'Teto para taxa de câmbio não pode ser um objetivo para o BC' Por Lucinda Pinto | De São Paulo Marcio Garcia, da PUC-Rio: "Nenhuma mensagem que não disser respeito à mudança na política fiscal vai acalmar o mercado" A venda de reservas cambiais é um instrumento que só deve ser considerado em situações específicas de problemas de liquidez. Ainda assim, o uso desse recurso só pode ocorrer de forma esporádica e nunca por meio de um programa. Essa é a visão do PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, Márcio Garcia. "Você não vai salvar o investimento de um especulador, deixar um investidor estrangeiro sair com câmbio a R$ 4,00, quando deveria estar a R$ 5,00", afirma. Garcia adverte que a atuação do BC não pode ter por objetivo defender um nível de câmbio. "Se ele passar essa impressão para o mercado, ele está perdido", afirma. "A capacidade de especular dos mercados financeiros hoje é muito maior do que o BC tem de reservas." Veja, a seguir, os principais pontos da entrevista. Valor: A atuação do Banco Central é suficiente para equilibrar os mercados ou ele terá de fazer mais? Márcio Garcia: É o que o BC pode fazer. Dependendo da situação, ele pode até vender um pouco de reservas. Eu só as venderia para resolver situações específicas de falta de liquidez. O que o BC jamais poderia fazer é se engajar num grande programa de venda de reservas que tenha como objetivo ou que somente dê a impressão de querer segurar a taxa de câmbio. Se ele passar essa impressão para o mercado, ele está perdido. Vai provavelmente fazer como a Rússia em 2013 e acabar vendendo um volume muito grande de reservas sem nenhum resultado, uma vez que a capacidade de especular dos mercados financeiros hoje é muito maior do que o BC tem de reservas. O BC pode e deve usar todas as armas disponíveis, mas estabelecer um teto para a taxa de câmbio não pode jamais ser um objetivo. Valor: O discurso da equipe econômica e da presidente Dilma Rousseff, de que as reservas poderiam ser usadas, ajuda a acalmar o mercado financeiro? Garcia: Não, porque a origem da desconfiança do mercado está na política fiscal. Nenhuma mensagem que não disser respeito à mudança na política fiscal vai acalmar o mercado. Todo o resto é paliativo. É como você dar um remédio para febre para um paciente que está com infecção. Se você não der o antibiótico, ele não vai melhorar. E a infecção aqui chama política fiscal. Enquanto você não mudar a política fiscal, você não vai acalmar o mercado. Vai ficar mais nervoso, mais nervoso, até que nenhum tipo de intervenção vai resolver. Valor: Em quais situações o BC poderia usar as reservas? Garcia: Quando você tem um fluxo de saída. Se o BC entrar só vendendo swap, o cupom cambial começa a abrir, mostrando que o mercado "spot" está sem uma oferta suficiente para acalmar a demanda. Nesse caso, normalmente o Banco Central coloca linha de câmbio. Mas essas linhas geram outros efeitos e, em uma ou outra situação especial, ele pode se ver obrigado a fazer vendas secas de reservas. Mas, se ele fizer isso, deve fazer sempre de forma esporádica, não criando um programa. Algo apenas para dar liquidez em um momento em que muita gente estiver tirando dinheiro. E se não melhorar a parte fiscal, realmente muita gente vai tirar dinheiro daqui e aí você tem que deixar o câmbio ir para onde for. Você não vai salvar o investimento de um especulador, deixar um especulador estrangeiro sair com câmbio a R$ 4,00, quando deveria estar a R$ 5,00. O BC não vai gastar o dinheiro do contribuinte brasileiro para subsidiar o investidor estrangeiro. Deixa ele sair a que preço for. Valor: O Tesouro afirmou que não há saída de recursos de títulos públicos e que os preços podem começar a atrair investidores. O senhor acredita nesse movimento? Garcia: A minha impressão é que há ativos brasileiros que estão muito mais atraentes para o estrangeiro do que tinha há um ano. Mas investidor gosta de retorno alto e detesta volatilidade. E hoje em dia, essa incerteza sobre o fiscal cria muita volatilidade. Se, por acaso, essa incerteza se resolver ou for minorada, a volatilidade diminuirá e, com o câmbio depreciado, poderá entrar dinheiro, o que levaria o câmbio a se apreciar novamente. Mas, como eu disse, o foco é sempre no fiscal. Valor: Há indícios de ataque especulativo nesse movimento do câmbio? Garcia: Ataque especulativo é algo que, na literatura, está associado a um regime de câmbio fixo. Então, com câmbio flutuante, não tem sentido falar em ataque especulativo. Mas, você pode dizer que, se o câmbio se depreciasse loucamente, então o BC colocaria um teto nesse movimento antes que as empresas endividadas e os Estados quebrassem. Se isso vier a ocorrer, não acho que estejamos lá, talvez esse nome poderia ser usado de forma adaptada. Valor: Neste momento, o senhor definiria o movimento como busca por proteção? Garcia: Sim, mas é colocar tranca em porta arrombada. Tem gente que quer sair do país porque já perdeu dinheiro demais. Tem gente com medo de ter que tirar o dinheiro se houver um segundo rebaixamento e está se antecipando. Os dados do BC mostram que não há saída líquida de estrangeiros, mas certamente o humor desse investidor mudou bastante.