DF: Senado Federal,1999. BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Lei Orgânica da Seguridade Social. Brasília, DF: Senado Federal,1991. BRASIL. Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Lei Orgânica de Assistência Social. Brasília, DF: Senado Federal,1993. BRASIL. Lei n. 10.741, de 1° de outubro de 2003. Estatuto do Idoso. DF: Senado Federal, 2003. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp 835.439/SP, Quinta Turma, Rel.Min. Felix Fischer. Julgado em 9/10/2006. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp n. 1025181/RS. Sexta Turma. Rel. Min Maria Thereza de Assis Moura. Julgado em 11 de setembro de 2008. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADIn. n. 1.232/DF, STF, Tribunal Pleno. Rel. Min. Ilmar Galvão e rel. para acórdão Min. Neslson Jobim. Julgado em 27 de agosto de 1998. 66 BRASIL. TNU – JEFs. Ped. De Unif. De int. de Lei Federal n. 200543009039683. Rel. Juíza Federal Maria Divina Vitória. Julgado em 13 de agosto de 2007. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n. 200671170010953/RS. Quinta Turma. Rel Dês. Federal Rômulo Pozzolatti. Julgado em 11 de setembro de 2008. CASTRO, Carlos Alberto Pereira de. LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 8 ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. DIAS, Eduardo Rocha e MACEDO, José Leandro Monteiro de. Curso de direito previdenciário. São Paulo: Método, 2008. EDUARDO, Ítalo Romano, EDUARDO, Jeanne Tavares Aragão e TEIXEIRA, Amauri Santos. Curso de direito previdenciário. 3.ed – Rio de Janeiro – Elsevier, 2006. FELIPE, Jorge Franklin Alves. Curso de direito previdenciário. Rio de Janeiro: Forense, 2006. FORTES, Simone Barbisan. PAULSSEN, Leandro. Direito da seguridade social: Prestações e custeio da previdência, assistência e saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. GONÇALVES, Odonel Urbano. Manual de direito previdenciário. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2005. IBRAHIM, Fabio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 8. ed. Rio de Janeiro: Impetrus, 2006. JUNIOR, Miguel Horvath. Direito previdenciário. 5. ed. – São Paulo: Quartier Latin,2005. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de Direito previdenciário, Tomo I : Noções de Direito Previdenciário. 2 ed. São Paulo: LTr, 2001. 67 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Curso de direito previdenciário. Tomo II: previdência social. 2. ed. – São Paulo: LTr, 2003. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4 ed. São Paulo: LTR, 2001. MARTINS, Sérgio Pinto. Direito da seguridade social. 24. ed – São Paulo: Atlas, 2007. MONTEIRO, Meire Lúcia Gomes (Coord.). Introdução ao direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1998. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil: interpretada e legislação constitucional. 3ª ed.- São Paulo. Atlas, 2003. OLIVEIRA, Lamaratino França de. Direito previdenciário. 2. ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: LFG – Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes, 2006. ROCHA, Daniel Machado da. Temas atuais de direito previdenciário e assistência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. Porto alegre. Livraria do Advogado Editora, 2003. SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro. Forense, 2006. SPOSATI, A. O. (Coord.). A assistência social no Brasil 1983-1990. 6 ed. São Paulo: Cortez, 1991. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5. ed. Ver. E atual. São Paulo. Saraiva, 2007. TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito previdenciário: Regime geral de previdência social e regimes próprios de previdência social. 8.ed. ver., ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 47/2005 – Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2006. 68 VELLOSO, Andrei Pitten; ROCHA, Daniel Machado da, JUNIOR José Paulo Baltazar. Comentários à lei do custeio da seguridade social: Lei n. 8.212 de 24 de julho de 1991, atualizada até a LC 118/2005. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005. VIANNA, João Ernesto Aragonés. Curso de direito previdenciário. 2 ed. – São Paulo: LTr, 2007.